Tonico Pereira festeja 50 anos de carreira no papel do filósofo grego Sócrates


Aos 70 anos, Tonico Pereira diz que sempre acreditou que a carreira de ator não ia durar; e ainda acha isso

Por Leandro Nunes

Enquanto se prepara para as fotos, Tonico Pereira revela à reportagem que participou recentemente de um ensaio com o fotógrafo Terry Richardson, o mesmo que dirigiu o clipe Vai Malandra, de Anitta. “Foi nu”, ele se diverte. O ator de 70 anos completados no mês passado estreia neste sábado, 21, o espetáculo O Julgamento de Sócrates, no Teatro Nair Bello

Com a mesma espontaneidade presente no exército de personagens vividos ao longo dos 50 anos de ofício, Pereira relembra momentos da carreira, fala sobre os diversos negócios paralelos que geriu – e que faliram. “Vim para o Rio com algumas opções, uma era ser jogador de futebol, as outras... não tinhas outras”, afirma o ator nascido em Campos dos Goytacazes, a 275 km da capital carioca. 

Pereira estreou profissionalmente no espetáculo O Futuro Está nos Ovos, texto de Eugène Ionesco, em 1969. “Mas antes eu já fazia teatro na Universidade Federal Fluminense em um projeto popular com a comunidade.” Ele diz que foi o máximo de proximidade que teve com o ambiente estudantil e aponta, sorrindo, para a frase escrita em sua camiseta: “A única relação que me permito com acadêmicos é ser estudado por eles.” 

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Sucesso. Estreou nos palcos em 1959 Foto: VALERIA GONCALVEZ/ESTADAO

Com o início da carreira na televisão – o ator já tinha participado de duas novelas, mas ganhou destaque com Zé Carneiro de Sítio do Picapau Amarelo –, Pereira gastou tempo e recursos envolvido em empreendimentos, como peixaria, livraria, botequim e também vendeu relógios. “Nada deu certo”, conta. Hoje tenho uma loja de onde saiu a camiseta com frases de sua autoria. “No Brasil de hoje é difícil manter qualquer coisa.” Para ele, a alta dose de rebeldia em sua personalidade também abreviava as possibilidades de sucesso nos negócios. Mas por que insistiu tanto? “Primeiro, eu sempre fui inseguro como ator. Não estudei e sempre achei que isso não iria durar. Até hoje acho”, brinca. “Tudo o que fiz foi para sobreviver e depois criar meus quatro filhos.” Os mais novos, os gêmeos de 13 anos, são bem diferentes, conta. “Digo que ele é meio Hamlet, e a menina está para uma rainha de bateria.”

É com esse mesmo carinho que o ator guarda os personagens que já fez. O Mendonça, de A Grande Família, brilhou como o amigo de Lineu ao longo de quase 13 anos. “Mesmo após se despedir, esses personagens prosseguem com a gente. Isso me faz querer aprender o que eles ensinam. É uma troca constante de humanidade. Sou como uma quadrilha que sempre aceita a chegada de novos membros.” E sendo Sócrates o novato da gangue, o ator conta o motivo de aceitar o papel. “Sou um ator de aluguel, recebo muitos convites, mas só me aproximo do que realmente me interessa, que me ajude a olhar o mundo, além de, claro, pode ser engraçado.”

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A montagem é uma adaptação de Ivan Fernandes do livro Apologia de Sócrates, escrita pelo filósofo e matemático Platão. O texto retrata o caso de condenação do filósofo morto por envenenamento, acusado de desacreditar nos deuses gregos, unir-se a deuses malignos e corromper jovens com suas ideias. O que se sabe sobre a vida do filósofo é o que o faz tão enigmático, já que não há conhecimento de obra assinada por Sócrates. O que existe vem de fontes contemporâneas de Sócrates, como Platão, Aristófanes e Xenofonte. “Ele não se enquadrou e suas ideias transformaram o mundo como conhecemos hoje. Naquele momento, Sócrates até tentou se defender e se livrar de um julgamento injusto”, afirma o ator que interpreta com o auxílio do ponto eletrônico. “Quase não leio roteiros. Uso o ponto por opção e porque meu passado rebelde acabou deteriorando meu cérebro.”

O caso do julgamento do filósofo Sócrates não está nada distante de nós, afirma Tonico Pereira. “Há uma série de figuras na história que sofreram casos de silenciamento injusto, mesmo que com a ajuda da justiça da época: Jesus Cristo, Joana d’Arc, Nelson Mandela e por que não dizer Marielle Franco, em uma execução sumária. Vou parar por aqui para não complicar mais.”

‘Mais para Sócrates do que para Neymar’

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Apesar do tema conturbado no espetáculo O Julgamento de Sócrates, a peça é uma comédia, que fala, entre outras coisas, da liberdade das ideias. O ator conta que o aspecto cômico surge junto aos paralelos com acontecimentos no Brasil, uma chance de repassar o mau tempo no País rindo. “Eu começo a contar uma história e casos da vida política e da nossa sociedade se misturam. Diante de tanto absurdo, a resposta da plateia é o riso”, diz.

A expressão amistosa do ator só muda quando Pereira é questionado se assistiu à Copa do Mundo. Antes de responder, o ator se apruma na cadeira: “Eu acompanhei”, e dá de ombros. “Não gosto do que o futebol se tornou. A essência virou o mercado.” Para ele, o esporte era o elo entre o atleta e o torcedor e agora essa comunhão se desfez, quando os jogadores passaram a se comportar – e são tratados – como grifes. “Quando um jogador fazia gol, ele corria para festejar com os torcedores no estádio. Hoje, o fulano corre para a frente das câmeras para aparecer, para virar comercial.”

Sobre o desempenho da Seleção Brasileira na Rússia, Tonico torce o nariz. “Não teve um líder natural”, e recorda a Copa de 1958. “O brado de independência foi dado pelo meia Didi. Depois que o Brasil tomou o primeiro gol, ele buscou a bola na rede e foi conversando com os companheiros. No próximo lance, o time encarou aqueles loirinhos e fez um estrago na Suécia.” Diante dessa “industrialização”, o ator, enfim, não se contém. “Estou mais para Sócrates do que para Neymar. E anota aí, são os dois Sócrates."

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O JULGAMENTO DE SÓCRATES. Teatro Nair Bello. R. Frei Caneca, 569; 3472-2414. Estreia 21/7. Sáb., 21h; dom., 19h R$ 60. Até 9/9

Enquanto se prepara para as fotos, Tonico Pereira revela à reportagem que participou recentemente de um ensaio com o fotógrafo Terry Richardson, o mesmo que dirigiu o clipe Vai Malandra, de Anitta. “Foi nu”, ele se diverte. O ator de 70 anos completados no mês passado estreia neste sábado, 21, o espetáculo O Julgamento de Sócrates, no Teatro Nair Bello

Com a mesma espontaneidade presente no exército de personagens vividos ao longo dos 50 anos de ofício, Pereira relembra momentos da carreira, fala sobre os diversos negócios paralelos que geriu – e que faliram. “Vim para o Rio com algumas opções, uma era ser jogador de futebol, as outras... não tinhas outras”, afirma o ator nascido em Campos dos Goytacazes, a 275 km da capital carioca. 

Pereira estreou profissionalmente no espetáculo O Futuro Está nos Ovos, texto de Eugène Ionesco, em 1969. “Mas antes eu já fazia teatro na Universidade Federal Fluminense em um projeto popular com a comunidade.” Ele diz que foi o máximo de proximidade que teve com o ambiente estudantil e aponta, sorrindo, para a frase escrita em sua camiseta: “A única relação que me permito com acadêmicos é ser estudado por eles.” 

Sucesso. Estreou nos palcos em 1959 Foto: VALERIA GONCALVEZ/ESTADAO

Com o início da carreira na televisão – o ator já tinha participado de duas novelas, mas ganhou destaque com Zé Carneiro de Sítio do Picapau Amarelo –, Pereira gastou tempo e recursos envolvido em empreendimentos, como peixaria, livraria, botequim e também vendeu relógios. “Nada deu certo”, conta. Hoje tenho uma loja de onde saiu a camiseta com frases de sua autoria. “No Brasil de hoje é difícil manter qualquer coisa.” Para ele, a alta dose de rebeldia em sua personalidade também abreviava as possibilidades de sucesso nos negócios. Mas por que insistiu tanto? “Primeiro, eu sempre fui inseguro como ator. Não estudei e sempre achei que isso não iria durar. Até hoje acho”, brinca. “Tudo o que fiz foi para sobreviver e depois criar meus quatro filhos.” Os mais novos, os gêmeos de 13 anos, são bem diferentes, conta. “Digo que ele é meio Hamlet, e a menina está para uma rainha de bateria.”

É com esse mesmo carinho que o ator guarda os personagens que já fez. O Mendonça, de A Grande Família, brilhou como o amigo de Lineu ao longo de quase 13 anos. “Mesmo após se despedir, esses personagens prosseguem com a gente. Isso me faz querer aprender o que eles ensinam. É uma troca constante de humanidade. Sou como uma quadrilha que sempre aceita a chegada de novos membros.” E sendo Sócrates o novato da gangue, o ator conta o motivo de aceitar o papel. “Sou um ator de aluguel, recebo muitos convites, mas só me aproximo do que realmente me interessa, que me ajude a olhar o mundo, além de, claro, pode ser engraçado.”

A montagem é uma adaptação de Ivan Fernandes do livro Apologia de Sócrates, escrita pelo filósofo e matemático Platão. O texto retrata o caso de condenação do filósofo morto por envenenamento, acusado de desacreditar nos deuses gregos, unir-se a deuses malignos e corromper jovens com suas ideias. O que se sabe sobre a vida do filósofo é o que o faz tão enigmático, já que não há conhecimento de obra assinada por Sócrates. O que existe vem de fontes contemporâneas de Sócrates, como Platão, Aristófanes e Xenofonte. “Ele não se enquadrou e suas ideias transformaram o mundo como conhecemos hoje. Naquele momento, Sócrates até tentou se defender e se livrar de um julgamento injusto”, afirma o ator que interpreta com o auxílio do ponto eletrônico. “Quase não leio roteiros. Uso o ponto por opção e porque meu passado rebelde acabou deteriorando meu cérebro.”

O caso do julgamento do filósofo Sócrates não está nada distante de nós, afirma Tonico Pereira. “Há uma série de figuras na história que sofreram casos de silenciamento injusto, mesmo que com a ajuda da justiça da época: Jesus Cristo, Joana d’Arc, Nelson Mandela e por que não dizer Marielle Franco, em uma execução sumária. Vou parar por aqui para não complicar mais.”

‘Mais para Sócrates do que para Neymar’

Apesar do tema conturbado no espetáculo O Julgamento de Sócrates, a peça é uma comédia, que fala, entre outras coisas, da liberdade das ideias. O ator conta que o aspecto cômico surge junto aos paralelos com acontecimentos no Brasil, uma chance de repassar o mau tempo no País rindo. “Eu começo a contar uma história e casos da vida política e da nossa sociedade se misturam. Diante de tanto absurdo, a resposta da plateia é o riso”, diz.

A expressão amistosa do ator só muda quando Pereira é questionado se assistiu à Copa do Mundo. Antes de responder, o ator se apruma na cadeira: “Eu acompanhei”, e dá de ombros. “Não gosto do que o futebol se tornou. A essência virou o mercado.” Para ele, o esporte era o elo entre o atleta e o torcedor e agora essa comunhão se desfez, quando os jogadores passaram a se comportar – e são tratados – como grifes. “Quando um jogador fazia gol, ele corria para festejar com os torcedores no estádio. Hoje, o fulano corre para a frente das câmeras para aparecer, para virar comercial.”

Sobre o desempenho da Seleção Brasileira na Rússia, Tonico torce o nariz. “Não teve um líder natural”, e recorda a Copa de 1958. “O brado de independência foi dado pelo meia Didi. Depois que o Brasil tomou o primeiro gol, ele buscou a bola na rede e foi conversando com os companheiros. No próximo lance, o time encarou aqueles loirinhos e fez um estrago na Suécia.” Diante dessa “industrialização”, o ator, enfim, não se contém. “Estou mais para Sócrates do que para Neymar. E anota aí, são os dois Sócrates."

O JULGAMENTO DE SÓCRATES. Teatro Nair Bello. R. Frei Caneca, 569; 3472-2414. Estreia 21/7. Sáb., 21h; dom., 19h R$ 60. Até 9/9

Enquanto se prepara para as fotos, Tonico Pereira revela à reportagem que participou recentemente de um ensaio com o fotógrafo Terry Richardson, o mesmo que dirigiu o clipe Vai Malandra, de Anitta. “Foi nu”, ele se diverte. O ator de 70 anos completados no mês passado estreia neste sábado, 21, o espetáculo O Julgamento de Sócrates, no Teatro Nair Bello

Com a mesma espontaneidade presente no exército de personagens vividos ao longo dos 50 anos de ofício, Pereira relembra momentos da carreira, fala sobre os diversos negócios paralelos que geriu – e que faliram. “Vim para o Rio com algumas opções, uma era ser jogador de futebol, as outras... não tinhas outras”, afirma o ator nascido em Campos dos Goytacazes, a 275 km da capital carioca. 

Pereira estreou profissionalmente no espetáculo O Futuro Está nos Ovos, texto de Eugène Ionesco, em 1969. “Mas antes eu já fazia teatro na Universidade Federal Fluminense em um projeto popular com a comunidade.” Ele diz que foi o máximo de proximidade que teve com o ambiente estudantil e aponta, sorrindo, para a frase escrita em sua camiseta: “A única relação que me permito com acadêmicos é ser estudado por eles.” 

Sucesso. Estreou nos palcos em 1959 Foto: VALERIA GONCALVEZ/ESTADAO

Com o início da carreira na televisão – o ator já tinha participado de duas novelas, mas ganhou destaque com Zé Carneiro de Sítio do Picapau Amarelo –, Pereira gastou tempo e recursos envolvido em empreendimentos, como peixaria, livraria, botequim e também vendeu relógios. “Nada deu certo”, conta. Hoje tenho uma loja de onde saiu a camiseta com frases de sua autoria. “No Brasil de hoje é difícil manter qualquer coisa.” Para ele, a alta dose de rebeldia em sua personalidade também abreviava as possibilidades de sucesso nos negócios. Mas por que insistiu tanto? “Primeiro, eu sempre fui inseguro como ator. Não estudei e sempre achei que isso não iria durar. Até hoje acho”, brinca. “Tudo o que fiz foi para sobreviver e depois criar meus quatro filhos.” Os mais novos, os gêmeos de 13 anos, são bem diferentes, conta. “Digo que ele é meio Hamlet, e a menina está para uma rainha de bateria.”

É com esse mesmo carinho que o ator guarda os personagens que já fez. O Mendonça, de A Grande Família, brilhou como o amigo de Lineu ao longo de quase 13 anos. “Mesmo após se despedir, esses personagens prosseguem com a gente. Isso me faz querer aprender o que eles ensinam. É uma troca constante de humanidade. Sou como uma quadrilha que sempre aceita a chegada de novos membros.” E sendo Sócrates o novato da gangue, o ator conta o motivo de aceitar o papel. “Sou um ator de aluguel, recebo muitos convites, mas só me aproximo do que realmente me interessa, que me ajude a olhar o mundo, além de, claro, pode ser engraçado.”

A montagem é uma adaptação de Ivan Fernandes do livro Apologia de Sócrates, escrita pelo filósofo e matemático Platão. O texto retrata o caso de condenação do filósofo morto por envenenamento, acusado de desacreditar nos deuses gregos, unir-se a deuses malignos e corromper jovens com suas ideias. O que se sabe sobre a vida do filósofo é o que o faz tão enigmático, já que não há conhecimento de obra assinada por Sócrates. O que existe vem de fontes contemporâneas de Sócrates, como Platão, Aristófanes e Xenofonte. “Ele não se enquadrou e suas ideias transformaram o mundo como conhecemos hoje. Naquele momento, Sócrates até tentou se defender e se livrar de um julgamento injusto”, afirma o ator que interpreta com o auxílio do ponto eletrônico. “Quase não leio roteiros. Uso o ponto por opção e porque meu passado rebelde acabou deteriorando meu cérebro.”

O caso do julgamento do filósofo Sócrates não está nada distante de nós, afirma Tonico Pereira. “Há uma série de figuras na história que sofreram casos de silenciamento injusto, mesmo que com a ajuda da justiça da época: Jesus Cristo, Joana d’Arc, Nelson Mandela e por que não dizer Marielle Franco, em uma execução sumária. Vou parar por aqui para não complicar mais.”

‘Mais para Sócrates do que para Neymar’

Apesar do tema conturbado no espetáculo O Julgamento de Sócrates, a peça é uma comédia, que fala, entre outras coisas, da liberdade das ideias. O ator conta que o aspecto cômico surge junto aos paralelos com acontecimentos no Brasil, uma chance de repassar o mau tempo no País rindo. “Eu começo a contar uma história e casos da vida política e da nossa sociedade se misturam. Diante de tanto absurdo, a resposta da plateia é o riso”, diz.

A expressão amistosa do ator só muda quando Pereira é questionado se assistiu à Copa do Mundo. Antes de responder, o ator se apruma na cadeira: “Eu acompanhei”, e dá de ombros. “Não gosto do que o futebol se tornou. A essência virou o mercado.” Para ele, o esporte era o elo entre o atleta e o torcedor e agora essa comunhão se desfez, quando os jogadores passaram a se comportar – e são tratados – como grifes. “Quando um jogador fazia gol, ele corria para festejar com os torcedores no estádio. Hoje, o fulano corre para a frente das câmeras para aparecer, para virar comercial.”

Sobre o desempenho da Seleção Brasileira na Rússia, Tonico torce o nariz. “Não teve um líder natural”, e recorda a Copa de 1958. “O brado de independência foi dado pelo meia Didi. Depois que o Brasil tomou o primeiro gol, ele buscou a bola na rede e foi conversando com os companheiros. No próximo lance, o time encarou aqueles loirinhos e fez um estrago na Suécia.” Diante dessa “industrialização”, o ator, enfim, não se contém. “Estou mais para Sócrates do que para Neymar. E anota aí, são os dois Sócrates."

O JULGAMENTO DE SÓCRATES. Teatro Nair Bello. R. Frei Caneca, 569; 3472-2414. Estreia 21/7. Sáb., 21h; dom., 19h R$ 60. Até 9/9

Enquanto se prepara para as fotos, Tonico Pereira revela à reportagem que participou recentemente de um ensaio com o fotógrafo Terry Richardson, o mesmo que dirigiu o clipe Vai Malandra, de Anitta. “Foi nu”, ele se diverte. O ator de 70 anos completados no mês passado estreia neste sábado, 21, o espetáculo O Julgamento de Sócrates, no Teatro Nair Bello

Com a mesma espontaneidade presente no exército de personagens vividos ao longo dos 50 anos de ofício, Pereira relembra momentos da carreira, fala sobre os diversos negócios paralelos que geriu – e que faliram. “Vim para o Rio com algumas opções, uma era ser jogador de futebol, as outras... não tinhas outras”, afirma o ator nascido em Campos dos Goytacazes, a 275 km da capital carioca. 

Pereira estreou profissionalmente no espetáculo O Futuro Está nos Ovos, texto de Eugène Ionesco, em 1969. “Mas antes eu já fazia teatro na Universidade Federal Fluminense em um projeto popular com a comunidade.” Ele diz que foi o máximo de proximidade que teve com o ambiente estudantil e aponta, sorrindo, para a frase escrita em sua camiseta: “A única relação que me permito com acadêmicos é ser estudado por eles.” 

Sucesso. Estreou nos palcos em 1959 Foto: VALERIA GONCALVEZ/ESTADAO

Com o início da carreira na televisão – o ator já tinha participado de duas novelas, mas ganhou destaque com Zé Carneiro de Sítio do Picapau Amarelo –, Pereira gastou tempo e recursos envolvido em empreendimentos, como peixaria, livraria, botequim e também vendeu relógios. “Nada deu certo”, conta. Hoje tenho uma loja de onde saiu a camiseta com frases de sua autoria. “No Brasil de hoje é difícil manter qualquer coisa.” Para ele, a alta dose de rebeldia em sua personalidade também abreviava as possibilidades de sucesso nos negócios. Mas por que insistiu tanto? “Primeiro, eu sempre fui inseguro como ator. Não estudei e sempre achei que isso não iria durar. Até hoje acho”, brinca. “Tudo o que fiz foi para sobreviver e depois criar meus quatro filhos.” Os mais novos, os gêmeos de 13 anos, são bem diferentes, conta. “Digo que ele é meio Hamlet, e a menina está para uma rainha de bateria.”

É com esse mesmo carinho que o ator guarda os personagens que já fez. O Mendonça, de A Grande Família, brilhou como o amigo de Lineu ao longo de quase 13 anos. “Mesmo após se despedir, esses personagens prosseguem com a gente. Isso me faz querer aprender o que eles ensinam. É uma troca constante de humanidade. Sou como uma quadrilha que sempre aceita a chegada de novos membros.” E sendo Sócrates o novato da gangue, o ator conta o motivo de aceitar o papel. “Sou um ator de aluguel, recebo muitos convites, mas só me aproximo do que realmente me interessa, que me ajude a olhar o mundo, além de, claro, pode ser engraçado.”

A montagem é uma adaptação de Ivan Fernandes do livro Apologia de Sócrates, escrita pelo filósofo e matemático Platão. O texto retrata o caso de condenação do filósofo morto por envenenamento, acusado de desacreditar nos deuses gregos, unir-se a deuses malignos e corromper jovens com suas ideias. O que se sabe sobre a vida do filósofo é o que o faz tão enigmático, já que não há conhecimento de obra assinada por Sócrates. O que existe vem de fontes contemporâneas de Sócrates, como Platão, Aristófanes e Xenofonte. “Ele não se enquadrou e suas ideias transformaram o mundo como conhecemos hoje. Naquele momento, Sócrates até tentou se defender e se livrar de um julgamento injusto”, afirma o ator que interpreta com o auxílio do ponto eletrônico. “Quase não leio roteiros. Uso o ponto por opção e porque meu passado rebelde acabou deteriorando meu cérebro.”

O caso do julgamento do filósofo Sócrates não está nada distante de nós, afirma Tonico Pereira. “Há uma série de figuras na história que sofreram casos de silenciamento injusto, mesmo que com a ajuda da justiça da época: Jesus Cristo, Joana d’Arc, Nelson Mandela e por que não dizer Marielle Franco, em uma execução sumária. Vou parar por aqui para não complicar mais.”

‘Mais para Sócrates do que para Neymar’

Apesar do tema conturbado no espetáculo O Julgamento de Sócrates, a peça é uma comédia, que fala, entre outras coisas, da liberdade das ideias. O ator conta que o aspecto cômico surge junto aos paralelos com acontecimentos no Brasil, uma chance de repassar o mau tempo no País rindo. “Eu começo a contar uma história e casos da vida política e da nossa sociedade se misturam. Diante de tanto absurdo, a resposta da plateia é o riso”, diz.

A expressão amistosa do ator só muda quando Pereira é questionado se assistiu à Copa do Mundo. Antes de responder, o ator se apruma na cadeira: “Eu acompanhei”, e dá de ombros. “Não gosto do que o futebol se tornou. A essência virou o mercado.” Para ele, o esporte era o elo entre o atleta e o torcedor e agora essa comunhão se desfez, quando os jogadores passaram a se comportar – e são tratados – como grifes. “Quando um jogador fazia gol, ele corria para festejar com os torcedores no estádio. Hoje, o fulano corre para a frente das câmeras para aparecer, para virar comercial.”

Sobre o desempenho da Seleção Brasileira na Rússia, Tonico torce o nariz. “Não teve um líder natural”, e recorda a Copa de 1958. “O brado de independência foi dado pelo meia Didi. Depois que o Brasil tomou o primeiro gol, ele buscou a bola na rede e foi conversando com os companheiros. No próximo lance, o time encarou aqueles loirinhos e fez um estrago na Suécia.” Diante dessa “industrialização”, o ator, enfim, não se contém. “Estou mais para Sócrates do que para Neymar. E anota aí, são os dois Sócrates."

O JULGAMENTO DE SÓCRATES. Teatro Nair Bello. R. Frei Caneca, 569; 3472-2414. Estreia 21/7. Sáb., 21h; dom., 19h R$ 60. Até 9/9

Enquanto se prepara para as fotos, Tonico Pereira revela à reportagem que participou recentemente de um ensaio com o fotógrafo Terry Richardson, o mesmo que dirigiu o clipe Vai Malandra, de Anitta. “Foi nu”, ele se diverte. O ator de 70 anos completados no mês passado estreia neste sábado, 21, o espetáculo O Julgamento de Sócrates, no Teatro Nair Bello

Com a mesma espontaneidade presente no exército de personagens vividos ao longo dos 50 anos de ofício, Pereira relembra momentos da carreira, fala sobre os diversos negócios paralelos que geriu – e que faliram. “Vim para o Rio com algumas opções, uma era ser jogador de futebol, as outras... não tinhas outras”, afirma o ator nascido em Campos dos Goytacazes, a 275 km da capital carioca. 

Pereira estreou profissionalmente no espetáculo O Futuro Está nos Ovos, texto de Eugène Ionesco, em 1969. “Mas antes eu já fazia teatro na Universidade Federal Fluminense em um projeto popular com a comunidade.” Ele diz que foi o máximo de proximidade que teve com o ambiente estudantil e aponta, sorrindo, para a frase escrita em sua camiseta: “A única relação que me permito com acadêmicos é ser estudado por eles.” 

Sucesso. Estreou nos palcos em 1959 Foto: VALERIA GONCALVEZ/ESTADAO

Com o início da carreira na televisão – o ator já tinha participado de duas novelas, mas ganhou destaque com Zé Carneiro de Sítio do Picapau Amarelo –, Pereira gastou tempo e recursos envolvido em empreendimentos, como peixaria, livraria, botequim e também vendeu relógios. “Nada deu certo”, conta. Hoje tenho uma loja de onde saiu a camiseta com frases de sua autoria. “No Brasil de hoje é difícil manter qualquer coisa.” Para ele, a alta dose de rebeldia em sua personalidade também abreviava as possibilidades de sucesso nos negócios. Mas por que insistiu tanto? “Primeiro, eu sempre fui inseguro como ator. Não estudei e sempre achei que isso não iria durar. Até hoje acho”, brinca. “Tudo o que fiz foi para sobreviver e depois criar meus quatro filhos.” Os mais novos, os gêmeos de 13 anos, são bem diferentes, conta. “Digo que ele é meio Hamlet, e a menina está para uma rainha de bateria.”

É com esse mesmo carinho que o ator guarda os personagens que já fez. O Mendonça, de A Grande Família, brilhou como o amigo de Lineu ao longo de quase 13 anos. “Mesmo após se despedir, esses personagens prosseguem com a gente. Isso me faz querer aprender o que eles ensinam. É uma troca constante de humanidade. Sou como uma quadrilha que sempre aceita a chegada de novos membros.” E sendo Sócrates o novato da gangue, o ator conta o motivo de aceitar o papel. “Sou um ator de aluguel, recebo muitos convites, mas só me aproximo do que realmente me interessa, que me ajude a olhar o mundo, além de, claro, pode ser engraçado.”

A montagem é uma adaptação de Ivan Fernandes do livro Apologia de Sócrates, escrita pelo filósofo e matemático Platão. O texto retrata o caso de condenação do filósofo morto por envenenamento, acusado de desacreditar nos deuses gregos, unir-se a deuses malignos e corromper jovens com suas ideias. O que se sabe sobre a vida do filósofo é o que o faz tão enigmático, já que não há conhecimento de obra assinada por Sócrates. O que existe vem de fontes contemporâneas de Sócrates, como Platão, Aristófanes e Xenofonte. “Ele não se enquadrou e suas ideias transformaram o mundo como conhecemos hoje. Naquele momento, Sócrates até tentou se defender e se livrar de um julgamento injusto”, afirma o ator que interpreta com o auxílio do ponto eletrônico. “Quase não leio roteiros. Uso o ponto por opção e porque meu passado rebelde acabou deteriorando meu cérebro.”

O caso do julgamento do filósofo Sócrates não está nada distante de nós, afirma Tonico Pereira. “Há uma série de figuras na história que sofreram casos de silenciamento injusto, mesmo que com a ajuda da justiça da época: Jesus Cristo, Joana d’Arc, Nelson Mandela e por que não dizer Marielle Franco, em uma execução sumária. Vou parar por aqui para não complicar mais.”

‘Mais para Sócrates do que para Neymar’

Apesar do tema conturbado no espetáculo O Julgamento de Sócrates, a peça é uma comédia, que fala, entre outras coisas, da liberdade das ideias. O ator conta que o aspecto cômico surge junto aos paralelos com acontecimentos no Brasil, uma chance de repassar o mau tempo no País rindo. “Eu começo a contar uma história e casos da vida política e da nossa sociedade se misturam. Diante de tanto absurdo, a resposta da plateia é o riso”, diz.

A expressão amistosa do ator só muda quando Pereira é questionado se assistiu à Copa do Mundo. Antes de responder, o ator se apruma na cadeira: “Eu acompanhei”, e dá de ombros. “Não gosto do que o futebol se tornou. A essência virou o mercado.” Para ele, o esporte era o elo entre o atleta e o torcedor e agora essa comunhão se desfez, quando os jogadores passaram a se comportar – e são tratados – como grifes. “Quando um jogador fazia gol, ele corria para festejar com os torcedores no estádio. Hoje, o fulano corre para a frente das câmeras para aparecer, para virar comercial.”

Sobre o desempenho da Seleção Brasileira na Rússia, Tonico torce o nariz. “Não teve um líder natural”, e recorda a Copa de 1958. “O brado de independência foi dado pelo meia Didi. Depois que o Brasil tomou o primeiro gol, ele buscou a bola na rede e foi conversando com os companheiros. No próximo lance, o time encarou aqueles loirinhos e fez um estrago na Suécia.” Diante dessa “industrialização”, o ator, enfim, não se contém. “Estou mais para Sócrates do que para Neymar. E anota aí, são os dois Sócrates."

O JULGAMENTO DE SÓCRATES. Teatro Nair Bello. R. Frei Caneca, 569; 3472-2414. Estreia 21/7. Sáb., 21h; dom., 19h R$ 60. Até 9/9

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