'O Apocalipse de um Diretor' mostra conflitos de integrantes do espetáculo


A peça em cartaz no Auditório do Masp tem texto de Angela Ribeiro e direção de Thiago Franco Balieiro

Por Ubiratan Brasil

Uma das mais famosas frases de Hamlet, clássica peça de Shakespeare (“Há algo de podre no reino da Dinamarca”), encaixa-se com perfeição no espetáculo Apocalipse de um Diretor, em cartaz no Auditório do Masp. Afinal, tanto em uma como na outra, a desconfiança, a raiva e até a intolerância são sentimentos que permeiam as tramas. Mais que isso, a montagem brasileira mostra exatamente os bastidores do trabalho de uma companhia que está prestes a estrear Hamlet. E o que se vê é uma falta de harmonia, como na tragédia shakespeariana.

Com texto de Angela Ribeiro e Thiago Franco Balieiro (ele também dirige o espetáculo), a peça nasceu justamente da vontade do grupo Eco Teatral em revelar o mecanismo de um processo criativo. “A primeira coisa que me veio à mente quando começamos foi ‘o melhor para esse processo será parir a dramaturgia dentro dele e atravessada pelas vozes que o constituem’”, afirma Angela, no texto de divulgação. “Portanto, partimos para os encontros dramatúrgicos mergulhados em fragmentos de Hamlet.”

Grupo. Cena com tensão Foto: GIORGIO D’ONOFRIO
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O resultado é estimulante para o espectador, que se vê inserido intimamente no espetáculo. Antes do início, ainda com as luzes acesas, o público é informado de que vai conhecer os detalhes que cercam uma montagem teatral, principalmente seus momentos mais críticos e dramáticos. Em seguida, um trio de músicos (Alberto Eloy, Ana Guariglia e Chico Ribas), que participa ativamente da encenação, executa um tema de abertura até que o baterista Ribas localiza: “São Paulo, manhã da estreia. Lá fora, frio e chuva”. É a deixa para que, aos poucos, os personagens se apresentem.

A trama se concentra na irritação do diretor da montagem (Romário Lopes), inconformado com seu elenco – para ele, apesar dos meses de ensaio, muitos ainda não atendem às suas orientações. É o início de uma série de atritos, motivados principalmente pela forma intempestiva e até autoritária com que o encenador trata o grupo. E, ao mesmo tempo em que acompanha os bastidores, a plateia também assiste a partes da montagem de Hamlet. “Falar sobre si em público através de uma expressão artística é tarefa demasiada complexa”, comenta o diretor Balieiro. “Falar sobre o que se teme ser, sobre a sombra que todos contêm em gérmen em si, é vereda sem instrução prévia. Esse processo se utilizou do próprio processo para se fazer ser, se alimentou da própria carne para sobreviver.”

E nada mais acertada que a escolha de Hamlet para revelar esses segredos. Apesar de escrito entre 1599 e 1601, o texto de Shakespeare exibe uma atualidade perturbadora. Afinal, oferece um diálogo direto com a sociedade atual ao mostrar que a tragédia do jovem príncipe Hamlet é também a história da destruição de uma ordem estabelecida, o colapso de uma era, um momento em que até a democracia perde seu sentido. É o que se observa principalmente na relação autoritária que o diretor mantém com seu elenco, gerando conflitos entre quase todos. “A linha divisória entre ficção e realidade, reforçada pelo cenário, vai se diluindo e se misturando. Temos certa dificuldade para definir se as falas pronunciadas pelo elenco são dele ou dos personagens da peça Hamlet”, explica Balieiro.

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A partir de dados biográficos e de histórias comuns vivenciadas por outros diretores, e pelos atores da peça, o espetáculo cria três camadas de realidade: a primeira é ocupada pelo diretor real, que faz o pronunciamento inicial; a segunda, pelo diretor ficcional e os atores em uma sala de ensaio; e a terceira camada é a própria montagem de Hamlet. E essa simbiose é mostrada de uma forma dinâmica, em que recursos audiovisuais são usados de forma inteligente e instigante, seja exibindo uma chamada telefônica em vídeo, seja uma câmara acompanhando o que acontece nos camarins.

E, para que a atenção não seja desviada em nenhum momento das duas horas de encenação, a peça conta com um elenco à altura: Lisandro Leite vive com vigor Claudio, o usurpador do trono da Dinamarca, e é rodeado por duas Gertrudes, Gisa Araújo e Zenaide Denarde, que trazem a precisa insegurança da rainha cúmplice na criminosa troca de rei. Alexandre Menezes alterna momentos cômicos com dramáticos na interpretação de Laertes, grande amigo de Hamlet. Já Fernanda Assef cuidou dos mínimos detalhes que caracterizam a fragilidade de Ofélia, a amada do príncipe, assim como Roberto Borenstein e Marco Canonici na interpretação no pai da garota, Polônio. Não convém revelar aqui o motivo que explica a presença de dois atores para o mesmo papel – o conturbado ensaio apresenta todos os detalhes.

Sem papel na montagem shakespeariana, Gabriela Roibeiri interpreta a assistente do diretor, que nela desconta seu mau humor. Finalmente, Gustavo Merighi vive o ator que interpreta Hamlet. Ele personifica com raro vigor e muito talento a ferocidade com que o jovem príncipe lida com a loucura provocada pelo assassinato do pai. Pela ação de Merighi, o espectador descobre um homem frágil, que tristemente perde o controle da situação.

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O APOCALIPSE DE UM DIRETOR. Auditório do Masp. Av. Paulista, 1.578. Tel. 3149-5959. Sáb., 21h. Dom., 19h30. R$ 50. Até 26/5

Uma das mais famosas frases de Hamlet, clássica peça de Shakespeare (“Há algo de podre no reino da Dinamarca”), encaixa-se com perfeição no espetáculo Apocalipse de um Diretor, em cartaz no Auditório do Masp. Afinal, tanto em uma como na outra, a desconfiança, a raiva e até a intolerância são sentimentos que permeiam as tramas. Mais que isso, a montagem brasileira mostra exatamente os bastidores do trabalho de uma companhia que está prestes a estrear Hamlet. E o que se vê é uma falta de harmonia, como na tragédia shakespeariana.

Com texto de Angela Ribeiro e Thiago Franco Balieiro (ele também dirige o espetáculo), a peça nasceu justamente da vontade do grupo Eco Teatral em revelar o mecanismo de um processo criativo. “A primeira coisa que me veio à mente quando começamos foi ‘o melhor para esse processo será parir a dramaturgia dentro dele e atravessada pelas vozes que o constituem’”, afirma Angela, no texto de divulgação. “Portanto, partimos para os encontros dramatúrgicos mergulhados em fragmentos de Hamlet.”

Grupo. Cena com tensão Foto: GIORGIO D’ONOFRIO

O resultado é estimulante para o espectador, que se vê inserido intimamente no espetáculo. Antes do início, ainda com as luzes acesas, o público é informado de que vai conhecer os detalhes que cercam uma montagem teatral, principalmente seus momentos mais críticos e dramáticos. Em seguida, um trio de músicos (Alberto Eloy, Ana Guariglia e Chico Ribas), que participa ativamente da encenação, executa um tema de abertura até que o baterista Ribas localiza: “São Paulo, manhã da estreia. Lá fora, frio e chuva”. É a deixa para que, aos poucos, os personagens se apresentem.

A trama se concentra na irritação do diretor da montagem (Romário Lopes), inconformado com seu elenco – para ele, apesar dos meses de ensaio, muitos ainda não atendem às suas orientações. É o início de uma série de atritos, motivados principalmente pela forma intempestiva e até autoritária com que o encenador trata o grupo. E, ao mesmo tempo em que acompanha os bastidores, a plateia também assiste a partes da montagem de Hamlet. “Falar sobre si em público através de uma expressão artística é tarefa demasiada complexa”, comenta o diretor Balieiro. “Falar sobre o que se teme ser, sobre a sombra que todos contêm em gérmen em si, é vereda sem instrução prévia. Esse processo se utilizou do próprio processo para se fazer ser, se alimentou da própria carne para sobreviver.”

E nada mais acertada que a escolha de Hamlet para revelar esses segredos. Apesar de escrito entre 1599 e 1601, o texto de Shakespeare exibe uma atualidade perturbadora. Afinal, oferece um diálogo direto com a sociedade atual ao mostrar que a tragédia do jovem príncipe Hamlet é também a história da destruição de uma ordem estabelecida, o colapso de uma era, um momento em que até a democracia perde seu sentido. É o que se observa principalmente na relação autoritária que o diretor mantém com seu elenco, gerando conflitos entre quase todos. “A linha divisória entre ficção e realidade, reforçada pelo cenário, vai se diluindo e se misturando. Temos certa dificuldade para definir se as falas pronunciadas pelo elenco são dele ou dos personagens da peça Hamlet”, explica Balieiro.

A partir de dados biográficos e de histórias comuns vivenciadas por outros diretores, e pelos atores da peça, o espetáculo cria três camadas de realidade: a primeira é ocupada pelo diretor real, que faz o pronunciamento inicial; a segunda, pelo diretor ficcional e os atores em uma sala de ensaio; e a terceira camada é a própria montagem de Hamlet. E essa simbiose é mostrada de uma forma dinâmica, em que recursos audiovisuais são usados de forma inteligente e instigante, seja exibindo uma chamada telefônica em vídeo, seja uma câmara acompanhando o que acontece nos camarins.

E, para que a atenção não seja desviada em nenhum momento das duas horas de encenação, a peça conta com um elenco à altura: Lisandro Leite vive com vigor Claudio, o usurpador do trono da Dinamarca, e é rodeado por duas Gertrudes, Gisa Araújo e Zenaide Denarde, que trazem a precisa insegurança da rainha cúmplice na criminosa troca de rei. Alexandre Menezes alterna momentos cômicos com dramáticos na interpretação de Laertes, grande amigo de Hamlet. Já Fernanda Assef cuidou dos mínimos detalhes que caracterizam a fragilidade de Ofélia, a amada do príncipe, assim como Roberto Borenstein e Marco Canonici na interpretação no pai da garota, Polônio. Não convém revelar aqui o motivo que explica a presença de dois atores para o mesmo papel – o conturbado ensaio apresenta todos os detalhes.

Sem papel na montagem shakespeariana, Gabriela Roibeiri interpreta a assistente do diretor, que nela desconta seu mau humor. Finalmente, Gustavo Merighi vive o ator que interpreta Hamlet. Ele personifica com raro vigor e muito talento a ferocidade com que o jovem príncipe lida com a loucura provocada pelo assassinato do pai. Pela ação de Merighi, o espectador descobre um homem frágil, que tristemente perde o controle da situação.

O APOCALIPSE DE UM DIRETOR. Auditório do Masp. Av. Paulista, 1.578. Tel. 3149-5959. Sáb., 21h. Dom., 19h30. R$ 50. Até 26/5

Uma das mais famosas frases de Hamlet, clássica peça de Shakespeare (“Há algo de podre no reino da Dinamarca”), encaixa-se com perfeição no espetáculo Apocalipse de um Diretor, em cartaz no Auditório do Masp. Afinal, tanto em uma como na outra, a desconfiança, a raiva e até a intolerância são sentimentos que permeiam as tramas. Mais que isso, a montagem brasileira mostra exatamente os bastidores do trabalho de uma companhia que está prestes a estrear Hamlet. E o que se vê é uma falta de harmonia, como na tragédia shakespeariana.

Com texto de Angela Ribeiro e Thiago Franco Balieiro (ele também dirige o espetáculo), a peça nasceu justamente da vontade do grupo Eco Teatral em revelar o mecanismo de um processo criativo. “A primeira coisa que me veio à mente quando começamos foi ‘o melhor para esse processo será parir a dramaturgia dentro dele e atravessada pelas vozes que o constituem’”, afirma Angela, no texto de divulgação. “Portanto, partimos para os encontros dramatúrgicos mergulhados em fragmentos de Hamlet.”

Grupo. Cena com tensão Foto: GIORGIO D’ONOFRIO

O resultado é estimulante para o espectador, que se vê inserido intimamente no espetáculo. Antes do início, ainda com as luzes acesas, o público é informado de que vai conhecer os detalhes que cercam uma montagem teatral, principalmente seus momentos mais críticos e dramáticos. Em seguida, um trio de músicos (Alberto Eloy, Ana Guariglia e Chico Ribas), que participa ativamente da encenação, executa um tema de abertura até que o baterista Ribas localiza: “São Paulo, manhã da estreia. Lá fora, frio e chuva”. É a deixa para que, aos poucos, os personagens se apresentem.

A trama se concentra na irritação do diretor da montagem (Romário Lopes), inconformado com seu elenco – para ele, apesar dos meses de ensaio, muitos ainda não atendem às suas orientações. É o início de uma série de atritos, motivados principalmente pela forma intempestiva e até autoritária com que o encenador trata o grupo. E, ao mesmo tempo em que acompanha os bastidores, a plateia também assiste a partes da montagem de Hamlet. “Falar sobre si em público através de uma expressão artística é tarefa demasiada complexa”, comenta o diretor Balieiro. “Falar sobre o que se teme ser, sobre a sombra que todos contêm em gérmen em si, é vereda sem instrução prévia. Esse processo se utilizou do próprio processo para se fazer ser, se alimentou da própria carne para sobreviver.”

E nada mais acertada que a escolha de Hamlet para revelar esses segredos. Apesar de escrito entre 1599 e 1601, o texto de Shakespeare exibe uma atualidade perturbadora. Afinal, oferece um diálogo direto com a sociedade atual ao mostrar que a tragédia do jovem príncipe Hamlet é também a história da destruição de uma ordem estabelecida, o colapso de uma era, um momento em que até a democracia perde seu sentido. É o que se observa principalmente na relação autoritária que o diretor mantém com seu elenco, gerando conflitos entre quase todos. “A linha divisória entre ficção e realidade, reforçada pelo cenário, vai se diluindo e se misturando. Temos certa dificuldade para definir se as falas pronunciadas pelo elenco são dele ou dos personagens da peça Hamlet”, explica Balieiro.

A partir de dados biográficos e de histórias comuns vivenciadas por outros diretores, e pelos atores da peça, o espetáculo cria três camadas de realidade: a primeira é ocupada pelo diretor real, que faz o pronunciamento inicial; a segunda, pelo diretor ficcional e os atores em uma sala de ensaio; e a terceira camada é a própria montagem de Hamlet. E essa simbiose é mostrada de uma forma dinâmica, em que recursos audiovisuais são usados de forma inteligente e instigante, seja exibindo uma chamada telefônica em vídeo, seja uma câmara acompanhando o que acontece nos camarins.

E, para que a atenção não seja desviada em nenhum momento das duas horas de encenação, a peça conta com um elenco à altura: Lisandro Leite vive com vigor Claudio, o usurpador do trono da Dinamarca, e é rodeado por duas Gertrudes, Gisa Araújo e Zenaide Denarde, que trazem a precisa insegurança da rainha cúmplice na criminosa troca de rei. Alexandre Menezes alterna momentos cômicos com dramáticos na interpretação de Laertes, grande amigo de Hamlet. Já Fernanda Assef cuidou dos mínimos detalhes que caracterizam a fragilidade de Ofélia, a amada do príncipe, assim como Roberto Borenstein e Marco Canonici na interpretação no pai da garota, Polônio. Não convém revelar aqui o motivo que explica a presença de dois atores para o mesmo papel – o conturbado ensaio apresenta todos os detalhes.

Sem papel na montagem shakespeariana, Gabriela Roibeiri interpreta a assistente do diretor, que nela desconta seu mau humor. Finalmente, Gustavo Merighi vive o ator que interpreta Hamlet. Ele personifica com raro vigor e muito talento a ferocidade com que o jovem príncipe lida com a loucura provocada pelo assassinato do pai. Pela ação de Merighi, o espectador descobre um homem frágil, que tristemente perde o controle da situação.

O APOCALIPSE DE UM DIRETOR. Auditório do Masp. Av. Paulista, 1.578. Tel. 3149-5959. Sáb., 21h. Dom., 19h30. R$ 50. Até 26/5

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