Nívea Maria: ‘As pessoas têm uma imagem fantasiosa de mim porque a TV me colocou em uma caixinha’


Atriz diz que público se surpreenderá com sua personagem em ‘Norma’, peça em que contracena com Rainer Cadete, da novela ‘Terra e Paixão’; trama retrata embate entre uma mulher solitária e cheia de culpas e o antigo inquilino de seu apartamento

Por Dirceu Alves Jr
Atualização:

Em junho de 2002, a 6ª Parada do Orgulho LGBT levou 400 mil pessoas à Avenida Paulista, em São Paulo, conforme a Polícia Militar, e movia a multidão em torno do slogan “Educando para a Diversidade”. Pouco mais de cinco quilômetros dali, no Teatro do Centro da Terra, em Perdizes, a atriz Ana Lúcia Torre e o ator Eduardo Moscovis apresentavam a peça Norma, de Dora Castellar e Tônio Carvalho. A trama enfocava o embate entre uma mulher madura e um jovem homossexual sobre o direito a uma visibilidade capaz de amenizar a intolerância.

Pouco mais de duas décadas se passaram, e a Parada do Orgulho LGBT+, em sua 26ª edição, superou os três milhões de participantes no ano passado. As conquistas para a comunidade LGBT+ são inegáveis em uma sociedade que, em meio a consideráveis saltos, ainda se mostra discriminatória.

continua após a publicidade

Sob a direção de Guilherme Piva, Norma volta aos palcos em nova versão, desta vez protagonizada por Nívea Maria e Rainer Cadete, que estreia nesta sexta, 15, no Teatro Vivo, e relê a dupla de personagens de acordo com os avanços e retrocessos em relação à diversidade e ao etarismo, especialmente, nos últimos dez anos.

Nívea Maria e Rainer Cadete protagonizam 'Norma', peça dirigida por Guilherme Piva, que estreia no Teatro Vivo nesta sexta, dia 15. Foto: Leo Aversa/Divulgação

“Eu acho que as Normas dos dias de hoje não aceitaram tão bem as mudanças recentes e continuam com a mesma mentalidade inflexível de que o certo é somente aquilo que elas acreditam”, afirma a atriz Nívea Maria, aos 77 anos, tratando a personagem como uma expoente do conservadorismo manifestado no Brasil. “Ela é uma mulher que não se arrepende ou sente vergonha de seus defeitos, que mistura uma rigidez a uma exaustão por tudo o que atravessou na vida.”

continua após a publicidade

A personagem-título está no apartamento que acabou de alugar e recebe a visita inesperada de Renato (papel de Cadete), o antigo inquilino, que lhe pede a gentileza de passar os seus contatos caso alguém o procure. Norma não disfarça o desconforto diante da orientação sexual do rapaz e, aos poucos, exorciza fantasmas do passado, como o rompimento da relação com o filho logo depois de ele ter se assumido gay.

“A gente vive em uma bolha porque de onde eu vim, da periferia de Brasília, ainda é ditada uma normalidade feroz e quem não se enquadra é excluído, marginalizado e até morto”, declara Cadete, de 36 anos, que se lembra emocionado da montagem com Moscovis e Ana Lúcia. “Era uma peça que me tocou porque falava de algo da minha vida e considero um texto muito útil para o questionamento das individualidades de cada um.”

O ator, que ficou conhecido pelas novelas Verdades Secretas e a recente Terra e Paixão, fala que é resultado da criação de um machismo estrutural, e os conceitos de masculinidade precisam ser repensados.

continua após a publicidade
Nívea Maria e Rainer Cadete vivem Norma e Renato na peça 'Norma', que estreia em SP. Foto: Leo Aversa/Divulgação

“Na minha infância, um menino não brincava de boneca porque esse macho não era educado para cuidar do outro e só podia se divertir com armas, facas, revólveres”, lembra. Cadete é pai de Pietro, um adolescente de 16 anos, e não consegue se imaginar desmoralizando o garoto por causa de uma escolha dele para o futuro.

“Para chegar a esse discernimento, precisei trabalhar a minha cabeça para não repetir os erros da minha criação”, reconhece. “Por isso, acho que a personagem Norma do início dos anos 2000 é uma gêmea desta de agora, porque não passou por reavaliações e se sente no direito de julgar os outros.”

continua após a publicidade

Nívea Maria enche a boca para dizer que, felizmente, não tem nenhum ponto em comum com a amargurada Norma. Pelo contrário, ela garante que sempre foi uma mulher muito liberal, aberta às possibilidades do mundo e que enfrentou todos os desafios comuns à sua geração, principalmente às mulheres.

“Foram três casamentos e três separações, com repercussão, inclusive, na mídia, três filhos criados em uma rotina de trabalho e aquela inevitável culpa que nos persegue como mães”, comenta.

As pessoas têm uma imagem fantasiosa de mim porque a televisão me colocou em uma caixinha como a mocinha de época ou a heroína sofredora e, por isso, muitos se surpreenderão com a agressividade carregada por Norma.

Nívea Maria

continua após a publicidade

A atriz confessa que peitou a direção da Rede Globo inúmeras vezes para interpretar papéis que seu nome nem era cogitado. Entre as que se saiu vitoriosa, ela cita a filha ingrata da novela Dona Xepa (1977), uma mulher traída que se reinventa na minissérie Anos Dourados (1986) e a matriarca repressora e mal-amada de outra minissérie, A Casa das Sete Mulheres (2003).

Faz três anos que Nívea não é mais contratada da emissora e, neste tempo, voltou como freelancer para gravar dois episódios da série A Divisão e estrelou o espetáculo Ensina-me a Viver. “Foi no teatro que vivi maiores transgressões, como aparecer nua na peça Na Sauna ou interpretar uma lésbica em As Lobas”, lembra.

“Acho que minha geração vive um momento importante porque é só olhar quantas atrizes maduras estão protagonizando trabalhos desafiadores e provando que temos muito a fazer no teatro, no cinema ou na televisão”, completa.

continua após a publicidade

Serviço

Norma. Teatro Vivo. Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2460, Morumbi. Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. R$ 130,00. Até 5 de maio. A partir de sexta, 15 de março.

Em junho de 2002, a 6ª Parada do Orgulho LGBT levou 400 mil pessoas à Avenida Paulista, em São Paulo, conforme a Polícia Militar, e movia a multidão em torno do slogan “Educando para a Diversidade”. Pouco mais de cinco quilômetros dali, no Teatro do Centro da Terra, em Perdizes, a atriz Ana Lúcia Torre e o ator Eduardo Moscovis apresentavam a peça Norma, de Dora Castellar e Tônio Carvalho. A trama enfocava o embate entre uma mulher madura e um jovem homossexual sobre o direito a uma visibilidade capaz de amenizar a intolerância.

Pouco mais de duas décadas se passaram, e a Parada do Orgulho LGBT+, em sua 26ª edição, superou os três milhões de participantes no ano passado. As conquistas para a comunidade LGBT+ são inegáveis em uma sociedade que, em meio a consideráveis saltos, ainda se mostra discriminatória.

Sob a direção de Guilherme Piva, Norma volta aos palcos em nova versão, desta vez protagonizada por Nívea Maria e Rainer Cadete, que estreia nesta sexta, 15, no Teatro Vivo, e relê a dupla de personagens de acordo com os avanços e retrocessos em relação à diversidade e ao etarismo, especialmente, nos últimos dez anos.

Nívea Maria e Rainer Cadete protagonizam 'Norma', peça dirigida por Guilherme Piva, que estreia no Teatro Vivo nesta sexta, dia 15. Foto: Leo Aversa/Divulgação

“Eu acho que as Normas dos dias de hoje não aceitaram tão bem as mudanças recentes e continuam com a mesma mentalidade inflexível de que o certo é somente aquilo que elas acreditam”, afirma a atriz Nívea Maria, aos 77 anos, tratando a personagem como uma expoente do conservadorismo manifestado no Brasil. “Ela é uma mulher que não se arrepende ou sente vergonha de seus defeitos, que mistura uma rigidez a uma exaustão por tudo o que atravessou na vida.”

A personagem-título está no apartamento que acabou de alugar e recebe a visita inesperada de Renato (papel de Cadete), o antigo inquilino, que lhe pede a gentileza de passar os seus contatos caso alguém o procure. Norma não disfarça o desconforto diante da orientação sexual do rapaz e, aos poucos, exorciza fantasmas do passado, como o rompimento da relação com o filho logo depois de ele ter se assumido gay.

“A gente vive em uma bolha porque de onde eu vim, da periferia de Brasília, ainda é ditada uma normalidade feroz e quem não se enquadra é excluído, marginalizado e até morto”, declara Cadete, de 36 anos, que se lembra emocionado da montagem com Moscovis e Ana Lúcia. “Era uma peça que me tocou porque falava de algo da minha vida e considero um texto muito útil para o questionamento das individualidades de cada um.”

O ator, que ficou conhecido pelas novelas Verdades Secretas e a recente Terra e Paixão, fala que é resultado da criação de um machismo estrutural, e os conceitos de masculinidade precisam ser repensados.

Nívea Maria e Rainer Cadete vivem Norma e Renato na peça 'Norma', que estreia em SP. Foto: Leo Aversa/Divulgação

“Na minha infância, um menino não brincava de boneca porque esse macho não era educado para cuidar do outro e só podia se divertir com armas, facas, revólveres”, lembra. Cadete é pai de Pietro, um adolescente de 16 anos, e não consegue se imaginar desmoralizando o garoto por causa de uma escolha dele para o futuro.

“Para chegar a esse discernimento, precisei trabalhar a minha cabeça para não repetir os erros da minha criação”, reconhece. “Por isso, acho que a personagem Norma do início dos anos 2000 é uma gêmea desta de agora, porque não passou por reavaliações e se sente no direito de julgar os outros.”

Nívea Maria enche a boca para dizer que, felizmente, não tem nenhum ponto em comum com a amargurada Norma. Pelo contrário, ela garante que sempre foi uma mulher muito liberal, aberta às possibilidades do mundo e que enfrentou todos os desafios comuns à sua geração, principalmente às mulheres.

“Foram três casamentos e três separações, com repercussão, inclusive, na mídia, três filhos criados em uma rotina de trabalho e aquela inevitável culpa que nos persegue como mães”, comenta.

As pessoas têm uma imagem fantasiosa de mim porque a televisão me colocou em uma caixinha como a mocinha de época ou a heroína sofredora e, por isso, muitos se surpreenderão com a agressividade carregada por Norma.

Nívea Maria

A atriz confessa que peitou a direção da Rede Globo inúmeras vezes para interpretar papéis que seu nome nem era cogitado. Entre as que se saiu vitoriosa, ela cita a filha ingrata da novela Dona Xepa (1977), uma mulher traída que se reinventa na minissérie Anos Dourados (1986) e a matriarca repressora e mal-amada de outra minissérie, A Casa das Sete Mulheres (2003).

Faz três anos que Nívea não é mais contratada da emissora e, neste tempo, voltou como freelancer para gravar dois episódios da série A Divisão e estrelou o espetáculo Ensina-me a Viver. “Foi no teatro que vivi maiores transgressões, como aparecer nua na peça Na Sauna ou interpretar uma lésbica em As Lobas”, lembra.

“Acho que minha geração vive um momento importante porque é só olhar quantas atrizes maduras estão protagonizando trabalhos desafiadores e provando que temos muito a fazer no teatro, no cinema ou na televisão”, completa.

Serviço

Norma. Teatro Vivo. Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2460, Morumbi. Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. R$ 130,00. Até 5 de maio. A partir de sexta, 15 de março.

Em junho de 2002, a 6ª Parada do Orgulho LGBT levou 400 mil pessoas à Avenida Paulista, em São Paulo, conforme a Polícia Militar, e movia a multidão em torno do slogan “Educando para a Diversidade”. Pouco mais de cinco quilômetros dali, no Teatro do Centro da Terra, em Perdizes, a atriz Ana Lúcia Torre e o ator Eduardo Moscovis apresentavam a peça Norma, de Dora Castellar e Tônio Carvalho. A trama enfocava o embate entre uma mulher madura e um jovem homossexual sobre o direito a uma visibilidade capaz de amenizar a intolerância.

Pouco mais de duas décadas se passaram, e a Parada do Orgulho LGBT+, em sua 26ª edição, superou os três milhões de participantes no ano passado. As conquistas para a comunidade LGBT+ são inegáveis em uma sociedade que, em meio a consideráveis saltos, ainda se mostra discriminatória.

Sob a direção de Guilherme Piva, Norma volta aos palcos em nova versão, desta vez protagonizada por Nívea Maria e Rainer Cadete, que estreia nesta sexta, 15, no Teatro Vivo, e relê a dupla de personagens de acordo com os avanços e retrocessos em relação à diversidade e ao etarismo, especialmente, nos últimos dez anos.

Nívea Maria e Rainer Cadete protagonizam 'Norma', peça dirigida por Guilherme Piva, que estreia no Teatro Vivo nesta sexta, dia 15. Foto: Leo Aversa/Divulgação

“Eu acho que as Normas dos dias de hoje não aceitaram tão bem as mudanças recentes e continuam com a mesma mentalidade inflexível de que o certo é somente aquilo que elas acreditam”, afirma a atriz Nívea Maria, aos 77 anos, tratando a personagem como uma expoente do conservadorismo manifestado no Brasil. “Ela é uma mulher que não se arrepende ou sente vergonha de seus defeitos, que mistura uma rigidez a uma exaustão por tudo o que atravessou na vida.”

A personagem-título está no apartamento que acabou de alugar e recebe a visita inesperada de Renato (papel de Cadete), o antigo inquilino, que lhe pede a gentileza de passar os seus contatos caso alguém o procure. Norma não disfarça o desconforto diante da orientação sexual do rapaz e, aos poucos, exorciza fantasmas do passado, como o rompimento da relação com o filho logo depois de ele ter se assumido gay.

“A gente vive em uma bolha porque de onde eu vim, da periferia de Brasília, ainda é ditada uma normalidade feroz e quem não se enquadra é excluído, marginalizado e até morto”, declara Cadete, de 36 anos, que se lembra emocionado da montagem com Moscovis e Ana Lúcia. “Era uma peça que me tocou porque falava de algo da minha vida e considero um texto muito útil para o questionamento das individualidades de cada um.”

O ator, que ficou conhecido pelas novelas Verdades Secretas e a recente Terra e Paixão, fala que é resultado da criação de um machismo estrutural, e os conceitos de masculinidade precisam ser repensados.

Nívea Maria e Rainer Cadete vivem Norma e Renato na peça 'Norma', que estreia em SP. Foto: Leo Aversa/Divulgação

“Na minha infância, um menino não brincava de boneca porque esse macho não era educado para cuidar do outro e só podia se divertir com armas, facas, revólveres”, lembra. Cadete é pai de Pietro, um adolescente de 16 anos, e não consegue se imaginar desmoralizando o garoto por causa de uma escolha dele para o futuro.

“Para chegar a esse discernimento, precisei trabalhar a minha cabeça para não repetir os erros da minha criação”, reconhece. “Por isso, acho que a personagem Norma do início dos anos 2000 é uma gêmea desta de agora, porque não passou por reavaliações e se sente no direito de julgar os outros.”

Nívea Maria enche a boca para dizer que, felizmente, não tem nenhum ponto em comum com a amargurada Norma. Pelo contrário, ela garante que sempre foi uma mulher muito liberal, aberta às possibilidades do mundo e que enfrentou todos os desafios comuns à sua geração, principalmente às mulheres.

“Foram três casamentos e três separações, com repercussão, inclusive, na mídia, três filhos criados em uma rotina de trabalho e aquela inevitável culpa que nos persegue como mães”, comenta.

As pessoas têm uma imagem fantasiosa de mim porque a televisão me colocou em uma caixinha como a mocinha de época ou a heroína sofredora e, por isso, muitos se surpreenderão com a agressividade carregada por Norma.

Nívea Maria

A atriz confessa que peitou a direção da Rede Globo inúmeras vezes para interpretar papéis que seu nome nem era cogitado. Entre as que se saiu vitoriosa, ela cita a filha ingrata da novela Dona Xepa (1977), uma mulher traída que se reinventa na minissérie Anos Dourados (1986) e a matriarca repressora e mal-amada de outra minissérie, A Casa das Sete Mulheres (2003).

Faz três anos que Nívea não é mais contratada da emissora e, neste tempo, voltou como freelancer para gravar dois episódios da série A Divisão e estrelou o espetáculo Ensina-me a Viver. “Foi no teatro que vivi maiores transgressões, como aparecer nua na peça Na Sauna ou interpretar uma lésbica em As Lobas”, lembra.

“Acho que minha geração vive um momento importante porque é só olhar quantas atrizes maduras estão protagonizando trabalhos desafiadores e provando que temos muito a fazer no teatro, no cinema ou na televisão”, completa.

Serviço

Norma. Teatro Vivo. Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2460, Morumbi. Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. R$ 130,00. Até 5 de maio. A partir de sexta, 15 de março.

Em junho de 2002, a 6ª Parada do Orgulho LGBT levou 400 mil pessoas à Avenida Paulista, em São Paulo, conforme a Polícia Militar, e movia a multidão em torno do slogan “Educando para a Diversidade”. Pouco mais de cinco quilômetros dali, no Teatro do Centro da Terra, em Perdizes, a atriz Ana Lúcia Torre e o ator Eduardo Moscovis apresentavam a peça Norma, de Dora Castellar e Tônio Carvalho. A trama enfocava o embate entre uma mulher madura e um jovem homossexual sobre o direito a uma visibilidade capaz de amenizar a intolerância.

Pouco mais de duas décadas se passaram, e a Parada do Orgulho LGBT+, em sua 26ª edição, superou os três milhões de participantes no ano passado. As conquistas para a comunidade LGBT+ são inegáveis em uma sociedade que, em meio a consideráveis saltos, ainda se mostra discriminatória.

Sob a direção de Guilherme Piva, Norma volta aos palcos em nova versão, desta vez protagonizada por Nívea Maria e Rainer Cadete, que estreia nesta sexta, 15, no Teatro Vivo, e relê a dupla de personagens de acordo com os avanços e retrocessos em relação à diversidade e ao etarismo, especialmente, nos últimos dez anos.

Nívea Maria e Rainer Cadete protagonizam 'Norma', peça dirigida por Guilherme Piva, que estreia no Teatro Vivo nesta sexta, dia 15. Foto: Leo Aversa/Divulgação

“Eu acho que as Normas dos dias de hoje não aceitaram tão bem as mudanças recentes e continuam com a mesma mentalidade inflexível de que o certo é somente aquilo que elas acreditam”, afirma a atriz Nívea Maria, aos 77 anos, tratando a personagem como uma expoente do conservadorismo manifestado no Brasil. “Ela é uma mulher que não se arrepende ou sente vergonha de seus defeitos, que mistura uma rigidez a uma exaustão por tudo o que atravessou na vida.”

A personagem-título está no apartamento que acabou de alugar e recebe a visita inesperada de Renato (papel de Cadete), o antigo inquilino, que lhe pede a gentileza de passar os seus contatos caso alguém o procure. Norma não disfarça o desconforto diante da orientação sexual do rapaz e, aos poucos, exorciza fantasmas do passado, como o rompimento da relação com o filho logo depois de ele ter se assumido gay.

“A gente vive em uma bolha porque de onde eu vim, da periferia de Brasília, ainda é ditada uma normalidade feroz e quem não se enquadra é excluído, marginalizado e até morto”, declara Cadete, de 36 anos, que se lembra emocionado da montagem com Moscovis e Ana Lúcia. “Era uma peça que me tocou porque falava de algo da minha vida e considero um texto muito útil para o questionamento das individualidades de cada um.”

O ator, que ficou conhecido pelas novelas Verdades Secretas e a recente Terra e Paixão, fala que é resultado da criação de um machismo estrutural, e os conceitos de masculinidade precisam ser repensados.

Nívea Maria e Rainer Cadete vivem Norma e Renato na peça 'Norma', que estreia em SP. Foto: Leo Aversa/Divulgação

“Na minha infância, um menino não brincava de boneca porque esse macho não era educado para cuidar do outro e só podia se divertir com armas, facas, revólveres”, lembra. Cadete é pai de Pietro, um adolescente de 16 anos, e não consegue se imaginar desmoralizando o garoto por causa de uma escolha dele para o futuro.

“Para chegar a esse discernimento, precisei trabalhar a minha cabeça para não repetir os erros da minha criação”, reconhece. “Por isso, acho que a personagem Norma do início dos anos 2000 é uma gêmea desta de agora, porque não passou por reavaliações e se sente no direito de julgar os outros.”

Nívea Maria enche a boca para dizer que, felizmente, não tem nenhum ponto em comum com a amargurada Norma. Pelo contrário, ela garante que sempre foi uma mulher muito liberal, aberta às possibilidades do mundo e que enfrentou todos os desafios comuns à sua geração, principalmente às mulheres.

“Foram três casamentos e três separações, com repercussão, inclusive, na mídia, três filhos criados em uma rotina de trabalho e aquela inevitável culpa que nos persegue como mães”, comenta.

As pessoas têm uma imagem fantasiosa de mim porque a televisão me colocou em uma caixinha como a mocinha de época ou a heroína sofredora e, por isso, muitos se surpreenderão com a agressividade carregada por Norma.

Nívea Maria

A atriz confessa que peitou a direção da Rede Globo inúmeras vezes para interpretar papéis que seu nome nem era cogitado. Entre as que se saiu vitoriosa, ela cita a filha ingrata da novela Dona Xepa (1977), uma mulher traída que se reinventa na minissérie Anos Dourados (1986) e a matriarca repressora e mal-amada de outra minissérie, A Casa das Sete Mulheres (2003).

Faz três anos que Nívea não é mais contratada da emissora e, neste tempo, voltou como freelancer para gravar dois episódios da série A Divisão e estrelou o espetáculo Ensina-me a Viver. “Foi no teatro que vivi maiores transgressões, como aparecer nua na peça Na Sauna ou interpretar uma lésbica em As Lobas”, lembra.

“Acho que minha geração vive um momento importante porque é só olhar quantas atrizes maduras estão protagonizando trabalhos desafiadores e provando que temos muito a fazer no teatro, no cinema ou na televisão”, completa.

Serviço

Norma. Teatro Vivo. Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2460, Morumbi. Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. R$ 130,00. Até 5 de maio. A partir de sexta, 15 de março.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.