Cineasta Kiko Goifman dirige 'María de Buenos Aires', ópera de Astor Piazzolla


Obra do compositor argentino tem como personagem central uma prostituta que, após a morte, vaga pelas ruas de Buenos Aires

Por João Luiz Sampaio

O cineasta mineiro Kiko Goifman estava em casa preparando o almoço quando, há quatro meses, recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, vinha um convite para dirigir María de Buenos Aires, ópera do compositor argentino Astor Piazzolla. “Foi uma surpresa. Mas eu, claro, aceitei na hora”, ele conta. “Estava ainda no meu isolamento, não conhecia ainda a obra. Mas você não recusa um convite para dirigir uma ópera no Teatro Municipal de São Paulo.”

Catalina Cuervo em cena de 'María de Buenos Aires' Foto: Stig Lavor

A produção, que estreia hoje e terá récitas nos dias 11, 12, 15, 16, 17, 18 e 19, celebra ao mesmo tempo os 110 anos do Municipal e o centenário de nascimento de Piazzolla, que revolucionou o tango com o casamento entre o gênero e a música sinfônica. María de Buenos Aires, estreada nos anos 1980, foi sua única ópera. Tem como personagem central a prostituta María que, após a morte, vaga pelas ruas de Buenos Aires – e é isso o que se pode dizer sem maiores spoilers. “Quando mergulhei na obra, percebi que ela não segue uma narrativa tradicional, é quase surrealista em alguns momentos, e isso me instigou enquanto estudava. E ela trata de um universo específico, das prostitutas, das criaturas da noite, do bêbado no bar, um universo que dialoga com a minha própria cinematografia”, diz o diretor – seu trabalho mais recente é Bixa Travesty, documentário sobre a artista transgênero Linn da Quebrada, premiado no Festival de Brasília em 2018. O cinema, então, deu a Goifman um caminho para sua concepção, “mas não a chave”. “A ópera tem uma junção de linguagens que coloca em cena uma série de áreas específicas, de elementos”, ele explica. “Há montagens da María que dão ênfase maior aos bailarinos ou então namoram com o teatro, a linguagem teatral. O meu caminho foi o de uma cine-ópera, trabalhando com imagens e com um palco que não está cheio, o que também é uma exigência da pandemia, claro, e das regras sanitárias.” Ao longo do espetáculo serão projetadas imagens históricas de Buenos Aires e sua periferia no período pré-1968, fruto de pesquisa em acervos argentinos. “Mas também teremos imagens atuais. Filmei na Argentina a distância, com uma equipe local, eles me mandavam o que faziam e conversávamos até chegar ao que queria. E também em São Paulo, no centro da cidade, buscando cenas noturnas, com uma pitada de cinema noir, com sombras, uma luz dura, imagens em que apenas um ponto é iluminado. A ópera de Piazzola, claro, está muito conectada ao cenário de Buenos Aires. Mas há uma frase do psicanalista Roberto Gambini, que estudou muito a María, que me chamou atenção. Segundo ele, Piazzolla fala da alma de Buenos Aires, sim, mas de qualquer capital sofrida da América Latina.” A psicanálise é também um tema presente na ópera – ou operita, como Piazzolla e o libretista, o poeta uruguaio Horacio Ferrer, se referiam à obra. “Há um momento específico, a ária dos psicanalistas, que brinca, com certa ironia, com a presença da psicanálise na Argentina”, lembra o diretor. “E há arquétipos como o da mulher forte, que é María, ou então o dos homens desesperados de paixão.” Música peculiar. A direção musical é do maestro Roberto Minczuk, que divide com Alessandro Sangiorgi a regência da Orquestra Sinfônica Municipal, com 11 músicos. No elenco, estão a cantora Catalina Cuervo, o cantor Gustavo Feulien, o ator Rodrigo Lopez e membros do Balé da Cidade de São Paulo. A bandoneonista Milagros Caliva também participa do espetáculo. “A música de María de Buenos Aires é apaixonante, inusitada e fora do padrão – mesmo olhando para o repertório de Astor Piazzolla”, acredita Minczuk. “A obra se destaca de outras do compositor, não apenas por ser a sua única neste gênero, mas por explorar uma instrumentação bastante peculiar, evidentemente com o uso do bandoneon, mas também da guitarra elétrica e de várias percussões jazzísticas, como a bateria, o vibrafone, bongôs, algo incomum em composições operísticas e, até mesmo, no repertório de Piazzolla.” Ainda assim, algumas marcas da obra do compositor se mantêm. “É impossível não destacar que a partitura carrega o charme e a força do ‘tango nuevo’, uma pegada rítmica vigorosa com harmonias e melodias exuberantes e exacerbadas, que vão ganhando novas proporções e atraindo sempre a atenção do ouvinte.” Além da ópera, o Teatro Municipal celebra seus 110 anos com outras iniciativas. A partir do dia 12, por exemplo, data exata do aniversário, estreia Fantasmagoria, percurso pelas dependências do teatro imaginado por Daniela Thomas e Felipe Hirsch, com intervenções de integrantes dos corpos artísticos da casa. E o Municipal inaugura também o projeto Carroças Líricas. Nele, catadores de material reciclável que andam pela cidade vão carregar carroças com equipamentos sonoros, nos quais serão tocados trechos de óperas já apresentadas pelo Municipal. 

O cineasta mineiro Kiko Goifman estava em casa preparando o almoço quando, há quatro meses, recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, vinha um convite para dirigir María de Buenos Aires, ópera do compositor argentino Astor Piazzolla. “Foi uma surpresa. Mas eu, claro, aceitei na hora”, ele conta. “Estava ainda no meu isolamento, não conhecia ainda a obra. Mas você não recusa um convite para dirigir uma ópera no Teatro Municipal de São Paulo.”

Catalina Cuervo em cena de 'María de Buenos Aires' Foto: Stig Lavor

A produção, que estreia hoje e terá récitas nos dias 11, 12, 15, 16, 17, 18 e 19, celebra ao mesmo tempo os 110 anos do Municipal e o centenário de nascimento de Piazzolla, que revolucionou o tango com o casamento entre o gênero e a música sinfônica. María de Buenos Aires, estreada nos anos 1980, foi sua única ópera. Tem como personagem central a prostituta María que, após a morte, vaga pelas ruas de Buenos Aires – e é isso o que se pode dizer sem maiores spoilers. “Quando mergulhei na obra, percebi que ela não segue uma narrativa tradicional, é quase surrealista em alguns momentos, e isso me instigou enquanto estudava. E ela trata de um universo específico, das prostitutas, das criaturas da noite, do bêbado no bar, um universo que dialoga com a minha própria cinematografia”, diz o diretor – seu trabalho mais recente é Bixa Travesty, documentário sobre a artista transgênero Linn da Quebrada, premiado no Festival de Brasília em 2018. O cinema, então, deu a Goifman um caminho para sua concepção, “mas não a chave”. “A ópera tem uma junção de linguagens que coloca em cena uma série de áreas específicas, de elementos”, ele explica. “Há montagens da María que dão ênfase maior aos bailarinos ou então namoram com o teatro, a linguagem teatral. O meu caminho foi o de uma cine-ópera, trabalhando com imagens e com um palco que não está cheio, o que também é uma exigência da pandemia, claro, e das regras sanitárias.” Ao longo do espetáculo serão projetadas imagens históricas de Buenos Aires e sua periferia no período pré-1968, fruto de pesquisa em acervos argentinos. “Mas também teremos imagens atuais. Filmei na Argentina a distância, com uma equipe local, eles me mandavam o que faziam e conversávamos até chegar ao que queria. E também em São Paulo, no centro da cidade, buscando cenas noturnas, com uma pitada de cinema noir, com sombras, uma luz dura, imagens em que apenas um ponto é iluminado. A ópera de Piazzola, claro, está muito conectada ao cenário de Buenos Aires. Mas há uma frase do psicanalista Roberto Gambini, que estudou muito a María, que me chamou atenção. Segundo ele, Piazzolla fala da alma de Buenos Aires, sim, mas de qualquer capital sofrida da América Latina.” A psicanálise é também um tema presente na ópera – ou operita, como Piazzolla e o libretista, o poeta uruguaio Horacio Ferrer, se referiam à obra. “Há um momento específico, a ária dos psicanalistas, que brinca, com certa ironia, com a presença da psicanálise na Argentina”, lembra o diretor. “E há arquétipos como o da mulher forte, que é María, ou então o dos homens desesperados de paixão.” Música peculiar. A direção musical é do maestro Roberto Minczuk, que divide com Alessandro Sangiorgi a regência da Orquestra Sinfônica Municipal, com 11 músicos. No elenco, estão a cantora Catalina Cuervo, o cantor Gustavo Feulien, o ator Rodrigo Lopez e membros do Balé da Cidade de São Paulo. A bandoneonista Milagros Caliva também participa do espetáculo. “A música de María de Buenos Aires é apaixonante, inusitada e fora do padrão – mesmo olhando para o repertório de Astor Piazzolla”, acredita Minczuk. “A obra se destaca de outras do compositor, não apenas por ser a sua única neste gênero, mas por explorar uma instrumentação bastante peculiar, evidentemente com o uso do bandoneon, mas também da guitarra elétrica e de várias percussões jazzísticas, como a bateria, o vibrafone, bongôs, algo incomum em composições operísticas e, até mesmo, no repertório de Piazzolla.” Ainda assim, algumas marcas da obra do compositor se mantêm. “É impossível não destacar que a partitura carrega o charme e a força do ‘tango nuevo’, uma pegada rítmica vigorosa com harmonias e melodias exuberantes e exacerbadas, que vão ganhando novas proporções e atraindo sempre a atenção do ouvinte.” Além da ópera, o Teatro Municipal celebra seus 110 anos com outras iniciativas. A partir do dia 12, por exemplo, data exata do aniversário, estreia Fantasmagoria, percurso pelas dependências do teatro imaginado por Daniela Thomas e Felipe Hirsch, com intervenções de integrantes dos corpos artísticos da casa. E o Municipal inaugura também o projeto Carroças Líricas. Nele, catadores de material reciclável que andam pela cidade vão carregar carroças com equipamentos sonoros, nos quais serão tocados trechos de óperas já apresentadas pelo Municipal. 

O cineasta mineiro Kiko Goifman estava em casa preparando o almoço quando, há quatro meses, recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, vinha um convite para dirigir María de Buenos Aires, ópera do compositor argentino Astor Piazzolla. “Foi uma surpresa. Mas eu, claro, aceitei na hora”, ele conta. “Estava ainda no meu isolamento, não conhecia ainda a obra. Mas você não recusa um convite para dirigir uma ópera no Teatro Municipal de São Paulo.”

Catalina Cuervo em cena de 'María de Buenos Aires' Foto: Stig Lavor

A produção, que estreia hoje e terá récitas nos dias 11, 12, 15, 16, 17, 18 e 19, celebra ao mesmo tempo os 110 anos do Municipal e o centenário de nascimento de Piazzolla, que revolucionou o tango com o casamento entre o gênero e a música sinfônica. María de Buenos Aires, estreada nos anos 1980, foi sua única ópera. Tem como personagem central a prostituta María que, após a morte, vaga pelas ruas de Buenos Aires – e é isso o que se pode dizer sem maiores spoilers. “Quando mergulhei na obra, percebi que ela não segue uma narrativa tradicional, é quase surrealista em alguns momentos, e isso me instigou enquanto estudava. E ela trata de um universo específico, das prostitutas, das criaturas da noite, do bêbado no bar, um universo que dialoga com a minha própria cinematografia”, diz o diretor – seu trabalho mais recente é Bixa Travesty, documentário sobre a artista transgênero Linn da Quebrada, premiado no Festival de Brasília em 2018. O cinema, então, deu a Goifman um caminho para sua concepção, “mas não a chave”. “A ópera tem uma junção de linguagens que coloca em cena uma série de áreas específicas, de elementos”, ele explica. “Há montagens da María que dão ênfase maior aos bailarinos ou então namoram com o teatro, a linguagem teatral. O meu caminho foi o de uma cine-ópera, trabalhando com imagens e com um palco que não está cheio, o que também é uma exigência da pandemia, claro, e das regras sanitárias.” Ao longo do espetáculo serão projetadas imagens históricas de Buenos Aires e sua periferia no período pré-1968, fruto de pesquisa em acervos argentinos. “Mas também teremos imagens atuais. Filmei na Argentina a distância, com uma equipe local, eles me mandavam o que faziam e conversávamos até chegar ao que queria. E também em São Paulo, no centro da cidade, buscando cenas noturnas, com uma pitada de cinema noir, com sombras, uma luz dura, imagens em que apenas um ponto é iluminado. A ópera de Piazzola, claro, está muito conectada ao cenário de Buenos Aires. Mas há uma frase do psicanalista Roberto Gambini, que estudou muito a María, que me chamou atenção. Segundo ele, Piazzolla fala da alma de Buenos Aires, sim, mas de qualquer capital sofrida da América Latina.” A psicanálise é também um tema presente na ópera – ou operita, como Piazzolla e o libretista, o poeta uruguaio Horacio Ferrer, se referiam à obra. “Há um momento específico, a ária dos psicanalistas, que brinca, com certa ironia, com a presença da psicanálise na Argentina”, lembra o diretor. “E há arquétipos como o da mulher forte, que é María, ou então o dos homens desesperados de paixão.” Música peculiar. A direção musical é do maestro Roberto Minczuk, que divide com Alessandro Sangiorgi a regência da Orquestra Sinfônica Municipal, com 11 músicos. No elenco, estão a cantora Catalina Cuervo, o cantor Gustavo Feulien, o ator Rodrigo Lopez e membros do Balé da Cidade de São Paulo. A bandoneonista Milagros Caliva também participa do espetáculo. “A música de María de Buenos Aires é apaixonante, inusitada e fora do padrão – mesmo olhando para o repertório de Astor Piazzolla”, acredita Minczuk. “A obra se destaca de outras do compositor, não apenas por ser a sua única neste gênero, mas por explorar uma instrumentação bastante peculiar, evidentemente com o uso do bandoneon, mas também da guitarra elétrica e de várias percussões jazzísticas, como a bateria, o vibrafone, bongôs, algo incomum em composições operísticas e, até mesmo, no repertório de Piazzolla.” Ainda assim, algumas marcas da obra do compositor se mantêm. “É impossível não destacar que a partitura carrega o charme e a força do ‘tango nuevo’, uma pegada rítmica vigorosa com harmonias e melodias exuberantes e exacerbadas, que vão ganhando novas proporções e atraindo sempre a atenção do ouvinte.” Além da ópera, o Teatro Municipal celebra seus 110 anos com outras iniciativas. A partir do dia 12, por exemplo, data exata do aniversário, estreia Fantasmagoria, percurso pelas dependências do teatro imaginado por Daniela Thomas e Felipe Hirsch, com intervenções de integrantes dos corpos artísticos da casa. E o Municipal inaugura também o projeto Carroças Líricas. Nele, catadores de material reciclável que andam pela cidade vão carregar carroças com equipamentos sonoros, nos quais serão tocados trechos de óperas já apresentadas pelo Municipal. 

O cineasta mineiro Kiko Goifman estava em casa preparando o almoço quando, há quatro meses, recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, vinha um convite para dirigir María de Buenos Aires, ópera do compositor argentino Astor Piazzolla. “Foi uma surpresa. Mas eu, claro, aceitei na hora”, ele conta. “Estava ainda no meu isolamento, não conhecia ainda a obra. Mas você não recusa um convite para dirigir uma ópera no Teatro Municipal de São Paulo.”

Catalina Cuervo em cena de 'María de Buenos Aires' Foto: Stig Lavor

A produção, que estreia hoje e terá récitas nos dias 11, 12, 15, 16, 17, 18 e 19, celebra ao mesmo tempo os 110 anos do Municipal e o centenário de nascimento de Piazzolla, que revolucionou o tango com o casamento entre o gênero e a música sinfônica. María de Buenos Aires, estreada nos anos 1980, foi sua única ópera. Tem como personagem central a prostituta María que, após a morte, vaga pelas ruas de Buenos Aires – e é isso o que se pode dizer sem maiores spoilers. “Quando mergulhei na obra, percebi que ela não segue uma narrativa tradicional, é quase surrealista em alguns momentos, e isso me instigou enquanto estudava. E ela trata de um universo específico, das prostitutas, das criaturas da noite, do bêbado no bar, um universo que dialoga com a minha própria cinematografia”, diz o diretor – seu trabalho mais recente é Bixa Travesty, documentário sobre a artista transgênero Linn da Quebrada, premiado no Festival de Brasília em 2018. O cinema, então, deu a Goifman um caminho para sua concepção, “mas não a chave”. “A ópera tem uma junção de linguagens que coloca em cena uma série de áreas específicas, de elementos”, ele explica. “Há montagens da María que dão ênfase maior aos bailarinos ou então namoram com o teatro, a linguagem teatral. O meu caminho foi o de uma cine-ópera, trabalhando com imagens e com um palco que não está cheio, o que também é uma exigência da pandemia, claro, e das regras sanitárias.” Ao longo do espetáculo serão projetadas imagens históricas de Buenos Aires e sua periferia no período pré-1968, fruto de pesquisa em acervos argentinos. “Mas também teremos imagens atuais. Filmei na Argentina a distância, com uma equipe local, eles me mandavam o que faziam e conversávamos até chegar ao que queria. E também em São Paulo, no centro da cidade, buscando cenas noturnas, com uma pitada de cinema noir, com sombras, uma luz dura, imagens em que apenas um ponto é iluminado. A ópera de Piazzola, claro, está muito conectada ao cenário de Buenos Aires. Mas há uma frase do psicanalista Roberto Gambini, que estudou muito a María, que me chamou atenção. Segundo ele, Piazzolla fala da alma de Buenos Aires, sim, mas de qualquer capital sofrida da América Latina.” A psicanálise é também um tema presente na ópera – ou operita, como Piazzolla e o libretista, o poeta uruguaio Horacio Ferrer, se referiam à obra. “Há um momento específico, a ária dos psicanalistas, que brinca, com certa ironia, com a presença da psicanálise na Argentina”, lembra o diretor. “E há arquétipos como o da mulher forte, que é María, ou então o dos homens desesperados de paixão.” Música peculiar. A direção musical é do maestro Roberto Minczuk, que divide com Alessandro Sangiorgi a regência da Orquestra Sinfônica Municipal, com 11 músicos. No elenco, estão a cantora Catalina Cuervo, o cantor Gustavo Feulien, o ator Rodrigo Lopez e membros do Balé da Cidade de São Paulo. A bandoneonista Milagros Caliva também participa do espetáculo. “A música de María de Buenos Aires é apaixonante, inusitada e fora do padrão – mesmo olhando para o repertório de Astor Piazzolla”, acredita Minczuk. “A obra se destaca de outras do compositor, não apenas por ser a sua única neste gênero, mas por explorar uma instrumentação bastante peculiar, evidentemente com o uso do bandoneon, mas também da guitarra elétrica e de várias percussões jazzísticas, como a bateria, o vibrafone, bongôs, algo incomum em composições operísticas e, até mesmo, no repertório de Piazzolla.” Ainda assim, algumas marcas da obra do compositor se mantêm. “É impossível não destacar que a partitura carrega o charme e a força do ‘tango nuevo’, uma pegada rítmica vigorosa com harmonias e melodias exuberantes e exacerbadas, que vão ganhando novas proporções e atraindo sempre a atenção do ouvinte.” Além da ópera, o Teatro Municipal celebra seus 110 anos com outras iniciativas. A partir do dia 12, por exemplo, data exata do aniversário, estreia Fantasmagoria, percurso pelas dependências do teatro imaginado por Daniela Thomas e Felipe Hirsch, com intervenções de integrantes dos corpos artísticos da casa. E o Municipal inaugura também o projeto Carroças Líricas. Nele, catadores de material reciclável que andam pela cidade vão carregar carroças com equipamentos sonoros, nos quais serão tocados trechos de óperas já apresentadas pelo Municipal. 

O cineasta mineiro Kiko Goifman estava em casa preparando o almoço quando, há quatro meses, recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, vinha um convite para dirigir María de Buenos Aires, ópera do compositor argentino Astor Piazzolla. “Foi uma surpresa. Mas eu, claro, aceitei na hora”, ele conta. “Estava ainda no meu isolamento, não conhecia ainda a obra. Mas você não recusa um convite para dirigir uma ópera no Teatro Municipal de São Paulo.”

Catalina Cuervo em cena de 'María de Buenos Aires' Foto: Stig Lavor

A produção, que estreia hoje e terá récitas nos dias 11, 12, 15, 16, 17, 18 e 19, celebra ao mesmo tempo os 110 anos do Municipal e o centenário de nascimento de Piazzolla, que revolucionou o tango com o casamento entre o gênero e a música sinfônica. María de Buenos Aires, estreada nos anos 1980, foi sua única ópera. Tem como personagem central a prostituta María que, após a morte, vaga pelas ruas de Buenos Aires – e é isso o que se pode dizer sem maiores spoilers. “Quando mergulhei na obra, percebi que ela não segue uma narrativa tradicional, é quase surrealista em alguns momentos, e isso me instigou enquanto estudava. E ela trata de um universo específico, das prostitutas, das criaturas da noite, do bêbado no bar, um universo que dialoga com a minha própria cinematografia”, diz o diretor – seu trabalho mais recente é Bixa Travesty, documentário sobre a artista transgênero Linn da Quebrada, premiado no Festival de Brasília em 2018. O cinema, então, deu a Goifman um caminho para sua concepção, “mas não a chave”. “A ópera tem uma junção de linguagens que coloca em cena uma série de áreas específicas, de elementos”, ele explica. “Há montagens da María que dão ênfase maior aos bailarinos ou então namoram com o teatro, a linguagem teatral. O meu caminho foi o de uma cine-ópera, trabalhando com imagens e com um palco que não está cheio, o que também é uma exigência da pandemia, claro, e das regras sanitárias.” Ao longo do espetáculo serão projetadas imagens históricas de Buenos Aires e sua periferia no período pré-1968, fruto de pesquisa em acervos argentinos. “Mas também teremos imagens atuais. Filmei na Argentina a distância, com uma equipe local, eles me mandavam o que faziam e conversávamos até chegar ao que queria. E também em São Paulo, no centro da cidade, buscando cenas noturnas, com uma pitada de cinema noir, com sombras, uma luz dura, imagens em que apenas um ponto é iluminado. A ópera de Piazzola, claro, está muito conectada ao cenário de Buenos Aires. Mas há uma frase do psicanalista Roberto Gambini, que estudou muito a María, que me chamou atenção. Segundo ele, Piazzolla fala da alma de Buenos Aires, sim, mas de qualquer capital sofrida da América Latina.” A psicanálise é também um tema presente na ópera – ou operita, como Piazzolla e o libretista, o poeta uruguaio Horacio Ferrer, se referiam à obra. “Há um momento específico, a ária dos psicanalistas, que brinca, com certa ironia, com a presença da psicanálise na Argentina”, lembra o diretor. “E há arquétipos como o da mulher forte, que é María, ou então o dos homens desesperados de paixão.” Música peculiar. A direção musical é do maestro Roberto Minczuk, que divide com Alessandro Sangiorgi a regência da Orquestra Sinfônica Municipal, com 11 músicos. No elenco, estão a cantora Catalina Cuervo, o cantor Gustavo Feulien, o ator Rodrigo Lopez e membros do Balé da Cidade de São Paulo. A bandoneonista Milagros Caliva também participa do espetáculo. “A música de María de Buenos Aires é apaixonante, inusitada e fora do padrão – mesmo olhando para o repertório de Astor Piazzolla”, acredita Minczuk. “A obra se destaca de outras do compositor, não apenas por ser a sua única neste gênero, mas por explorar uma instrumentação bastante peculiar, evidentemente com o uso do bandoneon, mas também da guitarra elétrica e de várias percussões jazzísticas, como a bateria, o vibrafone, bongôs, algo incomum em composições operísticas e, até mesmo, no repertório de Piazzolla.” Ainda assim, algumas marcas da obra do compositor se mantêm. “É impossível não destacar que a partitura carrega o charme e a força do ‘tango nuevo’, uma pegada rítmica vigorosa com harmonias e melodias exuberantes e exacerbadas, que vão ganhando novas proporções e atraindo sempre a atenção do ouvinte.” Além da ópera, o Teatro Municipal celebra seus 110 anos com outras iniciativas. A partir do dia 12, por exemplo, data exata do aniversário, estreia Fantasmagoria, percurso pelas dependências do teatro imaginado por Daniela Thomas e Felipe Hirsch, com intervenções de integrantes dos corpos artísticos da casa. E o Municipal inaugura também o projeto Carroças Líricas. Nele, catadores de material reciclável que andam pela cidade vão carregar carroças com equipamentos sonoros, nos quais serão tocados trechos de óperas já apresentadas pelo Municipal. 

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