Estar diante de Fernanda Montenegro é como estar diante da história. Aos 94 anos, a atriz e escritora carrega tamanha presença que, ironicamente, precisa de pouquíssimo para encantar. É o que prova o espetáculo Fernanda Montenegro Lê Simone de Beauvoir, que estreou nesta quinta, 20, no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14 Bis, em São Paulo, após temporada no Rio de Janeiro.
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Neste caso, o “encanta” pode ser hipnotiza, fascina, deslumbra. Iluminada no centro do palco, sentada de frente a uma mesa e vestida inteira de preto, Fernanda conduz a plateia por 1h e 15 minutos de leitura composta por trechos do livro A Cerimônia do Adeus (majoritariamente) e de outros obras de Beauvoir (1908-1986), filósofa francesa cujas ideias são fundamentais ao pensamento feminista.
Na noite de estreia, o público parecia ser uma mescla de convidados, artistas - entre eles, Pedro Bial, o casal Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli e Marina Ruy Barbosa acompanhada pelo noivo, Abdul Fares - e aqueles sortudos que garantiram o ingresso pela internet ou presencialmente. O monólogo causou alvoroço, com filas enormes e 10 mil ingressos vendidos para os 20 dias de apresentação.
Não por menos. A voz de Fernanda, mesmo que rouca e marcada pela idade, é projetada e conduzida, ao que aparece, exatamente da maneira que a atriz deseja. Ela evoca emoção, seriedade, tristeza quando necessário, comédia nos momentos certos, e as dúvidas e certezas que marcaram a mulher que foi Simone de Beauvoir. Fernanda não interpreta ou personifica, mas emana a filósofa. Em determinados momentos, é como se as duas estivessem ali - e, de certa forma, estão.
A Cerimônia do Adeus, livro de 1981, publicado no Brasil pela Nova Fronteira, narra os dez últimos anos da vida do filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), companheiro de vida de Beauvoir (saiba mais sobre o livro). Os dois viveram um relacionamento polêmico - descrito por ela como libertário, de igual para igual - e mantinham relações com outras pessoas. O espetáculo, portanto, fala da complexidade do amor, da velhice e da morte.
Mas, mais que isso, a composição dos textos organizada pela própria Fernanda permite um passeio pela vida da escritora francesa. A atriz lê sobre a criação católica, a paixão pelos livros - é simbólico e bonito, aliás, ouvir a frase “eu amei apaixonadamente os livros” sendo entoada pela artista, que leu este mesmo texto pela primeira vez na Academia Brasileira de Letras (ABL), cuja cadeira 17 ela ocupa desde 2021.
Começa com a perda de Zaza, amiga de infância, passa pelo momento em que conhece Sartre e outros intelectuais franceses, estimula reflexão ao narrar os pensamentos de Beauvoir sobre o casamento e o tornar-se mulher, mas também faz rir ao falar das e dos amantes com quem ela e Sartre compartilhavam aventuras sexuais.
Emociona ao lembrar da Segunda Guerra Mundial, que tornou o filósofo prisioneiro, e a eventual libertação francesa. Também passa por outros amores, como o escritor americano Nelson Algren (1909-1981), as “fiestas” que envolveram até o escritor Albert Camus (1913-1960) e a chegada da maturidade. A dor da doença que acometeu Sartre e a perda do companheiro de vida fecham o espetáculo, que foi aplaudido de pé por todo o público.
É clara a familiaridade de Fernanda com o texto, já que, anteriormente, ela interpretou Beauvoir no monólogo Viver Sem Tempos Mortos e, segundo ela, foi apresentada às ideias da filósofa ainda aos 20 anos. Com simplicidade e força, a leitura parece ser mesmo ideal para celebrar os 80 anos de carreira de Fernanda e, sobretudo, destaca essas duas mulheres que, a sua maneira, moldaram e serão sempre lembradas pela sociedade.
Fernanda Montenegro Lê Simone de Beauvoir fica em cartaz até 21 de julho, com ingressos esgotados