Se há algo indiscutível na história da dramaturgia brasileira, é que Fernanda Montenegro é a maior atriz do País. Explicar o motivo se torna quase como tentar explicar o óbvio. Afinal, Fernandona, como é carinhosamente chamada a sua grandeza, já até se tornou elogio: que atriz não receberia o maior título da carreira caso fosse chamada de ‘a Fernanda Montenegro de sua geração’?
Fato é que qualquer comparação será feita em vão. Fernanda Montenegro, que completa 95 anos nesta quarta-feira, 16, ainda se mantendo ativa, se coloca como um dos pilares para todas as gerações de atores e atrizes que vieram depois dela. Se também há algo inegável sobre sua trajetória, é que qualquer que seja o artista – de teatro, TV ou cinema – a respeita e a reverencia como a máxima entidade da atuação.
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E quem melhor do que grandes atores para cumprir o difícil papel de resumir a sua grandeza? O Estadão convidou artistas de todas as gerações para responder: “O que faz de Fernanda Montenegro uma das maiores atrizes que o Brasil já teve?”.
Os relatos chegam envoltos de carinho e nostalgia dos muitos que já tiveram a oportunidade de trabalhar com ela, mas também recheados de admiração das atrizes mais novas – que, respeitosamente, a chamam de “Dona Fernanda Montenegro”.
“Nenhum ator contemporâneo passará pela quantidade de espetáculos que a Fernanda já fez no teatro”, declara Matheus Nachtergaele. “A Fernanda é a encarnação do nosso ofício”, diz Denise Fraga. “O legado de Fernanda Montenegro é sua existência”, afirma Gi Fernandes. De Tony Ramos e Renata Sorrah a Vinícius de Oliveira, que atuou ao lado da atriz no clássico Central do Brasil, entenda o motivo de os atores considerarem Fernanda Montenegro a maior de todos os tempos.
Matheus Nachtergaele
“Você não vai encontrar um corpo de ator, não só no Brasil, mas talvez no mundo todo, que tenha passado por tantas dramaturgias quanto o corpo de Fernanda Montenegro. Eu tive acesso ao currículo dela em 1999 – quando fazíamos juntos o espetáculo Da Gaivota, baseado na obra de Tchekov e dirigido pela Daniela Thomas – e me deixou espantado. Nenhum ator contemporâneo passará pela quantidade de espetáculos que a Fernanda já fez no teatro.
Ela deve ter encarnado personagens de espetáculos de quase todos os dramaturgos importantes do mundo e do Brasil, obviamente, além de ter estreado peças que hoje são clássicos. Eu acho que é pela vocação tão forte e pelo trabalho incessante que Fernanda simboliza o melhor do nosso teatro, da nossa arte teatral, da nossa arte de atores. Ela simboliza, mas encarna mesmo, merecidamente, um tipo de ator cuja artesania está em extinção e é extremamente bem formada no fazer constante.
O teatro, por exemplo, antigamente era feito de segunda a domingo. Tudo isso aconteceu com Fernanda Montenegro, como atriz e também como produtora, ao lado de Fernando Torres. É invejável a trajetória e deixa na Fernanda a marca da alta cultura intrínseca, verdadeira, vivida, de cor, de quem tem vocação verdadeira, de quem se joga no trabalho sem rede de proteção e com essa beleza dos artistas que só são felizes de verdade na arte. É por isso que ela é considerada a maior atriz brasileira, e é.
Para terminar, eu queria dizer que poucos atores da geração da Fernanda foram tão longevos e, ao mesmo tempo, tão ativos o tempo todo. E a Fernanda é muito corajosa. Fernanda não fez só espetáculos com uma cara ou com uma estética ou de um gênero. Ela encarou com seu corpo e sua alma todos os gêneros (comédias, melodramas, tragédias, dramas) e todos os veículos (televisão, cinema, teatro), intensamente. Teatro ao vivo, TV ao vivo, TV gravada, folhetins de todos os tamanhos... E se submeteu à batuta de diretores variados, dos mais ‘caretas’ até os mais loucos e arrojados. Não tem preconceitos.
Fernanda é muito moderna. Inclusive, muito corajosa por não se prender a algumas caretices do ofício – no sentido de ‘só faço isso’ ou ‘não me vendo por nada’. Fernanda faz. E com maestria, e com arte, e com poesia, tudo aquilo que ela se propõe a fazer. É por isso que ela é uma mestra, uma diva, no sentido bonito que essa palavra possa ter, uma presença na nossa formação.”
Tony Ramos
“Fernanda, dona Fernanda, querida Fernanda, pedem para eu falar sobre você um pouco nesses seus 95 anos. Isso é impossível, Fernanda. É impossível descrever tamanha carreira, tamanha importância de carreira, tamanha simplicidade, humildade – sem ser subserviente, mas uma humildade legítima – e, principalmente, sua espontaneidade, sua dedicação à profissão. Esse exercício do ofício como você o faz.
Parabéns, querida. Parabéns nesses seus 95 anos e que eles sejam vividos ainda mais com muito trabalho – aliás, que é o que você está fazendo agora. Como sempre, trabalhando, acreditando, perseverando. Muito obrigado, querida, obrigado mesmo por tantos anos de dedicação a esse ofício. Tenho por você profundo, enorme respeito. Tenho por você muito amor, muito carinho e, principalmente, uma alegria enorme quando eu a vejo, quando nós nos encontramos.
Deus te proteja. Que seja uma data de muita comemoração com você, sua família, seus amigos. E em frente, como você sempre gostou de dizer: ‘Meu filho, vamos em frente’. É isso: sempre em frente. Seu carisma, seu talento, essa atriz brasileira, corajosa, transparente, essa atriz brasileira que tanto nos orgulha e nos encanta. Em frente. Deus te proteja – de novo te digo isso. Beijo meu, de Lidiane [Barbosa, mulher de Tony], da nossa família e desse povo brasileiro.”
Vinícius de Oliveira
“Fernanda mantém um rigor único de excelência no seu trabalho como atriz desde sempre. Concomitantemente, suas obras, sejam elas teatrais, de televisão ou cinema, sempre foram referências tanto para a população quanto para nós, artistas. Trabalhos que atingiram altíssimo grau de reconhecimento e de valor artístico, transformando e pavimentando de forma extremamente sólida uma parte significativa da cultura do nosso país. O trabalho de Fernanda é reconhecido no mundo: ela é uma das grandes atrizes não só do nosso país – aqui, vejo como nossa maior atriz –, mas no cenário mundial.
E isso inevitavelmente reverbera na sua pessoa com tamanha lucidez, sabedoria e generosidade. Assim como em uma profissional que tem amor profundo pelo seu ofício. Seu legado é vasto e essencial porque sempre servirá como fonte de estudos, formação acadêmica e humanista.”
Marco Nanini
“Que maravilha eu estar aqui comemorando os 95 anos de Fernanda Montenegro. Fernanda Montenegro é tudo que é por ela mesma, porque ela nasceu assim. Ela nasceu com esse talento imenso, ela nasceu com uma sabedoria muito grande, ela é muito aplicada, ela é muito atenta para as coisas, é uma mulher muito criativa, é uma pessoa admirável. Ela merece todos os elogios, todos os anos de vida que vêm pela frente, para poder ensinar muita gente como eu, que aprendi com ela. Eu desejo muitas felicidades para Fernanda. Parabéns, tenho muito orgulho de ser amigo seu. Um beijo muito grande para você, com todo o meu carinho.”
Taís Araújo
“Algumas coisas fazem da Fernanda Montenegro a maior atriz desse país. Eu acho que, primeiro, personagens muito emblemáticos que ela fez, uma carreira linda teatral, uma carreira linda no cinema, uma carreira linda na televisão, que não podemos esquecer nem descartar porque somos o Brasil, o país das telenovelas.
Ela é uma mulher com posicionamento e com valores muito firmes, que nós sabemos e que não duvidamos. Ela, como uma artista, preza por esses valores, e esses valores estão caminhando junto com ela, absolutamente coerentes. E 95 anos, né? Na ativa e firme na ativa. Dona Fernanda é maravilhosa.”
Klara Castanho
“Antes de mais nada, não dá para falarmos de televisão, de audiovisual brasileiro sem Fernanda Montenegro. E, falando como uma atriz de uma geração mais recente, eu acredito que o que mais diferencia a Dona Fernanda de qualquer outra atriz e o que mais impacta nessa história é a versatilidade.
Já a vimos vivendo personagens como a Jacutinga, na primeira versão de Renascer, vimos as personagens de Central do Brasil, de O Outro Lado do Paraíso. Há uma vastidão de trabalhos de Dona Fernanda Montenegro que são referência. Então, a versatilidade, a curiosidade, tudo que ela já fez no teatro, tudo que ela já fez para que pudéssemos assistir e aprender sempre um pouquinho mais... Sendo dessa nova leva de atrizes, é sempre um ponto de análise e estudo ver tudo que Dona Fernanda Montenegro fez por todos esses anos de carreira.”
Christiane Torloni
“É uma honra poder falar da nossa amada Fernanda Montenegro. Grande atriz, grande profissional, amiga querida, uma cidadã impecável, uma mulher que nunca deixou de dar a sua opinião com integridade, com objetividade e tem essa generosidade com as novas gerações que estão chegando ao teatro. A Fernanda não é só uma mulher que se fez com a disciplina dela, com rigor de continuidade, com as companhias de teatro que ela teve, mas ela estimula, ela aconselha, ela inspira as novas gerações.
Eu tive a oportunidade e a honra de poder fazer As Lágrimas Amargas de Petra von Kant nos anos 1980 com Fernanda e foi um banho, uma injeção, uma seiva no meu coração de teatro. Ela é a joia da geração dela com outras grandes atrizes que fazem parte dessa coroa da cultura brasileira. Parabéns, Fernanda, pelos seus 95 anos. Muito obrigada por você ser a nossa Fernanda Montenegro.”
Isabelle Drummond
“Fernanda é uma atriz realmente referência. Nunca se moldou a nenhum formato, permaneceu fiel ao teatro, como boa parte de sua geração. É uma atriz que abriu caminhos para nós, assim como Aracy [Balabanian], Nicette [Bruno]… Atrizes que não se fazem mais. Ela é como um farol para nossa geração na arte de atuar e também de produzir.”
Renata Sorrah
“Você é tão importante na minha vida. Você me ensinou tantas coisas lindas. Você é muito, muito, muito especial. Eu fico pensando o que seria do teatro sem você... Não existiria, não pode. Tem que ter você sempre. Nós fizemos As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, com a Juliana [Carneiro da Cunha], com Rosita [Thomaz Lopes]. Era uma coisa deslumbrante.
Eu aprendi muito com a Fernanda. Antes, tínhamos feito uma peça juntas também: É..., do Millôr Fernandes, com o Fernando [Torres], Jonas Bloch. E era muito maravilhoso. Eu me lembro, nunca vou esquecer: a primeira cena da Fernanda, ela falava o primeiro texto servindo uma mesa, botando a toalha, os pratos. Era uma perfeição, era de uma grande atriz.
A Fernanda tem uma coisa... Na [peça] A Gaivota, de Tchekhov, a Nina, quando volta, diz assim: ‘Você não precisa só ter talento, você tem que ter vocação’. E é isso que a Fernanda tem. Ela tem um talento incomensurável, mas ela tem vocação. Vocação com o ofício dela, com o palco. E eu adoro que ela não faz uma coisa religiosa. [O teatro] é dela. É o DNA dela. O palco faz parte do DNA dela. É lindo.
Ela, quando chega no teatro... Eu me lembro de As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, no camarim, o contrarregra falava: ‘Está na hora’. A Fernanda tem umas costas lindas... Ereta, bonita. Ela ia andando e eu ia atrás. Ela parava antes de entrar no palco. Antes, ela estava falando sobre tudo o que aconteceu no Brasil, no mundo, mas ali ela parava, fazia uma respiração, verticalizava e entrava em cena. Era lindo aquilo. Era ela se jogando ali para entrar em um outro mundo, em uma coisa linda.
Então, a Fernanda é genial: no cinema, na televisão, no teatro. Ela é querida. Maravilhosa. E mãe da Nandinha, da Fernanda Torres. Parabéns pela sua vida, por você, por tudo que você fez, pela amiga que você é.”
Gi Fernandes
“Para além da pessoa, a figura Fernanda Montenegro acalenta o coração do artista. Lembro da criança Gi estudando a vida dela em uma aula de teatro, sendo apresentada a esse mundo – eu tinha 8 anos e já via um universo cheio de possibilidades, mas ainda não nomeava isso. Eu apenas sentia que estar em um palco me fazia bem, que cantar me fazia bem, que escrever me fazia bem e crescia fazendo.
Ali, mãos delicadas me guiaram até um mundo visto sob o olhar subversivo que a arte tem e me mostraram que tudo aquilo tinha um nome. Dona Fernanda fez essa criança enxergar a arte com sensibilidade, respeito e paixão. O legado de Fernanda Montenegro é sua existência. Celebrar sua vida é celebrar também milhares de outras vidas que um dia foram levadas a se apaixonar pela arte sem nem mesmo saber nomear aquele sentimento. De forma pura, ‘um amor puro que nem sabe a força que tem’, como diz Djavan, celebro tudo o que Dona Fernanda nos ensina.”
Denise Fraga
“A Fernanda é a encarnação do nosso ofício. E eu digo encarnação, porque ela, nesse sentido de carne, conseguiu reunir naquele corpo, naquela voz, meio tudo, meio um símbolo. A referência que ela é para todas nós e todos nós não é à toa: é porque ela fez do seu corpo, da sua voz, a potência máxima do que podemos ser.
Toda a história que ela traz... Cada vez que ela abre a boca, os outros silenciam, porque ela é realmente alguém que você quer ouvir falar, porque traz em si toda uma história. E fora o milagre que ela faz com as palavras, com aquela voz, com aquele olhar. Eu acho que o que a Fernanda faz é muito único de fazer: de potencializar uma palavra, de fazer a palavra ‘pular’. Tem uma frase que uma vez eu ouvi, que eu adoro: ‘O teatro faz a palavra pular’. Não há ninguém que faça a palavra pular como a Fernanda. E de um jeito muito único, de um jeito não óbvio, de um jeito que nos faz entender o que é poesia. Viva Fernanda. Obrigada, Fernanda.”
Paulo Betti
“Eu acho que a Fernanda Montenegro sempre esteve aberta, sempre trabalhou com novos diretores, projetos experimentais, peças menos comerciais também... A Fernanda experimentou muito e uma das maiores qualidades da Fernanda, a meu ver, é que ela vai ver as peças dos colegas. Eu tive a satisfação de ter a Fernanda assistindo às peças que eu fiz, todas elas. A Fernanda é uma pessoa muito querida pelos colegas porque ela vai ao teatro.”