Terra e Paixão chegou ao fim na noite desta sexta-feira, 19. O desfecho exibido pela TV Globo tentou organizar uma das mais confusas e menos brilhantes novelas criadas por Walcyr Carrasco - Thelma Guedes assumiu a coautoria da trama da metade para o fim, depois que o titular teve que se afastar para tratar problemas de saúde.
Carrasco pretendia mostrar um Brasil agrícola, o País do Agro. Passou longe disso. O ódio deu o tom entre os protagonistas da Terra e Paixão. A novela parecia andar em círculos, o que afastou o público até que a historia engrenasse de fato.
Foi a partir da entrada de Thelma na coautoria que a novela deslanchou na audiência, chegando a registrar 30 pontos, algo que não ocorria no horário das nove desde a exibição de Pantanal, em 2022.
Thelma (ou ela e Carrasco) recorreu a clichês. O reencontro e o fim do vai-e-vem do relacionamento entre a mocinha Aline (Bárbara Reis) e Caio (Cauã Reymond) e o assassinato de Ágata (Eliane Giardine), com direito a um “quem matou?”. Meio óbvio? Sim. Mas foi o que salvou - junto às cenas de ação - Terra e Paixão de uma eterna repetição de cenas e diálogos. Tudo parecia sempre igual.
Na primeira metade da trama, tudo o que se ouvia era sobre a tal “sucessão” do império do temido empresário do soja Antônio La Selva, brilhantemente defendido por Tony Ramos. Isso fez com que Irene, personagem de Glória Pires, se esmerasse em garantir que o sucessor fosse seu filho preferido, Daniel (Johnny Massaro), que ela acabou matando da tentativa de dar um fim ao enteado Caio.
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Na outra ponta ficava a perseguição implacável e, por vezes, exagerada de La Selva contra Aline - até o último capítulo - personagem defendida pela atriz Bárbara Reis, estreante como protagonista. A motivação? Primeiro, um pedaço de terra. Depois, um pedaço de terra com água. A seguir, a água virou diamante. Por fim, La Selva não queria ter contato com os netos gêmeos que Aline carregava.
Por conta dessa aversão a Aline, La Selva tentou afogá-la, abatê-la a tiros, raptou seu filho pequeno e mandou sequestrá-la, entre outras tantas maldades. Ninguém na cidade, nem mesmo o delegado, era capaz de deter a fúria do vilão.
No final, La Selva - Tony declarou que gravou quatro diferentes finais para o personagem - foi morto por seu capataz Ramiro (Amaury Lorenzo), em um momento em que o funcionário vingou uma vida de humilhações. Ponto para os autores e diretores. A cena foi impactante.
Petra (Debora Ozorio), a filha mais nova de La Selva, colocou todas as maldades do pai na conta de uma “ambição desmedida”. Mais objetivo, Caio mandou logo cimentar o túmulo de seu genitor. Não houve alívio para o vilão.
A sucessão? Foi resolvida em apenas uma frase: “agora, somos os sucessores”, disse a Petra ao irmão Caio. O mote já tinha ficado para trás há tempos...
O “quem matou Ágata” foi sendo desvendados aos poucos, durante a última semana, mas a melhor parte ficou para o capítulo final. Uma morte que ocorreu em três etapas. Primeiro, ela foi envenenada por um chazinho preparado pela antiga aliada Angelina (Inez Viana). Depois, foi empurrada escada abaixo por Gentil (Flávio Bauraqui). Esse foi, infelizmente, o único momento relevante do ator na novela- seu personagem não teve qualquer perspectiva no decorrer da trama.
No entanto, o tiro de misericórdia que matou a vilã foi disparado por sua arquirrival Irene. O recurso de antecipar a revelação - em alguns momentos, a autora foi dando pistas sobre as criminosas - ficou simpático e ajudou a trama andar em suas duas últimas semanas.
Por conta de tanto ódio, os autores tiveram que carregar no alívio cômico. O casal Anely (Tatá Werneck) e Luigi (Rainer Cadete) foi o principal foco. Por vezes, cansou. Não havia mais o que inventar para a dupla. A participação de Claudia Raia como mão de Luigi garantiu apenas bons momentos da atriz em cena, mas não dez a trama andar.
Outro núcleo enfadonho foi o comandado pelo ex-presidente da cooperativa Tadeu (Cláudio Gabriel), que após perder o emprego resolveu dirigir um filme. Na empreitada, foram alocados todos os personagens que perderam função ao longo da novela, como a turma da boate Naitendei e agregados, o técnico em TI Enzo (Rafael Gualandi) e o ex-namorado de Anely, Odilon (Jonathan Azevedo).
Outros talentos desperdiçados foram os de Flávio Bauraqui, como Gentil, que por vezes nem falas tinha em cena, e de Tatiana Tibúrcio, a Jussara, mãe de Aline, sempre - e apenas - lamentando os percalços da filha.
Um ponto positivo para Carrasco e Thelma Guedes: os autores abordaram com competência questões que estão em pauta na sociedade e que merecem ser amplificadas em um veículo ainda tão relevante quanto a televisão - isso ficará registrado como um testemunho desses tempos em um produto importante culturalmente como a telenovela. Um deles foi o albinismo do garoto Cristian e o consequente bullying que ele sofria dos colegas da escola. Houve cenas comoventes.
O merchandising social, como a prática é conhecida no meio televisivo, também falou de casais inter-raciais, povos originários, educação para adultos, ansiedade, vício em medicamentos e pornografia, abuso sexual, alcoolismo, deficiência física, além de tratar o relacionamento entre uma mulher transexual e um homem cisgênero com a necessária naturalidade.
O que deu certo
O casal Kevin e Ramiro
O casal principal da novela era para ser Caio e Aline, mas Kevinho e Ramiro, interpretados pelos atores Diego Martins e Amaury Lorenzo, entrarão para a história das telenovelas como um casal gay que, aos poucos, ganhou a preferência do público a ponto de fazer com que o tão esperado beijo entre eles fosse aceito com naturalidade e bem antes do término da novela, como seria previsível. Ainda ficou a mensagem de que o amor pode mudar a vida de uma pessoa.
O delegado Marino
O personagem começou apagado, perdido em meio ao domínio de Antônio La Selva. Porém, quando a trama ganhou agilidade, com cenas de perseguições policiais, o ator Leandro Lima deu conta do recado e brilhou em sequências como a prisão de Dirceu, o atentado contra Lucinda e a revelação da morte de Ágata. Um dos pontos altos da fase final.
O protagonista Antônio La Selva
Tony Ramos, sempre ele, é capaz de brilhar em qualquer situação. O ator levou com maestria o grande vilão da novela. Mesmo quando a cena beirava o ridículo, como a que La Selva, de pijama, em meio à lama e confuso após ingerir um suposto veneno colocado em sua comida, decidia se queria continuar com a algoz Ágata ou voltar a viver com Irene.
O que deu errado
A mocinha Aline
A atriz Bárbara Reis bem que tentou - e talento não lhe falta -, mas Aline era mesmo uma mocinha sem brio. Ao contrário de Maria da Paz, que sofreu muito em A Dona do Pedaço, mas tinha brilho e leveza que encantavam o público, Aline apenas padeceu nas mãos de Antônio La Selva. Passou a novela toda jurando que iria acabar com o vilão. Foram 221 capítulos de muito choro.
A vilã de Irene
Irene, infelizmente, não foi um grande momento de Glória Pires na TV, em relação à galeria de personagens que ela criou ao longo de mais de 50 anos de carreira. Sempre prometendo “muito dinheiro” para quem se dispusesse a ajudá-la, a personagem teve apenas um lampejo digno de uma verdadeira vilã: quando colocou fogo na plantação de Aline. Fora disso, nada original. O esperado embate com Ágata também não ocorreu. Faltou o acerto de contas entre ambas que lembrasse rivais inesquecíveis da teledramaturgia, como Laura e Maria Clara Diniz (Celebridade) ou Júlia Matos e Yolanda Pratini (Dancin’ Days).
O trambiqueiro Luigi
De início, o personagem parecia interessante: um trambiqueiro que vinha da Itália, sem ser de fato italiano, para dar o golpe do amor na frágil Petra. No entanto, ao longo da trama, foram tantas as mudanças que a história mais interessante de Luigi evaporou em meio ao tom excessivamente cômico que teve que assumir para fazer par com Anely.