Não é de hoje que filmes de ação desafiam a lógica e a física. Mas ultimamente a coisa ficou ridícula. O principal carro-chefe da insanidade no cinema da atualidade é Ethan Hunt (Tom Cruise), em missões cada vez mais impossíveis. Pois agora um novo filme de espiões chegou para, no mínimo, deixar as coisas menos malucas.
Em Agente Stone, da Netflix, Rachel Stone (Gal Gadot) é uma espiã que pertence à “Carta”, uma agência internacional cuja tarefa é nada menos que manter a paz mundial. Para cumprir a atribuição, Stone precisa performar as mirabolâncias que estamos acostumados, mas num tom abaixo.
O filme acaba de estrear na Netflix nesta sexta-feira, 11 de agosto, e já dá um gostinho de nova franquia. Levando em conta que Missão: Impossível está na 7ª edição e contando, espaço tem!
Sequências de ação não param de crescer. Até quando?
A tradição de deslumbrar o público de filmes de ação se fortalece há décadas. Faz sentido, tendo em vista o público que consome o gênero com mais frequência. Homens (héteros) jovens atrás de adrenalina e de meia idade em busca de um vigor às vezes perdido.
Por isso, tudo tem sempre de ser maior, mais potente, mais violento, mais bruto. Lembra duas passagens do revival dos filmes de dinossauro, Jurassic World, em que primeiro a necessidade por mais terror provoca a criação de um animal artificial. E depois é preciso mais dentes - e maiores - para derrotar a aberração.
Dessa forma, não basta mais Jackie Chan se jogar (de verdade) de um penhasco e pousar na lona de um balão em pleno voo em Armadura de Deus (1986). Ou o ônibus de Sandra Bullock e Keanu Reeves em Velocidade Máxima (1994) saltar o vão não terminado de um viaduto em obras.
Agora, Velozes e Furiosos 9 (2021) precisa levar um carro-nave para o espaço! Com gente dentro!! Usando uniformes ultrapassados de mergulho!!! E chegar a uma estação espacial!!!
Tom Cruise decolar agarrado à porta de um avião ou saltar de outro em pleno voo não é nada perto disso. Exceto que ele de fato fez essas coisas. Sem dublê. E com efeitos relativamente simples, basicamente para esconder cabos de segurança.
Pé no chão, mas de paraquedas
Com menos peripécias práticas, Gal Gadot me contou em entrevista que em Agente Stone há uma preocupação maior com a história que com o tamanho das cenas de ação. Não que elas não sejam importantes, mas têm um pouco mais de pé no chão.
“Se você não tem as relações, o drama e o enredo que fazem sentido, então não vale muito a pena. E era muito importante para nós que o roteiro fosse sólido e as conexões dos personagens genuínas”, disse a atriz.
Ao assistir o filme, isso fica evidente. O roteiro mira mais nas consequências das relações humanas e das disputas de poder. Se isso sinalizar uma tendência, pode contribuir muito com o gênero nos proximos anos. E o filme termina aberto a uma sequência, o que pode permitir uma nova franquia na indústria. Ele não precisa se apoiar em muletas pirotécnicas.
Não que a ação seja basiquinha. Já de início Stone desliza por uma ribanceira nevada, agarra do chão um paraquedas e alça voo sobre um desfiladeiro. Mais tarde, pousa em alta velocidade sobre um dirigível e por milímetros se segura para evitar a queda livre e morte certa.
Mas ao menos há uma ilusão de verossimilhança em como as situações são construídas. Assim como foi filmada em toda grandiosidade o plano sequência de 1917 (2019), em que o soldado corre em meio a explosões por todos os lados. Há pé no chão na megalomania.
Hipérbole na tela e nos bastidores
Outro exemplo de exagero cênico vem de Resgate 2 (2023). Nele, Chris Hemsworth não apenas tem de lidar com um helicoptero pousando no trem em movimento - em altíssima velocidade, claro - em que está, como ainda tenta derrubar a aeronave na bala usando uma metralhadora giratória.
O caso de Chris é emblemático. Também o entrevistei em junho de 2023 e pude ver pessoalmente os efeitos da musculação no corpo do ator, que já foi o Thor no cinema. O homem é um monstro de enorme! Um dos motivos disso é distanciar os personagens da forma humana. Transformá-los em sobre-humanos. Gente capaz de fazer o que nós, meros mortais, não conseguimos.
E lá no caso da megalomania de Cruise isso também se aplica, mas ela ao menos se sustenta no esforço de gravar as cenas com o mínimo possível de pós-produção. Em Missão: Impossível - Nação Secreta (2015), ele repetiu a cena 8 vezes para conseguir a tomada perfeita agarrado do lado de fora de um avião decolando. É ele mesmo quem faz!
No filme seguinte, Missão: Impossível - Efeito Fallout (2018), Cruise fez a façanha inversa. Saltou de um avião em pleno voo. A primeira vez que um ator fez isso. E ele repetiu o salto mais de 100 vezes. E não parou aí.
Para o capítulo mais recente da franquia, Missão: Impossível – Acerto De Contas Parte 1 (2023), o desafio foi pular de um penhasco de cima de uma moto e abrir um pequeno paraquedas para pousar em um trem em movimento.
E enquanto essas sequências viram commodity. Com cada vez mais investimento e imaginação para bolar um absurdo maior que o outro e impressionar a audiência, o roteiro e a história sofrem.
Lançados com apenas um mês de distância, o mais recente Missão: Impossível e Agente Stone têm cernes idênticos. Um artefato de inteligência artificial que armazena toda a informação mundial - pública ou secreta - e cai nas mãos erradas colocando em risco a vida de todos.
E, embora em Agente Stone a “Carta” seja supranacional com elos meio europeus, ao contrário da “IMF” de Hunt que tem raízes mais americanas, ambas sofrem da mesma síndrome de branco estadunidense salvador do mundo.
Mesmo com o protagonismo das inteligências artificiais nos últimos anos, aqui, as salas de roteiro precisam ter mais criatividade.