No sábado, 28, Bacurau estreou no Japão, saudado pela crítica como um grande filme de ação. Nesta segunda, 30, o filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles chega à TV aberta no Brasil. É a atração da Tela Quente, após a novela A Força do Querer. Tradicionalmente, a Tela Quente tem sido o espaço por excelência do cinemão, por onde desfilam as grandes produções de Hollywood.
“É um desdobramento muito especial e único na carreira de Bacurau, porque ele vai estar no mesmo espaço que normalmente Hollywood ocupa há décadas. E Bacurau é filme feito em Pernambuco, é um filme muito livre no sentido de que não obedece a certas fórmulas do mercado. Estou muito curioso para ver as reações desse público tão grande e diverso da Tela Quente, que vai assistir a um filme bem diferente. E o Brasil todo é muito diverso e a comunidade de Bacurau também é. Vai ser uma grande aventura e eu acho que vai ser muito divertido, muito massa”, disse Juliano Dornelles ao Estado.
Kleber Mendonça Filho também comentou a exibição de Bacurau pela Globo. “Ver Bacurau passar na Tela Quente significa que esse filme pernambucano faz parte do Brasil, da conversa e da cultura brasileiras. Com audiência estimada em 40 milhões de espectadores, espero que Bacurau sugira aquela sensação que eu tive quando era criança e vi O Planeta dos Macacos na Globo. Um filme que me fez ter vontade de sonhar acordado.”
Kleber Mendonça, natural do Recife, e o mineiro Affonso Uchoa são hoje, talvez, os autores brasileiros mais elogiados por revistas como a norte-americana Film Comment, editada pelo Lincoln Center, de Nova York, e a inglesa Sight and Sound. As duas colocaram Bacurau nas nuvens. Na Europa, Cahiers du Cinéma deu capa a Bacurau, uma bela imagem do começo do filme, a do enterro, com a chamada 'O Brasil de Bolsonaro'. Cahiers elogia a audácia estética e a inteligência com que Bacurau dá forma a um ideal que se erige contra a ideologia desses tempos de Bolsonaro e Trump – ideal democrático de uma sociedade em movimento alimentada pela resistência política e cultural dos afrobrasileiros, das mulheres, dos trabalhadores da terra, dos povos indígenas.
No Brasil, Kleber tocou a crítica e o público com esse filme e também com Aquarius, que havia feito antes – Juliano era seu diretor artístico. No final de Aquarius, Clara/Sônia Braga joga aquele ninho de insetos na sede da empresa que representava tudo contra o que está lutando. Em Bacurau, a população pega em armas contra os gringos que estão querendo varrer sua cidadezinha do mapa. A reflexão política – discussão ideológica – pega carona no cinema de gênero. O cinema de Kleber é mainstream. Parceria da Globo Filmes, coprodutores internacionais. Os termpos lentos da reflexão explodem nos tempos fortes da ação. Bacurau veio no bojo de um movimento que refluiu a partir de Cannes, no ano passado. A revolta dos excluídos. Parasita, de Bong Joon-ho, Os Miseráveis, de Ladj Ly, Bacurau. Em Veneza, também em 2019, o Coringa de Todd Phillips somou-se ao lote.
O cinema pode ser espetacular e autoral. Pode manter a independência ao subverter as regras de mercado que, aparentemente, está seguindo. É o que fazem Kleber e Juliano. Em 2016, Kleber e sua equipe usaram a vitrine de Cannes, no ano de Aquarius, para denunciar como golpe o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, em curso no Brasil. A mesma tese levou Petra Costa ao prêmio da Academia, no começo do ano, com seu documentário Democracia em Vertigem. Kleber tem sido alijado do Oscar pelas comissões que escolheram o candidato do País, ou será mera coincidência? Bacurau é daqueles filmes que crescem, só crescem. Udo Kier como vilão, Sonia Braga, Barbara Colen e os poderosos Tomas Aquino, o Pacote, e Silvero Pereira, o Lunga. Film Comment não deixa por menos. Rise up! Bacurau conta uma audaciosa história de resistência que se alimenta de pulp e política.