Heartstopper é uma das séries da geração Z, mas se engana quem pensa que apenas os jovens podem se identificar com ela. Ao menos é o que diz Euros Lyn, responsável pela direção de todos os 16 episódios da produção, em entrevista ao Estadão.
A segunda temporada do seriado chegou à Netflix na última quinta-feira, 3, e rapidamente alcançou o posto de série mais assistida da plataforma no Brasil. Os novos episódios almejam alcançar o sucesso da primeira temporada, que atingiu o Top 10 do streaming em 54 países.
Inspirada nos quadrinhos de mesmo nome de Alice Oseman, que também é a pessoa por trás dos roteiros da série, Heartstopper conta a história de amor entre o tímido Charlie Spring e o popular Nick Nelson, atleta na escola só para meninos em que os dois estudam na Inglaterra.
A série cativou a atenção do público jovem não só pela representação leve e delicada de dois meninos adolescentes se apaixonando, mas também por acolher e representar pessoas de diferentes tipos.
Os melhores amigos de Charlie, por exemplo, são Tao, um garoto asiático, e Elle, uma garota transexual. Ao ser transferida para o colégio das meninas, a jovem conhece Tara e Darcy, um casal interracial de garotas lésbicas.
“Algo que é realmente importante para mim é que cada personagem da série deve parecer verdadeiro e real, porque eles estão representando não apenas a si mesmos, mas a um grupo de pessoas”, diz Lyn.
A princípio, isso pode assustar muitas pessoas que acham que não vão conseguir se identificar com a série. Mas o diretor tem uma resposta pronta para isso: “Eu perguntaria se eles se lembram de terem se apaixonado pela primeira vez”.
“E se lembrarem, devem assistir a essa série, porque isso vai lembrá-los de como foi essa experiência. Acho que vai deixá-los felizes porque vai lembrá-los um pouco de como era aquela alegria”, completa.
2º temporada de ‘Heartstopper’ é mais madura
Lyn menciona como a segunda temporada dá mais espaço para os pais dos protagonistas, que são todos adolescentes entre 14 e 16 anos. Nick acabou de se assumir bissexual para a mãe - que, inclusive, é vivida pela vencedora do Oscar Olivia Colman - e não tem um bom relacionamento com o pai, que não é presente em sua vida.
Já Charlie enfrenta problemas nas aulas e é cobrado pelos pais, que chegam a pedir que ele pare de ver tanto o namorado. Tao divide o luto pelo pai ao lado da mãe, enquanto Darcy precisa mentir para os parentes sobre ser lésbica.
“Sempre me certifico de que o relacionamento entre eles pareça real, porque um público mais jovem reconhecerá como é ter um pai, mas os pais também reconhecerão como é ter um filho. É uma coisa muito importante”, aponta o diretor.
As tramas mencionadas são apenas alguns dos conflitos abordados no novo ano da série. Os primeiros episódios mostraram Nick e Charlie se apaixonando, enquanto Nick entendia e aceitava a sua própria bissexualidade.
Agora, o jovem quer se assumir para a família e amigos, mas percebe que isso é muito mais difícil do que achava. Charlie tenta apoiar o namorado, mas sente os traumas do bullying que sofreu quando ele próprio foi tirado do armário à força, e dá sinais de que vive com um transtorno alimentar.
“Há um idealismo em se apaixonar pela primeira vez. Isso é algo que a série realmente celebra, é divertido e os fãs têm realmente respondido. Mas, na verdade, aquele primeiro entusiasmo do amor não pode durar para sempre. Todo mundo tem problemas na vida”, argumenta Lyn.
Euros Lyn, diretor de 'Heartstopper'
Se por um lado Nick e Charlie estão passando por grandes desafios pessoais, por outro, eles também estão aprendendo juntos o que é estar em um relacionamento. A temporada tem muitas cenas de conversas honestas entre os dois rapazes, além de uma quantidade consideravelmente maior de beijos.
O primeiro episódio começa com Nick revelando para Charlie que se assumiu para sua mãe. Em seguida, vemos uma montagem de cenas dos dois garotos se beijando, rindo e brincando um com o outro em diversas situações.
Lyn revela que quase todas as cenas dessa primeira montagem foram improvisadas pelos atores Kit Connor e Joe Locke, que vivem Nick e Charlie, respectivamente. “Nós fomos inventado as cenas enquanto filmávamos. Se algo não funcionasse, a gente mudava”.
“Na cena em que Charlie bagunça o cabelo de Nick, nós não contamos para o Kit antes. Eu disse para Joe: ‘Mexe no cabelo dele’. Então Kit ficou genuinamente chocado quando aconteceu”, diz o diretor.
Euros Lyn, diretor de 'Heartstopper
Para cenas como essas, a produção contou com um coordenador de intimidade, um profissional responsável por supervisionar cenas íntimas e garantir o conforto dos atores.
A função tem crescido exponencialmente em Hollywood e também no Brasil, e é usada até para séries como Heartstopper, em que as cenas de intimidade não contém sexo ou nudez.
“Ele trabalha comigo e com os atores. Conversamos sobre ‘isso é um beijo apaixonado? Isso é um beijo amigável? Isso é um beijo engraçado? Existe humor por trás disso?’ Nós analisamos o que é o beijo e então ele vai trabalhar com os atores de uma forma bem técnica”, explica Lyn.
Adaptação fiel
Para quem já era fã da produção, existia a expectativa de que a segunda temporada se mantivesse tão fiel ao produto original quanto foi a primeira. Até o momento, quatro volumes da graphic novel foram publicados e estão à venda no Brasil - a previsão é de que a história se encerre no sexto livro.
Apesar de acrescentar novas tramas e dar mais espaço para personagens coadjuvantes, os episódios continuam trazendo a essência do que foi apresentado nas HQs. “No meu roteiro, eu tenho as palavras em uma página e os quadrinhos de Alice em outra”, conta Lyn.
A razão para isso é clara: ele tenta manter o enquadramento das cenas da maneira como elas foram originalmente desenhadas. As comparações entre as cenas do seriado e as ilustrações dos quadrinhos já têm aparecido na internet. Veja exemplos:
“Quando o público que amou os livros nos vê replicar um quadro na tela, isso lhes dá essa alegria adicional de ver que essa coisa que eles tanto amam é representada fielmente”, afirma Lyn.
Heartstopper terá 3ª temporada?
A terceira temporada de Heartstopper já está a caminho - ela foi confirmada no ano passado, junto com a segunda, um testemunho de que a Netflix realmente deu um voto de confiança à produção.
Segundo Lyn, os próximos episódios ainda estão sendo escritos por Alice Oseman, o que significa que, à princípio, não foram afetados pela greve dos atores de Hollywood - assim como outros artistas, Joe Locke e Kit Connor não têm participado da divulgação da série a mando do sindicato. Os dois tinham uma entrevista confirmada com o Estadão, que foi cancelada logo que a greve começou.
Ao ser questionado sobre o assunto, Lyn não revela muito. “Nós todos estivemos super focados na segunda temporada”, diz. “Os roteiros [da terceira] são ultra secretos, mas sei que Alice tem planos ótimos e animadores”.
*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais