Um Natal Mestiço com tradições populares


Com influência das mais variadas culturas, peça ‘Baile do Menino Deus’ é encenada há 16 anos no Recife

Por André Cáceres

Papai Noel, árvore de Natal, presentes, neve artificial: esses elementos estão associados ao imaginário natalino de muitos brasileiros, mas passam longe das tradições populares dessa época do ano enraizadas no País. Quem se deu conta de que os festejos vinham minguando foi o escritor Ronaldo Correia de Brito, já nos anos 1980. “Esse Natal colocava em um lugar central da comemoração um peru ou chester, em vez do Menino Jesus”, lamenta ele em entrevista ao Estado.

O escritor Ronaldo Correia de Brito, autor da peça'Baile do Menino Deus' Foto: Bruna Meneguetti

Cearense do Crato, mas orgulhoso residente do Recife há 50 anos, Ronaldo se aliou ao músico Antônio Madureira, do Quinteto Armorial, e ao poeta Assis Lima para, em 1983, lançar o disco Baile do Menino Deus, pelo selo Eldorado. Com o álbum, os artistas fizeram também um espetáculo, que começou tímido e acabou, ao longo dos anos, por se tornar uma das principais festividades da cidade – há 16 anos, é encenado sempre em 23, 24 e 25 de dezembro, levando 70 mil pessoas por ano à Praça do Marco Zero, no coração do Recife.

continua após a publicidade
Cena do espetáculo 'Baile do Menino Deus': cruzamento de culturas Foto: Bruna Meneguetti

“Nesse Natal, tudo cabe, como nas primeiras celebrações cristãs, que diziam que em Cristo todos os opostos se conciliam, quando o cristianismo primitivo incorporava o paganismo”, comenta Ronaldo, que dirige a peça unindo a cultura popular à erudita. No espetáculo, gratuito, a música clássica se concilia com dueto de pandeiros, números ibéricos, negros e indígenas remontam às tradições dos povos formadores do Brasil. Há passos de frevo, coros e influências das mais variadas culturas. É um Natal mestiço, ressalta Ronaldo, como atesta a variedade de etnias dos atores, cujos figurinos coloridos e inspirados nas raízes do País ele averigua nos mínimos detalhes.

“Essa saia é aberta na frente”, diz ele a Felipe Costa, que com seus dreadlocks interpreta José. “Quero essa gola mais alta”, pede a Isadora Melo, que dá vida a uma Maria com cabelos cacheados. Apesar do rigor do dramaturgo, ele distribui afagos e elogios pelos bastidores. Um dos destaques é o pequeno Guilherme, percussionista de apenas 5 anos que Ronaldo exalta: “É nosso novo Naná Vasconcelos”.

continua após a publicidade

O escritor se esquiva das comparações, mas O Baile do Menino Deus cumpre um papel no Brasil contemporâneo semelhante ao que o clássico Um Conto de Natal, de Charles Dickens, desempenhou na Inglaterra vitoriana. Escrita em 1843, a obra celebrava o espírito natalino em uma época na qual o Natal vinha sendo desvalorizado pela Igreja Anglicana, que questionava a celebração de um feriado de origem pagã – 200 anos antes, o Natal chegou a ser proibido pelo parlamento britânico. Assim como Ronaldo, Dickens promovia leituras dramáticas de seu conto para o povo todos os anos.

Como um pesquisador da cultura popular, nosso Dickens dos trópicos se lembra com melancolia do passado. “Sinto saudade de uma certa singeleza que o Natal tinha, uma comida modesta e sem essa coisa louca de presentes.” E relembra que, já na infância, a cultura americana começava a se embrenhar no Brasil, dando origem ao feriado consumista de hoje. “Era um Natal de uma cultura branca, eugênica, ao passo que as comemorações do ciclo natalino do Brasil estavam relacionadas à Folia de Reis, ao bumba meu boi, ao reisado, ao pastoril, à lapinha, ao cavalo marinho, que são brincadeiras populares, espécies de cantatas cênicas de longa duração, podendo variar de 2 a 12 horas de duração. Era uma cena mestiça, onde tudo cabia, como falava Gilberto Freyre e outros sociólogos, de um Natal brasileiro mestiço, de índios, de caboclos, de ciganos, mouriscos, ibéricos, consequentemente árabes e também judeus. Era uma cena ecumênica e também de cantos e danças, ao mesmo tempo sagrada e profana, lírica e burlesca.”

Essa visão natalina se reflete no Baile do Menino Deus, cuja trama narra as peripécias da dupla de protagonistas, ambos chamados Mateus. Eles estão a caminho de uma festa em homenagem ao nascimento de uma criança, Jesus, mas, ao chegar à casa, encontram a porta fechada. “A peça consiste em danças, cantos e rezas para fazer a porta se abrir. E quando a porta se abre, o sagrado se revela”, conta Ronaldo. “Num tempo em que as portas se fecham, as fronteiras se fecham, se estabelecem cada vez mais diferenças, é um espetáculo que fala de abertura, que congrega todos os povos e raças.”

continua após a publicidade

Todo ano, o Baile do Menino Deus passa por mudanças, com novos figurinos, novas músicas, coreografias e até mesmo cenas – este ano, uma dança indígena foi acrescentada ao espetáculo. Em 2019, entre os artistas convidados da apresentação estão músicos do grupo de percussão Bongar, ligado à Nação Xambá, um dos primeiros quilombos urbanos do País. 

Parte dos recursos para a realização do espetáculo foi levantada por meio da lei Rouanet, mas Ronaldo afirma que “apesar dos cortes pelos quais a lei vem passando, conseguimos fazer a maior captação da história”. Dessa forma, o Baile terá cerca de 300 pessoas trabalhando em todas as suas frentes, sendo 90 delas diretamente no palco. 

Depois da festa, Ronaldo não pretende descansar. Ele conta que passa o ano todo planejando o Baile e, em 2020, o ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura também promete lançar um novo livro, intitulado A Arte de Torrar Café, que reunirá narrativas não ficcionais. Enquanto a obra não chega, ele celebra: “O Baile, que algumas pessoas insistem em dizer que é barroco, e eu digo que é minimalista, é o meu modo de comemorar o Natal”.

Papai Noel, árvore de Natal, presentes, neve artificial: esses elementos estão associados ao imaginário natalino de muitos brasileiros, mas passam longe das tradições populares dessa época do ano enraizadas no País. Quem se deu conta de que os festejos vinham minguando foi o escritor Ronaldo Correia de Brito, já nos anos 1980. “Esse Natal colocava em um lugar central da comemoração um peru ou chester, em vez do Menino Jesus”, lamenta ele em entrevista ao Estado.

O escritor Ronaldo Correia de Brito, autor da peça'Baile do Menino Deus' Foto: Bruna Meneguetti

Cearense do Crato, mas orgulhoso residente do Recife há 50 anos, Ronaldo se aliou ao músico Antônio Madureira, do Quinteto Armorial, e ao poeta Assis Lima para, em 1983, lançar o disco Baile do Menino Deus, pelo selo Eldorado. Com o álbum, os artistas fizeram também um espetáculo, que começou tímido e acabou, ao longo dos anos, por se tornar uma das principais festividades da cidade – há 16 anos, é encenado sempre em 23, 24 e 25 de dezembro, levando 70 mil pessoas por ano à Praça do Marco Zero, no coração do Recife.

Cena do espetáculo 'Baile do Menino Deus': cruzamento de culturas Foto: Bruna Meneguetti

“Nesse Natal, tudo cabe, como nas primeiras celebrações cristãs, que diziam que em Cristo todos os opostos se conciliam, quando o cristianismo primitivo incorporava o paganismo”, comenta Ronaldo, que dirige a peça unindo a cultura popular à erudita. No espetáculo, gratuito, a música clássica se concilia com dueto de pandeiros, números ibéricos, negros e indígenas remontam às tradições dos povos formadores do Brasil. Há passos de frevo, coros e influências das mais variadas culturas. É um Natal mestiço, ressalta Ronaldo, como atesta a variedade de etnias dos atores, cujos figurinos coloridos e inspirados nas raízes do País ele averigua nos mínimos detalhes.

“Essa saia é aberta na frente”, diz ele a Felipe Costa, que com seus dreadlocks interpreta José. “Quero essa gola mais alta”, pede a Isadora Melo, que dá vida a uma Maria com cabelos cacheados. Apesar do rigor do dramaturgo, ele distribui afagos e elogios pelos bastidores. Um dos destaques é o pequeno Guilherme, percussionista de apenas 5 anos que Ronaldo exalta: “É nosso novo Naná Vasconcelos”.

O escritor se esquiva das comparações, mas O Baile do Menino Deus cumpre um papel no Brasil contemporâneo semelhante ao que o clássico Um Conto de Natal, de Charles Dickens, desempenhou na Inglaterra vitoriana. Escrita em 1843, a obra celebrava o espírito natalino em uma época na qual o Natal vinha sendo desvalorizado pela Igreja Anglicana, que questionava a celebração de um feriado de origem pagã – 200 anos antes, o Natal chegou a ser proibido pelo parlamento britânico. Assim como Ronaldo, Dickens promovia leituras dramáticas de seu conto para o povo todos os anos.

Como um pesquisador da cultura popular, nosso Dickens dos trópicos se lembra com melancolia do passado. “Sinto saudade de uma certa singeleza que o Natal tinha, uma comida modesta e sem essa coisa louca de presentes.” E relembra que, já na infância, a cultura americana começava a se embrenhar no Brasil, dando origem ao feriado consumista de hoje. “Era um Natal de uma cultura branca, eugênica, ao passo que as comemorações do ciclo natalino do Brasil estavam relacionadas à Folia de Reis, ao bumba meu boi, ao reisado, ao pastoril, à lapinha, ao cavalo marinho, que são brincadeiras populares, espécies de cantatas cênicas de longa duração, podendo variar de 2 a 12 horas de duração. Era uma cena mestiça, onde tudo cabia, como falava Gilberto Freyre e outros sociólogos, de um Natal brasileiro mestiço, de índios, de caboclos, de ciganos, mouriscos, ibéricos, consequentemente árabes e também judeus. Era uma cena ecumênica e também de cantos e danças, ao mesmo tempo sagrada e profana, lírica e burlesca.”

Essa visão natalina se reflete no Baile do Menino Deus, cuja trama narra as peripécias da dupla de protagonistas, ambos chamados Mateus. Eles estão a caminho de uma festa em homenagem ao nascimento de uma criança, Jesus, mas, ao chegar à casa, encontram a porta fechada. “A peça consiste em danças, cantos e rezas para fazer a porta se abrir. E quando a porta se abre, o sagrado se revela”, conta Ronaldo. “Num tempo em que as portas se fecham, as fronteiras se fecham, se estabelecem cada vez mais diferenças, é um espetáculo que fala de abertura, que congrega todos os povos e raças.”

Todo ano, o Baile do Menino Deus passa por mudanças, com novos figurinos, novas músicas, coreografias e até mesmo cenas – este ano, uma dança indígena foi acrescentada ao espetáculo. Em 2019, entre os artistas convidados da apresentação estão músicos do grupo de percussão Bongar, ligado à Nação Xambá, um dos primeiros quilombos urbanos do País. 

Parte dos recursos para a realização do espetáculo foi levantada por meio da lei Rouanet, mas Ronaldo afirma que “apesar dos cortes pelos quais a lei vem passando, conseguimos fazer a maior captação da história”. Dessa forma, o Baile terá cerca de 300 pessoas trabalhando em todas as suas frentes, sendo 90 delas diretamente no palco. 

Depois da festa, Ronaldo não pretende descansar. Ele conta que passa o ano todo planejando o Baile e, em 2020, o ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura também promete lançar um novo livro, intitulado A Arte de Torrar Café, que reunirá narrativas não ficcionais. Enquanto a obra não chega, ele celebra: “O Baile, que algumas pessoas insistem em dizer que é barroco, e eu digo que é minimalista, é o meu modo de comemorar o Natal”.

Papai Noel, árvore de Natal, presentes, neve artificial: esses elementos estão associados ao imaginário natalino de muitos brasileiros, mas passam longe das tradições populares dessa época do ano enraizadas no País. Quem se deu conta de que os festejos vinham minguando foi o escritor Ronaldo Correia de Brito, já nos anos 1980. “Esse Natal colocava em um lugar central da comemoração um peru ou chester, em vez do Menino Jesus”, lamenta ele em entrevista ao Estado.

O escritor Ronaldo Correia de Brito, autor da peça'Baile do Menino Deus' Foto: Bruna Meneguetti

Cearense do Crato, mas orgulhoso residente do Recife há 50 anos, Ronaldo se aliou ao músico Antônio Madureira, do Quinteto Armorial, e ao poeta Assis Lima para, em 1983, lançar o disco Baile do Menino Deus, pelo selo Eldorado. Com o álbum, os artistas fizeram também um espetáculo, que começou tímido e acabou, ao longo dos anos, por se tornar uma das principais festividades da cidade – há 16 anos, é encenado sempre em 23, 24 e 25 de dezembro, levando 70 mil pessoas por ano à Praça do Marco Zero, no coração do Recife.

Cena do espetáculo 'Baile do Menino Deus': cruzamento de culturas Foto: Bruna Meneguetti

“Nesse Natal, tudo cabe, como nas primeiras celebrações cristãs, que diziam que em Cristo todos os opostos se conciliam, quando o cristianismo primitivo incorporava o paganismo”, comenta Ronaldo, que dirige a peça unindo a cultura popular à erudita. No espetáculo, gratuito, a música clássica se concilia com dueto de pandeiros, números ibéricos, negros e indígenas remontam às tradições dos povos formadores do Brasil. Há passos de frevo, coros e influências das mais variadas culturas. É um Natal mestiço, ressalta Ronaldo, como atesta a variedade de etnias dos atores, cujos figurinos coloridos e inspirados nas raízes do País ele averigua nos mínimos detalhes.

“Essa saia é aberta na frente”, diz ele a Felipe Costa, que com seus dreadlocks interpreta José. “Quero essa gola mais alta”, pede a Isadora Melo, que dá vida a uma Maria com cabelos cacheados. Apesar do rigor do dramaturgo, ele distribui afagos e elogios pelos bastidores. Um dos destaques é o pequeno Guilherme, percussionista de apenas 5 anos que Ronaldo exalta: “É nosso novo Naná Vasconcelos”.

O escritor se esquiva das comparações, mas O Baile do Menino Deus cumpre um papel no Brasil contemporâneo semelhante ao que o clássico Um Conto de Natal, de Charles Dickens, desempenhou na Inglaterra vitoriana. Escrita em 1843, a obra celebrava o espírito natalino em uma época na qual o Natal vinha sendo desvalorizado pela Igreja Anglicana, que questionava a celebração de um feriado de origem pagã – 200 anos antes, o Natal chegou a ser proibido pelo parlamento britânico. Assim como Ronaldo, Dickens promovia leituras dramáticas de seu conto para o povo todos os anos.

Como um pesquisador da cultura popular, nosso Dickens dos trópicos se lembra com melancolia do passado. “Sinto saudade de uma certa singeleza que o Natal tinha, uma comida modesta e sem essa coisa louca de presentes.” E relembra que, já na infância, a cultura americana começava a se embrenhar no Brasil, dando origem ao feriado consumista de hoje. “Era um Natal de uma cultura branca, eugênica, ao passo que as comemorações do ciclo natalino do Brasil estavam relacionadas à Folia de Reis, ao bumba meu boi, ao reisado, ao pastoril, à lapinha, ao cavalo marinho, que são brincadeiras populares, espécies de cantatas cênicas de longa duração, podendo variar de 2 a 12 horas de duração. Era uma cena mestiça, onde tudo cabia, como falava Gilberto Freyre e outros sociólogos, de um Natal brasileiro mestiço, de índios, de caboclos, de ciganos, mouriscos, ibéricos, consequentemente árabes e também judeus. Era uma cena ecumênica e também de cantos e danças, ao mesmo tempo sagrada e profana, lírica e burlesca.”

Essa visão natalina se reflete no Baile do Menino Deus, cuja trama narra as peripécias da dupla de protagonistas, ambos chamados Mateus. Eles estão a caminho de uma festa em homenagem ao nascimento de uma criança, Jesus, mas, ao chegar à casa, encontram a porta fechada. “A peça consiste em danças, cantos e rezas para fazer a porta se abrir. E quando a porta se abre, o sagrado se revela”, conta Ronaldo. “Num tempo em que as portas se fecham, as fronteiras se fecham, se estabelecem cada vez mais diferenças, é um espetáculo que fala de abertura, que congrega todos os povos e raças.”

Todo ano, o Baile do Menino Deus passa por mudanças, com novos figurinos, novas músicas, coreografias e até mesmo cenas – este ano, uma dança indígena foi acrescentada ao espetáculo. Em 2019, entre os artistas convidados da apresentação estão músicos do grupo de percussão Bongar, ligado à Nação Xambá, um dos primeiros quilombos urbanos do País. 

Parte dos recursos para a realização do espetáculo foi levantada por meio da lei Rouanet, mas Ronaldo afirma que “apesar dos cortes pelos quais a lei vem passando, conseguimos fazer a maior captação da história”. Dessa forma, o Baile terá cerca de 300 pessoas trabalhando em todas as suas frentes, sendo 90 delas diretamente no palco. 

Depois da festa, Ronaldo não pretende descansar. Ele conta que passa o ano todo planejando o Baile e, em 2020, o ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura também promete lançar um novo livro, intitulado A Arte de Torrar Café, que reunirá narrativas não ficcionais. Enquanto a obra não chega, ele celebra: “O Baile, que algumas pessoas insistem em dizer que é barroco, e eu digo que é minimalista, é o meu modo de comemorar o Natal”.

Papai Noel, árvore de Natal, presentes, neve artificial: esses elementos estão associados ao imaginário natalino de muitos brasileiros, mas passam longe das tradições populares dessa época do ano enraizadas no País. Quem se deu conta de que os festejos vinham minguando foi o escritor Ronaldo Correia de Brito, já nos anos 1980. “Esse Natal colocava em um lugar central da comemoração um peru ou chester, em vez do Menino Jesus”, lamenta ele em entrevista ao Estado.

O escritor Ronaldo Correia de Brito, autor da peça'Baile do Menino Deus' Foto: Bruna Meneguetti

Cearense do Crato, mas orgulhoso residente do Recife há 50 anos, Ronaldo se aliou ao músico Antônio Madureira, do Quinteto Armorial, e ao poeta Assis Lima para, em 1983, lançar o disco Baile do Menino Deus, pelo selo Eldorado. Com o álbum, os artistas fizeram também um espetáculo, que começou tímido e acabou, ao longo dos anos, por se tornar uma das principais festividades da cidade – há 16 anos, é encenado sempre em 23, 24 e 25 de dezembro, levando 70 mil pessoas por ano à Praça do Marco Zero, no coração do Recife.

Cena do espetáculo 'Baile do Menino Deus': cruzamento de culturas Foto: Bruna Meneguetti

“Nesse Natal, tudo cabe, como nas primeiras celebrações cristãs, que diziam que em Cristo todos os opostos se conciliam, quando o cristianismo primitivo incorporava o paganismo”, comenta Ronaldo, que dirige a peça unindo a cultura popular à erudita. No espetáculo, gratuito, a música clássica se concilia com dueto de pandeiros, números ibéricos, negros e indígenas remontam às tradições dos povos formadores do Brasil. Há passos de frevo, coros e influências das mais variadas culturas. É um Natal mestiço, ressalta Ronaldo, como atesta a variedade de etnias dos atores, cujos figurinos coloridos e inspirados nas raízes do País ele averigua nos mínimos detalhes.

“Essa saia é aberta na frente”, diz ele a Felipe Costa, que com seus dreadlocks interpreta José. “Quero essa gola mais alta”, pede a Isadora Melo, que dá vida a uma Maria com cabelos cacheados. Apesar do rigor do dramaturgo, ele distribui afagos e elogios pelos bastidores. Um dos destaques é o pequeno Guilherme, percussionista de apenas 5 anos que Ronaldo exalta: “É nosso novo Naná Vasconcelos”.

O escritor se esquiva das comparações, mas O Baile do Menino Deus cumpre um papel no Brasil contemporâneo semelhante ao que o clássico Um Conto de Natal, de Charles Dickens, desempenhou na Inglaterra vitoriana. Escrita em 1843, a obra celebrava o espírito natalino em uma época na qual o Natal vinha sendo desvalorizado pela Igreja Anglicana, que questionava a celebração de um feriado de origem pagã – 200 anos antes, o Natal chegou a ser proibido pelo parlamento britânico. Assim como Ronaldo, Dickens promovia leituras dramáticas de seu conto para o povo todos os anos.

Como um pesquisador da cultura popular, nosso Dickens dos trópicos se lembra com melancolia do passado. “Sinto saudade de uma certa singeleza que o Natal tinha, uma comida modesta e sem essa coisa louca de presentes.” E relembra que, já na infância, a cultura americana começava a se embrenhar no Brasil, dando origem ao feriado consumista de hoje. “Era um Natal de uma cultura branca, eugênica, ao passo que as comemorações do ciclo natalino do Brasil estavam relacionadas à Folia de Reis, ao bumba meu boi, ao reisado, ao pastoril, à lapinha, ao cavalo marinho, que são brincadeiras populares, espécies de cantatas cênicas de longa duração, podendo variar de 2 a 12 horas de duração. Era uma cena mestiça, onde tudo cabia, como falava Gilberto Freyre e outros sociólogos, de um Natal brasileiro mestiço, de índios, de caboclos, de ciganos, mouriscos, ibéricos, consequentemente árabes e também judeus. Era uma cena ecumênica e também de cantos e danças, ao mesmo tempo sagrada e profana, lírica e burlesca.”

Essa visão natalina se reflete no Baile do Menino Deus, cuja trama narra as peripécias da dupla de protagonistas, ambos chamados Mateus. Eles estão a caminho de uma festa em homenagem ao nascimento de uma criança, Jesus, mas, ao chegar à casa, encontram a porta fechada. “A peça consiste em danças, cantos e rezas para fazer a porta se abrir. E quando a porta se abre, o sagrado se revela”, conta Ronaldo. “Num tempo em que as portas se fecham, as fronteiras se fecham, se estabelecem cada vez mais diferenças, é um espetáculo que fala de abertura, que congrega todos os povos e raças.”

Todo ano, o Baile do Menino Deus passa por mudanças, com novos figurinos, novas músicas, coreografias e até mesmo cenas – este ano, uma dança indígena foi acrescentada ao espetáculo. Em 2019, entre os artistas convidados da apresentação estão músicos do grupo de percussão Bongar, ligado à Nação Xambá, um dos primeiros quilombos urbanos do País. 

Parte dos recursos para a realização do espetáculo foi levantada por meio da lei Rouanet, mas Ronaldo afirma que “apesar dos cortes pelos quais a lei vem passando, conseguimos fazer a maior captação da história”. Dessa forma, o Baile terá cerca de 300 pessoas trabalhando em todas as suas frentes, sendo 90 delas diretamente no palco. 

Depois da festa, Ronaldo não pretende descansar. Ele conta que passa o ano todo planejando o Baile e, em 2020, o ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura também promete lançar um novo livro, intitulado A Arte de Torrar Café, que reunirá narrativas não ficcionais. Enquanto a obra não chega, ele celebra: “O Baile, que algumas pessoas insistem em dizer que é barroco, e eu digo que é minimalista, é o meu modo de comemorar o Natal”.

Papai Noel, árvore de Natal, presentes, neve artificial: esses elementos estão associados ao imaginário natalino de muitos brasileiros, mas passam longe das tradições populares dessa época do ano enraizadas no País. Quem se deu conta de que os festejos vinham minguando foi o escritor Ronaldo Correia de Brito, já nos anos 1980. “Esse Natal colocava em um lugar central da comemoração um peru ou chester, em vez do Menino Jesus”, lamenta ele em entrevista ao Estado.

O escritor Ronaldo Correia de Brito, autor da peça'Baile do Menino Deus' Foto: Bruna Meneguetti

Cearense do Crato, mas orgulhoso residente do Recife há 50 anos, Ronaldo se aliou ao músico Antônio Madureira, do Quinteto Armorial, e ao poeta Assis Lima para, em 1983, lançar o disco Baile do Menino Deus, pelo selo Eldorado. Com o álbum, os artistas fizeram também um espetáculo, que começou tímido e acabou, ao longo dos anos, por se tornar uma das principais festividades da cidade – há 16 anos, é encenado sempre em 23, 24 e 25 de dezembro, levando 70 mil pessoas por ano à Praça do Marco Zero, no coração do Recife.

Cena do espetáculo 'Baile do Menino Deus': cruzamento de culturas Foto: Bruna Meneguetti

“Nesse Natal, tudo cabe, como nas primeiras celebrações cristãs, que diziam que em Cristo todos os opostos se conciliam, quando o cristianismo primitivo incorporava o paganismo”, comenta Ronaldo, que dirige a peça unindo a cultura popular à erudita. No espetáculo, gratuito, a música clássica se concilia com dueto de pandeiros, números ibéricos, negros e indígenas remontam às tradições dos povos formadores do Brasil. Há passos de frevo, coros e influências das mais variadas culturas. É um Natal mestiço, ressalta Ronaldo, como atesta a variedade de etnias dos atores, cujos figurinos coloridos e inspirados nas raízes do País ele averigua nos mínimos detalhes.

“Essa saia é aberta na frente”, diz ele a Felipe Costa, que com seus dreadlocks interpreta José. “Quero essa gola mais alta”, pede a Isadora Melo, que dá vida a uma Maria com cabelos cacheados. Apesar do rigor do dramaturgo, ele distribui afagos e elogios pelos bastidores. Um dos destaques é o pequeno Guilherme, percussionista de apenas 5 anos que Ronaldo exalta: “É nosso novo Naná Vasconcelos”.

O escritor se esquiva das comparações, mas O Baile do Menino Deus cumpre um papel no Brasil contemporâneo semelhante ao que o clássico Um Conto de Natal, de Charles Dickens, desempenhou na Inglaterra vitoriana. Escrita em 1843, a obra celebrava o espírito natalino em uma época na qual o Natal vinha sendo desvalorizado pela Igreja Anglicana, que questionava a celebração de um feriado de origem pagã – 200 anos antes, o Natal chegou a ser proibido pelo parlamento britânico. Assim como Ronaldo, Dickens promovia leituras dramáticas de seu conto para o povo todos os anos.

Como um pesquisador da cultura popular, nosso Dickens dos trópicos se lembra com melancolia do passado. “Sinto saudade de uma certa singeleza que o Natal tinha, uma comida modesta e sem essa coisa louca de presentes.” E relembra que, já na infância, a cultura americana começava a se embrenhar no Brasil, dando origem ao feriado consumista de hoje. “Era um Natal de uma cultura branca, eugênica, ao passo que as comemorações do ciclo natalino do Brasil estavam relacionadas à Folia de Reis, ao bumba meu boi, ao reisado, ao pastoril, à lapinha, ao cavalo marinho, que são brincadeiras populares, espécies de cantatas cênicas de longa duração, podendo variar de 2 a 12 horas de duração. Era uma cena mestiça, onde tudo cabia, como falava Gilberto Freyre e outros sociólogos, de um Natal brasileiro mestiço, de índios, de caboclos, de ciganos, mouriscos, ibéricos, consequentemente árabes e também judeus. Era uma cena ecumênica e também de cantos e danças, ao mesmo tempo sagrada e profana, lírica e burlesca.”

Essa visão natalina se reflete no Baile do Menino Deus, cuja trama narra as peripécias da dupla de protagonistas, ambos chamados Mateus. Eles estão a caminho de uma festa em homenagem ao nascimento de uma criança, Jesus, mas, ao chegar à casa, encontram a porta fechada. “A peça consiste em danças, cantos e rezas para fazer a porta se abrir. E quando a porta se abre, o sagrado se revela”, conta Ronaldo. “Num tempo em que as portas se fecham, as fronteiras se fecham, se estabelecem cada vez mais diferenças, é um espetáculo que fala de abertura, que congrega todos os povos e raças.”

Todo ano, o Baile do Menino Deus passa por mudanças, com novos figurinos, novas músicas, coreografias e até mesmo cenas – este ano, uma dança indígena foi acrescentada ao espetáculo. Em 2019, entre os artistas convidados da apresentação estão músicos do grupo de percussão Bongar, ligado à Nação Xambá, um dos primeiros quilombos urbanos do País. 

Parte dos recursos para a realização do espetáculo foi levantada por meio da lei Rouanet, mas Ronaldo afirma que “apesar dos cortes pelos quais a lei vem passando, conseguimos fazer a maior captação da história”. Dessa forma, o Baile terá cerca de 300 pessoas trabalhando em todas as suas frentes, sendo 90 delas diretamente no palco. 

Depois da festa, Ronaldo não pretende descansar. Ele conta que passa o ano todo planejando o Baile e, em 2020, o ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura também promete lançar um novo livro, intitulado A Arte de Torrar Café, que reunirá narrativas não ficcionais. Enquanto a obra não chega, ele celebra: “O Baile, que algumas pessoas insistem em dizer que é barroco, e eu digo que é minimalista, é o meu modo de comemorar o Natal”.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.