Os grandes já se foram. Robert Johnson, Muddy Waters, Howlin' Wolf, John Lee Hooker, Albert Collins, Lightnin' Hopkins, Albert King, Jimi Hendrix, B. B. King. Tantos outros. O blues sente falta de seus mestres. Felizmente, um deles está em forma, ativo, esbanjando charme e irreverência.
Magia - Com sua Fender Stratocaster preta com bolinhas brancas (ou branca com bolinhas pretas), Buddy Guy acaba de completar 79 anos e assume a responsabilidade de manter acesa a chama e a magia dos doze compassos da música que nasceu segregada, como um lamento negro, mas que ganhou o mundo todo.
Depois da morte de B.B, muito se especulou sobre quem ocuparia o trono deixado vago pelo rei do blues. Tarefa complicada, mas se os critérios forem os mais puristas, Buddy Guy, de cabelo comprido ou com a cabeça raspada, é o herdeiro natural. Aliás, o ínico. Claro que há muitos outros bons bluseiros. Alguns mais velhos, outros mais jovens. Há uma geração de garotos e garotas que enveredaram pelo blues e fazem sucesso. Houve Steve Ray Vaughan. Há Eric Clapton. Mas e a magia, o mojo? Quem os têm?
"O cara" - Buddy foi a atração principal da última edição do Pittsburgh Blues Festival, realizado entre os últimos dias 22 e 24. E por que a atração principal? Ron Esser, proprietário da Moondog, a mais tradicional casa de blues de Pittsburgh vai direto ao ponto:"Ele é maior do que a vida. Principalmente agora que B.B. se foi. Buddy Guy é o cara. Eu não considero Eric Clapton. Ele é branco e é da Inglaterra. Clapton não é realmente um músico de blues. Ele é um roqueiro que virou bluseiro".
Há uma evidente injustiça de Esser para com Clapton, já que o guitarrista britânico é apontado como um dos principais responsáveis pelo ressurgimento do blues nos Estados Unidos, a partir da Inglaterra, entre os anos 70, 80 e 90, depois de uma fase de vacas magras. Clapton é obcecado por Robert Johnson e levou muitos bluseiros americanos para tocar na Grã-Bretanha, ajudando a reabilitar o gênero. Esse mérito sempre lhe foi reconhecido e sua contribuição enaltecida várias vezes por B.B. King e vários outros.
Linhagem - Seja como for, o argumento de Esser é até compreensível. Ao chamar Clapton de inglês, branco e bluseiro de oportunidade, o empresário (que também é branco) não foi xenófobo nem racista. Foi, sim, purista. Para ele, o verdadeiro blues descende de uma nobre linhagem negra norte-americana, assim como o samba no Brasil.
Vinícius de Morais disse uma vez :
"...o samba nasceu lá na Bahia/
e se hoje ele é branco na poesia,/
ele é negro demais no coração."
Todos reconhecem os irmãos Johnny e Edgar Winter, Dr. John, John Meyer, os Rolling Stones, John Mayall, Bonnie Raitt, Paul Butterfield e tantos outros brancos dedicados o blues.
Mestres - O fato, porém, é que o gênero está associado aos mestres negros, de onde veio sua força e seu carisma. Aliás, carisma é o que não falta a Buddy. Veio várias vezes ao Brasil e fez apresentações memoráveis, com uma fantástica interação com o público.
Ouça Sweet Home Chicago com Buddy Guy, Eric Clapton, Robert Cray, Hubert Sumlin e Jimmie Vaughn,no Crossroads Guitar Festival:
Com Muddy - Buddy nasceu em Lettsworth, na Louisiana, mas cresceu como músico em Chicago, no fim da década de 1950, na onda do blues eletrificado de Muddy Waters, com quem tocou como músico de estúdio. Venceu um concurso de guitarra, assinou com a Chess Records e em 1967 gravou seu primeiro disco, Left My Blues in San Francisco.
Em 1969, na Inglaterra, participou do Supershow, com Clapton, Led Zeppelin, Stephen Stills, Jack Bruce e outros. Nos anos 70, abriu vários concertos dos Stones. Nunca foi um sucesso comercial, mas, certamente, influenciou muita gente. "Buddy Guy foi para mim o que Elvis foi para muitos outros", admite Eric Clapton.
Um gozador - Buddytoca com vigor, tem a voz tão forte quanto os acordes de sua Fender e é um gozador. Gosta de imitar outros guitarristas, especialmente Eric Clapton. Nesse momento, assume ares de lorde inglês, toca frases sincopadas em sua guitarra e diverte-se. Aos 79 anos, tudo indica que alcançou a flor da idade.