A serenidade com a qual o carioca recorda os mais de 50 anos de carreira é incompatível com sua vultosa produção, no Brasil e no mundo. Artista entre artistas, o nome de Hélio Eichbauer pode passar despercebido do público em shows, filmes e espetáculos mas é inegável que o criador da visualidade de O Rei da Vela, que estreou ontem, 21, no Sesc Pinheiros, tem crucial contribuição na arte brasileira e na parceria com artistas como Glauber Rocha, Zé Celso, Caetano Veloso e Chico Buarque.
A estética que tornou conhecido o trabalho do cenógrafo medalha de ouro na Quadrienal de Praga, o maior evento da cenografia mundial, não parecia em nada com as experiências cubofuturistas e do abstracionismo monocromático que fundamentaram o início de sua carreira, nos anos 1960.
Pupilo do checo Josef Svoboda, o maior cenógrafo do século XX – talvez lado a lado com o polonês Tadeusz Kantor – Eichbauer deixou o curso de filosofia na Faculdade Nacional e embarcou para a então Checoslováquia para estudar cenografia no ateliê do novo mestre. “Tive uma formação clássica e, diferente dos outros alunos, tinha acesso direto ao espaço de Svoboda.”
Por quatro anos construiu maquetes, fez exercícios de composição gráfica, desenho e escultura, criou repertório até estrear profissionalmente. Eichbauer também passou pela França, Itália e Alemanha, no Berliner Ensemble, de Brecht. “Dependendo da pesquisa, eu conseguia viajar para outras regiões.” Em um dos projetos, a montagem de uma peça do dramaturgo italiano Carlo Goldoni, Eichbauer estudou na casa-museu do autor, em Veneza. “Um privilégio, quase como os artistas do renascimento.”
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A temporada europeia pós Segunda Guerra durou o bastante para Eichbauer seguir por um período em Havana, com os cubanos do Teatro Studio. Era 1967 e o cenógrafo lembra que a transição inspirou a estética de seus próximos trabalhos, entre eles, O Rei da Vela. “O que surpreendia na peça era a musicalidade e aquelas figuras caricatas falando do Brasil.” Mesmo assim, a peça não agradou os artistas e o público teatral, mas foi o auge da experiência artística para a turma da música. “Muita gente achou que faltava adotar um tom mais sério, já que estávamos na ditadura. Foi só na temporada carioca que as pessoas entenderam e a peça virou um sucesso.”
Esse velho humor típico da classe teatral é das coisas que parece fatigar um pouco artistas como Eichbauer, que após a estreia da peça oswaldiana se tornou amigo de Caetano Veloso. O convite para fazer a capa do álbum O Estrangeiro (1989) foi pedido do cantor. “Ele achou lindo o mural do segundo ato da peça.”
O original já não existia mais pois foi queimado por Zé Celso em protesto contra a ditadura. “Continuo no teatro mas, prefiro trabalhar com a música”, assume o cenógrafo que acabou de fazer o show Caetano, Moreno, Zeca Tom Veloso e já está com Chico na turnê do novo álbum, Caravanas. “A música é mais abstrata e minha liberdade é maior como artista plástico e a diferença entre os dois é que o Chico é mais figurativo.” Esse espaço despojado para criar ainda traz a vantagem de que os shows conseguem viajar mais que os espetáculo. “As turnês fazem sucesso mundial. Em A Foreign Sound, por exemplo, minha cenografia foi para o Japão.”
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Já no cinema, Eichbauer conta com modéstia que o trabalho em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha, foi apenas uma participação. “No final, ele gostou tanto que quis colocar meu nome grande nos cartazes.”
Com tantos parceiros e amigos de um movimento de meio século de ruptura na cultura brasileira, o cenógrafo defini a arte nacional. “Temos muito talento para lidar com o improviso e com a arbitrariedade. Na ditadura, a gente não podia parar, e hoje também não. Havia táticas para lidar com a repressão e atualmente estamos diante de um país eticamente descompensado.”
Educador nato e um dos fundadores do curso de Artes Visuais no palacete do Parque Lage, no Rio, ele diz, então, qual o lugar do artista. “Nossas tribunas são os palcos, a escola e a rua.”