Foco de investimento da Netflix, Coreia do Sul ganha 34 novas obras em 2023


No embalo do sucesso ‘Round 6′, séries e filmes do país são aposta do serviço de streaming

Por Mariane Morisawa
Atualização:

Caminhar pelas ruas de Seul tornou-se um pouco como visitar Nova York, Los Angeles, Londres. Para quem acompanha a produção cultural da Coreia do Sul, que se tornou uma febre no Brasil, o espaço parece familiar. E é: ali, a torre vista em Pretendente Surpresa. Acolá, o palácio que está em sequências de Kingdom e o riacho que foi cenário para Vincenzo. O kimpap, a comida preferida da protagonista de Uma Advogada Extraordinária, tem quase gosto de infância. Em Myeongdong, uma banquinha vende dalgona, o biscoito que é parte de uma das cruéis provas de Round 6.

A grande responsável pela popularização do k-drama no Brasil é a Netflix, que vem investindo pesado em séries e filmes vindos do país asiático, ainda mais depois de Round 6 – que, segundo a plataforma, é o programa mais visto da sua história. A série, cuja segunda temporada está escrita e em pré-produção, quebrou as barreiras linguísticas para conquistar seis Emmys. Em 2023, o serviço de streaming vai lançar um total de 34 produções coreanas, entre longas, séries de ficção e não roteirizadas, como o sucesso A Batalha dos 100, já disponível.

Participantes de 'A Batalha dos 100', produção coreana da Netflix Foto: Anthony Wallace/AFP
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Entre os projetos, estão o filme Kill Boksoon, de Byun Sung-hyun, que participa do Festival de Berlim, e A Criatura de Gyeongseong, um drama de época que se passa em 1945, um período de turbulência com o fim da 2.ª Guerra e a ocupação da Coreia pelo Japão, em que os personagens interpretados por Park Seo-jun e Han So-hee enfrentam ainda monstros. A reportagem do Estadão visitou o set dessa grande produção, que, junto com séries como a ficção científica distópica Black Knight e o western Song of the Bandits, além da segunda temporada de Sweet Home, mostra a disposição da companhia em investir em projetos mais ambiciosos.

O sucesso de Round 6 tem uma parcela de responsabilidade nesse investimento. “É muito encorajador não apenas para nós, mas para toda a indústria do entretenimento coreana, que as histórias que os criadores tinham em mente, mas não viam possibilidade de produzir, terem agora a chance de serem descobertas”, disse Don Kang, vice-presidente de conteúdo da Netflix Coreia do Sul, em entrevista coletiva com a participação do Estadão, na sede da companhia em Seul. “Ter um programa como Round 6 se tornando número 1 na Netflix abriu os horizontes para muita gente.”

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Mas, segundo ele, isso não significa que a empresa esteja procurando obras para agradar ao mercado internacional. “Acredito que uma história, antes de tudo, precisa ser relevante localmente”, avisou. “Passamos a maior parte do tempo na Coreia, trabalhando com coreanos, então conhecemos nossas histórias e o que funciona para nossos assinantes. Se você tenta criar uma série tentando agradar ao público de outros países, é improvável que dê certo. Se depois o produto viaja e faz sucesso internacional, é maravilhoso.”

Mercado

A Netflix foi lançada na Coreia do Sul em 2016, cerca de cinco anos após sua estreia no Brasil. Encontrou um mercado audiovisual bastante robusto, com cineastas como Park Chan-wook e Bong Joon-ho estabelecidos mundialmente e uma produção televisiva numerosa, variada e exportada para os países asiáticos. “Quando a Netflix chegou à Coreia do Sul, o ambiente do streaming estava estruturado”, contou ao Estadão Daniela Mazur, doutoranda em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). “O país já era uma potência consolidada como polo de produção e influência cultural.”

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A estratégia de tentar conquistar o público sul-coreano com produções estrangeiras, majoritariamente em inglês, não deu muito certo. Os espectadores da Coreia do Sul estão acostumados a consumir obras locais – no cinema, o market share (fatia de mercado) dos filmes nacionais é de 56%, um dos mais altos do mundo. Na semana em que a reportagem esteve em Seul, as top 10 séries da Netflix eram todas coreanas.

A Netflix, então, começou a adquirir produções já prontas, para criar um catálogo de projetos coreanos, incluindo Okja, de Bong Joon-ho. Mais adiante passou a investir em originais como Kingdom, drama de época com zumbis lançado em 2019. “A Netflix se tornou esse lugar de mediação de influência midiático-cultural do leste da Ásia”, garantiu Mazur. “Obviamente, não foi de uma hora para outra. A hallyu (onda coreana)é um fenômeno construído nos últimos 20 ou 30 anos.”

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Exportação

Essa onda foi impulsionada com ajuda do governo, que criou leis de incentivo para dar à indústria cultural um papel mais importante, especialmente após a crise econômica de 1997, que quebrou a Coreia do Sul. “Era preciso repensar a economia baseada apenas em manufaturas, e a venda de conteúdo cultural e midiático tinha potencial de atualizar a economia nacional”, concluiu Mazur. Segundo o Ministério da Cultura, Esportes e Turismo local, conteúdo foi o principal item exportado pelo país em 2021, somando US$ 12,4 bilhões (cerca de R$ 64,7 bilhões).

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Tendência global

A onda coreana, hallyu, é um feito e tanto para a Coreia do Sul. Só no século 20, o país foi colonizado pelo Japão entre 1910 e 1945 e teve seu território dividido após a guerra da década de 1950, convivendo com um vizinho hostil, a Coreia do Norte, e se tornando um dos países mais pobres do mundo. Enfrentou golpes de Estado e uma ditadura militar, mas virou uma potência econômica graças à indústria, até a crise de 1997.

O investimento na cultura – música, TV, cinema, games – fez com que o país se tornasse bacana, impulsionando também sua comida, moda, rotinas de beleza e marcas coreanas de eletrônicos e automóveis, entre outras. É considerado um exemplo de “soft power”, o poder exercido pela influência e não pela força. O fenômeno aumentou o número de turistas na Coreia do Sul e a quantidade de estudos sobre hallyu em universidades do mundo.

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No cinema, a presença de Kill Boksoon, novo longa original da Netflix, dirigido por Byun Sung-hyun e estrelado por Jeon Do-yeon, na seção Berlinale Especial do Festival de Berlim, no qual é exibido neste fim de semana, é apenas mais um passo de uma presença maciça nos festivais nas últimas décadas. Em Cannes, Park Chan-wook ganhou o Grande Prêmio do Júri com Oldboy em 2004, o prêmio do júri com Sede de Sangue, em 2009, e o troféu de direção no ano passado, com Decisão de Partir. Bong Joon-ho participa do festival francês desde 2006, com A Hospedeira, vencendo a Palma de Ouro com Parasita em 2019, que depois faria história ganhando quatro Oscars, incluindo filme, direção, roteiro original e produção internacional.

Os dois diretores combinam gênero com crítica social, em histórias que pegam o espectador pelo colarinho e transcendem o público do cinema de autor. Mas também há o suave Hong Sang-soo, sempre comparado a Eric Rohmer.

Hits

Na música, o k-pop já tinha conquistado nichos desde o final dos anos 1990. Em 2009, Wonder Girls entrou na Billboard Hot 100 com Nobody. Mas foi Gangnam Style, o hit do rapper Psy, que se tornou um fenômeno mundial, em 2012, sendo o primeiro vídeo a ser visto 1 bilhão de vezes no YouTube. No ano seguinte, foi criado o BTS, que já teve diversos vídeos que passaram de 1 bilhão de views no YouTube e foi a primeira banda de k-pop a estrear no número 1 da Billboard, em álbuns e singles.

O sucesso do BTS abriu espaço para outros, como Blackpink, Aespa, Exo, Twice, NCT 127, Red Velvet, Seventeen, New Jeans.

A hallyu passa pelos webtoons, um formato nascido na Coreia do Sul, de histórias em quadrinhos para smartphones. Eles são a base para várias séries, como All of Us Are Dead, D.P., Dr. Brain e Itaewon Class. Os times sul-coreanos do game League of Legends também costumam dominar os campeonatos mundiais.

O sucesso da onda coreana está muito baseado no fandom, a base de fãs, não só na Coreia do Sul. Fãs filipinos mandam carrinhos de café para seus atores favoritos no set de filmagem. Outros promovem festas de aniversário para seus “idols” em um dos muitos cafés de Seul, com direito a bolo, bexigas e copinhos com o rosto do aniversariante. Também participam dos fãs-clubes oficiais, com nomes próprios e cores específicas. Recentemente, a atriz Park Eun Bin, de Uma Advogada Extraordinária, anunciou que o nome oficial de seu fandom será BINGO, com as cores rosa-violeta e amarelo-limão.

Eles também se reúnem em “cafés”, redes virtuais em que podem ter contato com seus ídolos. A HYBE, gravadora do BTS, lançou a própria plataforma. Para participar do fã-clube oficial, o custo é de US$ 22, ou US$ 150 se incluído pacote de produtos oficiais. Eles são o outro segredo da hallyu, com mercadorias tão diversas quanto máscaras, chocolates, cartões para colecionar e trocar e CDs bem elaborados, que vêm com pôster, cards, adesivos, álbum de fotos, entre outros itens.

“A mídia física perdeu seu carisma no resto do mundo. Por que vou comprar se posso ouvir no Spotify? Mas quando você me vende um produto que é uma obra de arte, isso alimenta esse universo”, disse Daniela Mazur, doutoranda em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). “Eles lançam muito conteúdo extra para você continuar engajado. Por isso o k-pop e o k-drama têm tanta força.”

Round 6

Por muito tempo, a pergunta na cabeça dos criadores sul-coreanos era: quando a hallyu vai acabar? Mas essa preocupação parece ter ficado no passado, dada a proliferação do conteúdo da Coreia do Sul pelo mundo. “Um sucesso como Round 6 empodera o país inteiro e leva todo o ecossistema criativo a procurar por outros iguais”, disse Don Kang, vice-presidente de conteúdo da Netflix.

Cena de 'Round 6' Foto: Netflix

Claro que ele sabe que um outro Round 6 é difícil de acontecer. Até porque a Netflix ainda predomina, mas não é a única a apostar na onda coreana. O Disney+ fechou um contrato com a HYBE do BTS e tem na plataforma documentários de k-pop como BlackPink: O Filme, BTS: Permission to Dance on Stage e j-hope IN THE BOX. Seu serviço irmão, o Star+, tem opções como Com a Permissão do Tribunal, Grid e Snowdrop. A Apple TV+ conta com duas produções coreanas: Dr. Brain e Pachinko, que entrou em quase todas as listas de melhores do ano e ganhou o prêmio Critics Choice de série internacional de 2022 e o Film Independent Spirit de elenco.

A HBO Max trouxe alguns k-dramas clássicos, como Herdeiros. Sem contar plataformas específicas, como Viki e Kocowa, que sempre foram a salvação dos fãs de k-drama no Brasil. Todos esses movimentos indicam que a hallyu está longe de acabar e, pelo contrário, está virando um tsunami global.

Caminhar pelas ruas de Seul tornou-se um pouco como visitar Nova York, Los Angeles, Londres. Para quem acompanha a produção cultural da Coreia do Sul, que se tornou uma febre no Brasil, o espaço parece familiar. E é: ali, a torre vista em Pretendente Surpresa. Acolá, o palácio que está em sequências de Kingdom e o riacho que foi cenário para Vincenzo. O kimpap, a comida preferida da protagonista de Uma Advogada Extraordinária, tem quase gosto de infância. Em Myeongdong, uma banquinha vende dalgona, o biscoito que é parte de uma das cruéis provas de Round 6.

A grande responsável pela popularização do k-drama no Brasil é a Netflix, que vem investindo pesado em séries e filmes vindos do país asiático, ainda mais depois de Round 6 – que, segundo a plataforma, é o programa mais visto da sua história. A série, cuja segunda temporada está escrita e em pré-produção, quebrou as barreiras linguísticas para conquistar seis Emmys. Em 2023, o serviço de streaming vai lançar um total de 34 produções coreanas, entre longas, séries de ficção e não roteirizadas, como o sucesso A Batalha dos 100, já disponível.

Participantes de 'A Batalha dos 100', produção coreana da Netflix Foto: Anthony Wallace/AFP

Entre os projetos, estão o filme Kill Boksoon, de Byun Sung-hyun, que participa do Festival de Berlim, e A Criatura de Gyeongseong, um drama de época que se passa em 1945, um período de turbulência com o fim da 2.ª Guerra e a ocupação da Coreia pelo Japão, em que os personagens interpretados por Park Seo-jun e Han So-hee enfrentam ainda monstros. A reportagem do Estadão visitou o set dessa grande produção, que, junto com séries como a ficção científica distópica Black Knight e o western Song of the Bandits, além da segunda temporada de Sweet Home, mostra a disposição da companhia em investir em projetos mais ambiciosos.

O sucesso de Round 6 tem uma parcela de responsabilidade nesse investimento. “É muito encorajador não apenas para nós, mas para toda a indústria do entretenimento coreana, que as histórias que os criadores tinham em mente, mas não viam possibilidade de produzir, terem agora a chance de serem descobertas”, disse Don Kang, vice-presidente de conteúdo da Netflix Coreia do Sul, em entrevista coletiva com a participação do Estadão, na sede da companhia em Seul. “Ter um programa como Round 6 se tornando número 1 na Netflix abriu os horizontes para muita gente.”

Mas, segundo ele, isso não significa que a empresa esteja procurando obras para agradar ao mercado internacional. “Acredito que uma história, antes de tudo, precisa ser relevante localmente”, avisou. “Passamos a maior parte do tempo na Coreia, trabalhando com coreanos, então conhecemos nossas histórias e o que funciona para nossos assinantes. Se você tenta criar uma série tentando agradar ao público de outros países, é improvável que dê certo. Se depois o produto viaja e faz sucesso internacional, é maravilhoso.”

Mercado

A Netflix foi lançada na Coreia do Sul em 2016, cerca de cinco anos após sua estreia no Brasil. Encontrou um mercado audiovisual bastante robusto, com cineastas como Park Chan-wook e Bong Joon-ho estabelecidos mundialmente e uma produção televisiva numerosa, variada e exportada para os países asiáticos. “Quando a Netflix chegou à Coreia do Sul, o ambiente do streaming estava estruturado”, contou ao Estadão Daniela Mazur, doutoranda em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). “O país já era uma potência consolidada como polo de produção e influência cultural.”

A estratégia de tentar conquistar o público sul-coreano com produções estrangeiras, majoritariamente em inglês, não deu muito certo. Os espectadores da Coreia do Sul estão acostumados a consumir obras locais – no cinema, o market share (fatia de mercado) dos filmes nacionais é de 56%, um dos mais altos do mundo. Na semana em que a reportagem esteve em Seul, as top 10 séries da Netflix eram todas coreanas.

A Netflix, então, começou a adquirir produções já prontas, para criar um catálogo de projetos coreanos, incluindo Okja, de Bong Joon-ho. Mais adiante passou a investir em originais como Kingdom, drama de época com zumbis lançado em 2019. “A Netflix se tornou esse lugar de mediação de influência midiático-cultural do leste da Ásia”, garantiu Mazur. “Obviamente, não foi de uma hora para outra. A hallyu (onda coreana)é um fenômeno construído nos últimos 20 ou 30 anos.”

Exportação

Essa onda foi impulsionada com ajuda do governo, que criou leis de incentivo para dar à indústria cultural um papel mais importante, especialmente após a crise econômica de 1997, que quebrou a Coreia do Sul. “Era preciso repensar a economia baseada apenas em manufaturas, e a venda de conteúdo cultural e midiático tinha potencial de atualizar a economia nacional”, concluiu Mazur. Segundo o Ministério da Cultura, Esportes e Turismo local, conteúdo foi o principal item exportado pelo país em 2021, somando US$ 12,4 bilhões (cerca de R$ 64,7 bilhões).

Tendência global

A onda coreana, hallyu, é um feito e tanto para a Coreia do Sul. Só no século 20, o país foi colonizado pelo Japão entre 1910 e 1945 e teve seu território dividido após a guerra da década de 1950, convivendo com um vizinho hostil, a Coreia do Norte, e se tornando um dos países mais pobres do mundo. Enfrentou golpes de Estado e uma ditadura militar, mas virou uma potência econômica graças à indústria, até a crise de 1997.

O investimento na cultura – música, TV, cinema, games – fez com que o país se tornasse bacana, impulsionando também sua comida, moda, rotinas de beleza e marcas coreanas de eletrônicos e automóveis, entre outras. É considerado um exemplo de “soft power”, o poder exercido pela influência e não pela força. O fenômeno aumentou o número de turistas na Coreia do Sul e a quantidade de estudos sobre hallyu em universidades do mundo.

No cinema, a presença de Kill Boksoon, novo longa original da Netflix, dirigido por Byun Sung-hyun e estrelado por Jeon Do-yeon, na seção Berlinale Especial do Festival de Berlim, no qual é exibido neste fim de semana, é apenas mais um passo de uma presença maciça nos festivais nas últimas décadas. Em Cannes, Park Chan-wook ganhou o Grande Prêmio do Júri com Oldboy em 2004, o prêmio do júri com Sede de Sangue, em 2009, e o troféu de direção no ano passado, com Decisão de Partir. Bong Joon-ho participa do festival francês desde 2006, com A Hospedeira, vencendo a Palma de Ouro com Parasita em 2019, que depois faria história ganhando quatro Oscars, incluindo filme, direção, roteiro original e produção internacional.

Os dois diretores combinam gênero com crítica social, em histórias que pegam o espectador pelo colarinho e transcendem o público do cinema de autor. Mas também há o suave Hong Sang-soo, sempre comparado a Eric Rohmer.

Hits

Na música, o k-pop já tinha conquistado nichos desde o final dos anos 1990. Em 2009, Wonder Girls entrou na Billboard Hot 100 com Nobody. Mas foi Gangnam Style, o hit do rapper Psy, que se tornou um fenômeno mundial, em 2012, sendo o primeiro vídeo a ser visto 1 bilhão de vezes no YouTube. No ano seguinte, foi criado o BTS, que já teve diversos vídeos que passaram de 1 bilhão de views no YouTube e foi a primeira banda de k-pop a estrear no número 1 da Billboard, em álbuns e singles.

O sucesso do BTS abriu espaço para outros, como Blackpink, Aespa, Exo, Twice, NCT 127, Red Velvet, Seventeen, New Jeans.

A hallyu passa pelos webtoons, um formato nascido na Coreia do Sul, de histórias em quadrinhos para smartphones. Eles são a base para várias séries, como All of Us Are Dead, D.P., Dr. Brain e Itaewon Class. Os times sul-coreanos do game League of Legends também costumam dominar os campeonatos mundiais.

O sucesso da onda coreana está muito baseado no fandom, a base de fãs, não só na Coreia do Sul. Fãs filipinos mandam carrinhos de café para seus atores favoritos no set de filmagem. Outros promovem festas de aniversário para seus “idols” em um dos muitos cafés de Seul, com direito a bolo, bexigas e copinhos com o rosto do aniversariante. Também participam dos fãs-clubes oficiais, com nomes próprios e cores específicas. Recentemente, a atriz Park Eun Bin, de Uma Advogada Extraordinária, anunciou que o nome oficial de seu fandom será BINGO, com as cores rosa-violeta e amarelo-limão.

Eles também se reúnem em “cafés”, redes virtuais em que podem ter contato com seus ídolos. A HYBE, gravadora do BTS, lançou a própria plataforma. Para participar do fã-clube oficial, o custo é de US$ 22, ou US$ 150 se incluído pacote de produtos oficiais. Eles são o outro segredo da hallyu, com mercadorias tão diversas quanto máscaras, chocolates, cartões para colecionar e trocar e CDs bem elaborados, que vêm com pôster, cards, adesivos, álbum de fotos, entre outros itens.

“A mídia física perdeu seu carisma no resto do mundo. Por que vou comprar se posso ouvir no Spotify? Mas quando você me vende um produto que é uma obra de arte, isso alimenta esse universo”, disse Daniela Mazur, doutoranda em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). “Eles lançam muito conteúdo extra para você continuar engajado. Por isso o k-pop e o k-drama têm tanta força.”

Round 6

Por muito tempo, a pergunta na cabeça dos criadores sul-coreanos era: quando a hallyu vai acabar? Mas essa preocupação parece ter ficado no passado, dada a proliferação do conteúdo da Coreia do Sul pelo mundo. “Um sucesso como Round 6 empodera o país inteiro e leva todo o ecossistema criativo a procurar por outros iguais”, disse Don Kang, vice-presidente de conteúdo da Netflix.

Cena de 'Round 6' Foto: Netflix

Claro que ele sabe que um outro Round 6 é difícil de acontecer. Até porque a Netflix ainda predomina, mas não é a única a apostar na onda coreana. O Disney+ fechou um contrato com a HYBE do BTS e tem na plataforma documentários de k-pop como BlackPink: O Filme, BTS: Permission to Dance on Stage e j-hope IN THE BOX. Seu serviço irmão, o Star+, tem opções como Com a Permissão do Tribunal, Grid e Snowdrop. A Apple TV+ conta com duas produções coreanas: Dr. Brain e Pachinko, que entrou em quase todas as listas de melhores do ano e ganhou o prêmio Critics Choice de série internacional de 2022 e o Film Independent Spirit de elenco.

A HBO Max trouxe alguns k-dramas clássicos, como Herdeiros. Sem contar plataformas específicas, como Viki e Kocowa, que sempre foram a salvação dos fãs de k-drama no Brasil. Todos esses movimentos indicam que a hallyu está longe de acabar e, pelo contrário, está virando um tsunami global.

Caminhar pelas ruas de Seul tornou-se um pouco como visitar Nova York, Los Angeles, Londres. Para quem acompanha a produção cultural da Coreia do Sul, que se tornou uma febre no Brasil, o espaço parece familiar. E é: ali, a torre vista em Pretendente Surpresa. Acolá, o palácio que está em sequências de Kingdom e o riacho que foi cenário para Vincenzo. O kimpap, a comida preferida da protagonista de Uma Advogada Extraordinária, tem quase gosto de infância. Em Myeongdong, uma banquinha vende dalgona, o biscoito que é parte de uma das cruéis provas de Round 6.

A grande responsável pela popularização do k-drama no Brasil é a Netflix, que vem investindo pesado em séries e filmes vindos do país asiático, ainda mais depois de Round 6 – que, segundo a plataforma, é o programa mais visto da sua história. A série, cuja segunda temporada está escrita e em pré-produção, quebrou as barreiras linguísticas para conquistar seis Emmys. Em 2023, o serviço de streaming vai lançar um total de 34 produções coreanas, entre longas, séries de ficção e não roteirizadas, como o sucesso A Batalha dos 100, já disponível.

Participantes de 'A Batalha dos 100', produção coreana da Netflix Foto: Anthony Wallace/AFP

Entre os projetos, estão o filme Kill Boksoon, de Byun Sung-hyun, que participa do Festival de Berlim, e A Criatura de Gyeongseong, um drama de época que se passa em 1945, um período de turbulência com o fim da 2.ª Guerra e a ocupação da Coreia pelo Japão, em que os personagens interpretados por Park Seo-jun e Han So-hee enfrentam ainda monstros. A reportagem do Estadão visitou o set dessa grande produção, que, junto com séries como a ficção científica distópica Black Knight e o western Song of the Bandits, além da segunda temporada de Sweet Home, mostra a disposição da companhia em investir em projetos mais ambiciosos.

O sucesso de Round 6 tem uma parcela de responsabilidade nesse investimento. “É muito encorajador não apenas para nós, mas para toda a indústria do entretenimento coreana, que as histórias que os criadores tinham em mente, mas não viam possibilidade de produzir, terem agora a chance de serem descobertas”, disse Don Kang, vice-presidente de conteúdo da Netflix Coreia do Sul, em entrevista coletiva com a participação do Estadão, na sede da companhia em Seul. “Ter um programa como Round 6 se tornando número 1 na Netflix abriu os horizontes para muita gente.”

Mas, segundo ele, isso não significa que a empresa esteja procurando obras para agradar ao mercado internacional. “Acredito que uma história, antes de tudo, precisa ser relevante localmente”, avisou. “Passamos a maior parte do tempo na Coreia, trabalhando com coreanos, então conhecemos nossas histórias e o que funciona para nossos assinantes. Se você tenta criar uma série tentando agradar ao público de outros países, é improvável que dê certo. Se depois o produto viaja e faz sucesso internacional, é maravilhoso.”

Mercado

A Netflix foi lançada na Coreia do Sul em 2016, cerca de cinco anos após sua estreia no Brasil. Encontrou um mercado audiovisual bastante robusto, com cineastas como Park Chan-wook e Bong Joon-ho estabelecidos mundialmente e uma produção televisiva numerosa, variada e exportada para os países asiáticos. “Quando a Netflix chegou à Coreia do Sul, o ambiente do streaming estava estruturado”, contou ao Estadão Daniela Mazur, doutoranda em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). “O país já era uma potência consolidada como polo de produção e influência cultural.”

A estratégia de tentar conquistar o público sul-coreano com produções estrangeiras, majoritariamente em inglês, não deu muito certo. Os espectadores da Coreia do Sul estão acostumados a consumir obras locais – no cinema, o market share (fatia de mercado) dos filmes nacionais é de 56%, um dos mais altos do mundo. Na semana em que a reportagem esteve em Seul, as top 10 séries da Netflix eram todas coreanas.

A Netflix, então, começou a adquirir produções já prontas, para criar um catálogo de projetos coreanos, incluindo Okja, de Bong Joon-ho. Mais adiante passou a investir em originais como Kingdom, drama de época com zumbis lançado em 2019. “A Netflix se tornou esse lugar de mediação de influência midiático-cultural do leste da Ásia”, garantiu Mazur. “Obviamente, não foi de uma hora para outra. A hallyu (onda coreana)é um fenômeno construído nos últimos 20 ou 30 anos.”

Exportação

Essa onda foi impulsionada com ajuda do governo, que criou leis de incentivo para dar à indústria cultural um papel mais importante, especialmente após a crise econômica de 1997, que quebrou a Coreia do Sul. “Era preciso repensar a economia baseada apenas em manufaturas, e a venda de conteúdo cultural e midiático tinha potencial de atualizar a economia nacional”, concluiu Mazur. Segundo o Ministério da Cultura, Esportes e Turismo local, conteúdo foi o principal item exportado pelo país em 2021, somando US$ 12,4 bilhões (cerca de R$ 64,7 bilhões).

Tendência global

A onda coreana, hallyu, é um feito e tanto para a Coreia do Sul. Só no século 20, o país foi colonizado pelo Japão entre 1910 e 1945 e teve seu território dividido após a guerra da década de 1950, convivendo com um vizinho hostil, a Coreia do Norte, e se tornando um dos países mais pobres do mundo. Enfrentou golpes de Estado e uma ditadura militar, mas virou uma potência econômica graças à indústria, até a crise de 1997.

O investimento na cultura – música, TV, cinema, games – fez com que o país se tornasse bacana, impulsionando também sua comida, moda, rotinas de beleza e marcas coreanas de eletrônicos e automóveis, entre outras. É considerado um exemplo de “soft power”, o poder exercido pela influência e não pela força. O fenômeno aumentou o número de turistas na Coreia do Sul e a quantidade de estudos sobre hallyu em universidades do mundo.

No cinema, a presença de Kill Boksoon, novo longa original da Netflix, dirigido por Byun Sung-hyun e estrelado por Jeon Do-yeon, na seção Berlinale Especial do Festival de Berlim, no qual é exibido neste fim de semana, é apenas mais um passo de uma presença maciça nos festivais nas últimas décadas. Em Cannes, Park Chan-wook ganhou o Grande Prêmio do Júri com Oldboy em 2004, o prêmio do júri com Sede de Sangue, em 2009, e o troféu de direção no ano passado, com Decisão de Partir. Bong Joon-ho participa do festival francês desde 2006, com A Hospedeira, vencendo a Palma de Ouro com Parasita em 2019, que depois faria história ganhando quatro Oscars, incluindo filme, direção, roteiro original e produção internacional.

Os dois diretores combinam gênero com crítica social, em histórias que pegam o espectador pelo colarinho e transcendem o público do cinema de autor. Mas também há o suave Hong Sang-soo, sempre comparado a Eric Rohmer.

Hits

Na música, o k-pop já tinha conquistado nichos desde o final dos anos 1990. Em 2009, Wonder Girls entrou na Billboard Hot 100 com Nobody. Mas foi Gangnam Style, o hit do rapper Psy, que se tornou um fenômeno mundial, em 2012, sendo o primeiro vídeo a ser visto 1 bilhão de vezes no YouTube. No ano seguinte, foi criado o BTS, que já teve diversos vídeos que passaram de 1 bilhão de views no YouTube e foi a primeira banda de k-pop a estrear no número 1 da Billboard, em álbuns e singles.

O sucesso do BTS abriu espaço para outros, como Blackpink, Aespa, Exo, Twice, NCT 127, Red Velvet, Seventeen, New Jeans.

A hallyu passa pelos webtoons, um formato nascido na Coreia do Sul, de histórias em quadrinhos para smartphones. Eles são a base para várias séries, como All of Us Are Dead, D.P., Dr. Brain e Itaewon Class. Os times sul-coreanos do game League of Legends também costumam dominar os campeonatos mundiais.

O sucesso da onda coreana está muito baseado no fandom, a base de fãs, não só na Coreia do Sul. Fãs filipinos mandam carrinhos de café para seus atores favoritos no set de filmagem. Outros promovem festas de aniversário para seus “idols” em um dos muitos cafés de Seul, com direito a bolo, bexigas e copinhos com o rosto do aniversariante. Também participam dos fãs-clubes oficiais, com nomes próprios e cores específicas. Recentemente, a atriz Park Eun Bin, de Uma Advogada Extraordinária, anunciou que o nome oficial de seu fandom será BINGO, com as cores rosa-violeta e amarelo-limão.

Eles também se reúnem em “cafés”, redes virtuais em que podem ter contato com seus ídolos. A HYBE, gravadora do BTS, lançou a própria plataforma. Para participar do fã-clube oficial, o custo é de US$ 22, ou US$ 150 se incluído pacote de produtos oficiais. Eles são o outro segredo da hallyu, com mercadorias tão diversas quanto máscaras, chocolates, cartões para colecionar e trocar e CDs bem elaborados, que vêm com pôster, cards, adesivos, álbum de fotos, entre outros itens.

“A mídia física perdeu seu carisma no resto do mundo. Por que vou comprar se posso ouvir no Spotify? Mas quando você me vende um produto que é uma obra de arte, isso alimenta esse universo”, disse Daniela Mazur, doutoranda em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). “Eles lançam muito conteúdo extra para você continuar engajado. Por isso o k-pop e o k-drama têm tanta força.”

Round 6

Por muito tempo, a pergunta na cabeça dos criadores sul-coreanos era: quando a hallyu vai acabar? Mas essa preocupação parece ter ficado no passado, dada a proliferação do conteúdo da Coreia do Sul pelo mundo. “Um sucesso como Round 6 empodera o país inteiro e leva todo o ecossistema criativo a procurar por outros iguais”, disse Don Kang, vice-presidente de conteúdo da Netflix.

Cena de 'Round 6' Foto: Netflix

Claro que ele sabe que um outro Round 6 é difícil de acontecer. Até porque a Netflix ainda predomina, mas não é a única a apostar na onda coreana. O Disney+ fechou um contrato com a HYBE do BTS e tem na plataforma documentários de k-pop como BlackPink: O Filme, BTS: Permission to Dance on Stage e j-hope IN THE BOX. Seu serviço irmão, o Star+, tem opções como Com a Permissão do Tribunal, Grid e Snowdrop. A Apple TV+ conta com duas produções coreanas: Dr. Brain e Pachinko, que entrou em quase todas as listas de melhores do ano e ganhou o prêmio Critics Choice de série internacional de 2022 e o Film Independent Spirit de elenco.

A HBO Max trouxe alguns k-dramas clássicos, como Herdeiros. Sem contar plataformas específicas, como Viki e Kocowa, que sempre foram a salvação dos fãs de k-drama no Brasil. Todos esses movimentos indicam que a hallyu está longe de acabar e, pelo contrário, está virando um tsunami global.

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