Do dramaturgo americano Neil LaBute, o público brasileiro conhece, entre outras, as peças Baque, Gorda e Razões para ser Bonita. Em comum, todas tratam, com um humor perverso, da distorção de valores e da hipocrisia social. A comédia The Money Shot, que estreou nesta terça, 24, no Teatro Vivo, sob a direção de Eric Lenate, não foge à regra. Desta vez, no entanto, a crítica recai sobre a indústria cinematográfica e o ego de estrelas desesperadas para permanecerem nos holofotes.
Nos bastidores de Hollywood, os atores Karen e Steve (interpretados por Fabiana Gugli e Fernando Billi) se sentem diante da chance de emplacar um sucesso depois de anos de trabalhos de pouca repercussão. Um diretor europeu de vanguarda virou o alvo das apostas dos estúdios com um longa-metragem de grande orçamento. O cineasta, que somente é citado na peça, faz de tudo para se adaptar ao modelo industrial de Hollywood sem dispensar a assinatura que o consagrou. A ousadia da vez é rodar uma cena erótica em que Karen e Steve façam sexo explícito diante das câmeras.
Eric Lenate
A dupla de atores parece convencida de que, assim, voltará ao topo. Em um jantar na casa de Karen, Bev (papel de Lavínia Pannunzio), companheira da atriz, que trabalha na edição de filmes, e Missy (representada por Jocasta Germano), a jovem mulher de Steve, aspirante ao estrelato, ficam perturbadas ao ouvir dos parceiros a proposta do cineasta. “Conforme os egos dominam as atenções, as mazelas de cada casal aparecem e a tensão cresce à medida que o álcool sobe à cabeça de cada um”, conta Lenate.
A expressão “the money shot” no jargão cinematográfico tem dois significados. Pode ser aquela sequência cara de ser realizada, dispendiosa para os custos da produção, mas também, dentro dos filmes pornográficos, é atribuída ao momento do grande gozo, a cena erótica que todos pagaram para ver.
A contestadora Bev se incomoda com a disponibilidade de Karen e diz que a pornografia não vai acrescentar nada à carreira dos dois, enquanto Missy, excitada com ideia de ver o marido transando com outra, se oferece para acompanhar as filmagens.
O embate verbal dos quatro personagens pode até parecer leve perto de outras abordagens de LaBute. Em Baque, por exemplo, um homem mata o filho recém-nascido para que o chefe, penalizado, não coloque seu nome na lista de demissões da empresa.
Menos trágicas, mas também polêmicas, Razões para ser Bonita é centrada em um casal cujo marido fala para todo mundo que, mesmo amando sua mulher, a considera feia, e Gorda, claro, trata da gordofobia. “Nós construímos os personagens de uma maneira absurda e patética”, comenta Lenate. “São exemplares de um comportamento que é uma aberração entre pessoas brancas, bem-sucedidas e cheias de regalias que não têm a menor noção dos seus privilégios na sociedade.”
Para Lenate, é difícil não pensar nos conflitos do texto como uma extensão do que é visto entre atores e atrizes nas redes sociais. Em busca de engajamentos e curtidas, muitos assumiram um personagem, seja ele o ativista político, a feminista, o ecologista ou o vegano, e essa imagem começa a se confundir com a sua arte. “Você é o próprio dono da vitrine de sua lojinha, que é o Instagram, e constrói a imagem mais conveniente para vender aos outros e se tornar lucrativo no mercado”, afirma.
diz Eric Lenate
Fabiana Gugli comenta que basta acessar as redes sociais para encontrar várias atrizes como a sua Karen, que, com o passar do tempo, se enxergam descartadas do cinema ou da televisão e são capazes de qualquer coisa para ser mostrarem interessante aos produtores e ao público. “É muito complicado você criar artifícios para fingir que está fazendo arte em um lugar que é só mercadológico”, observa. “Vendo Fernanda Montenegro e Marco Nanini, por exemplo, fica óbvio que envelhecer é um privilégio, mas, para isso, você precisa manter ao longo da carreira uma equação equilibrada entre a arte e o mercado.”
Em sua quinta peça com Lenate, Lavínia Pannunzio encontra no texto de LaBute uma crítica ao esvaziamento do conteúdo dos atores e atrizes em função dessa busca desesperada para se manter no topo.
“O verdadeiro artista não tem tempo de cair nesse buraco que se tornou a rede social porque está dedicado à sua profissão”, diz Lavínia. “Quem apela a esse exercício egóico como forma de sobrevivência começa perder os valores, igual aos personagens da peça, que chegam ao ponto de acreditar que uma cena pornográfica pode levá-los de volta ao estrelato”, afirma.
Serviço
- The Money Shot
- Teatro Vivo. Avenida Chucri Zaidan, 2460, Morumbi
- Terças e quartas, 20h. R$ 100,00.
- Até 6 de dezembro. A partir de terça (24).