‘Camila Baker’, peça de sucesso dos anos 90, vira série de TV sem abrir mão do palco; entenda


Espetáculo fez sucesso e teve nomes como Daniel Boaventura, Danton Mello e Otávio Muller no elenco. Nova produção tem Maurício Xavier como a protagonista e foi totalmente filmada no Teatro Grande Otelo; projeto é o primeiro financiado pela Lei Paulo Gustavo

Por Sabrina Legramandi
Atualização:

Imagine uma dama do teatro dos anos 1950. Cacilda Becker, Rita Hayworth, Joan Crawford... Qualquer uma delas. Agora, pense como elas se comportariam se retornassem a 2024 e se deparassem com um cenário teatral e uma realidade completamente diferente da que conheceram. É esse o mote da nova série Camila Baker, que estreia em fevereiro e leva o nome da protagonista, uma atriz de teatro dos anos 1960 que retorna ao ano que vem, 2025, sem a mesma fama e glamour que conheceu. É uma diva decadente.

A série produzida pela Academia de Filmes encerrou as gravações há algumas semanas e é o primeiro projeto a ser financiado pela Lei Paulo Gustavo, do ano passado. A equipe da produção precisou fazer o caminho contrário de Camila: buscou, lá nos anos 1990, o sucesso da peça que dá nome à série e trazia grandes atores como crossdressers – ou seja, vestidos de mulheres. Uma das montagens mais lembradas, de 2005, tinha Daniel Boaventura, Danton Mello, Leonardo Bricio, Marcos Mion e Otávio Muller no elenco.

“Eu te confesso: eu não sei até hoje por que nós fizemos tanto sucesso”, diz Emílio Boechat, autor do espetáculo, que agora adaptou Camila Baker às telas. O ‘boca-a-boca’ da classe teatral ajudou: segundo Emílio, Paulo Autran, Diogo Vilela e Denise Fraga foram alguns dos nomes que passaram a tecer elogios depois de assistir ao espetáculo.

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Maurício Xavier durante gravação da série 'Camila Baker' no Teatro Grande Otelo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Mas ter nos holofotes a “desconstrução do ‘machão’ das novelas” também atraiu muito público, como narra Emerson Muzeli, diretor, ao lado de Fernanda Telles, da série. “Causou bastante furor porque ele era feito por grandes estrelas da televisão. O público ia muito assistir a essa desconstrução do ator vestido de mulher”, relembra.

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De volta a 2024, Camila Baker, o texto, precisou se atualizar. O humor ácido, ‘politicamente incorreto’, da primeira montagem deu lugar a uma dramédia (gênero que une drama e comédia) ‘para toda a família’. Os atores que assumem papéis femininos se limitam a Maurício Xavier, que interpreta a diva do teatro, e Jefferson Schroeder, que vive Virgínia, a irmã invejosa de Camila.

O ‘nonsense’, porém, permaneceu e se uniu ao lúdico: uma ‘magia’, sem qualquer explicação, faz Camila se transportar de 1964 para 2025. “Nós damos uma explicação meio de ficção científica, mas muito ‘para inglês ver’, porque não temos esse compromisso com a realidade”, narra Emílio.

Série totalmente filmada no teatro

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Camila Baker é, acima de tudo, uma grande homenagem ao teatro. E a homenagem se personifica em Débora Duboc, que interpreta a Velha Roots, uma espécie de ‘espírito do teatro’. A personagem, criada especialmente para a série, descansava, aposentada, com nomes como Dercy Gonçalves, Vladimir Capella e Zé Celso até ser acionada para ajudar Camila.

Em meio a uma crise de identidade da protagonista, Velha Roots resolve oferecer um conselho à diva: “Camila, a imortalidade é uma dádiva concedida pelos deuses àqueles que compreendem o fluxo do tempo e transcendem a materialidade da própria existência”. Camila não entende muito bem, mas tem nas mãos o melhor conselho que uma atriz pode receber: o de “se dispor de si”.

'Camila Baker' foi totalmente filmada no Teatro Grande Otelo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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“A série também traz esse lugar, que é muito importante para construção do ofício: o lugar da memória e desse ‘olimpo’, que são esses imortais desse texto ‘cabeçudo’ que eu falei”, comenta Débora. “O Zé Celso dizia: ‘Eu não comprei nada, eu não tenho carro, eu não tenho casa, mas eu tenho o teatro e tenho o meu corpo, que é transformador’. Essas figuras que são celebradas na série e que fazem a história do teatro brasileiro estão nesse ‘panteão da imortalidade’.”

Falar sobre o tema também exigia uma escolha criteriosa do espaço em que seria filmada a série. O grande diferencial de Camila Baker é ser uma produção integralmente filmada no teatro: os camarins, por exemplo, foram transformados no quarto da protagonista. Para cumprir o papel, a equipe escolheu um espaço grandioso, mas decadente, assim como Camila: o Teatro Grande Otelo, no centro de São Paulo.

Maurício Xavier e Fúlvio Stefanini em cena de 'Camila Baker'. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Foi uma surpresa quando Fúlvio Stefanini, que faz uma participação especial na série, chegou às gravações dizendo ter saudades do lugar – o ator estudou no Liceu Coração de Jesus, onde o teatro fica localizado. Ter o Grande Otelo no centro da série, para os diretores, é uma possibilidade de resgatar não apenas ele, mas tantos outros teatros que estão esquecidos.

“O teatro está indo muito bem, mas precisamos relembrar que essas são as nossas bases culturais”, diz Muzeli. Na produção o ‘resgate do teatro’ faz uma analogia com o ‘resgate da família’. “A Camila só faz sucesso no teatro, nessa série, quando ela percebe que a família é mais importante do que os pensamentos individuais dela.”

A protagonista e a antagonista

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Para Muzeli e Fernanda Telles, foi um mérito unir a experiência de Maurício Xavier com a ‘inovação do humor’ de Jefferson Schroeder como a protagonista e a antagonista, respectivamente. Aos 53 anos, Maurício vive o primeiro papel-título da carreira com Camila Baker.

“É uma responsabilidade, porque ela tem uma personalidade muito ímpar”, afirma o ator. “A Camila Baker é muito complexa, como todos os outros personagens. E eles exigem uma atuação diversa, porque não são realistas. Eles são como uma família Adams.”

Maurício, que não assistiu às outras versões da peça, diz ter se inspirado na mãe, Maria Aparecida Xavier, uma soprano lírica, e em ‘grandes divas’ como Jessye Norman e Diana Ross. Ele, porém, não quer que o público “coloque Camila em uma gaveta”. “As pessoas, de modo geral, têm que aceitar o que estão recebendo. E não colocar em uma forma”, afirma.

Maurício Xavier diz ter se inspirado na mãe, Maria Aparecida Xavier, uma soprano lírica, e em outras 'grandes divas' para interpretar Camila Baker. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Jefferson também não teve contato com as antigas montagens de Camila Baker, mas conta ter se inspirado em Renata Sorrah para ser uma vilã que fizesse “maldade de forma engraçada”. Ele diz que, para construir Virgínia, pensa como se fosse “uma atriz fazendo a personagem”. “Eu uso muito do homem que eu sou para fazer uma mulher”, explica.

Esperança no futuro

O ator que interpreta a antagonista comenta o fato de o humor da peça ter sido adaptado para ‘os novos tempos’, sem possibilidade de ‘cancelamento’. “Alguns ‘cancelamentos’, às vezes, acontecem não pelo produto, mas por como a sociedade anda muito sensível. Eu acho muito legal mesmo que o humor seja cada vez mais respeitoso, mas é curioso que às vezes as pessoas esquecem que personagens cometem erros e são equivocados”, diz.

Emílio Boechat afirma que “foi mais fácil fazer um texto contemporâneo que não agrida ninguém”. “É um cuidado que sempre tive no meu texto. Não gosto desse humor que agride a pessoa, que humilha as pessoas. O meu humor é muito mais no nonsense... Esse humor do absurdo, da incongruência.”

Para o autor de Camila Baker, ter a possibilidade de entregar outra versão nas mãos de uma nova geração é ter a esperança de que Camila volte a fazer sucesso. Ele já planeja uma nova montagem para os palcos para o ano que vem, com atrizes trans e drag queens no elenco, e afirma que a série é um “fechamento de ciclo”. O espetáculo completa 35 anos no próximo ano.

Emílio Boechat, autor de 'Camila Baker', diz que pretende realizar nova montagem da peça no próximo ano. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
A geração mais nova é muito mais livre. Questiona muito menos se você é trans, se você não é, se é homem, se é mulher. É uma esperança que uma peça tão anárquica faça sucesso com uma geração que não conheceu a ‘Camila Baker’.

Emílio Boechat

Para além de passar alguma lição com Camila Baker, um desejo onipresente nas falas de todos da equipe da série é dar a possibilidade de fazer o público rir de novo e encontrar conforto nos dramas da vida da protagonista. “A nossa vida é isso, não é? Nós acordamos com vários dramas e temos que fazer disso uma comédia a cada minuto. Aliás, eu faço isso constantemente”, comenta Maurício Xavier.

“Nós não podemos fazer só rir: temos que fazer rir pelo valor que tem o riso”, diz Emerson Muzeli. “Porque, em 90% do nosso tempo, nós choramos. Então, quando queremos rir, temos que rir com valor”. Ainda não foi definido em qual canal ou serviço de streaming Camila Baker será exibida.

Imagine uma dama do teatro dos anos 1950. Cacilda Becker, Rita Hayworth, Joan Crawford... Qualquer uma delas. Agora, pense como elas se comportariam se retornassem a 2024 e se deparassem com um cenário teatral e uma realidade completamente diferente da que conheceram. É esse o mote da nova série Camila Baker, que estreia em fevereiro e leva o nome da protagonista, uma atriz de teatro dos anos 1960 que retorna ao ano que vem, 2025, sem a mesma fama e glamour que conheceu. É uma diva decadente.

A série produzida pela Academia de Filmes encerrou as gravações há algumas semanas e é o primeiro projeto a ser financiado pela Lei Paulo Gustavo, do ano passado. A equipe da produção precisou fazer o caminho contrário de Camila: buscou, lá nos anos 1990, o sucesso da peça que dá nome à série e trazia grandes atores como crossdressers – ou seja, vestidos de mulheres. Uma das montagens mais lembradas, de 2005, tinha Daniel Boaventura, Danton Mello, Leonardo Bricio, Marcos Mion e Otávio Muller no elenco.

“Eu te confesso: eu não sei até hoje por que nós fizemos tanto sucesso”, diz Emílio Boechat, autor do espetáculo, que agora adaptou Camila Baker às telas. O ‘boca-a-boca’ da classe teatral ajudou: segundo Emílio, Paulo Autran, Diogo Vilela e Denise Fraga foram alguns dos nomes que passaram a tecer elogios depois de assistir ao espetáculo.

Maurício Xavier durante gravação da série 'Camila Baker' no Teatro Grande Otelo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Mas ter nos holofotes a “desconstrução do ‘machão’ das novelas” também atraiu muito público, como narra Emerson Muzeli, diretor, ao lado de Fernanda Telles, da série. “Causou bastante furor porque ele era feito por grandes estrelas da televisão. O público ia muito assistir a essa desconstrução do ator vestido de mulher”, relembra.

De volta a 2024, Camila Baker, o texto, precisou se atualizar. O humor ácido, ‘politicamente incorreto’, da primeira montagem deu lugar a uma dramédia (gênero que une drama e comédia) ‘para toda a família’. Os atores que assumem papéis femininos se limitam a Maurício Xavier, que interpreta a diva do teatro, e Jefferson Schroeder, que vive Virgínia, a irmã invejosa de Camila.

O ‘nonsense’, porém, permaneceu e se uniu ao lúdico: uma ‘magia’, sem qualquer explicação, faz Camila se transportar de 1964 para 2025. “Nós damos uma explicação meio de ficção científica, mas muito ‘para inglês ver’, porque não temos esse compromisso com a realidade”, narra Emílio.

Série totalmente filmada no teatro

Camila Baker é, acima de tudo, uma grande homenagem ao teatro. E a homenagem se personifica em Débora Duboc, que interpreta a Velha Roots, uma espécie de ‘espírito do teatro’. A personagem, criada especialmente para a série, descansava, aposentada, com nomes como Dercy Gonçalves, Vladimir Capella e Zé Celso até ser acionada para ajudar Camila.

Em meio a uma crise de identidade da protagonista, Velha Roots resolve oferecer um conselho à diva: “Camila, a imortalidade é uma dádiva concedida pelos deuses àqueles que compreendem o fluxo do tempo e transcendem a materialidade da própria existência”. Camila não entende muito bem, mas tem nas mãos o melhor conselho que uma atriz pode receber: o de “se dispor de si”.

'Camila Baker' foi totalmente filmada no Teatro Grande Otelo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“A série também traz esse lugar, que é muito importante para construção do ofício: o lugar da memória e desse ‘olimpo’, que são esses imortais desse texto ‘cabeçudo’ que eu falei”, comenta Débora. “O Zé Celso dizia: ‘Eu não comprei nada, eu não tenho carro, eu não tenho casa, mas eu tenho o teatro e tenho o meu corpo, que é transformador’. Essas figuras que são celebradas na série e que fazem a história do teatro brasileiro estão nesse ‘panteão da imortalidade’.”

Falar sobre o tema também exigia uma escolha criteriosa do espaço em que seria filmada a série. O grande diferencial de Camila Baker é ser uma produção integralmente filmada no teatro: os camarins, por exemplo, foram transformados no quarto da protagonista. Para cumprir o papel, a equipe escolheu um espaço grandioso, mas decadente, assim como Camila: o Teatro Grande Otelo, no centro de São Paulo.

Maurício Xavier e Fúlvio Stefanini em cena de 'Camila Baker'. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Foi uma surpresa quando Fúlvio Stefanini, que faz uma participação especial na série, chegou às gravações dizendo ter saudades do lugar – o ator estudou no Liceu Coração de Jesus, onde o teatro fica localizado. Ter o Grande Otelo no centro da série, para os diretores, é uma possibilidade de resgatar não apenas ele, mas tantos outros teatros que estão esquecidos.

“O teatro está indo muito bem, mas precisamos relembrar que essas são as nossas bases culturais”, diz Muzeli. Na produção o ‘resgate do teatro’ faz uma analogia com o ‘resgate da família’. “A Camila só faz sucesso no teatro, nessa série, quando ela percebe que a família é mais importante do que os pensamentos individuais dela.”

A protagonista e a antagonista

Para Muzeli e Fernanda Telles, foi um mérito unir a experiência de Maurício Xavier com a ‘inovação do humor’ de Jefferson Schroeder como a protagonista e a antagonista, respectivamente. Aos 53 anos, Maurício vive o primeiro papel-título da carreira com Camila Baker.

“É uma responsabilidade, porque ela tem uma personalidade muito ímpar”, afirma o ator. “A Camila Baker é muito complexa, como todos os outros personagens. E eles exigem uma atuação diversa, porque não são realistas. Eles são como uma família Adams.”

Maurício, que não assistiu às outras versões da peça, diz ter se inspirado na mãe, Maria Aparecida Xavier, uma soprano lírica, e em ‘grandes divas’ como Jessye Norman e Diana Ross. Ele, porém, não quer que o público “coloque Camila em uma gaveta”. “As pessoas, de modo geral, têm que aceitar o que estão recebendo. E não colocar em uma forma”, afirma.

Maurício Xavier diz ter se inspirado na mãe, Maria Aparecida Xavier, uma soprano lírica, e em outras 'grandes divas' para interpretar Camila Baker. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Jefferson também não teve contato com as antigas montagens de Camila Baker, mas conta ter se inspirado em Renata Sorrah para ser uma vilã que fizesse “maldade de forma engraçada”. Ele diz que, para construir Virgínia, pensa como se fosse “uma atriz fazendo a personagem”. “Eu uso muito do homem que eu sou para fazer uma mulher”, explica.

Esperança no futuro

O ator que interpreta a antagonista comenta o fato de o humor da peça ter sido adaptado para ‘os novos tempos’, sem possibilidade de ‘cancelamento’. “Alguns ‘cancelamentos’, às vezes, acontecem não pelo produto, mas por como a sociedade anda muito sensível. Eu acho muito legal mesmo que o humor seja cada vez mais respeitoso, mas é curioso que às vezes as pessoas esquecem que personagens cometem erros e são equivocados”, diz.

Emílio Boechat afirma que “foi mais fácil fazer um texto contemporâneo que não agrida ninguém”. “É um cuidado que sempre tive no meu texto. Não gosto desse humor que agride a pessoa, que humilha as pessoas. O meu humor é muito mais no nonsense... Esse humor do absurdo, da incongruência.”

Para o autor de Camila Baker, ter a possibilidade de entregar outra versão nas mãos de uma nova geração é ter a esperança de que Camila volte a fazer sucesso. Ele já planeja uma nova montagem para os palcos para o ano que vem, com atrizes trans e drag queens no elenco, e afirma que a série é um “fechamento de ciclo”. O espetáculo completa 35 anos no próximo ano.

Emílio Boechat, autor de 'Camila Baker', diz que pretende realizar nova montagem da peça no próximo ano. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
A geração mais nova é muito mais livre. Questiona muito menos se você é trans, se você não é, se é homem, se é mulher. É uma esperança que uma peça tão anárquica faça sucesso com uma geração que não conheceu a ‘Camila Baker’.

Emílio Boechat

Para além de passar alguma lição com Camila Baker, um desejo onipresente nas falas de todos da equipe da série é dar a possibilidade de fazer o público rir de novo e encontrar conforto nos dramas da vida da protagonista. “A nossa vida é isso, não é? Nós acordamos com vários dramas e temos que fazer disso uma comédia a cada minuto. Aliás, eu faço isso constantemente”, comenta Maurício Xavier.

“Nós não podemos fazer só rir: temos que fazer rir pelo valor que tem o riso”, diz Emerson Muzeli. “Porque, em 90% do nosso tempo, nós choramos. Então, quando queremos rir, temos que rir com valor”. Ainda não foi definido em qual canal ou serviço de streaming Camila Baker será exibida.

Imagine uma dama do teatro dos anos 1950. Cacilda Becker, Rita Hayworth, Joan Crawford... Qualquer uma delas. Agora, pense como elas se comportariam se retornassem a 2024 e se deparassem com um cenário teatral e uma realidade completamente diferente da que conheceram. É esse o mote da nova série Camila Baker, que estreia em fevereiro e leva o nome da protagonista, uma atriz de teatro dos anos 1960 que retorna ao ano que vem, 2025, sem a mesma fama e glamour que conheceu. É uma diva decadente.

A série produzida pela Academia de Filmes encerrou as gravações há algumas semanas e é o primeiro projeto a ser financiado pela Lei Paulo Gustavo, do ano passado. A equipe da produção precisou fazer o caminho contrário de Camila: buscou, lá nos anos 1990, o sucesso da peça que dá nome à série e trazia grandes atores como crossdressers – ou seja, vestidos de mulheres. Uma das montagens mais lembradas, de 2005, tinha Daniel Boaventura, Danton Mello, Leonardo Bricio, Marcos Mion e Otávio Muller no elenco.

“Eu te confesso: eu não sei até hoje por que nós fizemos tanto sucesso”, diz Emílio Boechat, autor do espetáculo, que agora adaptou Camila Baker às telas. O ‘boca-a-boca’ da classe teatral ajudou: segundo Emílio, Paulo Autran, Diogo Vilela e Denise Fraga foram alguns dos nomes que passaram a tecer elogios depois de assistir ao espetáculo.

Maurício Xavier durante gravação da série 'Camila Baker' no Teatro Grande Otelo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Mas ter nos holofotes a “desconstrução do ‘machão’ das novelas” também atraiu muito público, como narra Emerson Muzeli, diretor, ao lado de Fernanda Telles, da série. “Causou bastante furor porque ele era feito por grandes estrelas da televisão. O público ia muito assistir a essa desconstrução do ator vestido de mulher”, relembra.

De volta a 2024, Camila Baker, o texto, precisou se atualizar. O humor ácido, ‘politicamente incorreto’, da primeira montagem deu lugar a uma dramédia (gênero que une drama e comédia) ‘para toda a família’. Os atores que assumem papéis femininos se limitam a Maurício Xavier, que interpreta a diva do teatro, e Jefferson Schroeder, que vive Virgínia, a irmã invejosa de Camila.

O ‘nonsense’, porém, permaneceu e se uniu ao lúdico: uma ‘magia’, sem qualquer explicação, faz Camila se transportar de 1964 para 2025. “Nós damos uma explicação meio de ficção científica, mas muito ‘para inglês ver’, porque não temos esse compromisso com a realidade”, narra Emílio.

Série totalmente filmada no teatro

Camila Baker é, acima de tudo, uma grande homenagem ao teatro. E a homenagem se personifica em Débora Duboc, que interpreta a Velha Roots, uma espécie de ‘espírito do teatro’. A personagem, criada especialmente para a série, descansava, aposentada, com nomes como Dercy Gonçalves, Vladimir Capella e Zé Celso até ser acionada para ajudar Camila.

Em meio a uma crise de identidade da protagonista, Velha Roots resolve oferecer um conselho à diva: “Camila, a imortalidade é uma dádiva concedida pelos deuses àqueles que compreendem o fluxo do tempo e transcendem a materialidade da própria existência”. Camila não entende muito bem, mas tem nas mãos o melhor conselho que uma atriz pode receber: o de “se dispor de si”.

'Camila Baker' foi totalmente filmada no Teatro Grande Otelo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“A série também traz esse lugar, que é muito importante para construção do ofício: o lugar da memória e desse ‘olimpo’, que são esses imortais desse texto ‘cabeçudo’ que eu falei”, comenta Débora. “O Zé Celso dizia: ‘Eu não comprei nada, eu não tenho carro, eu não tenho casa, mas eu tenho o teatro e tenho o meu corpo, que é transformador’. Essas figuras que são celebradas na série e que fazem a história do teatro brasileiro estão nesse ‘panteão da imortalidade’.”

Falar sobre o tema também exigia uma escolha criteriosa do espaço em que seria filmada a série. O grande diferencial de Camila Baker é ser uma produção integralmente filmada no teatro: os camarins, por exemplo, foram transformados no quarto da protagonista. Para cumprir o papel, a equipe escolheu um espaço grandioso, mas decadente, assim como Camila: o Teatro Grande Otelo, no centro de São Paulo.

Maurício Xavier e Fúlvio Stefanini em cena de 'Camila Baker'. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Foi uma surpresa quando Fúlvio Stefanini, que faz uma participação especial na série, chegou às gravações dizendo ter saudades do lugar – o ator estudou no Liceu Coração de Jesus, onde o teatro fica localizado. Ter o Grande Otelo no centro da série, para os diretores, é uma possibilidade de resgatar não apenas ele, mas tantos outros teatros que estão esquecidos.

“O teatro está indo muito bem, mas precisamos relembrar que essas são as nossas bases culturais”, diz Muzeli. Na produção o ‘resgate do teatro’ faz uma analogia com o ‘resgate da família’. “A Camila só faz sucesso no teatro, nessa série, quando ela percebe que a família é mais importante do que os pensamentos individuais dela.”

A protagonista e a antagonista

Para Muzeli e Fernanda Telles, foi um mérito unir a experiência de Maurício Xavier com a ‘inovação do humor’ de Jefferson Schroeder como a protagonista e a antagonista, respectivamente. Aos 53 anos, Maurício vive o primeiro papel-título da carreira com Camila Baker.

“É uma responsabilidade, porque ela tem uma personalidade muito ímpar”, afirma o ator. “A Camila Baker é muito complexa, como todos os outros personagens. E eles exigem uma atuação diversa, porque não são realistas. Eles são como uma família Adams.”

Maurício, que não assistiu às outras versões da peça, diz ter se inspirado na mãe, Maria Aparecida Xavier, uma soprano lírica, e em ‘grandes divas’ como Jessye Norman e Diana Ross. Ele, porém, não quer que o público “coloque Camila em uma gaveta”. “As pessoas, de modo geral, têm que aceitar o que estão recebendo. E não colocar em uma forma”, afirma.

Maurício Xavier diz ter se inspirado na mãe, Maria Aparecida Xavier, uma soprano lírica, e em outras 'grandes divas' para interpretar Camila Baker. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Jefferson também não teve contato com as antigas montagens de Camila Baker, mas conta ter se inspirado em Renata Sorrah para ser uma vilã que fizesse “maldade de forma engraçada”. Ele diz que, para construir Virgínia, pensa como se fosse “uma atriz fazendo a personagem”. “Eu uso muito do homem que eu sou para fazer uma mulher”, explica.

Esperança no futuro

O ator que interpreta a antagonista comenta o fato de o humor da peça ter sido adaptado para ‘os novos tempos’, sem possibilidade de ‘cancelamento’. “Alguns ‘cancelamentos’, às vezes, acontecem não pelo produto, mas por como a sociedade anda muito sensível. Eu acho muito legal mesmo que o humor seja cada vez mais respeitoso, mas é curioso que às vezes as pessoas esquecem que personagens cometem erros e são equivocados”, diz.

Emílio Boechat afirma que “foi mais fácil fazer um texto contemporâneo que não agrida ninguém”. “É um cuidado que sempre tive no meu texto. Não gosto desse humor que agride a pessoa, que humilha as pessoas. O meu humor é muito mais no nonsense... Esse humor do absurdo, da incongruência.”

Para o autor de Camila Baker, ter a possibilidade de entregar outra versão nas mãos de uma nova geração é ter a esperança de que Camila volte a fazer sucesso. Ele já planeja uma nova montagem para os palcos para o ano que vem, com atrizes trans e drag queens no elenco, e afirma que a série é um “fechamento de ciclo”. O espetáculo completa 35 anos no próximo ano.

Emílio Boechat, autor de 'Camila Baker', diz que pretende realizar nova montagem da peça no próximo ano. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
A geração mais nova é muito mais livre. Questiona muito menos se você é trans, se você não é, se é homem, se é mulher. É uma esperança que uma peça tão anárquica faça sucesso com uma geração que não conheceu a ‘Camila Baker’.

Emílio Boechat

Para além de passar alguma lição com Camila Baker, um desejo onipresente nas falas de todos da equipe da série é dar a possibilidade de fazer o público rir de novo e encontrar conforto nos dramas da vida da protagonista. “A nossa vida é isso, não é? Nós acordamos com vários dramas e temos que fazer disso uma comédia a cada minuto. Aliás, eu faço isso constantemente”, comenta Maurício Xavier.

“Nós não podemos fazer só rir: temos que fazer rir pelo valor que tem o riso”, diz Emerson Muzeli. “Porque, em 90% do nosso tempo, nós choramos. Então, quando queremos rir, temos que rir com valor”. Ainda não foi definido em qual canal ou serviço de streaming Camila Baker será exibida.

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