Assim como Lady Night, de Tatá Werneck, que, depois de fazer sucesso no Multishow, foi exibido também na TV aberta, Que História é Essa, Porchat?, apresentado por Fábio Porchat no GNT, trilha o mesmo caminho e estreia nesta quinta-feira, 15, na Globo, após o The Voice Brasil. Vão ao ar os melhores momentos da 1.ª temporada da atração, exibida no ano passado no canal pago. O grande trunfo do programa são as histórias reais – inusitadas ou deliciosamente nonsense –, contadas por famosos e anônimos, que, durante o relato, são conduzidos com a habilidade e o bom humor de Porchat.
Gravada antes da pandemia, com convidados no centro e plateia ao redor, essa temporada trouxe nomes como Regina Casé e Fernanda Torres. No primeiro programa que vai ao ar na Globo, estarão Claudia Raia, Ney Latorraca e Marcos Veras. Enquanto isso, a 2.ª temporada está no ar no GNT, em formato para tempos de distanciamento social, com episódios inéditos até 24 de novembro.
Ao Estadão, em entrevista por Zoom, Porchat fala dessa estreia na TV aberta e do novo especial de Natal do Porta dos Fundos. No final de 2019, o especial causou polêmica – e a sede da produtora, no Rio, chegou a ser alvo de ataque. Eduardo Fauzi, um dos acusados, foi preso na Rússia. “Já houve mandado de extradição, mas não sei em que pé está isso”, diz Porchat.
A 1ª temporada fez sucesso no GNT e vai agora para a TV aberta. Como é ver o programa alcançando um público maior? É o máximo, porque o programa deu supercerto, foi um sucesso de audiência na TV fechada. A gente ganhou prêmio APCA de melhor programa no ano passado. Fiquei bem feliz de ver que escolhi o caminho certo, em investir nas histórias. Chegando à TV aberta, significa que temos um canhão agora. As histórias chegam aos rincões deste país, porque, afinal de contas, é um número muito pequeno de pessoas que têm TV a cabo, GNT. Acho que está faltando um programa leve, descontraído, sem polêmica, sem nenhum tipo de debate ou discussão. Num momento tão polarizado como este, em que está todo mundo lacrando, dando opinião o tempo todo, acho que o público também quer descansar um pouco, quer também assistir a um programa de histórias e depois ir dormir, leve, feliz. É a primeira temporada, que foi gravada antes da pandemia. Então, tem encontro, tem aglomeração, tem gente junto. Para o público da TV aberta, é um programa original, novo, inédito.
Você teve a ideia de extrair as histórias que normalmente fazem sucesso nos talk-shows e transformá-las num programa, certo? Começou a haver uma série de talk-shows no Brasil e virou uma febre. Fiquei pensando: ‘O que mais gosto no talk-show?’. E o que mais gosto não são as opiniões polêmicas, ou reavivar um assunto que já estava enterrado, e, sim, aquele momento em que a pessoa conta alguma coisa que a gente nunca tinha ouvido ela contar. Quando a gente lembra do Programa do Jô, aquilo que ficava na nossa memória no dia seguinte era aquela história muito engraçada que alguém foi lá e contou. Então, eu quis fazer um programa só com o filé mignon, só com as histórias engraçadas.
No começo, quando você propôs o programa, houve receio? Todo mundo receou. As pessoas falavam: ‘Vai ser um reality show de histórias?’, ‘Vai ter um game das melhores histórias?’ ‘Você vai interpretar as histórias?’. Eu dizia: ‘Não, gente, é só história, a pessoa contar a história dela’. ‘Mas esse programa é muito simples, só história?’. E eu falava: ‘Simples que é bom’. Mas o GNT comprou de cara. Eu mesmo falei: Vamos fazer um piloto, vamos gravar e ver o que acontece. De repente, só na minha cabeça dá certo e ao vivo não dá. A gente gravou um pré-piloto, que nem foi ao ar, só para entender se funcionava, e de cara deu certo. E, de cara, as histórias da plateia deram muito certo. E aí o pessoal já amou.
Você está também no ar com a 2ª temporada do programa no GNT e ali é o formato de quarentena: você no estúdio e as telas fazendo as vezes do público e dos convidados. Como foi adaptar o programa, que é tão da sua proximidade com os participantes? Foi superdifícil. Fizemos dois pré-pilotos, que não foram ao ar, para entender funcionalidade, mecânica, delay, se daria certo, se não daria. Para fazer só porque tinha de fazer, era muito ruim. Eu queria fazer uma coisa que mantivesse a essência do programa ali. No fim das contas, o que a gente queria era ouvir as histórias. Mas essas histórias vão ser bem contadas a distância? Então, a gente fez uma série de testes. Sinto que o resultado foi muito positivo. Mantivemos a ideia original do programa, das pessoas contando histórias. Claro, nada é igual ao formato original que tem tanto frescor. Eu ficava muito mais cansado gravando essa temporada virtual, porque exige muito mais de mim, de atenção, tanto que, no antigo normal, eu gravava dois programas por dia, e neste novo normal gravo um só. Não dá para gravar muita coisa, porque tem que entrar toda a plateia virtual, entrar os convidados, aí falha áudio, falha a imagem, aí trava, aí cai, aí a pessoa começa de novo. Então, tem que segurar a energia o tempo todo lá em cima, porque não dá para travar, cair e parar, e começar de novo. Foi todo um trabalho de entendimento desse novo formato. Acho que o fato de eu ter feito tanta live durante a quarentena me ajudou muito a entender essa mecânica do distanciamento.
Vocês já trabalham com a 3.ª temporada? Sim, haverá a 3.ª temporada. Agora, a gente só está esperando para entender como ela será. Supostamente seria em março, mas a gente já começa a conversa pensando se espera um pouco mais, para ter o programa no formato original, ou, se não tiver vacina, a gente vai ter os convidados presenciais e a plateia virtual. Enfim, a gente está esperando virar o ano para entender como vai ser.
Foi preciso adaptar também o Papo de Segunda, que você está fazendo a partir do estúdio, e com os outros integrantes do programa e convidados a distância. Como chegaram a esse formato? O Papo foi mais tranquilo, porque é possível se realizar daquela forma. É um programa de opinião. A gente ficou com medo de perder a intimidade que se tem ali, um brincando com o outro, rindo, sacaneando. Acho que isso a gente conseguiu não perder. Não há tanta interferência, mesmo quando a gente está ali ao vivo, porque um dá a opinião dele, depois o outro dá opinião em cima do que ele falou. Acho que a gente se adaptou bem, acho menos drástico, porque a gente depende menos do contato físico.
O Porta dos Fundos é desse universo digital, mas a pandemia também interferiu no processo de vocês. Em quanto? Mudou completamente. A gente não grava esquetes presenciais desde março, todo mundo gravando em casa. O Porta foi muito rápido nessa percepção do que estava acontecendo. Todo mundo trabalhando muito, mas conseguindo entregar conteúdos originais, diferentes. Mais conteúdos do que a gente costumava entregar. Voltou o Rafael Infante para o elenco, a gente trouxe o Joel (Vieira), com os personagens dele. E aconteceu essa coisa que foi muito louca: a pandemia se deu logo depois da confusão do especial de Natal do ano passado. Então, todo mundo tinha se unido muito, o time tinha se fortalecido muito, e, quando vem uma pandemia dessa, ter um time tão dedicado faz toda a diferença. E o próprio especial de Natal deste ano, a gente já gravou. É o Teocracia em Vertigem, foi uma ideia do Gabriel Esteves. Como a gente não podia contracenar, ele falou: por que a gente não faz um documentário? E a gente parodiou o Democracia em Vertigem (de Petra Costa) e fez o Teocracia em Vertigem, que é a verdadeira história por trás do golpe que levou à crucificação de Jesus, fazendo um paralelo entre a história desde o julgamento de Jesus até a Ressurreição, fazendo um contraponto com tudo o que tem acontecido no País, do impeachment para cá. Então, a gente tem personagens que são contra Jesus, personagens que são a favor, gente falando que foi golpe, que não foi, gente falando: ‘tchau, querido’, ‘temos que estancar a sangria’.
Estão preparados para os haters? A gente faz isso desde 2013. Desde 2013 que a gente tem especial de Natal todo ano. A gente sempre fez esquetes com religião. Aliás, com todas as religiões. Não há sagrado para o Porta dos Fundos, nem mesmo o sagrado. Porque a gente acredita que, quanto mais a gente brinca, ri, e coloca o dedo nas feridas abertas de toda a sociedade, melhor é para sociedade, inclusive, melhor é para a democracia, porque, a partir do momento que algum assunto se torna sagrado, ou tabu, ele vira regra, ele vira lei, ele vira um monstro. E, quando ele vira um monstro, não dá mais para voltar. Então, acho que uma das funções da comédia é não deixar nada se transformar em monstro.
E por que parece que só no final do ano passado que ‘descobriram’ o especial? É, porque o movimento não é religioso, é um movimento político. O Brasil está dividido, o mundo está dividido, e as pessoas politizaram o especial do Porta dos Fundos.
Pelo o que aconteceu no final do ano passado, então, vocês estão preparados para novas ações que queiram tirar vocês do ar, da Netflix, do planeta... Estamos superpreparados. Este ano, o especial de Natal vai ser no YouTube, exatamente para ter mais acesso, para as pessoas terem mais possibilidade de assistir, porque muita gente falava: ‘não tenho Netflix’, ‘como faz para assistir?’. Então, a gente está lançando no YouTube este ano, para todo mundo poder assistir, vai estar disponível no canal do Porta dos Fundos. A gente lança na primeira semana de dezembro, e estamos preparados como a gente sempre está. A gente recebe críticas desde sempre. Então, isso não é problema. A gente ouve, recebe, aceita e entende, mas a verdade é que o especial de Natal deixou de ser um vídeo do Porta dos Fundos para ser uma luta pela liberdade de expressão. Hoje o especial de Natal do Porta ganhou um peso e um reforço muito grande, e é isso que essas pessoas não entendem: quanto mais pedem para não assistir, mais atiçam a curiosidade das pessoas e mais reforçam a necessidade de haver um conteúdo como esse.
Veja trechos da entrevista: