Coleção de 150 trajes da peça 'Xica da Silva', de Antunes Filho, ganha restauro e mostra virtual


Acervo do espetáculo assistido nas Olimpíadas de Seul de 1988 faz parte de mais de 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral, no Sesc Memórias

Por Leandro Nunes

Foi no ano de 1988 que a atriz Dirce Thomaz se lançou em São Paulo. Vinda de Curitiba para tentar o ofício da atuação no Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, de Antunes Filho, a filha de mineiros não imaginava que sua estreia na peça Xica da Silva também a levaria para os palcos do mundo. “Lembro que o filme também estava no auge. Eu e minhas amigas tínhamos cortado o cabelo curto igual ao de Zezé Motta”, conta a atriz. “Junto com o batom preto, éramos como rainhas.”

Montagem que marcou uma transformação criativa na carreira de Antunes, a versão de Xica da Silva, que estreou em março daquele ano, teve figurinos e adereços restaurados recentemente, no projeto capitaneado pelo Sesc Memórias, disponível no site do Sesc Digital. O espaço localizado no mesmo prédio da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio) armazena mais de 20 mil itens originais – entre materiais de audiovisual, imagens, textos e gravações – desde a criação do Centro de Pesquisa Teatral, em 1982. “Cuidamos do recolhimento da documentação nas esferas da instituição, além de realizar a desmetalização, catalogação e guarda dos itens”, explica Silvia Hirao, responsável pela coleção do CPT.

Sesc Memórias. Local armazena 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral; o espetáculo 'Xica da Silva' tem 150 trajes assinados por J. C. Serroni Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO
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Na peça, os trajes confeccionadas em algodão cru pelo cenógrafo e figurinista J. C. Serroni representavam os muitos núcleos da história, como a corte negra, a corte branca e os soldados (leia depoimento ao lado). Com foco na protagonista, o espetáculo narrava a transformação de uma mulher escravizada que ganhava o coração de João Fernandes, representante da Coroa Portuguesa, e se tornava a Rainha do Diamante. 

O elenco negro na montagem não era novidade para Dirce, que resgata o legado do ator, poeta e dramaturgo Abdias do Nascimento, criador do Teatro Experimental do Negro. “Em 1944, Abdias pensava em um teatro para que os negros tivessem orgulho de sua identidade. E de fato, somos herdeiros de reis e rainhas.” Ainda antes de Abdias, cita a atriz, o teatro de rebolado, na década de 1920, não era apenas para divertir as plateias. “As companhias negras de revista tinham pensamento crítico e ironia. Antes, os negros não podiam tocar no palco e ficavam cantando atrás das cortinas. Era o tempo disso acabar.” 

Para a atriz, Xica da Silva ajudou a atualizar as próprias ideias a respeito da negritude, conta Dirce. Ao longo da carreira, a artista atuou em diversas frentes da criação artística. Em 1992, fundou o Centro de Dramaturgia e Pesquisa sobre Cultura Negra. Três anos depois, estreou Os Sinos Dobram por Elas, a partir de relatos com mulheres que enfrentaram problemas psicológicos e violência. E em 2017 levou a história da escritora Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo, para os palcos. “Com o tempo precisei redescobrir que não fomos perdedores, mas estamos reagindo. Vejo que hoje a negritude está encontrando mais na força da memória”, explica. “Na periferia, por exemplo, a mídia alternativa chegou para ficar e tem papel fundamental ao dialogar com a atualidade e a nossa história”, ressalta. 

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A estreia de Dirce em Xica da Silva também foi uma porta para o mundo. A atração subiu no palco da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, em Seul, com participação de 159 países. Também fez apresentações no Japão. “Nunca imaginei que ia dar nisso”, conta ela. “Para nós, o teatro também é uma forma de resistência, assim como o carnaval, as festas religiosas, a comida e a maneira de se vestir.”

Antunes Filho. Na prepração com elenco em 1988 Foto: PAQUITO

Restauro das coleções

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No site do Sesc Digital, o acervo disponível para consulta inclui figurinos de outros espetáculos do CPT já restaurados, como A Pedra do Reino (2006) e A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1986). Para chegar até Xica da Silva, foram dois anos de pesquisa e restauro, conta Silva Hirao. “Entre os 150 trajes, muitos precisaram ser refeitos.” 

A próxima coleção restaurada será a da peça Fragmentos Troianos, prevista para a próxima segunda, 14. A seguir vêm Medeia e Medeia 2, em janeiro, e Antígona, em fevereiro. O projeto que dá continuidade, ainda sem data de lançamento, deve contemplar os figurinos e adereços das seguintes montagens: Foi Carmen, Gilgamesh, Nossa Cidade, Toda Nudez Será Castigada, Trono de Sangue e Vereda da Salvação, totalizando 12 coleções de 13 espetáculos. 

Depoimento: 'Novo jeito de estar no palco', diz J. C. Serroni

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Eu cheguei no Centro de Pesquisa Teatral no meio da criação do espetáculo A Hora e Vez de Augusto Matraga (1986), então minha estreia no cenário e figurino foi com Xica da Silva (1988). Naquela época eu já tinha passado pela Quadrienal de Praga (maior evento de cenografia do mundo) pela primeira vez e o convite de Antunes Filho veio após nossa experiência na TV Cultura com os teleteatros. Antes disso, não tinha qualquer relação com o diretor.

Acervo do espetáculo assistido nas Olimpíadas de Seul de 1988 faz parte de mais de 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral, no Sesc Memórias Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Quando a criação Xica da Silva começou, aprofundamos a pesquisa com a formação de um núcleo de cenografia, envolvendo os alunos. Era uma experiência que eu já conhecia. Então propus que poderíamos sair da neutralidade da caixa preta, semelhante ao que havia nos espetáculos anteriores de Antunes. A ideia era estender cortinas de fios de plástico pelo palco e um ciclorama, alterando a dimensão do espaço, trocando por uma caixa cinza. Antunes gostou de parte da ideia, mas acabou deixando o palco vazio, apenas com os fios espalhados ao redor. De qualquer forma, o palco deixou de ser apenas uma caixa vazia para se tornar uma caixa penetrável. 

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Em termos de figurino, tradicionalmente, fui desenhar peças para o elenco de 30 atores, e foram muitos trajes. Isso porque havia diversos núcleos, tinha a corte negra, a corte branca, os soldados. Os trajes eram feitos de algodão cru e, em seguida, íamos aplicando os bordados, um a um. Eu busquei trazer as referências do século 18, e aproveitava para atualizar o material.Um tempo depois, Antunes olhou e disse que os figurinos ainda não estavam prontos. Só mais tarde, no palco. Para ele, o ideal seria experimentar ao vivo, ver como ficava no corpo do elenco. Um dos desafios era lidar com o aspecto realista dos figurinos, que se equilibrasse com a encenação dele.

Durante os ensaios do espetáculo, Antunes se desentendeu com o dramaturgo Luis Alberto de Abreu, responsável pela adaptação teatral da história. Antunes não gostou de algumas coisas na dramaturgia e fez algumas alterações no texto. A estreia veio com problemas e a crítica não gostou tanto. Naquele ano, também estreamos em Seul, na Coreia do Sul, na abertura dos Jogos Olímpicos, e apresentações no Japão. 

 Xica da Silva mostrou que Antunes estava saindo de sua fase Macunaíma, buscando outra maneira de estar no palco com seus espetáculos. A peça seguinte do CPT, Paraíso Zona Norte (1990), teve um processo de criação bem diferente. 

Foi no ano de 1988 que a atriz Dirce Thomaz se lançou em São Paulo. Vinda de Curitiba para tentar o ofício da atuação no Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, de Antunes Filho, a filha de mineiros não imaginava que sua estreia na peça Xica da Silva também a levaria para os palcos do mundo. “Lembro que o filme também estava no auge. Eu e minhas amigas tínhamos cortado o cabelo curto igual ao de Zezé Motta”, conta a atriz. “Junto com o batom preto, éramos como rainhas.”

Montagem que marcou uma transformação criativa na carreira de Antunes, a versão de Xica da Silva, que estreou em março daquele ano, teve figurinos e adereços restaurados recentemente, no projeto capitaneado pelo Sesc Memórias, disponível no site do Sesc Digital. O espaço localizado no mesmo prédio da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio) armazena mais de 20 mil itens originais – entre materiais de audiovisual, imagens, textos e gravações – desde a criação do Centro de Pesquisa Teatral, em 1982. “Cuidamos do recolhimento da documentação nas esferas da instituição, além de realizar a desmetalização, catalogação e guarda dos itens”, explica Silvia Hirao, responsável pela coleção do CPT.

Sesc Memórias. Local armazena 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral; o espetáculo 'Xica da Silva' tem 150 trajes assinados por J. C. Serroni Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Na peça, os trajes confeccionadas em algodão cru pelo cenógrafo e figurinista J. C. Serroni representavam os muitos núcleos da história, como a corte negra, a corte branca e os soldados (leia depoimento ao lado). Com foco na protagonista, o espetáculo narrava a transformação de uma mulher escravizada que ganhava o coração de João Fernandes, representante da Coroa Portuguesa, e se tornava a Rainha do Diamante. 

O elenco negro na montagem não era novidade para Dirce, que resgata o legado do ator, poeta e dramaturgo Abdias do Nascimento, criador do Teatro Experimental do Negro. “Em 1944, Abdias pensava em um teatro para que os negros tivessem orgulho de sua identidade. E de fato, somos herdeiros de reis e rainhas.” Ainda antes de Abdias, cita a atriz, o teatro de rebolado, na década de 1920, não era apenas para divertir as plateias. “As companhias negras de revista tinham pensamento crítico e ironia. Antes, os negros não podiam tocar no palco e ficavam cantando atrás das cortinas. Era o tempo disso acabar.” 

Para a atriz, Xica da Silva ajudou a atualizar as próprias ideias a respeito da negritude, conta Dirce. Ao longo da carreira, a artista atuou em diversas frentes da criação artística. Em 1992, fundou o Centro de Dramaturgia e Pesquisa sobre Cultura Negra. Três anos depois, estreou Os Sinos Dobram por Elas, a partir de relatos com mulheres que enfrentaram problemas psicológicos e violência. E em 2017 levou a história da escritora Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo, para os palcos. “Com o tempo precisei redescobrir que não fomos perdedores, mas estamos reagindo. Vejo que hoje a negritude está encontrando mais na força da memória”, explica. “Na periferia, por exemplo, a mídia alternativa chegou para ficar e tem papel fundamental ao dialogar com a atualidade e a nossa história”, ressalta. 

A estreia de Dirce em Xica da Silva também foi uma porta para o mundo. A atração subiu no palco da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, em Seul, com participação de 159 países. Também fez apresentações no Japão. “Nunca imaginei que ia dar nisso”, conta ela. “Para nós, o teatro também é uma forma de resistência, assim como o carnaval, as festas religiosas, a comida e a maneira de se vestir.”

Antunes Filho. Na prepração com elenco em 1988 Foto: PAQUITO

Restauro das coleções

No site do Sesc Digital, o acervo disponível para consulta inclui figurinos de outros espetáculos do CPT já restaurados, como A Pedra do Reino (2006) e A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1986). Para chegar até Xica da Silva, foram dois anos de pesquisa e restauro, conta Silva Hirao. “Entre os 150 trajes, muitos precisaram ser refeitos.” 

A próxima coleção restaurada será a da peça Fragmentos Troianos, prevista para a próxima segunda, 14. A seguir vêm Medeia e Medeia 2, em janeiro, e Antígona, em fevereiro. O projeto que dá continuidade, ainda sem data de lançamento, deve contemplar os figurinos e adereços das seguintes montagens: Foi Carmen, Gilgamesh, Nossa Cidade, Toda Nudez Será Castigada, Trono de Sangue e Vereda da Salvação, totalizando 12 coleções de 13 espetáculos. 

Depoimento: 'Novo jeito de estar no palco', diz J. C. Serroni

Eu cheguei no Centro de Pesquisa Teatral no meio da criação do espetáculo A Hora e Vez de Augusto Matraga (1986), então minha estreia no cenário e figurino foi com Xica da Silva (1988). Naquela época eu já tinha passado pela Quadrienal de Praga (maior evento de cenografia do mundo) pela primeira vez e o convite de Antunes Filho veio após nossa experiência na TV Cultura com os teleteatros. Antes disso, não tinha qualquer relação com o diretor.

Acervo do espetáculo assistido nas Olimpíadas de Seul de 1988 faz parte de mais de 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral, no Sesc Memórias Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Quando a criação Xica da Silva começou, aprofundamos a pesquisa com a formação de um núcleo de cenografia, envolvendo os alunos. Era uma experiência que eu já conhecia. Então propus que poderíamos sair da neutralidade da caixa preta, semelhante ao que havia nos espetáculos anteriores de Antunes. A ideia era estender cortinas de fios de plástico pelo palco e um ciclorama, alterando a dimensão do espaço, trocando por uma caixa cinza. Antunes gostou de parte da ideia, mas acabou deixando o palco vazio, apenas com os fios espalhados ao redor. De qualquer forma, o palco deixou de ser apenas uma caixa vazia para se tornar uma caixa penetrável. 

Em termos de figurino, tradicionalmente, fui desenhar peças para o elenco de 30 atores, e foram muitos trajes. Isso porque havia diversos núcleos, tinha a corte negra, a corte branca, os soldados. Os trajes eram feitos de algodão cru e, em seguida, íamos aplicando os bordados, um a um. Eu busquei trazer as referências do século 18, e aproveitava para atualizar o material.Um tempo depois, Antunes olhou e disse que os figurinos ainda não estavam prontos. Só mais tarde, no palco. Para ele, o ideal seria experimentar ao vivo, ver como ficava no corpo do elenco. Um dos desafios era lidar com o aspecto realista dos figurinos, que se equilibrasse com a encenação dele.

Durante os ensaios do espetáculo, Antunes se desentendeu com o dramaturgo Luis Alberto de Abreu, responsável pela adaptação teatral da história. Antunes não gostou de algumas coisas na dramaturgia e fez algumas alterações no texto. A estreia veio com problemas e a crítica não gostou tanto. Naquele ano, também estreamos em Seul, na Coreia do Sul, na abertura dos Jogos Olímpicos, e apresentações no Japão. 

 Xica da Silva mostrou que Antunes estava saindo de sua fase Macunaíma, buscando outra maneira de estar no palco com seus espetáculos. A peça seguinte do CPT, Paraíso Zona Norte (1990), teve um processo de criação bem diferente. 

Foi no ano de 1988 que a atriz Dirce Thomaz se lançou em São Paulo. Vinda de Curitiba para tentar o ofício da atuação no Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, de Antunes Filho, a filha de mineiros não imaginava que sua estreia na peça Xica da Silva também a levaria para os palcos do mundo. “Lembro que o filme também estava no auge. Eu e minhas amigas tínhamos cortado o cabelo curto igual ao de Zezé Motta”, conta a atriz. “Junto com o batom preto, éramos como rainhas.”

Montagem que marcou uma transformação criativa na carreira de Antunes, a versão de Xica da Silva, que estreou em março daquele ano, teve figurinos e adereços restaurados recentemente, no projeto capitaneado pelo Sesc Memórias, disponível no site do Sesc Digital. O espaço localizado no mesmo prédio da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio) armazena mais de 20 mil itens originais – entre materiais de audiovisual, imagens, textos e gravações – desde a criação do Centro de Pesquisa Teatral, em 1982. “Cuidamos do recolhimento da documentação nas esferas da instituição, além de realizar a desmetalização, catalogação e guarda dos itens”, explica Silvia Hirao, responsável pela coleção do CPT.

Sesc Memórias. Local armazena 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral; o espetáculo 'Xica da Silva' tem 150 trajes assinados por J. C. Serroni Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Na peça, os trajes confeccionadas em algodão cru pelo cenógrafo e figurinista J. C. Serroni representavam os muitos núcleos da história, como a corte negra, a corte branca e os soldados (leia depoimento ao lado). Com foco na protagonista, o espetáculo narrava a transformação de uma mulher escravizada que ganhava o coração de João Fernandes, representante da Coroa Portuguesa, e se tornava a Rainha do Diamante. 

O elenco negro na montagem não era novidade para Dirce, que resgata o legado do ator, poeta e dramaturgo Abdias do Nascimento, criador do Teatro Experimental do Negro. “Em 1944, Abdias pensava em um teatro para que os negros tivessem orgulho de sua identidade. E de fato, somos herdeiros de reis e rainhas.” Ainda antes de Abdias, cita a atriz, o teatro de rebolado, na década de 1920, não era apenas para divertir as plateias. “As companhias negras de revista tinham pensamento crítico e ironia. Antes, os negros não podiam tocar no palco e ficavam cantando atrás das cortinas. Era o tempo disso acabar.” 

Para a atriz, Xica da Silva ajudou a atualizar as próprias ideias a respeito da negritude, conta Dirce. Ao longo da carreira, a artista atuou em diversas frentes da criação artística. Em 1992, fundou o Centro de Dramaturgia e Pesquisa sobre Cultura Negra. Três anos depois, estreou Os Sinos Dobram por Elas, a partir de relatos com mulheres que enfrentaram problemas psicológicos e violência. E em 2017 levou a história da escritora Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo, para os palcos. “Com o tempo precisei redescobrir que não fomos perdedores, mas estamos reagindo. Vejo que hoje a negritude está encontrando mais na força da memória”, explica. “Na periferia, por exemplo, a mídia alternativa chegou para ficar e tem papel fundamental ao dialogar com a atualidade e a nossa história”, ressalta. 

A estreia de Dirce em Xica da Silva também foi uma porta para o mundo. A atração subiu no palco da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, em Seul, com participação de 159 países. Também fez apresentações no Japão. “Nunca imaginei que ia dar nisso”, conta ela. “Para nós, o teatro também é uma forma de resistência, assim como o carnaval, as festas religiosas, a comida e a maneira de se vestir.”

Antunes Filho. Na prepração com elenco em 1988 Foto: PAQUITO

Restauro das coleções

No site do Sesc Digital, o acervo disponível para consulta inclui figurinos de outros espetáculos do CPT já restaurados, como A Pedra do Reino (2006) e A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1986). Para chegar até Xica da Silva, foram dois anos de pesquisa e restauro, conta Silva Hirao. “Entre os 150 trajes, muitos precisaram ser refeitos.” 

A próxima coleção restaurada será a da peça Fragmentos Troianos, prevista para a próxima segunda, 14. A seguir vêm Medeia e Medeia 2, em janeiro, e Antígona, em fevereiro. O projeto que dá continuidade, ainda sem data de lançamento, deve contemplar os figurinos e adereços das seguintes montagens: Foi Carmen, Gilgamesh, Nossa Cidade, Toda Nudez Será Castigada, Trono de Sangue e Vereda da Salvação, totalizando 12 coleções de 13 espetáculos. 

Depoimento: 'Novo jeito de estar no palco', diz J. C. Serroni

Eu cheguei no Centro de Pesquisa Teatral no meio da criação do espetáculo A Hora e Vez de Augusto Matraga (1986), então minha estreia no cenário e figurino foi com Xica da Silva (1988). Naquela época eu já tinha passado pela Quadrienal de Praga (maior evento de cenografia do mundo) pela primeira vez e o convite de Antunes Filho veio após nossa experiência na TV Cultura com os teleteatros. Antes disso, não tinha qualquer relação com o diretor.

Acervo do espetáculo assistido nas Olimpíadas de Seul de 1988 faz parte de mais de 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral, no Sesc Memórias Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Quando a criação Xica da Silva começou, aprofundamos a pesquisa com a formação de um núcleo de cenografia, envolvendo os alunos. Era uma experiência que eu já conhecia. Então propus que poderíamos sair da neutralidade da caixa preta, semelhante ao que havia nos espetáculos anteriores de Antunes. A ideia era estender cortinas de fios de plástico pelo palco e um ciclorama, alterando a dimensão do espaço, trocando por uma caixa cinza. Antunes gostou de parte da ideia, mas acabou deixando o palco vazio, apenas com os fios espalhados ao redor. De qualquer forma, o palco deixou de ser apenas uma caixa vazia para se tornar uma caixa penetrável. 

Em termos de figurino, tradicionalmente, fui desenhar peças para o elenco de 30 atores, e foram muitos trajes. Isso porque havia diversos núcleos, tinha a corte negra, a corte branca, os soldados. Os trajes eram feitos de algodão cru e, em seguida, íamos aplicando os bordados, um a um. Eu busquei trazer as referências do século 18, e aproveitava para atualizar o material.Um tempo depois, Antunes olhou e disse que os figurinos ainda não estavam prontos. Só mais tarde, no palco. Para ele, o ideal seria experimentar ao vivo, ver como ficava no corpo do elenco. Um dos desafios era lidar com o aspecto realista dos figurinos, que se equilibrasse com a encenação dele.

Durante os ensaios do espetáculo, Antunes se desentendeu com o dramaturgo Luis Alberto de Abreu, responsável pela adaptação teatral da história. Antunes não gostou de algumas coisas na dramaturgia e fez algumas alterações no texto. A estreia veio com problemas e a crítica não gostou tanto. Naquele ano, também estreamos em Seul, na Coreia do Sul, na abertura dos Jogos Olímpicos, e apresentações no Japão. 

 Xica da Silva mostrou que Antunes estava saindo de sua fase Macunaíma, buscando outra maneira de estar no palco com seus espetáculos. A peça seguinte do CPT, Paraíso Zona Norte (1990), teve um processo de criação bem diferente. 

Foi no ano de 1988 que a atriz Dirce Thomaz se lançou em São Paulo. Vinda de Curitiba para tentar o ofício da atuação no Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, de Antunes Filho, a filha de mineiros não imaginava que sua estreia na peça Xica da Silva também a levaria para os palcos do mundo. “Lembro que o filme também estava no auge. Eu e minhas amigas tínhamos cortado o cabelo curto igual ao de Zezé Motta”, conta a atriz. “Junto com o batom preto, éramos como rainhas.”

Montagem que marcou uma transformação criativa na carreira de Antunes, a versão de Xica da Silva, que estreou em março daquele ano, teve figurinos e adereços restaurados recentemente, no projeto capitaneado pelo Sesc Memórias, disponível no site do Sesc Digital. O espaço localizado no mesmo prédio da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio) armazena mais de 20 mil itens originais – entre materiais de audiovisual, imagens, textos e gravações – desde a criação do Centro de Pesquisa Teatral, em 1982. “Cuidamos do recolhimento da documentação nas esferas da instituição, além de realizar a desmetalização, catalogação e guarda dos itens”, explica Silvia Hirao, responsável pela coleção do CPT.

Sesc Memórias. Local armazena 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral; o espetáculo 'Xica da Silva' tem 150 trajes assinados por J. C. Serroni Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Na peça, os trajes confeccionadas em algodão cru pelo cenógrafo e figurinista J. C. Serroni representavam os muitos núcleos da história, como a corte negra, a corte branca e os soldados (leia depoimento ao lado). Com foco na protagonista, o espetáculo narrava a transformação de uma mulher escravizada que ganhava o coração de João Fernandes, representante da Coroa Portuguesa, e se tornava a Rainha do Diamante. 

O elenco negro na montagem não era novidade para Dirce, que resgata o legado do ator, poeta e dramaturgo Abdias do Nascimento, criador do Teatro Experimental do Negro. “Em 1944, Abdias pensava em um teatro para que os negros tivessem orgulho de sua identidade. E de fato, somos herdeiros de reis e rainhas.” Ainda antes de Abdias, cita a atriz, o teatro de rebolado, na década de 1920, não era apenas para divertir as plateias. “As companhias negras de revista tinham pensamento crítico e ironia. Antes, os negros não podiam tocar no palco e ficavam cantando atrás das cortinas. Era o tempo disso acabar.” 

Para a atriz, Xica da Silva ajudou a atualizar as próprias ideias a respeito da negritude, conta Dirce. Ao longo da carreira, a artista atuou em diversas frentes da criação artística. Em 1992, fundou o Centro de Dramaturgia e Pesquisa sobre Cultura Negra. Três anos depois, estreou Os Sinos Dobram por Elas, a partir de relatos com mulheres que enfrentaram problemas psicológicos e violência. E em 2017 levou a história da escritora Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo, para os palcos. “Com o tempo precisei redescobrir que não fomos perdedores, mas estamos reagindo. Vejo que hoje a negritude está encontrando mais na força da memória”, explica. “Na periferia, por exemplo, a mídia alternativa chegou para ficar e tem papel fundamental ao dialogar com a atualidade e a nossa história”, ressalta. 

A estreia de Dirce em Xica da Silva também foi uma porta para o mundo. A atração subiu no palco da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, em Seul, com participação de 159 países. Também fez apresentações no Japão. “Nunca imaginei que ia dar nisso”, conta ela. “Para nós, o teatro também é uma forma de resistência, assim como o carnaval, as festas religiosas, a comida e a maneira de se vestir.”

Antunes Filho. Na prepração com elenco em 1988 Foto: PAQUITO

Restauro das coleções

No site do Sesc Digital, o acervo disponível para consulta inclui figurinos de outros espetáculos do CPT já restaurados, como A Pedra do Reino (2006) e A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1986). Para chegar até Xica da Silva, foram dois anos de pesquisa e restauro, conta Silva Hirao. “Entre os 150 trajes, muitos precisaram ser refeitos.” 

A próxima coleção restaurada será a da peça Fragmentos Troianos, prevista para a próxima segunda, 14. A seguir vêm Medeia e Medeia 2, em janeiro, e Antígona, em fevereiro. O projeto que dá continuidade, ainda sem data de lançamento, deve contemplar os figurinos e adereços das seguintes montagens: Foi Carmen, Gilgamesh, Nossa Cidade, Toda Nudez Será Castigada, Trono de Sangue e Vereda da Salvação, totalizando 12 coleções de 13 espetáculos. 

Depoimento: 'Novo jeito de estar no palco', diz J. C. Serroni

Eu cheguei no Centro de Pesquisa Teatral no meio da criação do espetáculo A Hora e Vez de Augusto Matraga (1986), então minha estreia no cenário e figurino foi com Xica da Silva (1988). Naquela época eu já tinha passado pela Quadrienal de Praga (maior evento de cenografia do mundo) pela primeira vez e o convite de Antunes Filho veio após nossa experiência na TV Cultura com os teleteatros. Antes disso, não tinha qualquer relação com o diretor.

Acervo do espetáculo assistido nas Olimpíadas de Seul de 1988 faz parte de mais de 20 mil itens do Centro de Pesquisa Teatral, no Sesc Memórias Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Quando a criação Xica da Silva começou, aprofundamos a pesquisa com a formação de um núcleo de cenografia, envolvendo os alunos. Era uma experiência que eu já conhecia. Então propus que poderíamos sair da neutralidade da caixa preta, semelhante ao que havia nos espetáculos anteriores de Antunes. A ideia era estender cortinas de fios de plástico pelo palco e um ciclorama, alterando a dimensão do espaço, trocando por uma caixa cinza. Antunes gostou de parte da ideia, mas acabou deixando o palco vazio, apenas com os fios espalhados ao redor. De qualquer forma, o palco deixou de ser apenas uma caixa vazia para se tornar uma caixa penetrável. 

Em termos de figurino, tradicionalmente, fui desenhar peças para o elenco de 30 atores, e foram muitos trajes. Isso porque havia diversos núcleos, tinha a corte negra, a corte branca, os soldados. Os trajes eram feitos de algodão cru e, em seguida, íamos aplicando os bordados, um a um. Eu busquei trazer as referências do século 18, e aproveitava para atualizar o material.Um tempo depois, Antunes olhou e disse que os figurinos ainda não estavam prontos. Só mais tarde, no palco. Para ele, o ideal seria experimentar ao vivo, ver como ficava no corpo do elenco. Um dos desafios era lidar com o aspecto realista dos figurinos, que se equilibrasse com a encenação dele.

Durante os ensaios do espetáculo, Antunes se desentendeu com o dramaturgo Luis Alberto de Abreu, responsável pela adaptação teatral da história. Antunes não gostou de algumas coisas na dramaturgia e fez algumas alterações no texto. A estreia veio com problemas e a crítica não gostou tanto. Naquele ano, também estreamos em Seul, na Coreia do Sul, na abertura dos Jogos Olímpicos, e apresentações no Japão. 

 Xica da Silva mostrou que Antunes estava saindo de sua fase Macunaíma, buscando outra maneira de estar no palco com seus espetáculos. A peça seguinte do CPT, Paraíso Zona Norte (1990), teve um processo de criação bem diferente. 

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