Há um limbo entre desenhos para crianças, como Patrulha Canina (Nick Jr), e para o público mais velho, como Os Simpsons (Fox). Nele, surgem programas que parecem fazer o impossível: destinados aos mais novos, acabam se tornando ‘queridinhos’ de jovens e adultos. Não faltam exemplos, como A Hora da Aventura, Apenas um Show e o brasileiro Irmão do Jorel.
Criado pela animadora Rebecca Sugar, Steven Universo (2013) é um deles. Na história, o pequeno órfão Steven mora na fictícia cidade de Beach City, ao lado das ‘Crystal Gems’ – seres intergalácticos dotados de poderes. Meio gem, meio humano, o garoto não sabe como ativar seus poderes. Ainda assim, une forças com Pérola, Garnet e Ametista para salvar o mundo de ataques perpetrados por sua própria espécie.
Com cinco temporadas lançadas até o momento, Steven Universo é celebrado pela diversidade e doçura dos seus personagens. Agora, ganha um longa-metragem musical, Steven Universo: O Filme, que estreia no Brasil no dia 7 de outubro, no Cartoon Network.
Em entrevista por telefone ao Estado, Rebecca Sugar afirma que o fato de o desenho atrair tantos adultos não a surpreende. “Conceitualmente, o programa foi desenvolvido para crianças, nós construímos tudo a partir do ponto de vista do Steven, mas os personagens que o rodeiam são principalmente adultos”, conta. “E, no fundo, o real tema da história é o amadurecimento.”
Para ela, o desenho gera identificação com audiências mais velhas. “Todos nós passamos por isso: descobrir que o universo é maior, que os adultos não têm todas as respostas e também estão enfrentando problemas, que as pessoas no nosso mundo têm vidas que vão além de nós”, diz.
Hoje com 32 anos, Rebecca foi descoberta pelo Cartoon Network quando trabalhava como revisora de storyboard no desenho A Hora da Aventura. Em um mês, foi promovida a artista, função que exerceu entre a segunda e a quinta temporadas do desenho. Com Steven Universo, tornou-se a primeira mulher a criar um desenho de maneira independente para a emissora.
Rebecca trouxe para Steven Universo uma série de questões pessoais. O protagonista, por exemplo, é inspirado em seu irmão mais novo, Steven, hoje com 29 anos. “Eu queria que o programa fosse um misto de todas as coisas que fazíamos juntos, que assistíamos, os jogos que jogávamos. Eu queria captar o sentimento que tinha quando passava o tempo com ele, meu irmão e também meu melhor amigo”, diz.
Musicista, Rebecca também fez questão de fazer da música um ponto central do desenho. Cada personagem tem seu próprio instrumento, que reflete sua personalidade e muda conforme eles se fundem com outros – prática comum no programa. Ela mesma, aliás, compõe as canções. “É algo realmente excitante para mim, porque conseguimos explorar o storytelling de uma forma que só é possível através da música.”
Em um dos momentos mais conhecidos do desenho, duas personagens mulheres, Safira e Rubi, se casam. Elas já estavam juntas há 5.700 anos e oito meses, e habitavam o mesmo corpo, fundidas na forma de Garnet, uma das crystal gems que moram com Steven. O momento também foi inspirado na vida pessoal de Rebecca, especificamente em seu relacionamento com o também animador Ian Jones-Quartey.
A naturalidade com que a história é conduzida, dentro de um programa para crianças, chama atenção. “Cresci vendo casamentos em animações, mas percebia que, na maioria dos casos, os personagens não se conheciam muito bem, eram príncipes e princesas que de repente se apaixonavam”, conta Rebecca. “Com Rubi e Safira, tivemos a chance de mostrá-las se encontrando, a dramática união das duas, o modo como cresceram juntas. O casamento foi só uma etapa natural neste processo.”