44.ª Mostra: 'Gênero, Pan' e 'Dias' trabalham o tempo em diferentes perspectivas


Na Mostra, e fora dela - no Imax -, esses grandes diretores, Tsai, Diaz e Nolan, estão construindo o tempo para, cada um à sua maneira, levar o público a refletir sobre a situação precária do mundo e os rumos do cinema

Por Luiz Carlos Merten

É significativo que a Mostra esteja trazendo os novos filmes de importantes autores como Lav Diaz e Tsai Ming-liang justamente quando acaba de estrear nos cinemas o Christopher Nolan. Lav e Tsai fazem filmes que se podem definir como lentos e longos. Nolan, no registro dos blockbusters, está sempre acelerado, mas todos - os três - trabalham o tempo em diferentes perspectivas, ou esferas de conhecimento. Nolan leva ao limite um conceito que talvez seja próprio da língua inglesa, em que filmes são 'movies', de movimento. Baseado em pesquisas do físico Kip Thorne sobre o deslocamento de moléculas no tempo, Nolan se utiliza da entropia para refletir sobre a desordem do mundo e os perigos das distopias. Em Tenet - a palavra pode ser lista de traz para a frente sem mudar o sentido -, o futuro manda uma mensagem ao passado - ao presente? - e o risco é o extermínio da espécie humana.

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se 'Gênero, Pan'. Foto: Sine Olivia Pilipinas

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se Gênero, Pan. Comparativamente aos amplos recursos de que Nolan lança mão - Imax, filmagens em sete países de três continentes -, o filipino Diaz trabalha no limite da pobreza material, o que não impede a fotografia em preto e branco de seu longa ser belíssima. Aliás, é preciso relativizar esse conceito de longa - para quem faz filmes de oito horas, as duas horas e meia desse sugerem um filme (mais) curto. Três homens numa floresta, melhor seria dizer no mato. Paulo, Baldo e Andrés. Desde o começo estabelece-se uma relação complicada. Andrés deve dinheiro a Baldo, que não lhe permite parcelar a dívida para atender às necessidades de sua irmã doente. Na estrutura hierárquica e social vigente nas Filipinas, quem está no topo explora os de baixo. Justamente Andrés, o mais simples - bem-intencionado - dos personagens é quem percebe a verdade que rege as relações.

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Três homens no mato - conceitos de honra, quem deve a quem, quem cobra de quem. Um corte mostra a cúpula do povoado para o qual se dirigem. Uma breve história das raízes seculares da pobreza nas Filipinas. No passado, havia uma linha direta entre os piratas que agiam da região até o México. Histórias de ouro escondido. A narrativa toma outro rumo, o que é típico de Diaz, e prossegue agora somente com Andrés e diferentes versões do que ocorreu com os outros dois homens. Relações humanas e sociais predatórias, e se os homens são lobos dos homens, as mulheres sofrem ainda mais. Uma conversa ilustra aonde Diaz quer chegar. Poucos humanos atingem um grau superior - Cristo, Mahatma Gandhi, Madre Teresa, Buda. Os restantes equiparam-se a um gênero de macaco - Pan - que age e pensa intuitivamente, e de forma limitada. Talvez seja o filme mais pessimista - ou realista - de Diaz. Venceu o prêmio de direção na mostra Horizontes, de Veneza.

O Tsai Dias passou em Berlim. Variety, a Bíblia do showbizz dos EUA, define-o como 'mestre do cinema lento' - the auteur of slow cinema. Não seria um filme do diretor, se não tivesse seu muso, o ator Lee Kang-sheng. Lee, presente em todos os filmes de Tsai, chegou aos 50 anos. No plano de abertura, com a duração de quatro minutos, ele está sentado num sofá, filmado atrás do vidro. O dinamismo da imagem fica por conta dos reflexos de árvores que se movem ao vento e a água da chuva que escorre. Lee nem pisca, que dirá mexer-se. “É um filme sem legendas”, adverte um letreiro. E para que teria, se não tem diálogos? O outro personagem é Non, interpretado por um não ator de Bangcoc, o jovem Anong Houngheuangsy. Non cozinha uma refeição em seu pequeno apartamento. Lava os ingredientes com todo o cuidado. Tsai já disse que água e moradia são dois grandes problemas de Taiwan. É curioso que ele tenha iodo à Tailândia, a Bangcoc, para desperdiçar água nesses minutos que transcorrem lentamente.

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Dois homens, cada um em seu habitat. As histórias de ambos vão se cruzar de forma não conclusiva para que Tsai aborde a solidão nas cidades. É um filme que convida o público à meditação. Lee vai a uma sessão de acupuntura - lenta. Contrata Non para uma dupla sessão de massagem e sexo. Tsai já estreou no cinema há mais de 30 anos fora do armário, anunciando ser gay. Lee é seu alter ego, e na tela Tsai já o fez passar por diferentes - diversas - sessões de homossexo. Tsai e os gêneros - o gênero humano. Na Mostra, e fora dela - no Imax -, esses grandes diretores, Tsai, Diaz e Nolan, estão construindo o tempo para, cada um à sua maneira, levar o público a refletir sobre a situação precária do mundo e os rumos do cinema. Apesar das diferenças gritantes, muitas coisas que esses três autores dizem, ou sobre as quais refletem, não são tão diferentes assim.

É significativo que a Mostra esteja trazendo os novos filmes de importantes autores como Lav Diaz e Tsai Ming-liang justamente quando acaba de estrear nos cinemas o Christopher Nolan. Lav e Tsai fazem filmes que se podem definir como lentos e longos. Nolan, no registro dos blockbusters, está sempre acelerado, mas todos - os três - trabalham o tempo em diferentes perspectivas, ou esferas de conhecimento. Nolan leva ao limite um conceito que talvez seja próprio da língua inglesa, em que filmes são 'movies', de movimento. Baseado em pesquisas do físico Kip Thorne sobre o deslocamento de moléculas no tempo, Nolan se utiliza da entropia para refletir sobre a desordem do mundo e os perigos das distopias. Em Tenet - a palavra pode ser lista de traz para a frente sem mudar o sentido -, o futuro manda uma mensagem ao passado - ao presente? - e o risco é o extermínio da espécie humana.

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se 'Gênero, Pan'. Foto: Sine Olivia Pilipinas

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se Gênero, Pan. Comparativamente aos amplos recursos de que Nolan lança mão - Imax, filmagens em sete países de três continentes -, o filipino Diaz trabalha no limite da pobreza material, o que não impede a fotografia em preto e branco de seu longa ser belíssima. Aliás, é preciso relativizar esse conceito de longa - para quem faz filmes de oito horas, as duas horas e meia desse sugerem um filme (mais) curto. Três homens numa floresta, melhor seria dizer no mato. Paulo, Baldo e Andrés. Desde o começo estabelece-se uma relação complicada. Andrés deve dinheiro a Baldo, que não lhe permite parcelar a dívida para atender às necessidades de sua irmã doente. Na estrutura hierárquica e social vigente nas Filipinas, quem está no topo explora os de baixo. Justamente Andrés, o mais simples - bem-intencionado - dos personagens é quem percebe a verdade que rege as relações.

Três homens no mato - conceitos de honra, quem deve a quem, quem cobra de quem. Um corte mostra a cúpula do povoado para o qual se dirigem. Uma breve história das raízes seculares da pobreza nas Filipinas. No passado, havia uma linha direta entre os piratas que agiam da região até o México. Histórias de ouro escondido. A narrativa toma outro rumo, o que é típico de Diaz, e prossegue agora somente com Andrés e diferentes versões do que ocorreu com os outros dois homens. Relações humanas e sociais predatórias, e se os homens são lobos dos homens, as mulheres sofrem ainda mais. Uma conversa ilustra aonde Diaz quer chegar. Poucos humanos atingem um grau superior - Cristo, Mahatma Gandhi, Madre Teresa, Buda. Os restantes equiparam-se a um gênero de macaco - Pan - que age e pensa intuitivamente, e de forma limitada. Talvez seja o filme mais pessimista - ou realista - de Diaz. Venceu o prêmio de direção na mostra Horizontes, de Veneza.

O Tsai Dias passou em Berlim. Variety, a Bíblia do showbizz dos EUA, define-o como 'mestre do cinema lento' - the auteur of slow cinema. Não seria um filme do diretor, se não tivesse seu muso, o ator Lee Kang-sheng. Lee, presente em todos os filmes de Tsai, chegou aos 50 anos. No plano de abertura, com a duração de quatro minutos, ele está sentado num sofá, filmado atrás do vidro. O dinamismo da imagem fica por conta dos reflexos de árvores que se movem ao vento e a água da chuva que escorre. Lee nem pisca, que dirá mexer-se. “É um filme sem legendas”, adverte um letreiro. E para que teria, se não tem diálogos? O outro personagem é Non, interpretado por um não ator de Bangcoc, o jovem Anong Houngheuangsy. Non cozinha uma refeição em seu pequeno apartamento. Lava os ingredientes com todo o cuidado. Tsai já disse que água e moradia são dois grandes problemas de Taiwan. É curioso que ele tenha iodo à Tailândia, a Bangcoc, para desperdiçar água nesses minutos que transcorrem lentamente.

Dois homens, cada um em seu habitat. As histórias de ambos vão se cruzar de forma não conclusiva para que Tsai aborde a solidão nas cidades. É um filme que convida o público à meditação. Lee vai a uma sessão de acupuntura - lenta. Contrata Non para uma dupla sessão de massagem e sexo. Tsai já estreou no cinema há mais de 30 anos fora do armário, anunciando ser gay. Lee é seu alter ego, e na tela Tsai já o fez passar por diferentes - diversas - sessões de homossexo. Tsai e os gêneros - o gênero humano. Na Mostra, e fora dela - no Imax -, esses grandes diretores, Tsai, Diaz e Nolan, estão construindo o tempo para, cada um à sua maneira, levar o público a refletir sobre a situação precária do mundo e os rumos do cinema. Apesar das diferenças gritantes, muitas coisas que esses três autores dizem, ou sobre as quais refletem, não são tão diferentes assim.

É significativo que a Mostra esteja trazendo os novos filmes de importantes autores como Lav Diaz e Tsai Ming-liang justamente quando acaba de estrear nos cinemas o Christopher Nolan. Lav e Tsai fazem filmes que se podem definir como lentos e longos. Nolan, no registro dos blockbusters, está sempre acelerado, mas todos - os três - trabalham o tempo em diferentes perspectivas, ou esferas de conhecimento. Nolan leva ao limite um conceito que talvez seja próprio da língua inglesa, em que filmes são 'movies', de movimento. Baseado em pesquisas do físico Kip Thorne sobre o deslocamento de moléculas no tempo, Nolan se utiliza da entropia para refletir sobre a desordem do mundo e os perigos das distopias. Em Tenet - a palavra pode ser lista de traz para a frente sem mudar o sentido -, o futuro manda uma mensagem ao passado - ao presente? - e o risco é o extermínio da espécie humana.

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se 'Gênero, Pan'. Foto: Sine Olivia Pilipinas

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se Gênero, Pan. Comparativamente aos amplos recursos de que Nolan lança mão - Imax, filmagens em sete países de três continentes -, o filipino Diaz trabalha no limite da pobreza material, o que não impede a fotografia em preto e branco de seu longa ser belíssima. Aliás, é preciso relativizar esse conceito de longa - para quem faz filmes de oito horas, as duas horas e meia desse sugerem um filme (mais) curto. Três homens numa floresta, melhor seria dizer no mato. Paulo, Baldo e Andrés. Desde o começo estabelece-se uma relação complicada. Andrés deve dinheiro a Baldo, que não lhe permite parcelar a dívida para atender às necessidades de sua irmã doente. Na estrutura hierárquica e social vigente nas Filipinas, quem está no topo explora os de baixo. Justamente Andrés, o mais simples - bem-intencionado - dos personagens é quem percebe a verdade que rege as relações.

Três homens no mato - conceitos de honra, quem deve a quem, quem cobra de quem. Um corte mostra a cúpula do povoado para o qual se dirigem. Uma breve história das raízes seculares da pobreza nas Filipinas. No passado, havia uma linha direta entre os piratas que agiam da região até o México. Histórias de ouro escondido. A narrativa toma outro rumo, o que é típico de Diaz, e prossegue agora somente com Andrés e diferentes versões do que ocorreu com os outros dois homens. Relações humanas e sociais predatórias, e se os homens são lobos dos homens, as mulheres sofrem ainda mais. Uma conversa ilustra aonde Diaz quer chegar. Poucos humanos atingem um grau superior - Cristo, Mahatma Gandhi, Madre Teresa, Buda. Os restantes equiparam-se a um gênero de macaco - Pan - que age e pensa intuitivamente, e de forma limitada. Talvez seja o filme mais pessimista - ou realista - de Diaz. Venceu o prêmio de direção na mostra Horizontes, de Veneza.

O Tsai Dias passou em Berlim. Variety, a Bíblia do showbizz dos EUA, define-o como 'mestre do cinema lento' - the auteur of slow cinema. Não seria um filme do diretor, se não tivesse seu muso, o ator Lee Kang-sheng. Lee, presente em todos os filmes de Tsai, chegou aos 50 anos. No plano de abertura, com a duração de quatro minutos, ele está sentado num sofá, filmado atrás do vidro. O dinamismo da imagem fica por conta dos reflexos de árvores que se movem ao vento e a água da chuva que escorre. Lee nem pisca, que dirá mexer-se. “É um filme sem legendas”, adverte um letreiro. E para que teria, se não tem diálogos? O outro personagem é Non, interpretado por um não ator de Bangcoc, o jovem Anong Houngheuangsy. Non cozinha uma refeição em seu pequeno apartamento. Lava os ingredientes com todo o cuidado. Tsai já disse que água e moradia são dois grandes problemas de Taiwan. É curioso que ele tenha iodo à Tailândia, a Bangcoc, para desperdiçar água nesses minutos que transcorrem lentamente.

Dois homens, cada um em seu habitat. As histórias de ambos vão se cruzar de forma não conclusiva para que Tsai aborde a solidão nas cidades. É um filme que convida o público à meditação. Lee vai a uma sessão de acupuntura - lenta. Contrata Non para uma dupla sessão de massagem e sexo. Tsai já estreou no cinema há mais de 30 anos fora do armário, anunciando ser gay. Lee é seu alter ego, e na tela Tsai já o fez passar por diferentes - diversas - sessões de homossexo. Tsai e os gêneros - o gênero humano. Na Mostra, e fora dela - no Imax -, esses grandes diretores, Tsai, Diaz e Nolan, estão construindo o tempo para, cada um à sua maneira, levar o público a refletir sobre a situação precária do mundo e os rumos do cinema. Apesar das diferenças gritantes, muitas coisas que esses três autores dizem, ou sobre as quais refletem, não são tão diferentes assim.

É significativo que a Mostra esteja trazendo os novos filmes de importantes autores como Lav Diaz e Tsai Ming-liang justamente quando acaba de estrear nos cinemas o Christopher Nolan. Lav e Tsai fazem filmes que se podem definir como lentos e longos. Nolan, no registro dos blockbusters, está sempre acelerado, mas todos - os três - trabalham o tempo em diferentes perspectivas, ou esferas de conhecimento. Nolan leva ao limite um conceito que talvez seja próprio da língua inglesa, em que filmes são 'movies', de movimento. Baseado em pesquisas do físico Kip Thorne sobre o deslocamento de moléculas no tempo, Nolan se utiliza da entropia para refletir sobre a desordem do mundo e os perigos das distopias. Em Tenet - a palavra pode ser lista de traz para a frente sem mudar o sentido -, o futuro manda uma mensagem ao passado - ao presente? - e o risco é o extermínio da espécie humana.

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se 'Gênero, Pan'. Foto: Sine Olivia Pilipinas

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se Gênero, Pan. Comparativamente aos amplos recursos de que Nolan lança mão - Imax, filmagens em sete países de três continentes -, o filipino Diaz trabalha no limite da pobreza material, o que não impede a fotografia em preto e branco de seu longa ser belíssima. Aliás, é preciso relativizar esse conceito de longa - para quem faz filmes de oito horas, as duas horas e meia desse sugerem um filme (mais) curto. Três homens numa floresta, melhor seria dizer no mato. Paulo, Baldo e Andrés. Desde o começo estabelece-se uma relação complicada. Andrés deve dinheiro a Baldo, que não lhe permite parcelar a dívida para atender às necessidades de sua irmã doente. Na estrutura hierárquica e social vigente nas Filipinas, quem está no topo explora os de baixo. Justamente Andrés, o mais simples - bem-intencionado - dos personagens é quem percebe a verdade que rege as relações.

Três homens no mato - conceitos de honra, quem deve a quem, quem cobra de quem. Um corte mostra a cúpula do povoado para o qual se dirigem. Uma breve história das raízes seculares da pobreza nas Filipinas. No passado, havia uma linha direta entre os piratas que agiam da região até o México. Histórias de ouro escondido. A narrativa toma outro rumo, o que é típico de Diaz, e prossegue agora somente com Andrés e diferentes versões do que ocorreu com os outros dois homens. Relações humanas e sociais predatórias, e se os homens são lobos dos homens, as mulheres sofrem ainda mais. Uma conversa ilustra aonde Diaz quer chegar. Poucos humanos atingem um grau superior - Cristo, Mahatma Gandhi, Madre Teresa, Buda. Os restantes equiparam-se a um gênero de macaco - Pan - que age e pensa intuitivamente, e de forma limitada. Talvez seja o filme mais pessimista - ou realista - de Diaz. Venceu o prêmio de direção na mostra Horizontes, de Veneza.

O Tsai Dias passou em Berlim. Variety, a Bíblia do showbizz dos EUA, define-o como 'mestre do cinema lento' - the auteur of slow cinema. Não seria um filme do diretor, se não tivesse seu muso, o ator Lee Kang-sheng. Lee, presente em todos os filmes de Tsai, chegou aos 50 anos. No plano de abertura, com a duração de quatro minutos, ele está sentado num sofá, filmado atrás do vidro. O dinamismo da imagem fica por conta dos reflexos de árvores que se movem ao vento e a água da chuva que escorre. Lee nem pisca, que dirá mexer-se. “É um filme sem legendas”, adverte um letreiro. E para que teria, se não tem diálogos? O outro personagem é Non, interpretado por um não ator de Bangcoc, o jovem Anong Houngheuangsy. Non cozinha uma refeição em seu pequeno apartamento. Lava os ingredientes com todo o cuidado. Tsai já disse que água e moradia são dois grandes problemas de Taiwan. É curioso que ele tenha iodo à Tailândia, a Bangcoc, para desperdiçar água nesses minutos que transcorrem lentamente.

Dois homens, cada um em seu habitat. As histórias de ambos vão se cruzar de forma não conclusiva para que Tsai aborde a solidão nas cidades. É um filme que convida o público à meditação. Lee vai a uma sessão de acupuntura - lenta. Contrata Non para uma dupla sessão de massagem e sexo. Tsai já estreou no cinema há mais de 30 anos fora do armário, anunciando ser gay. Lee é seu alter ego, e na tela Tsai já o fez passar por diferentes - diversas - sessões de homossexo. Tsai e os gêneros - o gênero humano. Na Mostra, e fora dela - no Imax -, esses grandes diretores, Tsai, Diaz e Nolan, estão construindo o tempo para, cada um à sua maneira, levar o público a refletir sobre a situação precária do mundo e os rumos do cinema. Apesar das diferenças gritantes, muitas coisas que esses três autores dizem, ou sobre as quais refletem, não são tão diferentes assim.

É significativo que a Mostra esteja trazendo os novos filmes de importantes autores como Lav Diaz e Tsai Ming-liang justamente quando acaba de estrear nos cinemas o Christopher Nolan. Lav e Tsai fazem filmes que se podem definir como lentos e longos. Nolan, no registro dos blockbusters, está sempre acelerado, mas todos - os três - trabalham o tempo em diferentes perspectivas, ou esferas de conhecimento. Nolan leva ao limite um conceito que talvez seja próprio da língua inglesa, em que filmes são 'movies', de movimento. Baseado em pesquisas do físico Kip Thorne sobre o deslocamento de moléculas no tempo, Nolan se utiliza da entropia para refletir sobre a desordem do mundo e os perigos das distopias. Em Tenet - a palavra pode ser lista de traz para a frente sem mudar o sentido -, o futuro manda uma mensagem ao passado - ao presente? - e o risco é o extermínio da espécie humana.

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se 'Gênero, Pan'. Foto: Sine Olivia Pilipinas

Lav Diaz também está preocupado com a espécie. Não é por acaso que seu filme chama-se Gênero, Pan. Comparativamente aos amplos recursos de que Nolan lança mão - Imax, filmagens em sete países de três continentes -, o filipino Diaz trabalha no limite da pobreza material, o que não impede a fotografia em preto e branco de seu longa ser belíssima. Aliás, é preciso relativizar esse conceito de longa - para quem faz filmes de oito horas, as duas horas e meia desse sugerem um filme (mais) curto. Três homens numa floresta, melhor seria dizer no mato. Paulo, Baldo e Andrés. Desde o começo estabelece-se uma relação complicada. Andrés deve dinheiro a Baldo, que não lhe permite parcelar a dívida para atender às necessidades de sua irmã doente. Na estrutura hierárquica e social vigente nas Filipinas, quem está no topo explora os de baixo. Justamente Andrés, o mais simples - bem-intencionado - dos personagens é quem percebe a verdade que rege as relações.

Três homens no mato - conceitos de honra, quem deve a quem, quem cobra de quem. Um corte mostra a cúpula do povoado para o qual se dirigem. Uma breve história das raízes seculares da pobreza nas Filipinas. No passado, havia uma linha direta entre os piratas que agiam da região até o México. Histórias de ouro escondido. A narrativa toma outro rumo, o que é típico de Diaz, e prossegue agora somente com Andrés e diferentes versões do que ocorreu com os outros dois homens. Relações humanas e sociais predatórias, e se os homens são lobos dos homens, as mulheres sofrem ainda mais. Uma conversa ilustra aonde Diaz quer chegar. Poucos humanos atingem um grau superior - Cristo, Mahatma Gandhi, Madre Teresa, Buda. Os restantes equiparam-se a um gênero de macaco - Pan - que age e pensa intuitivamente, e de forma limitada. Talvez seja o filme mais pessimista - ou realista - de Diaz. Venceu o prêmio de direção na mostra Horizontes, de Veneza.

O Tsai Dias passou em Berlim. Variety, a Bíblia do showbizz dos EUA, define-o como 'mestre do cinema lento' - the auteur of slow cinema. Não seria um filme do diretor, se não tivesse seu muso, o ator Lee Kang-sheng. Lee, presente em todos os filmes de Tsai, chegou aos 50 anos. No plano de abertura, com a duração de quatro minutos, ele está sentado num sofá, filmado atrás do vidro. O dinamismo da imagem fica por conta dos reflexos de árvores que se movem ao vento e a água da chuva que escorre. Lee nem pisca, que dirá mexer-se. “É um filme sem legendas”, adverte um letreiro. E para que teria, se não tem diálogos? O outro personagem é Non, interpretado por um não ator de Bangcoc, o jovem Anong Houngheuangsy. Non cozinha uma refeição em seu pequeno apartamento. Lava os ingredientes com todo o cuidado. Tsai já disse que água e moradia são dois grandes problemas de Taiwan. É curioso que ele tenha iodo à Tailândia, a Bangcoc, para desperdiçar água nesses minutos que transcorrem lentamente.

Dois homens, cada um em seu habitat. As histórias de ambos vão se cruzar de forma não conclusiva para que Tsai aborde a solidão nas cidades. É um filme que convida o público à meditação. Lee vai a uma sessão de acupuntura - lenta. Contrata Non para uma dupla sessão de massagem e sexo. Tsai já estreou no cinema há mais de 30 anos fora do armário, anunciando ser gay. Lee é seu alter ego, e na tela Tsai já o fez passar por diferentes - diversas - sessões de homossexo. Tsai e os gêneros - o gênero humano. Na Mostra, e fora dela - no Imax -, esses grandes diretores, Tsai, Diaz e Nolan, estão construindo o tempo para, cada um à sua maneira, levar o público a refletir sobre a situação precária do mundo e os rumos do cinema. Apesar das diferenças gritantes, muitas coisas que esses três autores dizem, ou sobre as quais refletem, não são tão diferentes assim.

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