THE NEW YORK TIMES - Homer Simpson está amadurecendo – pelo menos é o que ele diz.
O personagem dublado por Dan Castellaneta deu a entender que não iria mais esganar seu filho, Bart, parecendo reconhecer que uma das cenas recorrentes mais antigas de Os Simpsons era uma forma clara de abuso infantil, mesmo que para fazer as pessoas darem risada.
No terceiro episódio da atual temporada, a 35º do programa, intitulado ‘McMansion & Wife’, Homer conhece um vizinho que elogia a firmeza de seu aperto de mão.
“Viu, Marge? Valeu a pena esganar o menino”, diz Homer à esposa no episódio, que foi ao ar em 22 de outubro. “Brincadeira. Eu não faço mais isso. Os tempos mudaram”.
Não ficou claro se isso sinalizava uma mudança duradoura na série, que fechou renovação para a 36ª temporada este ano. Um porta-voz da Fox, rede que há muito transmite Os Simpsons, não quis comentar.
Os Simpsons, criado por Matt Groening, tomou medidas nos últimos anos para atualizar seu humor e se adequar aos padrões em evolução. Em 2020, Hank Azaria disse que não daria mais voz ao personagem Apu Nahasapeemapetilon, dono de uma loja de conveniência indiano que ficou conhecido por seu bordão: “Obrigado! Volte sempre”.
Apu sempre foi um ponto sensível entre os telespectadores de ascendência indiana, muitos dos quais viam o personagem, que Azaria dublava desde 1990, como nada mais que uma caricatura racista. Azaria disse que a voz foi inspirada nos trabalhadores do sul da Ásia que ele ouvira quando criança em Nova York, bem como em Peter Sellers no filme Um Convidado Bem Trapalhão, de 1968.
O debate ganhou a esfera pública após o lançamento do documentário de 2017 The Problem With Apu, no qual o comediante Hari Kondabolu conversou com outros atores e artistas indiano-americanos que disseram que o personagem tinha se tornado emblemático da marginalização que enfrentavam na indústria do entretenimento.
Mas não há consenso entre as pessoas de ascendência do sul da Ásia, como evidenciado pelo comediante indiano-americano Akaash Singh, que argumentou em um especial do YouTube de 2022 intitulado Bring Back Apu que o personagem era um retrato positivo de uma história de imigrante. Apu não aparece desde a temporada 33.
Em 2018, a equipe criativa de Simpsons respondeu ao documentário de Kondabolu por meio do próprio programa, à época na sua 29ª temporada, em um episódio intitulado ‘No Good Read Goes Unpunished’ [algo como “Nenhuma boa leitura fica impune”, um trocadilho com o dito popular]. No episódio, Lisa Simpson quebra a quarta parede e diz:
O quadro imediatamente se transforma numa foto emoldurada de Apu. Então Marge aparece e diz: “Algumas coisas só vão ser resolvidas depois”, ao que Lisa responde: “Se é que vão ser resolvidas”.
Faz tempo que o desenho é autorreferencial – e já se referiu à cena do esganamento em várias ocasiões. Na 22ª temporada, o episódio ‘Love Is a Many Strangled Thing’ [em tradução literal, “O amor é uma coisa muito estrangulada”, trocadilho com o título da famosa canção] examinou as raízes dos impulsos sufocantes de Homer, com a ajuda de Kareem Abdul-Jabbar (fazendo papel dele mesmo) e Paul Rudd (como terapeuta).
Um Homer renovado jura nunca mais esganar Bart, o que então leva o filho a uma onda de mau comportamento, já que ele não tem mais medo da raiva do pai.
O final da 11ª temporada, intitulado ‘Behind the Laughter’, foi uma paródia da série documental Behind the Music. Depois que Homer aparece esganando Bart, ele diz: “E aquele horrível ato de abuso infantil virou uma de nossas piadas mais queridas!”
Este artigo foi originalmente publicado em The New York Times.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU