Os clubes de comédia são uma febre em São Paulo. Até mesmo em noites de dias de semana, filas enormes são formadas nas portas dos principais estabelecimentos do gênero. A possibilidade de escapismo dos problemas mundanos na metrópole mais populosa da América Latina, nem que seja por algumas horas, se prova uma das principais razões para o sucesso do negócio.
O formato, responsável pela valorização do humor como forma de comunicação, entretenimento e reflexão, surgiu no final dos anos 1950 e ganhou força na década seguinte, de forma mais acentuada em Nova York, quando alguns alguns clubes noturnos eliminaram os números musicais para promover shows de stand-up, espetáculo executado por apenas um comediante, que se apresenta em pé, geralmente sem acessórios ou cenários.
Para entender como o fenômeno movimenta São Paulo, o Estadão visitou as três casas mais frequentadas da cidade: Clube Barbixas, My Fucking Comedy Club e Clube do Minhoca.
Clube Barbixas de Comédia
- Onde fica: Rua Augusta, 1.129 – Consolação (capacidade: até 280 pessoas)
Muitas pessoas ainda não sabem, mas o antigo Comedians, precursor do modelo no Brasil, aberto em uma das ruas mais efervescentes da Terra da Garoa, foi adquirido e rebatizado pelo grupo humorístico Barbixas, formado por Anderson Bizzocchi, Daniel Nascimento e Elidio Sanna.
Criado em 2004, o conjunto caracterizado por improvisos e pelo estilo teatral, já rodou o Brasil várias vezes e se apresentou até fora do País. Apenas no canal oficial do Youtube, eles já acumulam mais de 1 bilhão de visualizações.
“Chegou a notícia de que o Comedians estava pra fechar, em 2020, por causa da pandemia. Convidaram-nos para participar dessa empreitada e aceitamos. Aqui em São Paulo, temos a inspiração dos Parlapatões, um grupo de humor com espaço próprio. Vimos a oportunidade de não deixar um endereço dedicado à comédia morrer e, então, pensamos: ‘Por que não continuar?’”, conta Bizzocchi.
O espaçoso clube possui capacidade para 280 pessoas. O público, majoritariamente na faixa dos 30 a 40 anos, foi chegando aos poucos até encher o local para o show das 21h. A lotação em plena quarta-feira, quando o Estadão esteve no local, não deixou de ser uma surpresa, afinal, não eram os Barbixas que se apresentariam, mas, sim, um elenco diverso de comediantes de stand-up: Júnior Chicó, Danubia Lauro, Abner Henrique, Rafael Tibério e, o mais hilário da patota, Rodrigo Marques.
Nas mesas, baldes de cerveja e drinks coloridos eram servidos pela numerosa equipe de garçons, assim como hambúrgueres e croquetes de pernil, enquanto selfies entre casais e grupos de amigos eram clicadas a cada minuto.
As piadas de teor sexual arrancaram as gargalhadas mais intensas do espetáculo. Outras tiradas politicamente incorretas, envolvendo pessoas como o ex-goleiro Bruno e Suzane von Richthofen, causaram impacto similar, mas com pitadas de desconforto.
“É um rolê divertido e que cabe a todos. Dá pra tomar uma, comer um petisco, aproveitar com seus amigos, com a sua namorada, com a família”, explica Paulo, 31, na companhia de Desiree, 30.
“Cada humorista tem uma temática e às vezes até te atualiza de algumas coisas que você está por fora. É uma maneira inteligente para desestressar, se distrair e também de se informar”, conta Elaine, 36, ao lado do amigo Flávio, 49.
“Os cinemas estão sofrendo porque as pessoas ficam em casa para ver Netflix. Mas, por sorte, a comédia ao vivo não tem mídia que vai superar. O riso é coletivo. Você sozinho em casa pode rir, mas com pessoas rindo ao seu lado, aquilo se potencializa”, acrescenta Bizzocchi.
Os sócios destacaram ainda a versatilidade da curadoria. Na programação, além de stand-ups, é possível assistir a espetáculos circenses, de drag queens, peças interativas ou até mesmo um monólogo teatral do ator Pedro Cardoso.
“Tem público para tudo. Há aqueles que querem sair de casa para ver algum comediante porque ele é polêmico. Tem gente que quer sair de casa pra ver um negócio ‘mamão com açúcar’ e voltar pra casa com a barriga cheia. E tem aquela pessoa que simplesmente quer se surpreender. Além disso, somos visitados por muitos turistas”, afirma Elidio Sanna.
O único aspecto negativo da experiência, não exclusivo ao Clube Barbixas, mas sim ao comércio nas regiões adjacentes à Avenida Paulista, é a dificuldade de acesso. Devido aos estacionamentos caríssimos, boa parte dos visitantes faz o trajeto a pé. Em compensação, os preços da casa são atrativos - a entrada custa na faixa dos R$ 30 a R$ 40.
“De noite, as pessoas não cabem na calçada. Elas disputam com os carros. Meu sonho é existir um planejamento da CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] de futuramente a Rua Augusta virar um grande calçadão, como acontece em alguns lugares do centro de São Paulo”, pontua Bizzochi.
My Fucking Comedy Club
- Onde fica: Alameda Santos, 1.518 – Jardim Paulista (capacidade: até 90 pessoas)
“Nós construímos esse clube sobre comédia livre”, diz um letreiro, em inglês, na porta de entrada do My Fucking Comedy Club. Ao adentrar o local, a sensação é a de ser transportado para um clube underground no vibrante bairro nova-iorquino de Greenwich Village.
Com atmosfera intimista, iluminação suave e capacidade para somente 90 espectadores, o espaço criado pelo humorista Danilo Gentili claramente reverbera a influência da cultura norte-americana.
Em uma quinta-feira de trânsito intenso, as duas sessões do Stand-Up Raiz, que conta com a participação alternada de Gentili, Oscar Filho (ex-repórter do CQC) e Diogo Portugal, um dos pioneiros do gênero, estavam completamente esgotadas. O espetáculo é apresentado semanalmente, com valores entre R$ 65 e R$170.
O palco próximo ao público deixa pouco espaço para circulação. Essa tarefa, no entanto, é habilmente gerenciada pelo time de garçons, sempre simpáticos, que se movem com agilidade para servir milk-shakes e hambúrgueres.
Gentili, fundador do Comedians, conta que o novo clube tem muito a ver com o endereço hoje gerenciado pelos Barbixas. “Todo negócio que dependia de público foi fechado na pandemia e com o Comedians não foi diferente. Mas eu já imaginava ter um comedy club como é aqui. Mais intimista e democrático. Aqui eu não tenho sócio. Então, tive mais liberdade pra implementar a minha visão. Tentei fazer uma fórmula que não depende de pandemia. Temos uma cozinha onde, por si só, ela já se sustenta”, conta Gentili.
Defensor da liberdade irrestrita do humor, Gentili, que é apresentador do The Noite, do SBT, fez questão de apresentar o mural, nas paredes do recinto, no qual são contabilizadas 117 ações contra ele (dados reunidos pelo advogado dele). Ele lidera a lista, e é seguido pelos colegas Léo Lins e Rafinha Bastos.
Ao lado do ‘Ranking de Processos’, há um quadro sarcástico com medalhas para ‘Condenação e Pedido de Prisão’; ‘Agressão Física’; ‘Demissão’; ‘Censura Oficial’ e ‘Lista Negra’, relembrando episódios famosos como a ocasião na qual Oscar Filho foi ‘agredido pelo diretor de cinema Hector Babenco enquanto gravava a sua 1ª matéria para o CQC’ ou quando a Justiça ordenou ‘recolher das lojas o DVD A Arte do Insulto’, de Rafinha Bastos.
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Naquela noite, cerca de metade da audiência era composta por turistas de várias regiões: de Santa Catarina, Fortaleza e até do Japão.
Kátia e o marido, ambos de 55 anos, vieram de Santo André. “É diversão garantida. 33 anos de casado, tem que renovar, né? (risos) A vida já é bem complicadinha. Então, quando posso sair pra dar risada, eu aproveito. Hoje viemos por conta do Danilo. Sou apaixonada por ele. Assisto ao programa dele [The Noite]. Gosto dele como pessoa, como ser humano”, diz.
O show hilariante do trio, com foco nas piadas de humor autodepreciativo, provoca risadas de doer a barriga. No dia da visita do Estadão, o ator Vincent Martella, famoso por ter interpretado o personagem Greg na série Todo Mundo Odeia o Chris, fez uma participação surpresa no fim do espetáculo. Minutos depois, o astro internacional falou com exclusividade à reportagem nos bastidores do clube.
Vincent Martella, sobre a liberdade de humor no Brasil
Oscar Filho apoiou o comentário de Martella. “Estamos vivendo um momento politicamente correto que impede a criatividade. Não apenas os humoristas, mas as pessoas estão com medo de dar opinião. Então, a criatividade vai morrendo de tal forma que, lá na frente, o humor vai ficar muito simplório e superficial”, disse.
Clube do Minhoca
- Onde fica: Rua Cunha Horta, 26 – Consolação (capacidade: até 120 pessoas)
O cheiro de maconha já é sentido na porta de entrada do Clube do Minhoca, facilmente identificado pelos grafites criativos que estampam a fachada do espaço, situado ao lado do Elevado Presidente João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão.
A atmosfera libertária e good vibes do empreendimento foi idealizada por Patrick Maia, um dos quatro sócios, ao lado dos também comediantes Nando Viana, Bruno Romano e Whindersson Nunes.
“Eu estava andando pelo Minhocão e aí vi esse prédio com as janelas abertas e a placa de ‘aluga-se’. Comecei a pensar: ‘Caramba, que coisa doida, um prédio bem na beira do viaduto, e se eu fizesse alguma coisa aqui?’, lembra Maia. Pouco depois, ele alugou o imóvel com um colega e inaugurou o clube em 2018.
O pequeno edifício tem duas salas para apresentações e comporta cerca de 120 pessoas de maneira simultânea. Antes dos eventos de humor, o pré-show musical, com banda ao vivo, permite ao público descontração em meio a névoa de fumo. Em um dos andares, há um guichê simples onde é possível pedir bebidas e sanduíches.
“Aqui não temos uma cozinha, não fazemos o serviço de garçom, etc. É mais enxuto, como um negócio mesmo, tem menos custo, menos equipe. A preocupação se reduz a fazer um show de stand-up. É mais um lugar para receber as pessoas que querem viver de comédia”, explica Romano.
“A minha curadoria aqui é ter os melhores e os futuros melhores. São 70 comediantes que passam pelo palco todo mês”, acrescenta Maia, versátil artista cuja produção de conteúdo se ramifica na música, na escrita, nos desenhos e na revista humorística Minhocazine.
Uma das principais atrações deste ano foi o espetáculo Drogas e Outras Coisas, de Whindersson Nunes, responsável por esgotar sessões semanalmente. O preço dos bilhetes no local variam, mas ficam na faixa dos R$40,00 aos R$80,00.
“É um lugar bem underground. Muitos comediantes já subiram nesse palco. É uma garantia de que você vai ver muita gente com texto diferente, pensamentos diferentes. Às vezes, a pessoa sai de casa com a perspectiva de ver um comediante e se diverte com outros três ou quatro caras que ela nem sabia que existiam”, ressalta Whindersson.
No palco, ele foi precedido pelos ótimos Robson Sousa, Roger Siqueira e João Barros, antes de apresentar um show cuja a impressão foi a de um texto ainda em construção e com trechos desnecessários. Isso não impediu, no entanto, a diversão do público, que lotou a casa em plena quarta-feira. “Nunca tinha vindo e adorei o clima. Pretendo voltar mais vezes”, diz Adriana, 27.