Deborah Colker, de olho no Met de NY e em Frida Kahlo, estreia espetáculo baseado em Stravinski


Coreógrafa fala ao ‘Estadão’ sobre inspirações para ‘Sagração’, que estreia em São Paulo, e comenta os preparativos para as óperas ‘Ainadamar’, que entra em cartaz em outubro no famoso teatro de ópera americano, e ‘Frida’, sobre a artista mexicana

Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Depois de criar Cão Sem Plumas, espetáculo de 2017 inspirado no poema de João Cabral de Melo Neto, e Cura (2021), baseado na luta contra a doença rara de seu neto Theo, hoje com 14 anos, a coreógrafa Deborah Colker buscava um projeto que unisse dança e música. Até que surgiu Sagração, que estreia no dia 14 de junho, no Teatro Santander, em São Paulo.

“Foi como um estalo: eu precisava de algo mais solar depois de duas peças muito dramáticas”, conta ela, que também realizou um desejo nascido quando começou a dançar, no final dos anos 1970. “Sempre ambicionei adaptar A Sagração da Primavera, obra-prima com que Igor Stravinski estabeleceu novos parâmetros especialmente para a música e a dança.”

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Estreada em Paris em 1913, A Sagração da Primavera logo foi considerada revolucionária por introduzir estruturas rítmicas e harmônicas nunca utilizadas em partituras. “Era tão espantosamente original que o público reagiu com vaias e xingamentos e isso sempre me encantou”, conta a coreógrafa.

Assumidamente antropofágica, ela decidiu criar um espetáculo que unisse a sonoridade de Stravinski com sons brasileiros produzidos por flautas de madeira, maracás, caxixis e tambores. “Stravinski foi responsável por pontos de ruptura e provocação entre o erudito e o primitivo. A Sagração da Primavera representa esses pontos de evolução da humanidade.”

Coreógrafa Deborah Colker estreia espetáculo baseado em Stravinski. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação
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É tal melodia que acompanha um roteiro inspirado por visões ancestrais sobre a origem do mundo. A trabalhosa costura sonora foi executada pelo diretor musical Alexandre Elias. Profundo conhecedor da obra do compositor russo, ele dissecou harmonicamente a Sagração da Primavera para encontrar pontos que pudessem ser unidos com ritmos brasileiros, sobretudo sons de povos indígenas. “Eu queria trabalhar com o primitivo, com lendas sobre a origem do universo”, conta Deborah que, por isso, sentiu necessidade de visitar o Território Indígena do Xingu onde acompanhou o ritual Kuarup, que objetiva trazer os mortos de novo à vida.

Foi nas aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro que Deborah conheceu Takumã Kuikuro, cineasta que revelou como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu Rei. Em Sagração, essa história é dançada e acompanhada por narração do próprio Takumã e faz parte da coleção de cosmogonias que a diretora reuniu para montar a dramaturgia do espetáculo.

Foi lá também que a coreógrafa percebeu que a tecnologia pode não ser inimiga da ancestralidade. “Ao mesmo tempo em que se preparavam para os rituais, pintando os corpos nus, os indígenas passavam o tempo livre consultando seus celulares. Praticamente todos tinham seu próprio aparelho”, relembra.

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O processo criativo do espetáculo durou dois anos e meio, período em que a coreógrafa apoiou-se em obras de diversos pensadores (Davi Kopenawa, Bruce Albert, Ailton Krenak, Sidarta Ribeiro) para ajustar o roteiro, que contou com a colaboração decisiva do rabino Nilton Bonder. “Foi ele quem me orientou a não cometer erros”, conta Deborah que, mesmo assim, valeu-se da licença poética para apresentar personagens fora da ordem cronológica - assim, Abraão, conhecido como o patriarca do povo hebreu e considerado um dos principais exemplos de fé nas Escrituras, aparece antes que Eva, justamente a primeira mulher.

Espetáculo 'Sagração', de Deborah Colker, estreia no dia 14 de junho no Teatro Santander, em São Paulo. Foto: Flávio Colker/Divulgação

“Eva era uma personagem necessária, pois subverte a ordem divina com sua teimosia”, explica Deborah, que atendeu prontamente um conselho de Bonder: Eva é uma mulher negra. “É alguém que evoluiu, passou a ter livre-arbítrio.” Dessa forma, Sagração começa com a avó do mundo, figura presente na tradição de alguns povos indígenas. Em seguida, com a criação da natureza, surgem seres minúsculos como bactérias, daí animais mais desenvolvidos como os rastejantes até passar pelos mamíferos caçadores e chegar ao homem primitivo, com descoberta do fogo, seguindo uma lenda do povo kuikuro.

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Finalmente, surge Abrãao em um barco (e não andando, como é conhecido, em mais uma intervenção da coreógrafa) até a chegada de Eva. Deborah decidiu excluir uma cena de sacrifício, a mais célebre do roteiro de Stravinski. “Não gosto disso, esse ato me provoca arrepios. E sacrifícios estão no nosso cotidiano, com a discriminação de povos, a destruição da natureza”, justifica.

O espetáculo é visualmente colorido e conta com 170 bambus de quatro metros de altura, alusão às florestas. Na visita ao Xingu, Deborah ficou impressionada como esse material é essencial na rotina dos indígenas. “É um exemplo também de tolerância e resiliência, pois verga, mas não quebra”, comenta Deborah que, com Sagração, comemora 30 anos de fundação de sua companhia, o que acontece em julho.

De olho no Met

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Ao mesmo tempo, ela cuida dos preparativos da estreia americana de Ainadamar, ópera dirigida por ela e escrita pelo argentino Osvaldo Golijov e que é uma das apostas do Metropolitan de Nova York, com estreia em outubro. A coreógrafa participou das audições no mês passado. A ópera é ambientada na Espanha do início do século 20, quando o poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca (1898-1936) é assassinado pelos nacionalistas franquistas durante a Guerra Civil Espanhola, justamente por sua postura antifascista e sua assumida homossexualidade.

Deborah ganhou permissão para incluir dança na montagem, notadamente a flamenca. “Lorca é apaixonante, é como o David Bowie de Ziggy Stardust, que uniu pedaços de todos os lugares para se tornar ele mesmo”, conta ela que, em novembro, viaja para o México acompanhar os festejos do Dia dos Mortos. É o início da pesquisa para outra ópera, Frida, criada pela compositora americana Gabriela Lena Frank e o libretista Nilo Cruz. Trata-se da relação entre os pintores Frida Kahlo e Diego Rivera.

Deborah Colker estreia ópera sobre Frida Kahlo e Diego Rivera no Metropolitan de Nova York em abril de 2026. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação
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A trama se passa no dia 2 de novembro de 1957, quando um idoso Rivera se encontra sozinho, com saudades de sua mulher Frida Kahlo, falecida três anos antes. Em sua dor, o pintor chama por ela, seu grito atravessa o local misterioso onde se encontra Frida, que deve decidir se vai visitá-lo uma última vez – mesmo que isso signifique reviver a dor e a agonia que marcaram o relacionamento entre eles. “Vou visitar o México quando uma mulher já estará na presidência, Claudia Sheinbaum. Além de judia como eu, ela também foi bailarina, o que nos aproxima muito” comenta Deborah. A ópera tem previsão de estreia em abril de 2026, no Met.

Depois de criar Cão Sem Plumas, espetáculo de 2017 inspirado no poema de João Cabral de Melo Neto, e Cura (2021), baseado na luta contra a doença rara de seu neto Theo, hoje com 14 anos, a coreógrafa Deborah Colker buscava um projeto que unisse dança e música. Até que surgiu Sagração, que estreia no dia 14 de junho, no Teatro Santander, em São Paulo.

“Foi como um estalo: eu precisava de algo mais solar depois de duas peças muito dramáticas”, conta ela, que também realizou um desejo nascido quando começou a dançar, no final dos anos 1970. “Sempre ambicionei adaptar A Sagração da Primavera, obra-prima com que Igor Stravinski estabeleceu novos parâmetros especialmente para a música e a dança.”

Estreada em Paris em 1913, A Sagração da Primavera logo foi considerada revolucionária por introduzir estruturas rítmicas e harmônicas nunca utilizadas em partituras. “Era tão espantosamente original que o público reagiu com vaias e xingamentos e isso sempre me encantou”, conta a coreógrafa.

Assumidamente antropofágica, ela decidiu criar um espetáculo que unisse a sonoridade de Stravinski com sons brasileiros produzidos por flautas de madeira, maracás, caxixis e tambores. “Stravinski foi responsável por pontos de ruptura e provocação entre o erudito e o primitivo. A Sagração da Primavera representa esses pontos de evolução da humanidade.”

Coreógrafa Deborah Colker estreia espetáculo baseado em Stravinski. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação

É tal melodia que acompanha um roteiro inspirado por visões ancestrais sobre a origem do mundo. A trabalhosa costura sonora foi executada pelo diretor musical Alexandre Elias. Profundo conhecedor da obra do compositor russo, ele dissecou harmonicamente a Sagração da Primavera para encontrar pontos que pudessem ser unidos com ritmos brasileiros, sobretudo sons de povos indígenas. “Eu queria trabalhar com o primitivo, com lendas sobre a origem do universo”, conta Deborah que, por isso, sentiu necessidade de visitar o Território Indígena do Xingu onde acompanhou o ritual Kuarup, que objetiva trazer os mortos de novo à vida.

Foi nas aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro que Deborah conheceu Takumã Kuikuro, cineasta que revelou como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu Rei. Em Sagração, essa história é dançada e acompanhada por narração do próprio Takumã e faz parte da coleção de cosmogonias que a diretora reuniu para montar a dramaturgia do espetáculo.

Foi lá também que a coreógrafa percebeu que a tecnologia pode não ser inimiga da ancestralidade. “Ao mesmo tempo em que se preparavam para os rituais, pintando os corpos nus, os indígenas passavam o tempo livre consultando seus celulares. Praticamente todos tinham seu próprio aparelho”, relembra.

O processo criativo do espetáculo durou dois anos e meio, período em que a coreógrafa apoiou-se em obras de diversos pensadores (Davi Kopenawa, Bruce Albert, Ailton Krenak, Sidarta Ribeiro) para ajustar o roteiro, que contou com a colaboração decisiva do rabino Nilton Bonder. “Foi ele quem me orientou a não cometer erros”, conta Deborah que, mesmo assim, valeu-se da licença poética para apresentar personagens fora da ordem cronológica - assim, Abraão, conhecido como o patriarca do povo hebreu e considerado um dos principais exemplos de fé nas Escrituras, aparece antes que Eva, justamente a primeira mulher.

Espetáculo 'Sagração', de Deborah Colker, estreia no dia 14 de junho no Teatro Santander, em São Paulo. Foto: Flávio Colker/Divulgação

“Eva era uma personagem necessária, pois subverte a ordem divina com sua teimosia”, explica Deborah, que atendeu prontamente um conselho de Bonder: Eva é uma mulher negra. “É alguém que evoluiu, passou a ter livre-arbítrio.” Dessa forma, Sagração começa com a avó do mundo, figura presente na tradição de alguns povos indígenas. Em seguida, com a criação da natureza, surgem seres minúsculos como bactérias, daí animais mais desenvolvidos como os rastejantes até passar pelos mamíferos caçadores e chegar ao homem primitivo, com descoberta do fogo, seguindo uma lenda do povo kuikuro.

Finalmente, surge Abrãao em um barco (e não andando, como é conhecido, em mais uma intervenção da coreógrafa) até a chegada de Eva. Deborah decidiu excluir uma cena de sacrifício, a mais célebre do roteiro de Stravinski. “Não gosto disso, esse ato me provoca arrepios. E sacrifícios estão no nosso cotidiano, com a discriminação de povos, a destruição da natureza”, justifica.

O espetáculo é visualmente colorido e conta com 170 bambus de quatro metros de altura, alusão às florestas. Na visita ao Xingu, Deborah ficou impressionada como esse material é essencial na rotina dos indígenas. “É um exemplo também de tolerância e resiliência, pois verga, mas não quebra”, comenta Deborah que, com Sagração, comemora 30 anos de fundação de sua companhia, o que acontece em julho.

De olho no Met

Ao mesmo tempo, ela cuida dos preparativos da estreia americana de Ainadamar, ópera dirigida por ela e escrita pelo argentino Osvaldo Golijov e que é uma das apostas do Metropolitan de Nova York, com estreia em outubro. A coreógrafa participou das audições no mês passado. A ópera é ambientada na Espanha do início do século 20, quando o poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca (1898-1936) é assassinado pelos nacionalistas franquistas durante a Guerra Civil Espanhola, justamente por sua postura antifascista e sua assumida homossexualidade.

Deborah ganhou permissão para incluir dança na montagem, notadamente a flamenca. “Lorca é apaixonante, é como o David Bowie de Ziggy Stardust, que uniu pedaços de todos os lugares para se tornar ele mesmo”, conta ela que, em novembro, viaja para o México acompanhar os festejos do Dia dos Mortos. É o início da pesquisa para outra ópera, Frida, criada pela compositora americana Gabriela Lena Frank e o libretista Nilo Cruz. Trata-se da relação entre os pintores Frida Kahlo e Diego Rivera.

Deborah Colker estreia ópera sobre Frida Kahlo e Diego Rivera no Metropolitan de Nova York em abril de 2026. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação

A trama se passa no dia 2 de novembro de 1957, quando um idoso Rivera se encontra sozinho, com saudades de sua mulher Frida Kahlo, falecida três anos antes. Em sua dor, o pintor chama por ela, seu grito atravessa o local misterioso onde se encontra Frida, que deve decidir se vai visitá-lo uma última vez – mesmo que isso signifique reviver a dor e a agonia que marcaram o relacionamento entre eles. “Vou visitar o México quando uma mulher já estará na presidência, Claudia Sheinbaum. Além de judia como eu, ela também foi bailarina, o que nos aproxima muito” comenta Deborah. A ópera tem previsão de estreia em abril de 2026, no Met.

Depois de criar Cão Sem Plumas, espetáculo de 2017 inspirado no poema de João Cabral de Melo Neto, e Cura (2021), baseado na luta contra a doença rara de seu neto Theo, hoje com 14 anos, a coreógrafa Deborah Colker buscava um projeto que unisse dança e música. Até que surgiu Sagração, que estreia no dia 14 de junho, no Teatro Santander, em São Paulo.

“Foi como um estalo: eu precisava de algo mais solar depois de duas peças muito dramáticas”, conta ela, que também realizou um desejo nascido quando começou a dançar, no final dos anos 1970. “Sempre ambicionei adaptar A Sagração da Primavera, obra-prima com que Igor Stravinski estabeleceu novos parâmetros especialmente para a música e a dança.”

Estreada em Paris em 1913, A Sagração da Primavera logo foi considerada revolucionária por introduzir estruturas rítmicas e harmônicas nunca utilizadas em partituras. “Era tão espantosamente original que o público reagiu com vaias e xingamentos e isso sempre me encantou”, conta a coreógrafa.

Assumidamente antropofágica, ela decidiu criar um espetáculo que unisse a sonoridade de Stravinski com sons brasileiros produzidos por flautas de madeira, maracás, caxixis e tambores. “Stravinski foi responsável por pontos de ruptura e provocação entre o erudito e o primitivo. A Sagração da Primavera representa esses pontos de evolução da humanidade.”

Coreógrafa Deborah Colker estreia espetáculo baseado em Stravinski. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação

É tal melodia que acompanha um roteiro inspirado por visões ancestrais sobre a origem do mundo. A trabalhosa costura sonora foi executada pelo diretor musical Alexandre Elias. Profundo conhecedor da obra do compositor russo, ele dissecou harmonicamente a Sagração da Primavera para encontrar pontos que pudessem ser unidos com ritmos brasileiros, sobretudo sons de povos indígenas. “Eu queria trabalhar com o primitivo, com lendas sobre a origem do universo”, conta Deborah que, por isso, sentiu necessidade de visitar o Território Indígena do Xingu onde acompanhou o ritual Kuarup, que objetiva trazer os mortos de novo à vida.

Foi nas aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro que Deborah conheceu Takumã Kuikuro, cineasta que revelou como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu Rei. Em Sagração, essa história é dançada e acompanhada por narração do próprio Takumã e faz parte da coleção de cosmogonias que a diretora reuniu para montar a dramaturgia do espetáculo.

Foi lá também que a coreógrafa percebeu que a tecnologia pode não ser inimiga da ancestralidade. “Ao mesmo tempo em que se preparavam para os rituais, pintando os corpos nus, os indígenas passavam o tempo livre consultando seus celulares. Praticamente todos tinham seu próprio aparelho”, relembra.

O processo criativo do espetáculo durou dois anos e meio, período em que a coreógrafa apoiou-se em obras de diversos pensadores (Davi Kopenawa, Bruce Albert, Ailton Krenak, Sidarta Ribeiro) para ajustar o roteiro, que contou com a colaboração decisiva do rabino Nilton Bonder. “Foi ele quem me orientou a não cometer erros”, conta Deborah que, mesmo assim, valeu-se da licença poética para apresentar personagens fora da ordem cronológica - assim, Abraão, conhecido como o patriarca do povo hebreu e considerado um dos principais exemplos de fé nas Escrituras, aparece antes que Eva, justamente a primeira mulher.

Espetáculo 'Sagração', de Deborah Colker, estreia no dia 14 de junho no Teatro Santander, em São Paulo. Foto: Flávio Colker/Divulgação

“Eva era uma personagem necessária, pois subverte a ordem divina com sua teimosia”, explica Deborah, que atendeu prontamente um conselho de Bonder: Eva é uma mulher negra. “É alguém que evoluiu, passou a ter livre-arbítrio.” Dessa forma, Sagração começa com a avó do mundo, figura presente na tradição de alguns povos indígenas. Em seguida, com a criação da natureza, surgem seres minúsculos como bactérias, daí animais mais desenvolvidos como os rastejantes até passar pelos mamíferos caçadores e chegar ao homem primitivo, com descoberta do fogo, seguindo uma lenda do povo kuikuro.

Finalmente, surge Abrãao em um barco (e não andando, como é conhecido, em mais uma intervenção da coreógrafa) até a chegada de Eva. Deborah decidiu excluir uma cena de sacrifício, a mais célebre do roteiro de Stravinski. “Não gosto disso, esse ato me provoca arrepios. E sacrifícios estão no nosso cotidiano, com a discriminação de povos, a destruição da natureza”, justifica.

O espetáculo é visualmente colorido e conta com 170 bambus de quatro metros de altura, alusão às florestas. Na visita ao Xingu, Deborah ficou impressionada como esse material é essencial na rotina dos indígenas. “É um exemplo também de tolerância e resiliência, pois verga, mas não quebra”, comenta Deborah que, com Sagração, comemora 30 anos de fundação de sua companhia, o que acontece em julho.

De olho no Met

Ao mesmo tempo, ela cuida dos preparativos da estreia americana de Ainadamar, ópera dirigida por ela e escrita pelo argentino Osvaldo Golijov e que é uma das apostas do Metropolitan de Nova York, com estreia em outubro. A coreógrafa participou das audições no mês passado. A ópera é ambientada na Espanha do início do século 20, quando o poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca (1898-1936) é assassinado pelos nacionalistas franquistas durante a Guerra Civil Espanhola, justamente por sua postura antifascista e sua assumida homossexualidade.

Deborah ganhou permissão para incluir dança na montagem, notadamente a flamenca. “Lorca é apaixonante, é como o David Bowie de Ziggy Stardust, que uniu pedaços de todos os lugares para se tornar ele mesmo”, conta ela que, em novembro, viaja para o México acompanhar os festejos do Dia dos Mortos. É o início da pesquisa para outra ópera, Frida, criada pela compositora americana Gabriela Lena Frank e o libretista Nilo Cruz. Trata-se da relação entre os pintores Frida Kahlo e Diego Rivera.

Deborah Colker estreia ópera sobre Frida Kahlo e Diego Rivera no Metropolitan de Nova York em abril de 2026. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação

A trama se passa no dia 2 de novembro de 1957, quando um idoso Rivera se encontra sozinho, com saudades de sua mulher Frida Kahlo, falecida três anos antes. Em sua dor, o pintor chama por ela, seu grito atravessa o local misterioso onde se encontra Frida, que deve decidir se vai visitá-lo uma última vez – mesmo que isso signifique reviver a dor e a agonia que marcaram o relacionamento entre eles. “Vou visitar o México quando uma mulher já estará na presidência, Claudia Sheinbaum. Além de judia como eu, ela também foi bailarina, o que nos aproxima muito” comenta Deborah. A ópera tem previsão de estreia em abril de 2026, no Met.

Depois de criar Cão Sem Plumas, espetáculo de 2017 inspirado no poema de João Cabral de Melo Neto, e Cura (2021), baseado na luta contra a doença rara de seu neto Theo, hoje com 14 anos, a coreógrafa Deborah Colker buscava um projeto que unisse dança e música. Até que surgiu Sagração, que estreia no dia 14 de junho, no Teatro Santander, em São Paulo.

“Foi como um estalo: eu precisava de algo mais solar depois de duas peças muito dramáticas”, conta ela, que também realizou um desejo nascido quando começou a dançar, no final dos anos 1970. “Sempre ambicionei adaptar A Sagração da Primavera, obra-prima com que Igor Stravinski estabeleceu novos parâmetros especialmente para a música e a dança.”

Estreada em Paris em 1913, A Sagração da Primavera logo foi considerada revolucionária por introduzir estruturas rítmicas e harmônicas nunca utilizadas em partituras. “Era tão espantosamente original que o público reagiu com vaias e xingamentos e isso sempre me encantou”, conta a coreógrafa.

Assumidamente antropofágica, ela decidiu criar um espetáculo que unisse a sonoridade de Stravinski com sons brasileiros produzidos por flautas de madeira, maracás, caxixis e tambores. “Stravinski foi responsável por pontos de ruptura e provocação entre o erudito e o primitivo. A Sagração da Primavera representa esses pontos de evolução da humanidade.”

Coreógrafa Deborah Colker estreia espetáculo baseado em Stravinski. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação

É tal melodia que acompanha um roteiro inspirado por visões ancestrais sobre a origem do mundo. A trabalhosa costura sonora foi executada pelo diretor musical Alexandre Elias. Profundo conhecedor da obra do compositor russo, ele dissecou harmonicamente a Sagração da Primavera para encontrar pontos que pudessem ser unidos com ritmos brasileiros, sobretudo sons de povos indígenas. “Eu queria trabalhar com o primitivo, com lendas sobre a origem do universo”, conta Deborah que, por isso, sentiu necessidade de visitar o Território Indígena do Xingu onde acompanhou o ritual Kuarup, que objetiva trazer os mortos de novo à vida.

Foi nas aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro que Deborah conheceu Takumã Kuikuro, cineasta que revelou como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu Rei. Em Sagração, essa história é dançada e acompanhada por narração do próprio Takumã e faz parte da coleção de cosmogonias que a diretora reuniu para montar a dramaturgia do espetáculo.

Foi lá também que a coreógrafa percebeu que a tecnologia pode não ser inimiga da ancestralidade. “Ao mesmo tempo em que se preparavam para os rituais, pintando os corpos nus, os indígenas passavam o tempo livre consultando seus celulares. Praticamente todos tinham seu próprio aparelho”, relembra.

O processo criativo do espetáculo durou dois anos e meio, período em que a coreógrafa apoiou-se em obras de diversos pensadores (Davi Kopenawa, Bruce Albert, Ailton Krenak, Sidarta Ribeiro) para ajustar o roteiro, que contou com a colaboração decisiva do rabino Nilton Bonder. “Foi ele quem me orientou a não cometer erros”, conta Deborah que, mesmo assim, valeu-se da licença poética para apresentar personagens fora da ordem cronológica - assim, Abraão, conhecido como o patriarca do povo hebreu e considerado um dos principais exemplos de fé nas Escrituras, aparece antes que Eva, justamente a primeira mulher.

Espetáculo 'Sagração', de Deborah Colker, estreia no dia 14 de junho no Teatro Santander, em São Paulo. Foto: Flávio Colker/Divulgação

“Eva era uma personagem necessária, pois subverte a ordem divina com sua teimosia”, explica Deborah, que atendeu prontamente um conselho de Bonder: Eva é uma mulher negra. “É alguém que evoluiu, passou a ter livre-arbítrio.” Dessa forma, Sagração começa com a avó do mundo, figura presente na tradição de alguns povos indígenas. Em seguida, com a criação da natureza, surgem seres minúsculos como bactérias, daí animais mais desenvolvidos como os rastejantes até passar pelos mamíferos caçadores e chegar ao homem primitivo, com descoberta do fogo, seguindo uma lenda do povo kuikuro.

Finalmente, surge Abrãao em um barco (e não andando, como é conhecido, em mais uma intervenção da coreógrafa) até a chegada de Eva. Deborah decidiu excluir uma cena de sacrifício, a mais célebre do roteiro de Stravinski. “Não gosto disso, esse ato me provoca arrepios. E sacrifícios estão no nosso cotidiano, com a discriminação de povos, a destruição da natureza”, justifica.

O espetáculo é visualmente colorido e conta com 170 bambus de quatro metros de altura, alusão às florestas. Na visita ao Xingu, Deborah ficou impressionada como esse material é essencial na rotina dos indígenas. “É um exemplo também de tolerância e resiliência, pois verga, mas não quebra”, comenta Deborah que, com Sagração, comemora 30 anos de fundação de sua companhia, o que acontece em julho.

De olho no Met

Ao mesmo tempo, ela cuida dos preparativos da estreia americana de Ainadamar, ópera dirigida por ela e escrita pelo argentino Osvaldo Golijov e que é uma das apostas do Metropolitan de Nova York, com estreia em outubro. A coreógrafa participou das audições no mês passado. A ópera é ambientada na Espanha do início do século 20, quando o poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca (1898-1936) é assassinado pelos nacionalistas franquistas durante a Guerra Civil Espanhola, justamente por sua postura antifascista e sua assumida homossexualidade.

Deborah ganhou permissão para incluir dança na montagem, notadamente a flamenca. “Lorca é apaixonante, é como o David Bowie de Ziggy Stardust, que uniu pedaços de todos os lugares para se tornar ele mesmo”, conta ela que, em novembro, viaja para o México acompanhar os festejos do Dia dos Mortos. É o início da pesquisa para outra ópera, Frida, criada pela compositora americana Gabriela Lena Frank e o libretista Nilo Cruz. Trata-se da relação entre os pintores Frida Kahlo e Diego Rivera.

Deborah Colker estreia ópera sobre Frida Kahlo e Diego Rivera no Metropolitan de Nova York em abril de 2026. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação

A trama se passa no dia 2 de novembro de 1957, quando um idoso Rivera se encontra sozinho, com saudades de sua mulher Frida Kahlo, falecida três anos antes. Em sua dor, o pintor chama por ela, seu grito atravessa o local misterioso onde se encontra Frida, que deve decidir se vai visitá-lo uma última vez – mesmo que isso signifique reviver a dor e a agonia que marcaram o relacionamento entre eles. “Vou visitar o México quando uma mulher já estará na presidência, Claudia Sheinbaum. Além de judia como eu, ela também foi bailarina, o que nos aproxima muito” comenta Deborah. A ópera tem previsão de estreia em abril de 2026, no Met.

Depois de criar Cão Sem Plumas, espetáculo de 2017 inspirado no poema de João Cabral de Melo Neto, e Cura (2021), baseado na luta contra a doença rara de seu neto Theo, hoje com 14 anos, a coreógrafa Deborah Colker buscava um projeto que unisse dança e música. Até que surgiu Sagração, que estreia no dia 14 de junho, no Teatro Santander, em São Paulo.

“Foi como um estalo: eu precisava de algo mais solar depois de duas peças muito dramáticas”, conta ela, que também realizou um desejo nascido quando começou a dançar, no final dos anos 1970. “Sempre ambicionei adaptar A Sagração da Primavera, obra-prima com que Igor Stravinski estabeleceu novos parâmetros especialmente para a música e a dança.”

Estreada em Paris em 1913, A Sagração da Primavera logo foi considerada revolucionária por introduzir estruturas rítmicas e harmônicas nunca utilizadas em partituras. “Era tão espantosamente original que o público reagiu com vaias e xingamentos e isso sempre me encantou”, conta a coreógrafa.

Assumidamente antropofágica, ela decidiu criar um espetáculo que unisse a sonoridade de Stravinski com sons brasileiros produzidos por flautas de madeira, maracás, caxixis e tambores. “Stravinski foi responsável por pontos de ruptura e provocação entre o erudito e o primitivo. A Sagração da Primavera representa esses pontos de evolução da humanidade.”

Coreógrafa Deborah Colker estreia espetáculo baseado em Stravinski. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação

É tal melodia que acompanha um roteiro inspirado por visões ancestrais sobre a origem do mundo. A trabalhosa costura sonora foi executada pelo diretor musical Alexandre Elias. Profundo conhecedor da obra do compositor russo, ele dissecou harmonicamente a Sagração da Primavera para encontrar pontos que pudessem ser unidos com ritmos brasileiros, sobretudo sons de povos indígenas. “Eu queria trabalhar com o primitivo, com lendas sobre a origem do universo”, conta Deborah que, por isso, sentiu necessidade de visitar o Território Indígena do Xingu onde acompanhou o ritual Kuarup, que objetiva trazer os mortos de novo à vida.

Foi nas aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro que Deborah conheceu Takumã Kuikuro, cineasta que revelou como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu Rei. Em Sagração, essa história é dançada e acompanhada por narração do próprio Takumã e faz parte da coleção de cosmogonias que a diretora reuniu para montar a dramaturgia do espetáculo.

Foi lá também que a coreógrafa percebeu que a tecnologia pode não ser inimiga da ancestralidade. “Ao mesmo tempo em que se preparavam para os rituais, pintando os corpos nus, os indígenas passavam o tempo livre consultando seus celulares. Praticamente todos tinham seu próprio aparelho”, relembra.

O processo criativo do espetáculo durou dois anos e meio, período em que a coreógrafa apoiou-se em obras de diversos pensadores (Davi Kopenawa, Bruce Albert, Ailton Krenak, Sidarta Ribeiro) para ajustar o roteiro, que contou com a colaboração decisiva do rabino Nilton Bonder. “Foi ele quem me orientou a não cometer erros”, conta Deborah que, mesmo assim, valeu-se da licença poética para apresentar personagens fora da ordem cronológica - assim, Abraão, conhecido como o patriarca do povo hebreu e considerado um dos principais exemplos de fé nas Escrituras, aparece antes que Eva, justamente a primeira mulher.

Espetáculo 'Sagração', de Deborah Colker, estreia no dia 14 de junho no Teatro Santander, em São Paulo. Foto: Flávio Colker/Divulgação

“Eva era uma personagem necessária, pois subverte a ordem divina com sua teimosia”, explica Deborah, que atendeu prontamente um conselho de Bonder: Eva é uma mulher negra. “É alguém que evoluiu, passou a ter livre-arbítrio.” Dessa forma, Sagração começa com a avó do mundo, figura presente na tradição de alguns povos indígenas. Em seguida, com a criação da natureza, surgem seres minúsculos como bactérias, daí animais mais desenvolvidos como os rastejantes até passar pelos mamíferos caçadores e chegar ao homem primitivo, com descoberta do fogo, seguindo uma lenda do povo kuikuro.

Finalmente, surge Abrãao em um barco (e não andando, como é conhecido, em mais uma intervenção da coreógrafa) até a chegada de Eva. Deborah decidiu excluir uma cena de sacrifício, a mais célebre do roteiro de Stravinski. “Não gosto disso, esse ato me provoca arrepios. E sacrifícios estão no nosso cotidiano, com a discriminação de povos, a destruição da natureza”, justifica.

O espetáculo é visualmente colorido e conta com 170 bambus de quatro metros de altura, alusão às florestas. Na visita ao Xingu, Deborah ficou impressionada como esse material é essencial na rotina dos indígenas. “É um exemplo também de tolerância e resiliência, pois verga, mas não quebra”, comenta Deborah que, com Sagração, comemora 30 anos de fundação de sua companhia, o que acontece em julho.

De olho no Met

Ao mesmo tempo, ela cuida dos preparativos da estreia americana de Ainadamar, ópera dirigida por ela e escrita pelo argentino Osvaldo Golijov e que é uma das apostas do Metropolitan de Nova York, com estreia em outubro. A coreógrafa participou das audições no mês passado. A ópera é ambientada na Espanha do início do século 20, quando o poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca (1898-1936) é assassinado pelos nacionalistas franquistas durante a Guerra Civil Espanhola, justamente por sua postura antifascista e sua assumida homossexualidade.

Deborah ganhou permissão para incluir dança na montagem, notadamente a flamenca. “Lorca é apaixonante, é como o David Bowie de Ziggy Stardust, que uniu pedaços de todos os lugares para se tornar ele mesmo”, conta ela que, em novembro, viaja para o México acompanhar os festejos do Dia dos Mortos. É o início da pesquisa para outra ópera, Frida, criada pela compositora americana Gabriela Lena Frank e o libretista Nilo Cruz. Trata-se da relação entre os pintores Frida Kahlo e Diego Rivera.

Deborah Colker estreia ópera sobre Frida Kahlo e Diego Rivera no Metropolitan de Nova York em abril de 2026. Foto: Peu Fulgencio/Divulgação

A trama se passa no dia 2 de novembro de 1957, quando um idoso Rivera se encontra sozinho, com saudades de sua mulher Frida Kahlo, falecida três anos antes. Em sua dor, o pintor chama por ela, seu grito atravessa o local misterioso onde se encontra Frida, que deve decidir se vai visitá-lo uma última vez – mesmo que isso signifique reviver a dor e a agonia que marcaram o relacionamento entre eles. “Vou visitar o México quando uma mulher já estará na presidência, Claudia Sheinbaum. Além de judia como eu, ela também foi bailarina, o que nos aproxima muito” comenta Deborah. A ópera tem previsão de estreia em abril de 2026, no Met.

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