Quando terminou o primeiro ensaio geral do musical Dominguinhos: Isso Aqui Tá Bom Demais, na sexta-feira, 30, a cantora Liv Moraes não conseguiu segurar as lágrimas. “Ele estaria muito feliz se estivesse aqui, certamente cantaria junto com o público”, disse ela, filha do cantor, compositor e, principalmente, sanfoneiro, que morreu em 2013 aos 72 anos como um dos maiores instrumentistas do Brasil. O espetáculo, que estreia no Teatro Faap na quinta, 6, presta, de fato, um tributo a José Domingos de Morais, cujo talento precoce foi identificado por Luiz Gonzaga, surpreso com a qualidade do menino de apenas 8 anos em tocar baião, xote, xaxado, forró.
“Era um virtuose da música, que tanto agradava o grande público pelas canções alegres e de fácil assimilação como os artistas mais exigentes, empolgados com a sofisticação de suas melodias que transitavam também no jazz, no pop e na MPB”, observa a dramaturga e jornalista Silvia Gomez, autora do texto do espetáculo, que não optou por uma ordem cronológica. “Preferi montar a trama a partir de seu último momento de vida, quando flashes surgem desordenados, relembrando sua trajetória artística e pessoal, como se tudo se passasse numa fração de segundo infinita do pensamento e da memória.”
Uma decisão acertada, pois permite que Silvia, uma das melhores autoras cênicas do Brasil na atualidade, explore uma combinação entre o documental e o poético. “Há um certo lugar delirante em minhas dramaturgias e aqui pude expressá-lo quando Dominguinhos é visitado pelas histórias, pessoas – e sanfonas – que marcaram sua carreira.”
A sanfona é tão importante que se materializa como personagem, ganhando voz em uma espécie de coro grego imaginário que dialoga com o músico em seu momento de delírio. “Ela mudou o destino dele”, conta Silvia. De fato, a rara habilidade para tocar aquele instrumento (que Dominguinhos evitava chamar de acordeão ou gaita) permitiu que ele impressionasse Gonzagão em 1947, durante uma improvisada apresentação no hall de um hotel em Garanhuns, Pernambuco, dos Três Pinguins (os irmãos Domingos, Moraes e Valdomiro).
Mundo
Gonzagão patrocinou a ida daquele menino ao Rio de Janeiro, onde desenvolveu uma carreira que conquistou o mundo. “Dominguinhos foi um homem que viveu para trazer alegria para as pessoas e que conseguia contar, inclusive coisas tristes, de uma forma alegre”, observa o diretor e idealizador do musical Gabriel Fontes Paiva. “O espetáculo, portanto, busca criar um diálogo com a obra dele, música ao mesmo tempo simples e sofisticada, que desperta alegria.”
Paiva acompanhou os últimos anos da carreira de Dominguinhos, ao lado de Myriam Taubkin, que assina a direção musical do espetáculo. Com a morte dele, a dupla decidiu criar um espetáculo que reverenciasse o autor de canções como Eu Só Quero um Xodó e Tenho Sede (criadas com Anastácia, sua principal parceira musical), cujos registros mais famosos foram feitos por Gil na década de 1970, Isso Aqui Tá Bom Demais e De Volta pro Aconchego (com Nando Cordel), clássico na voz de Elba Ramalho, nos anos 1980, e Abri a Porta e Lamento Sertanejo (com Gilberto Gil). “Dominguinhos tinha intimidade com a música, especialmente o forró, cuja linguagem ele decodificou”, conta Myriam.
O projeto consumiu sete anos de trabalho, especialmente a negociação de direitos autorais. Com a chegada de Silvia no processo criativo, o espetáculo tomou forma: não teria um único intérprete para o papel de Dominguinhos. Além disso, boa parte do elenco vem do universo da música, como Hugo Lins (referência na viola) e Jam da Silva (aclamado percursionista), além dos artistas que se apresentaram com Dominguinhos, como o exímio sanfoneiro Cosme Vieira, o compositor e arranjador Zé Pitoco e Liv Moraes, filha do artista, que chega a viver a si mesma em cena. Completam o elenco os atores Luiza Fittipaldi e Wilson Feitosa. Dominguinhos participa com sua voz, em frases retiradas de entrevistas.
Dominguinhos: Isso Aqui Tá Bom Demais
Teatro Faap
Rua Alagoas, 903.
6ª e sáb., 20h. Dom., 18h. R$ 120.
Estreia 6/10. Até 27/1