Surreal e polêmica


Maria Martins ganha mostra no MAM com 106 peças que já chocaram até críticos

Por Antonio Gonçalves Filho

Maria Martins (1894-1978) nunca foi unanimidade entre os críticos. Há aqueles, como a ensaísta inglesa Dawn Ades, que consideram a escultora brasileira uma artista do nível do surrealista franco-germânico Hans Arp (1886-1966). Já o crítico norte-americano Clement Greenberg (1909-1994), promotor do expressionismo abstrato, considerava sua obra um extemporâneo exemplo do barroco, sem vínculo aparente com a sintaxe moderna. O fato é que essa polêmica pode ganhar novos contornos a partir da exposição Maria Martins: Metamorfoses, que será aberta hoje, para convidados, no Museu de Arte Moderna (MAM). Com curadoria da escritora e crítica gaúcha Veronica Stigger, uma das autoras do livro Maria (Cosac Naify), dedicado à escultora, a mostra, dividida em cinco núcleos, reúne quase 40 esculturas, além de desenhos, pinturas, joias e cerâmicas, num total de 106 peças, dessa que foi um dos destaques da 13ª edição da Documenta de Kassel no ano passado.A escultora, entretanto, não precisou morrer para ser reconhecida. Ainda em vida, celebridades como André Breton, mentor dos surrealistas, elogiaram Maria Martins. Breton fez isso em 1944, ano da exposição que ela dividiu com o holandês Piet Mondrian (1872-1944), principal figura do neoplasticismo, na Valentine Gallery de Nova York, estabelecendo uma relação entre as figuras metamorfoseadas de suas deusas de bronze com a dos mitos cultuados pelo vodu haitiano - que usa chapas de ferro para representar deidades. As semelhanças, porém, param por aí. Maria foi, sim, uma grande pesquisadora de mitos, mas os dela são genuinamente brasileiros, de inspiração ameríndia.Foi também por isso que a curadora Veronica Stigger reuniu no primeiro núcleo da exposição mitos amazônicos visualmente retrabalhados por Maria Martins em suas pequenas esculturas de bronze. O boto, que se transforma em bonitão para seduzir moças ribeirinhas, ou a boiúna, escura cobra grande que afunda embarcações, estão presentes na obra da escultora não apenas como interpretações folclóricas, mas figuras antropomórficas, de apelo sensual e agressivo, metamorfoseadas, que justificam o título da exposição. "A Amazônia representou uma mudança radical na arte de Maria", diz a curadora, contrapondo essas pequenas esculturas que fazem referência à região com os primeiros trabalhos da artista, inspirados em figuras bíblicas como Salomé.Mulher emancipada, que rompeu seu casamento com o historiador Otávio Tarquínio de Souza em 1925, quando a separação era um escândalo na sociedade brasileira, a artista mineira foi acusada de adultério, perdeu a tutela da filha e foi para a França, seguindo o segundo companheiro, o diplomata gaúcho Carlos Martins Pereira e Souza, morando com ele em vários países até que o casal se fixou em Washington, onde ele assumiu a embaixada brasileira. Foi também graças a esse cargo que ela conheceu celebridades do mundo artístico. Amiga de Picasso, ela ficaria íntima de Mondrian e do artista dadaísta Marcel Duchamp (1887-1968), de quem se tornou amante.A escultura principal da mostra, O Impossível (1944), reproduzida na foto principal desta página, já foi inúmeras vezes associada à turbulenta relação com Duchamp, que elegeu Maria, mulher de gênio forte, como modelo de sua última obra, a instalação Étant Donnés, de 1966. Há, no entanto, quem veja nesse embate entre os sexos uma alegoria antibélica, como a crítica Dawn Ades, que identifica na escultura uma referência à impossível comunicação interpessoal. Seja como for, é a prova mais vigorosa de uma obra que dialoga com outros grandes artistas surrealistas, mesmo que involuntariamente. É o caso de Louise Bourgeois (1911- 2010), igualmente obcecada pelo embate entre os sexos e grande leitora de Freud. Não se sabe se as duas se conheceram. Mas deveriam. E poderiam: as duas viveram nos EUA e começaram a esculpir na mesma época. Têm muito em comum.A curadora Veronica Stigger lembra, a propósito das relações de Maria com os homens, que ela buscava deliberadamente formas que evocassem o órgão sexual feminino em figuras que se fundiam com a natureza - e que provocaram escândalo nos jornais, como um que, em 1956, classificou o conteúdo de suas obras de "sujo e satânico". Louise Bourgeois também fez da destruição da figura masculina um manifesto contra o poder patriarcal, usando a aranha como contraponto. "Um dos núcleos da exposição é dedicado às deusas pagãs, que expõem muito claramente aquilo na mulher que a sociedade gostaria de ver escondido, como o desejo", observa a curadora, que foi em busca dos títulos das obras que ajudassem os visitantes a identificar a intenção original da artista. "Ela dava títulos até para as joias que fazia," O público também poderá vê-las nas mostras, assim como as raras cerâmicas que estavam em sua casa, em Petrópolis.

Maria Martins (1894-1978) nunca foi unanimidade entre os críticos. Há aqueles, como a ensaísta inglesa Dawn Ades, que consideram a escultora brasileira uma artista do nível do surrealista franco-germânico Hans Arp (1886-1966). Já o crítico norte-americano Clement Greenberg (1909-1994), promotor do expressionismo abstrato, considerava sua obra um extemporâneo exemplo do barroco, sem vínculo aparente com a sintaxe moderna. O fato é que essa polêmica pode ganhar novos contornos a partir da exposição Maria Martins: Metamorfoses, que será aberta hoje, para convidados, no Museu de Arte Moderna (MAM). Com curadoria da escritora e crítica gaúcha Veronica Stigger, uma das autoras do livro Maria (Cosac Naify), dedicado à escultora, a mostra, dividida em cinco núcleos, reúne quase 40 esculturas, além de desenhos, pinturas, joias e cerâmicas, num total de 106 peças, dessa que foi um dos destaques da 13ª edição da Documenta de Kassel no ano passado.A escultora, entretanto, não precisou morrer para ser reconhecida. Ainda em vida, celebridades como André Breton, mentor dos surrealistas, elogiaram Maria Martins. Breton fez isso em 1944, ano da exposição que ela dividiu com o holandês Piet Mondrian (1872-1944), principal figura do neoplasticismo, na Valentine Gallery de Nova York, estabelecendo uma relação entre as figuras metamorfoseadas de suas deusas de bronze com a dos mitos cultuados pelo vodu haitiano - que usa chapas de ferro para representar deidades. As semelhanças, porém, param por aí. Maria foi, sim, uma grande pesquisadora de mitos, mas os dela são genuinamente brasileiros, de inspiração ameríndia.Foi também por isso que a curadora Veronica Stigger reuniu no primeiro núcleo da exposição mitos amazônicos visualmente retrabalhados por Maria Martins em suas pequenas esculturas de bronze. O boto, que se transforma em bonitão para seduzir moças ribeirinhas, ou a boiúna, escura cobra grande que afunda embarcações, estão presentes na obra da escultora não apenas como interpretações folclóricas, mas figuras antropomórficas, de apelo sensual e agressivo, metamorfoseadas, que justificam o título da exposição. "A Amazônia representou uma mudança radical na arte de Maria", diz a curadora, contrapondo essas pequenas esculturas que fazem referência à região com os primeiros trabalhos da artista, inspirados em figuras bíblicas como Salomé.Mulher emancipada, que rompeu seu casamento com o historiador Otávio Tarquínio de Souza em 1925, quando a separação era um escândalo na sociedade brasileira, a artista mineira foi acusada de adultério, perdeu a tutela da filha e foi para a França, seguindo o segundo companheiro, o diplomata gaúcho Carlos Martins Pereira e Souza, morando com ele em vários países até que o casal se fixou em Washington, onde ele assumiu a embaixada brasileira. Foi também graças a esse cargo que ela conheceu celebridades do mundo artístico. Amiga de Picasso, ela ficaria íntima de Mondrian e do artista dadaísta Marcel Duchamp (1887-1968), de quem se tornou amante.A escultura principal da mostra, O Impossível (1944), reproduzida na foto principal desta página, já foi inúmeras vezes associada à turbulenta relação com Duchamp, que elegeu Maria, mulher de gênio forte, como modelo de sua última obra, a instalação Étant Donnés, de 1966. Há, no entanto, quem veja nesse embate entre os sexos uma alegoria antibélica, como a crítica Dawn Ades, que identifica na escultura uma referência à impossível comunicação interpessoal. Seja como for, é a prova mais vigorosa de uma obra que dialoga com outros grandes artistas surrealistas, mesmo que involuntariamente. É o caso de Louise Bourgeois (1911- 2010), igualmente obcecada pelo embate entre os sexos e grande leitora de Freud. Não se sabe se as duas se conheceram. Mas deveriam. E poderiam: as duas viveram nos EUA e começaram a esculpir na mesma época. Têm muito em comum.A curadora Veronica Stigger lembra, a propósito das relações de Maria com os homens, que ela buscava deliberadamente formas que evocassem o órgão sexual feminino em figuras que se fundiam com a natureza - e que provocaram escândalo nos jornais, como um que, em 1956, classificou o conteúdo de suas obras de "sujo e satânico". Louise Bourgeois também fez da destruição da figura masculina um manifesto contra o poder patriarcal, usando a aranha como contraponto. "Um dos núcleos da exposição é dedicado às deusas pagãs, que expõem muito claramente aquilo na mulher que a sociedade gostaria de ver escondido, como o desejo", observa a curadora, que foi em busca dos títulos das obras que ajudassem os visitantes a identificar a intenção original da artista. "Ela dava títulos até para as joias que fazia," O público também poderá vê-las nas mostras, assim como as raras cerâmicas que estavam em sua casa, em Petrópolis.

Maria Martins (1894-1978) nunca foi unanimidade entre os críticos. Há aqueles, como a ensaísta inglesa Dawn Ades, que consideram a escultora brasileira uma artista do nível do surrealista franco-germânico Hans Arp (1886-1966). Já o crítico norte-americano Clement Greenberg (1909-1994), promotor do expressionismo abstrato, considerava sua obra um extemporâneo exemplo do barroco, sem vínculo aparente com a sintaxe moderna. O fato é que essa polêmica pode ganhar novos contornos a partir da exposição Maria Martins: Metamorfoses, que será aberta hoje, para convidados, no Museu de Arte Moderna (MAM). Com curadoria da escritora e crítica gaúcha Veronica Stigger, uma das autoras do livro Maria (Cosac Naify), dedicado à escultora, a mostra, dividida em cinco núcleos, reúne quase 40 esculturas, além de desenhos, pinturas, joias e cerâmicas, num total de 106 peças, dessa que foi um dos destaques da 13ª edição da Documenta de Kassel no ano passado.A escultora, entretanto, não precisou morrer para ser reconhecida. Ainda em vida, celebridades como André Breton, mentor dos surrealistas, elogiaram Maria Martins. Breton fez isso em 1944, ano da exposição que ela dividiu com o holandês Piet Mondrian (1872-1944), principal figura do neoplasticismo, na Valentine Gallery de Nova York, estabelecendo uma relação entre as figuras metamorfoseadas de suas deusas de bronze com a dos mitos cultuados pelo vodu haitiano - que usa chapas de ferro para representar deidades. As semelhanças, porém, param por aí. Maria foi, sim, uma grande pesquisadora de mitos, mas os dela são genuinamente brasileiros, de inspiração ameríndia.Foi também por isso que a curadora Veronica Stigger reuniu no primeiro núcleo da exposição mitos amazônicos visualmente retrabalhados por Maria Martins em suas pequenas esculturas de bronze. O boto, que se transforma em bonitão para seduzir moças ribeirinhas, ou a boiúna, escura cobra grande que afunda embarcações, estão presentes na obra da escultora não apenas como interpretações folclóricas, mas figuras antropomórficas, de apelo sensual e agressivo, metamorfoseadas, que justificam o título da exposição. "A Amazônia representou uma mudança radical na arte de Maria", diz a curadora, contrapondo essas pequenas esculturas que fazem referência à região com os primeiros trabalhos da artista, inspirados em figuras bíblicas como Salomé.Mulher emancipada, que rompeu seu casamento com o historiador Otávio Tarquínio de Souza em 1925, quando a separação era um escândalo na sociedade brasileira, a artista mineira foi acusada de adultério, perdeu a tutela da filha e foi para a França, seguindo o segundo companheiro, o diplomata gaúcho Carlos Martins Pereira e Souza, morando com ele em vários países até que o casal se fixou em Washington, onde ele assumiu a embaixada brasileira. Foi também graças a esse cargo que ela conheceu celebridades do mundo artístico. Amiga de Picasso, ela ficaria íntima de Mondrian e do artista dadaísta Marcel Duchamp (1887-1968), de quem se tornou amante.A escultura principal da mostra, O Impossível (1944), reproduzida na foto principal desta página, já foi inúmeras vezes associada à turbulenta relação com Duchamp, que elegeu Maria, mulher de gênio forte, como modelo de sua última obra, a instalação Étant Donnés, de 1966. Há, no entanto, quem veja nesse embate entre os sexos uma alegoria antibélica, como a crítica Dawn Ades, que identifica na escultura uma referência à impossível comunicação interpessoal. Seja como for, é a prova mais vigorosa de uma obra que dialoga com outros grandes artistas surrealistas, mesmo que involuntariamente. É o caso de Louise Bourgeois (1911- 2010), igualmente obcecada pelo embate entre os sexos e grande leitora de Freud. Não se sabe se as duas se conheceram. Mas deveriam. E poderiam: as duas viveram nos EUA e começaram a esculpir na mesma época. Têm muito em comum.A curadora Veronica Stigger lembra, a propósito das relações de Maria com os homens, que ela buscava deliberadamente formas que evocassem o órgão sexual feminino em figuras que se fundiam com a natureza - e que provocaram escândalo nos jornais, como um que, em 1956, classificou o conteúdo de suas obras de "sujo e satânico". Louise Bourgeois também fez da destruição da figura masculina um manifesto contra o poder patriarcal, usando a aranha como contraponto. "Um dos núcleos da exposição é dedicado às deusas pagãs, que expõem muito claramente aquilo na mulher que a sociedade gostaria de ver escondido, como o desejo", observa a curadora, que foi em busca dos títulos das obras que ajudassem os visitantes a identificar a intenção original da artista. "Ela dava títulos até para as joias que fazia," O público também poderá vê-las nas mostras, assim como as raras cerâmicas que estavam em sua casa, em Petrópolis.

Maria Martins (1894-1978) nunca foi unanimidade entre os críticos. Há aqueles, como a ensaísta inglesa Dawn Ades, que consideram a escultora brasileira uma artista do nível do surrealista franco-germânico Hans Arp (1886-1966). Já o crítico norte-americano Clement Greenberg (1909-1994), promotor do expressionismo abstrato, considerava sua obra um extemporâneo exemplo do barroco, sem vínculo aparente com a sintaxe moderna. O fato é que essa polêmica pode ganhar novos contornos a partir da exposição Maria Martins: Metamorfoses, que será aberta hoje, para convidados, no Museu de Arte Moderna (MAM). Com curadoria da escritora e crítica gaúcha Veronica Stigger, uma das autoras do livro Maria (Cosac Naify), dedicado à escultora, a mostra, dividida em cinco núcleos, reúne quase 40 esculturas, além de desenhos, pinturas, joias e cerâmicas, num total de 106 peças, dessa que foi um dos destaques da 13ª edição da Documenta de Kassel no ano passado.A escultora, entretanto, não precisou morrer para ser reconhecida. Ainda em vida, celebridades como André Breton, mentor dos surrealistas, elogiaram Maria Martins. Breton fez isso em 1944, ano da exposição que ela dividiu com o holandês Piet Mondrian (1872-1944), principal figura do neoplasticismo, na Valentine Gallery de Nova York, estabelecendo uma relação entre as figuras metamorfoseadas de suas deusas de bronze com a dos mitos cultuados pelo vodu haitiano - que usa chapas de ferro para representar deidades. As semelhanças, porém, param por aí. Maria foi, sim, uma grande pesquisadora de mitos, mas os dela são genuinamente brasileiros, de inspiração ameríndia.Foi também por isso que a curadora Veronica Stigger reuniu no primeiro núcleo da exposição mitos amazônicos visualmente retrabalhados por Maria Martins em suas pequenas esculturas de bronze. O boto, que se transforma em bonitão para seduzir moças ribeirinhas, ou a boiúna, escura cobra grande que afunda embarcações, estão presentes na obra da escultora não apenas como interpretações folclóricas, mas figuras antropomórficas, de apelo sensual e agressivo, metamorfoseadas, que justificam o título da exposição. "A Amazônia representou uma mudança radical na arte de Maria", diz a curadora, contrapondo essas pequenas esculturas que fazem referência à região com os primeiros trabalhos da artista, inspirados em figuras bíblicas como Salomé.Mulher emancipada, que rompeu seu casamento com o historiador Otávio Tarquínio de Souza em 1925, quando a separação era um escândalo na sociedade brasileira, a artista mineira foi acusada de adultério, perdeu a tutela da filha e foi para a França, seguindo o segundo companheiro, o diplomata gaúcho Carlos Martins Pereira e Souza, morando com ele em vários países até que o casal se fixou em Washington, onde ele assumiu a embaixada brasileira. Foi também graças a esse cargo que ela conheceu celebridades do mundo artístico. Amiga de Picasso, ela ficaria íntima de Mondrian e do artista dadaísta Marcel Duchamp (1887-1968), de quem se tornou amante.A escultura principal da mostra, O Impossível (1944), reproduzida na foto principal desta página, já foi inúmeras vezes associada à turbulenta relação com Duchamp, que elegeu Maria, mulher de gênio forte, como modelo de sua última obra, a instalação Étant Donnés, de 1966. Há, no entanto, quem veja nesse embate entre os sexos uma alegoria antibélica, como a crítica Dawn Ades, que identifica na escultura uma referência à impossível comunicação interpessoal. Seja como for, é a prova mais vigorosa de uma obra que dialoga com outros grandes artistas surrealistas, mesmo que involuntariamente. É o caso de Louise Bourgeois (1911- 2010), igualmente obcecada pelo embate entre os sexos e grande leitora de Freud. Não se sabe se as duas se conheceram. Mas deveriam. E poderiam: as duas viveram nos EUA e começaram a esculpir na mesma época. Têm muito em comum.A curadora Veronica Stigger lembra, a propósito das relações de Maria com os homens, que ela buscava deliberadamente formas que evocassem o órgão sexual feminino em figuras que se fundiam com a natureza - e que provocaram escândalo nos jornais, como um que, em 1956, classificou o conteúdo de suas obras de "sujo e satânico". Louise Bourgeois também fez da destruição da figura masculina um manifesto contra o poder patriarcal, usando a aranha como contraponto. "Um dos núcleos da exposição é dedicado às deusas pagãs, que expõem muito claramente aquilo na mulher que a sociedade gostaria de ver escondido, como o desejo", observa a curadora, que foi em busca dos títulos das obras que ajudassem os visitantes a identificar a intenção original da artista. "Ela dava títulos até para as joias que fazia," O público também poderá vê-las nas mostras, assim como as raras cerâmicas que estavam em sua casa, em Petrópolis.

Maria Martins (1894-1978) nunca foi unanimidade entre os críticos. Há aqueles, como a ensaísta inglesa Dawn Ades, que consideram a escultora brasileira uma artista do nível do surrealista franco-germânico Hans Arp (1886-1966). Já o crítico norte-americano Clement Greenberg (1909-1994), promotor do expressionismo abstrato, considerava sua obra um extemporâneo exemplo do barroco, sem vínculo aparente com a sintaxe moderna. O fato é que essa polêmica pode ganhar novos contornos a partir da exposição Maria Martins: Metamorfoses, que será aberta hoje, para convidados, no Museu de Arte Moderna (MAM). Com curadoria da escritora e crítica gaúcha Veronica Stigger, uma das autoras do livro Maria (Cosac Naify), dedicado à escultora, a mostra, dividida em cinco núcleos, reúne quase 40 esculturas, além de desenhos, pinturas, joias e cerâmicas, num total de 106 peças, dessa que foi um dos destaques da 13ª edição da Documenta de Kassel no ano passado.A escultora, entretanto, não precisou morrer para ser reconhecida. Ainda em vida, celebridades como André Breton, mentor dos surrealistas, elogiaram Maria Martins. Breton fez isso em 1944, ano da exposição que ela dividiu com o holandês Piet Mondrian (1872-1944), principal figura do neoplasticismo, na Valentine Gallery de Nova York, estabelecendo uma relação entre as figuras metamorfoseadas de suas deusas de bronze com a dos mitos cultuados pelo vodu haitiano - que usa chapas de ferro para representar deidades. As semelhanças, porém, param por aí. Maria foi, sim, uma grande pesquisadora de mitos, mas os dela são genuinamente brasileiros, de inspiração ameríndia.Foi também por isso que a curadora Veronica Stigger reuniu no primeiro núcleo da exposição mitos amazônicos visualmente retrabalhados por Maria Martins em suas pequenas esculturas de bronze. O boto, que se transforma em bonitão para seduzir moças ribeirinhas, ou a boiúna, escura cobra grande que afunda embarcações, estão presentes na obra da escultora não apenas como interpretações folclóricas, mas figuras antropomórficas, de apelo sensual e agressivo, metamorfoseadas, que justificam o título da exposição. "A Amazônia representou uma mudança radical na arte de Maria", diz a curadora, contrapondo essas pequenas esculturas que fazem referência à região com os primeiros trabalhos da artista, inspirados em figuras bíblicas como Salomé.Mulher emancipada, que rompeu seu casamento com o historiador Otávio Tarquínio de Souza em 1925, quando a separação era um escândalo na sociedade brasileira, a artista mineira foi acusada de adultério, perdeu a tutela da filha e foi para a França, seguindo o segundo companheiro, o diplomata gaúcho Carlos Martins Pereira e Souza, morando com ele em vários países até que o casal se fixou em Washington, onde ele assumiu a embaixada brasileira. Foi também graças a esse cargo que ela conheceu celebridades do mundo artístico. Amiga de Picasso, ela ficaria íntima de Mondrian e do artista dadaísta Marcel Duchamp (1887-1968), de quem se tornou amante.A escultura principal da mostra, O Impossível (1944), reproduzida na foto principal desta página, já foi inúmeras vezes associada à turbulenta relação com Duchamp, que elegeu Maria, mulher de gênio forte, como modelo de sua última obra, a instalação Étant Donnés, de 1966. Há, no entanto, quem veja nesse embate entre os sexos uma alegoria antibélica, como a crítica Dawn Ades, que identifica na escultura uma referência à impossível comunicação interpessoal. Seja como for, é a prova mais vigorosa de uma obra que dialoga com outros grandes artistas surrealistas, mesmo que involuntariamente. É o caso de Louise Bourgeois (1911- 2010), igualmente obcecada pelo embate entre os sexos e grande leitora de Freud. Não se sabe se as duas se conheceram. Mas deveriam. E poderiam: as duas viveram nos EUA e começaram a esculpir na mesma época. Têm muito em comum.A curadora Veronica Stigger lembra, a propósito das relações de Maria com os homens, que ela buscava deliberadamente formas que evocassem o órgão sexual feminino em figuras que se fundiam com a natureza - e que provocaram escândalo nos jornais, como um que, em 1956, classificou o conteúdo de suas obras de "sujo e satânico". Louise Bourgeois também fez da destruição da figura masculina um manifesto contra o poder patriarcal, usando a aranha como contraponto. "Um dos núcleos da exposição é dedicado às deusas pagãs, que expõem muito claramente aquilo na mulher que a sociedade gostaria de ver escondido, como o desejo", observa a curadora, que foi em busca dos títulos das obras que ajudassem os visitantes a identificar a intenção original da artista. "Ela dava títulos até para as joias que fazia," O público também poderá vê-las nas mostras, assim como as raras cerâmicas que estavam em sua casa, em Petrópolis.

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