Uma nova produção original do serviço de streaming da Globo, o Globoplay, dá a Marcello Melo Jr., 32 anos, seu primeiro protagonista: Mikhael é um sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio em Arcanjo Renegado, a série criada por José Junior – do coletivo AfroReggae – e dirigida por Heitor Dhalia e André Godoi. A série estreia nesta sexta, 7, no streaming, e na segunda, 10, os dois primeiros episódios serão exibidos na Tela Quente.
A lembrança de Tropa de Elite é inevitável, mas Arcanjo Renegado tem tempo para apresentar uma discussão mais ampla sobre violência policial, corrupção, tráfico de drogas e vida nas favelas, misturando relações políticas com a vida pessoal de “soldados” do cotidiano, evitando maniqueísmos simplificados e incluindo os direitos humanos.
Na trama, um atentado ao alto escalão do governo do Rio coloca Mikhael no olho de um furacão de conspirações. Órfão de um policial militar assassinado e da mãe que perdeu para o câncer, ele é um “ser com uma visão de correção deturpada”, segundo o criador da série, com “um olhar extremamente equivocado da sua própria instituição e da sociedade fluminense”. A letalidade do sargento e de sua equipe no Bope vai ser diretamente confrontada pelo jornalista Ronaldo Leitão (Álamo Facó), que de forma independente usa as ferramentas da internet para cobrar ações mais responsáveis dos agentes de segurança pública do Estado.
São 10 episódios, e a produção teve cenas filmadas no Complexo da Maré (Morro do Timbau, Baixa do Sapateiro e Roquette Pinto e no Piscinão de Ramos), nos bairros da Penha e Ramos, e em locações no centro do Rio, inclusive na Assembleia Legislativa (Alerj), instituição central na história.
Marcello foi criado no Morro do Vidigal, e iniciou sua vida artística no grupo Nós do Morro – na sua trajetória, filmes e produções fazem um tipo de linha que o trazem até esse momento: Cidade de Deus, Tropa de Elite, Última Parada 174 e Alemão são apenas alguns dos filmes de que ele participou – além de novelas e peças de teatro, com personagens longe da violência urbana da cidade. Mas suas participações nesses filmes icônicos o prepararam para esse momento.
“Creio que por vir de comunidade, por ser negro, por estar conquistando esse espaço, abro também um espaço para outros que vêm da mesma origem, da mesma rotina, de uma contínua falta de amparo do governo”, diz o ator, por telefone, sublinhando que esse é o momento mais importante da sua carreira até aqui. “É muito importante para as comunidades, para os negros, mas também para os sonhadores, independentemente de classe e raça… Espero que isso fique evidente por conta da minha satisfação com o trabalho.”
O ator conta que fez um trabalho de preparação (como segurar arma, como se comportar em operações policiais, termos de fala, de cumprimentos às autoridades e hierarquias), e que propôs um acordo com Júnior e com os diretores. “Existe uma entrega para o personagem, mas pedi generosidade para que não influenciasse no meu dia a dia”, contemporizou, quando questionado sobre o que pensava sobre atuar como um personagem que é tema de uma disputa de narrativa sensível no Brasil – o do policial violento. “Como ele é sargento e tem uma coisa mais fechada, creio que a ideia seja mostrar um pouco desse monstro, mas também humanizar a pessoa que veste uma farda, assume uma profissão e põe o cara entregue àquilo ali. É uma ficção, mas, ao mesmo tempo, é um tema próximo do dia a dia. Existe um atrito entre realidade e ficção.”
Na sua opinião, José Junior e o coletivo AfroReggae são um divisor de águas no modo como a sociedade carioca enxerga questões como essas? “Ele trabalha com policiais, com ex-traficantes, com políticos, ONGs, sempre tentando costurar uma maneira de dialogar. Não precisa sempre ser conflito, e a série vai por essa direção também.”
Para o diretor André Godoi, convidado por Dhalia para dividir a direção dos 10 episódios, a série só foi possível por conta de Junior. “Ele tem um lugar de fala, e não teríamos como alcançar qualquer legitimidade dentro do realismo que propomos sem ele”, explica. Dos 16 policiais do elenco, 14 são agentes de verdade. A série também trabalhou com ex-detentos, e o diretor explica que um grande desafio foi orientar atores e não atores ao mesmo tempo, e tentar se aproximar da realidade. “Os caras do Bope não se reconheciam no Tropa de Elite, porque apesar de estarem vivendo numa guerra, dentro do caveirão eles conversam sobre assuntos do dia a dia”, conta.
Godoi explica que para filmar nas comunidades houve reuniões com representantes dos moradores, bem como com policiais e traficantes, pois muitos dos sets foram montados em favelas “deflagradas”, em situação de conflito. Ele disse esperar ter levado para as telas uma imagem – o de que esses lugares e as pessoas que ali vivem não são definidos pela violência.