Heartstopper é hoje a série mais importante para pais que querem entender os filhos jovens. Aulas em episódios de 30 minutos. A novelinha da Netflix é um tutorial de como opera a geração Z. Praticamente um curso de “introdução ao processo decisório de jovens e adolescentes”.
Mas é corajosa. A produção não se intimida de tratar nenhum assunto. Não relativiza discriminação e nem absolve crueldade. Mas faz isso com uma leveza suprema. De tal forma que os episódios começam e terminam sem que o espectador perceba que está aprendendo.
Ela educa com amor. Ensina através do exemplo. No caso, o exemplo das personagens que enfrentam desafios às vezes impiedosos. Mas também vivem enormes alegrias. Na descoberta do que é existir no mundo.
Sobre o que é Heartstopper
A segunda temporada da série está prestes a estrear e este colunista já assistiu todos os episódios em primeira mão. Em resumo, caso você não conheça ainda a história, Heartstopper acompanha o nascimento do romance entre Nick Nelson (Kit Connor) e Charlie Spring (Joe Locke).
Um, o capitão do time de rúgbi da escola. Forte e popular, que parece um golden retriever - em todos os aspectos. O outro, o “garoto gay” do colégio. Arrancado contra a vontade do armário e alvo de todo tipo do mais cruel bullying que só adolescentes são capazes de praticar.
Ao redor disso, as relações de amizade, família e sociais que marcam para sempre a vida. A série é fruto das mãos habilidosas de Alice Oseman, que primeiro escreveu e ilustrou os contos para os quadrinhos. A adaptação da Netflix estreou em 2022 e a segunda temporada chega agora em 3 de agosto ao catálogo.
O que aprender com Heartstopper
Como um conto de fadas LGBT+, a série não ignora relações heterossexuais. Mas quem precisa de mais um romance hétero? Já há milhares. A ideia aqui é exatamente trazer luz ao que enfrentam os adolescentes da comunidade do arco-íris.
E Heartstopper oferece um verdadeiro mergulho nos bastidores da juventude z. É um tratado definitivo? Não. Obviamente é um recorte do grupo. Porém consegue dar um bom panorama dessa geração combativa, acolhedora, corajosa. Mas também vulnerável, empática e comprometida com as angústias do mundo como sendo dela mesma. E por isso sofre.
A trama mescla muito competentemente os dilemas habituais da adolescência com questões - que deveriam ser? - adultas. Saúde mental, transtornos alimentares, violências diversas.
O grande ativo da série é mostrar como os jovens respondem a esses problemas. Ajuda a entender quais são os valores que movem as novas gerações - muitos e nobres - e porque são tão caros a eles.
No streaming, um retrato de uma geração
No final das contas, Heartstopper ensina a viver. Dá àqueles que não têm o apoio necessário em casa uma representatividade fundamental para seguir lutando por reconhecimento.
E, para além disso, o pertencimento que a geração Z tanto busca. O conforto que por vezes as famílias não estão preparadas para oferecer. E esse é outro motivo para assistir à série. Para entender que demandas emocionais e estruturais são essas.
Heartstopper é um dos poucos programas que ainda justifica manter uma assinatura na Netflix, que insiste em dificultar a vida dos usuários e vem acertando pouco no que escolhe fazer.
O mérito da plataforma enquanto corporação nem é tão substancial assim. A série só é boa desse jeito graças à criadora, Alice Oseman, ser a roteirista da adaptação. Ela sim exibe um talento genuíno na transposição da própria obra para a tela.
De virtude da Netflix está o reconhecimento de que ninguém melhor que ela para cuidar do texto. E de assentir liberdade criativa para a produção. O que, convenhamos, não é mais que a obrigação.
O que traz a segunda temporada
Se na primeira temporada vimos Nick e Charlie se conhecerem e se apaixonarem. Desta vez tudo fica mais profundo. À medida que o relacionamento progride, cresce muito a pressão para Nick revelar aos amigos e família que é bissexual.
Na primeira parte, a história girava mais ao redor de Charlie e de como ele via o próprio mundo, agora o foco maior está em Nick e em como o mundo o afeta.
Mas, nem por isso, Charlie fica em segundo plano. Ao contrário. A bondade do garoto e os fantasmas que o assombram voltam impulsionados. E se em alguns momentos ele aparece frágil e vulnerável, em outros o vemos dono de si e destemido.
Charlie chega a defender Nick em mais de uma situação. Mas principalmente se impõe em auto-defesa, contra os dois maiores oponentes.
Também aqui a série é muito feliz em retratar a dureza da vida real. Mesmo que às vezes os professores sejam incríveis demais, os pais compreensíveis demais, na única escorregada verossímil da produção porque o mundo não funciona nesse tom de sempre aquecer o coração.
A vantagem é mostrar que nem tudo é perdoável. Ou melhor, nem tudo é reparável somente com um pedido de perdão.
E talvez seja esse pé no chão que valorize também o conto de fadas dos dois garotos. A história de príncipe encantado que, até aqui, só casais héteros tinham o direito de ver. Agora não. É para todo mundo.