‘O Bem-Amado’, sucesso de Dias Gomes dos anos 1970, chega ao streaming


Atores falam do reconhecimento público durante os dias de exibição de uma das novelas de mais forte conteúdo crítico social e político da Globo

Por Danilo Casaletti
Atualização:

Vamos deixar de lado os entretantos e partir para os finalmentes: os 178 capítulos da novela O Bem-Amado, exibidos em 1973, estão disponíveis desde segunda-feira, 15, na Globoplay. Quase meio século depois, o folhetim de Dias Gomes segue no imaginário do brasileiro. “Até hoje, quando entro em um táxi, o motorista diz: olha o padre de O Bem-Amado! É quase 100% de chance de acontecer”, conta Rogério Fróes, 86 anos, intérprete do Vigário. Ele é um dos primeiros a aparecer na novela.

Paulo Gracindo em 'O Bem Amado' Foto: ACERVO TV GLOBO

Com Emiliano Queiroz, 85, acontece o mesmo. Sempre alguém o chama pelo nome de seu personagem, o Dirceu Borboleta. “Tem histórias muito curiosas. Quando filmei Casa de Areia (2005), estava voltando das filmagens e o carro atolou. Um caminhoneiro parou e gritou ‘Oh Dirceu Borboleta, o que você está fazendo aqui?’. Ele nos ajudou e quis tirar uma foto comigo, o que fiz com todo prazer”, conta Queiroz.

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A novela, dirigida por Régis Cardoso, é uma adaptação da peça O Bem-Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte, escrita por Dias Gomes em 1962. A história gira em torno de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), um político populista e corrupto, prefeito do fictício município de Sucupira, no litoral da Bahia. Elege-se prometendo inaugurar um cemitério em uma cidade em que ninguém morria. 

De fala empolada, Paraguaçu abusava de neologismos – entre os mais famosos estão “recessão necrófila” e “vagabundista”. A perseguição à imprensa, o negacionismo para com a ciência, o uso político da religião e a desqualificação da oposição estavam na pauta do seu governo.

Além de Odorico, a novela criou personagens que entraram para a história da dramaturgia, como Zeca Diabo (Lima Duarte), Zelão das Asas (Milton Gonçalves) e Donana Medradro (Zilka Salaberry). O elenco contava ainda com Ruth de Souza, Lutero Luiz e Jardel Filho. A novela voltou como série, que ficou no ar de 1980 a 1984.

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Daniel Filho, 83, foi supervisor da novela à época. Em conversa com o Estadão via Zoom, solta um sonoro palavrão com intenção de surpresa quando se deu conta de que, daqui a pouco tempo, a obra vai completar 50 anos. “É isso mesmo? Está tão viva na minha memória. Ela é tão atual”, diz o diretor.

Daniel lembra que Lima Duarte estava para sair da Globo depois do fracasso como diretor de O Bofe. Ele sugeriu que Gomes o chamasse para o papel de Zeca Diabo, o matador que não matava ninguém. A inspiração de um pistoleiro matuto veio do western Cat Ballou, filme de Elliot Silverstein, de 1965, com Lee Marvin.

Em recente depoimento postado em seu perfil no Instagram, Lima narra a cena em que Zeca chega à cidade contratado por Odorico para matar alguém para que o cemitério fosse inaugurado. “Como nos filmes clássicos. Com cachorros latindo, mulheres gritando e homens correndo”, diz. Para criar uma dualidade na personagem, ele o fez com uma voz fina. “Isso desatou um fio complexo. Ele era vítima de uma estrutura social”.

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Dirceu Borboleta, fiel secretário de Odorico, no qual ele descontava toda sua ira, nasceu em cena, conta Emiliano Queiroz. “Em uma cena em que Odorico me acusava, apareceu uma gagueira, minha voz engasgou. Surgiu ali o jeito do Dirceu. Ele é fruto da repressão que sofre de Odorico e da mãe, que havia feito uma promessa para ele continuar virgem a vida toda.”

O Bem-Amado, exibida às 22h, também entrou para a história como a primeira novela em cores da televisão brasileira. “Dizíamos que só faltava o cheiro dos quitutes baianos servidos na trama para completar a felicidade que era acompanhar a história, finalmente em cores como na vida real”, diz Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia, autor de A Hollywood Brasileira e da versão para romance de O Bem-Amado. No entanto, o exagero de cores e a falta de experiência com a nova tecnologia gerou contratempos para a produção. “A profusão cromática que você encontra nos cenários de Sucupira é fruto do êxtase do diretor e da produção em aproveitar todas as cores possíveis para encantar o telespectador’, completa Alencar.

Censura. O texto do comunista Dias Gomes não escapou da vigilância da censura da ditadura militar que proibiu, por exemplo, que Odorico fosse chamado de coronel. “Foi bom eles implicarem com a palavra ‘coronel’. Enquanto eles discutiam isso, a gente passava a boiada, tal qual sugeriu esse ministro (Ricardo Salles, do Meio Ambiente) recentemente. Passamos muitos bois. O público sabia muito bem que estávamos dando porrada no governo. E se identificava com isso”. 

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Para Mauro Alencar, O Bem- Amado não deve despertar apenas a atenção dos saudosistas. É programa obrigatório para quem quer entender a formação política brasileira. “O enredo, as tramas muito bem urdidas, a construção das personagens tanto pelo autor quanto pelos atores, a direção...E, claro, os jogos políticos e sociais dos quais emergem a ação das personagens. O que terá mudado desde então?”, questiona.

Lima, em depoimento no Instagram, diz: “Espero que o tempo não tenha sido impiedoso com O Bem-Amado. Que tenham ficado as intenções, a crítica mordaz, quando denunciamos que o Brasil é esse (da novela)”. “O público vai reconhecer os políticos de hoje na novela”, diz Rogério Fróes.

Uma trilha sonora explosiva

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A dupla Toquinho e Vinicius de Moraes já havia feito a trilha sonora da novela Minha Filha Gabriela, da TV Tupi, em 1971, quando recebeu o convite da Globo para compor os temas musicais dos habitantes de Sucupira. Entre novas criações como Meu Pai Oxalá, tema de Zelão, e Um Pouco Mais de Consideração, para Dirceu Borboleta, duas canções foram reaproveitadas: Paiol de Pólvora e Cotidiano n.º 2. A primeira foi composta para a inauguração do Teatro Paiol, em Curitiba, construído onde antes funcionava um prédio do Exército que abrigava o arsenal de pólvora da cidade. Os versos diziam: “Estamos trancados no paiol de pólvora/ Paralisados no paiol de pólvora/ Olhos vedados no paiol de pólvora/ Dentes cerrados no paiol de pólvora”.

A música foi cotada para ser o tema de abertura, mas o governo militar não gostou da ideia de os provocativos versos invadirem as casas dos brasileiros durante noves meses e proibiu sua execução. “A letra tinha a ver com a história do local, mas também era uma metáfora do Brasil de 1971”, diz Toquinho.

Os arranjos do disco foram feitos pelo maestro Chiquinho de Moraes, com exceção de Paiol de Pólvora, confiada ao tropicalista Rogério Duprat. “A canção exigia um arranjo mais ousado, e Duprat reunia em seu trabalho erudição, ousadia e inventividade. Ele acrescentou, com características da música concreta, alguns sons que não são musicais e que se ajustaram ao tema”, diz Toquinho.

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A música escolhida da abertura foi, então, o samba O Bem Amado, gravado pelo grupo MPB4. “A melodia já estava pronta e Vinicius não fazia a letra. Não tive dúvida, resolvi fazer a letra e tentar explicar posteriormente ao Vinicius. Com o disco pronto, ouvimos as canções, comentando cada uma. Quando chegou a hora do tema, pensei: ‘O que será que Vinicius vai achar?’ Ele ouviu e comentou: ‘Que música boa que fizemos!’. Ele morreu achando que tinha feito essa letra”. /D.C.

Vamos deixar de lado os entretantos e partir para os finalmentes: os 178 capítulos da novela O Bem-Amado, exibidos em 1973, estão disponíveis desde segunda-feira, 15, na Globoplay. Quase meio século depois, o folhetim de Dias Gomes segue no imaginário do brasileiro. “Até hoje, quando entro em um táxi, o motorista diz: olha o padre de O Bem-Amado! É quase 100% de chance de acontecer”, conta Rogério Fróes, 86 anos, intérprete do Vigário. Ele é um dos primeiros a aparecer na novela.

Paulo Gracindo em 'O Bem Amado' Foto: ACERVO TV GLOBO

Com Emiliano Queiroz, 85, acontece o mesmo. Sempre alguém o chama pelo nome de seu personagem, o Dirceu Borboleta. “Tem histórias muito curiosas. Quando filmei Casa de Areia (2005), estava voltando das filmagens e o carro atolou. Um caminhoneiro parou e gritou ‘Oh Dirceu Borboleta, o que você está fazendo aqui?’. Ele nos ajudou e quis tirar uma foto comigo, o que fiz com todo prazer”, conta Queiroz.

A novela, dirigida por Régis Cardoso, é uma adaptação da peça O Bem-Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte, escrita por Dias Gomes em 1962. A história gira em torno de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), um político populista e corrupto, prefeito do fictício município de Sucupira, no litoral da Bahia. Elege-se prometendo inaugurar um cemitério em uma cidade em que ninguém morria. 

De fala empolada, Paraguaçu abusava de neologismos – entre os mais famosos estão “recessão necrófila” e “vagabundista”. A perseguição à imprensa, o negacionismo para com a ciência, o uso político da religião e a desqualificação da oposição estavam na pauta do seu governo.

Além de Odorico, a novela criou personagens que entraram para a história da dramaturgia, como Zeca Diabo (Lima Duarte), Zelão das Asas (Milton Gonçalves) e Donana Medradro (Zilka Salaberry). O elenco contava ainda com Ruth de Souza, Lutero Luiz e Jardel Filho. A novela voltou como série, que ficou no ar de 1980 a 1984.

Daniel Filho, 83, foi supervisor da novela à época. Em conversa com o Estadão via Zoom, solta um sonoro palavrão com intenção de surpresa quando se deu conta de que, daqui a pouco tempo, a obra vai completar 50 anos. “É isso mesmo? Está tão viva na minha memória. Ela é tão atual”, diz o diretor.

Daniel lembra que Lima Duarte estava para sair da Globo depois do fracasso como diretor de O Bofe. Ele sugeriu que Gomes o chamasse para o papel de Zeca Diabo, o matador que não matava ninguém. A inspiração de um pistoleiro matuto veio do western Cat Ballou, filme de Elliot Silverstein, de 1965, com Lee Marvin.

Em recente depoimento postado em seu perfil no Instagram, Lima narra a cena em que Zeca chega à cidade contratado por Odorico para matar alguém para que o cemitério fosse inaugurado. “Como nos filmes clássicos. Com cachorros latindo, mulheres gritando e homens correndo”, diz. Para criar uma dualidade na personagem, ele o fez com uma voz fina. “Isso desatou um fio complexo. Ele era vítima de uma estrutura social”.

Dirceu Borboleta, fiel secretário de Odorico, no qual ele descontava toda sua ira, nasceu em cena, conta Emiliano Queiroz. “Em uma cena em que Odorico me acusava, apareceu uma gagueira, minha voz engasgou. Surgiu ali o jeito do Dirceu. Ele é fruto da repressão que sofre de Odorico e da mãe, que havia feito uma promessa para ele continuar virgem a vida toda.”

O Bem-Amado, exibida às 22h, também entrou para a história como a primeira novela em cores da televisão brasileira. “Dizíamos que só faltava o cheiro dos quitutes baianos servidos na trama para completar a felicidade que era acompanhar a história, finalmente em cores como na vida real”, diz Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia, autor de A Hollywood Brasileira e da versão para romance de O Bem-Amado. No entanto, o exagero de cores e a falta de experiência com a nova tecnologia gerou contratempos para a produção. “A profusão cromática que você encontra nos cenários de Sucupira é fruto do êxtase do diretor e da produção em aproveitar todas as cores possíveis para encantar o telespectador’, completa Alencar.

Censura. O texto do comunista Dias Gomes não escapou da vigilância da censura da ditadura militar que proibiu, por exemplo, que Odorico fosse chamado de coronel. “Foi bom eles implicarem com a palavra ‘coronel’. Enquanto eles discutiam isso, a gente passava a boiada, tal qual sugeriu esse ministro (Ricardo Salles, do Meio Ambiente) recentemente. Passamos muitos bois. O público sabia muito bem que estávamos dando porrada no governo. E se identificava com isso”. 

Para Mauro Alencar, O Bem- Amado não deve despertar apenas a atenção dos saudosistas. É programa obrigatório para quem quer entender a formação política brasileira. “O enredo, as tramas muito bem urdidas, a construção das personagens tanto pelo autor quanto pelos atores, a direção...E, claro, os jogos políticos e sociais dos quais emergem a ação das personagens. O que terá mudado desde então?”, questiona.

Lima, em depoimento no Instagram, diz: “Espero que o tempo não tenha sido impiedoso com O Bem-Amado. Que tenham ficado as intenções, a crítica mordaz, quando denunciamos que o Brasil é esse (da novela)”. “O público vai reconhecer os políticos de hoje na novela”, diz Rogério Fróes.

Uma trilha sonora explosiva

A dupla Toquinho e Vinicius de Moraes já havia feito a trilha sonora da novela Minha Filha Gabriela, da TV Tupi, em 1971, quando recebeu o convite da Globo para compor os temas musicais dos habitantes de Sucupira. Entre novas criações como Meu Pai Oxalá, tema de Zelão, e Um Pouco Mais de Consideração, para Dirceu Borboleta, duas canções foram reaproveitadas: Paiol de Pólvora e Cotidiano n.º 2. A primeira foi composta para a inauguração do Teatro Paiol, em Curitiba, construído onde antes funcionava um prédio do Exército que abrigava o arsenal de pólvora da cidade. Os versos diziam: “Estamos trancados no paiol de pólvora/ Paralisados no paiol de pólvora/ Olhos vedados no paiol de pólvora/ Dentes cerrados no paiol de pólvora”.

A música foi cotada para ser o tema de abertura, mas o governo militar não gostou da ideia de os provocativos versos invadirem as casas dos brasileiros durante noves meses e proibiu sua execução. “A letra tinha a ver com a história do local, mas também era uma metáfora do Brasil de 1971”, diz Toquinho.

Os arranjos do disco foram feitos pelo maestro Chiquinho de Moraes, com exceção de Paiol de Pólvora, confiada ao tropicalista Rogério Duprat. “A canção exigia um arranjo mais ousado, e Duprat reunia em seu trabalho erudição, ousadia e inventividade. Ele acrescentou, com características da música concreta, alguns sons que não são musicais e que se ajustaram ao tema”, diz Toquinho.

A música escolhida da abertura foi, então, o samba O Bem Amado, gravado pelo grupo MPB4. “A melodia já estava pronta e Vinicius não fazia a letra. Não tive dúvida, resolvi fazer a letra e tentar explicar posteriormente ao Vinicius. Com o disco pronto, ouvimos as canções, comentando cada uma. Quando chegou a hora do tema, pensei: ‘O que será que Vinicius vai achar?’ Ele ouviu e comentou: ‘Que música boa que fizemos!’. Ele morreu achando que tinha feito essa letra”. /D.C.

Vamos deixar de lado os entretantos e partir para os finalmentes: os 178 capítulos da novela O Bem-Amado, exibidos em 1973, estão disponíveis desde segunda-feira, 15, na Globoplay. Quase meio século depois, o folhetim de Dias Gomes segue no imaginário do brasileiro. “Até hoje, quando entro em um táxi, o motorista diz: olha o padre de O Bem-Amado! É quase 100% de chance de acontecer”, conta Rogério Fróes, 86 anos, intérprete do Vigário. Ele é um dos primeiros a aparecer na novela.

Paulo Gracindo em 'O Bem Amado' Foto: ACERVO TV GLOBO

Com Emiliano Queiroz, 85, acontece o mesmo. Sempre alguém o chama pelo nome de seu personagem, o Dirceu Borboleta. “Tem histórias muito curiosas. Quando filmei Casa de Areia (2005), estava voltando das filmagens e o carro atolou. Um caminhoneiro parou e gritou ‘Oh Dirceu Borboleta, o que você está fazendo aqui?’. Ele nos ajudou e quis tirar uma foto comigo, o que fiz com todo prazer”, conta Queiroz.

A novela, dirigida por Régis Cardoso, é uma adaptação da peça O Bem-Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte, escrita por Dias Gomes em 1962. A história gira em torno de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), um político populista e corrupto, prefeito do fictício município de Sucupira, no litoral da Bahia. Elege-se prometendo inaugurar um cemitério em uma cidade em que ninguém morria. 

De fala empolada, Paraguaçu abusava de neologismos – entre os mais famosos estão “recessão necrófila” e “vagabundista”. A perseguição à imprensa, o negacionismo para com a ciência, o uso político da religião e a desqualificação da oposição estavam na pauta do seu governo.

Além de Odorico, a novela criou personagens que entraram para a história da dramaturgia, como Zeca Diabo (Lima Duarte), Zelão das Asas (Milton Gonçalves) e Donana Medradro (Zilka Salaberry). O elenco contava ainda com Ruth de Souza, Lutero Luiz e Jardel Filho. A novela voltou como série, que ficou no ar de 1980 a 1984.

Daniel Filho, 83, foi supervisor da novela à época. Em conversa com o Estadão via Zoom, solta um sonoro palavrão com intenção de surpresa quando se deu conta de que, daqui a pouco tempo, a obra vai completar 50 anos. “É isso mesmo? Está tão viva na minha memória. Ela é tão atual”, diz o diretor.

Daniel lembra que Lima Duarte estava para sair da Globo depois do fracasso como diretor de O Bofe. Ele sugeriu que Gomes o chamasse para o papel de Zeca Diabo, o matador que não matava ninguém. A inspiração de um pistoleiro matuto veio do western Cat Ballou, filme de Elliot Silverstein, de 1965, com Lee Marvin.

Em recente depoimento postado em seu perfil no Instagram, Lima narra a cena em que Zeca chega à cidade contratado por Odorico para matar alguém para que o cemitério fosse inaugurado. “Como nos filmes clássicos. Com cachorros latindo, mulheres gritando e homens correndo”, diz. Para criar uma dualidade na personagem, ele o fez com uma voz fina. “Isso desatou um fio complexo. Ele era vítima de uma estrutura social”.

Dirceu Borboleta, fiel secretário de Odorico, no qual ele descontava toda sua ira, nasceu em cena, conta Emiliano Queiroz. “Em uma cena em que Odorico me acusava, apareceu uma gagueira, minha voz engasgou. Surgiu ali o jeito do Dirceu. Ele é fruto da repressão que sofre de Odorico e da mãe, que havia feito uma promessa para ele continuar virgem a vida toda.”

O Bem-Amado, exibida às 22h, também entrou para a história como a primeira novela em cores da televisão brasileira. “Dizíamos que só faltava o cheiro dos quitutes baianos servidos na trama para completar a felicidade que era acompanhar a história, finalmente em cores como na vida real”, diz Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia, autor de A Hollywood Brasileira e da versão para romance de O Bem-Amado. No entanto, o exagero de cores e a falta de experiência com a nova tecnologia gerou contratempos para a produção. “A profusão cromática que você encontra nos cenários de Sucupira é fruto do êxtase do diretor e da produção em aproveitar todas as cores possíveis para encantar o telespectador’, completa Alencar.

Censura. O texto do comunista Dias Gomes não escapou da vigilância da censura da ditadura militar que proibiu, por exemplo, que Odorico fosse chamado de coronel. “Foi bom eles implicarem com a palavra ‘coronel’. Enquanto eles discutiam isso, a gente passava a boiada, tal qual sugeriu esse ministro (Ricardo Salles, do Meio Ambiente) recentemente. Passamos muitos bois. O público sabia muito bem que estávamos dando porrada no governo. E se identificava com isso”. 

Para Mauro Alencar, O Bem- Amado não deve despertar apenas a atenção dos saudosistas. É programa obrigatório para quem quer entender a formação política brasileira. “O enredo, as tramas muito bem urdidas, a construção das personagens tanto pelo autor quanto pelos atores, a direção...E, claro, os jogos políticos e sociais dos quais emergem a ação das personagens. O que terá mudado desde então?”, questiona.

Lima, em depoimento no Instagram, diz: “Espero que o tempo não tenha sido impiedoso com O Bem-Amado. Que tenham ficado as intenções, a crítica mordaz, quando denunciamos que o Brasil é esse (da novela)”. “O público vai reconhecer os políticos de hoje na novela”, diz Rogério Fróes.

Uma trilha sonora explosiva

A dupla Toquinho e Vinicius de Moraes já havia feito a trilha sonora da novela Minha Filha Gabriela, da TV Tupi, em 1971, quando recebeu o convite da Globo para compor os temas musicais dos habitantes de Sucupira. Entre novas criações como Meu Pai Oxalá, tema de Zelão, e Um Pouco Mais de Consideração, para Dirceu Borboleta, duas canções foram reaproveitadas: Paiol de Pólvora e Cotidiano n.º 2. A primeira foi composta para a inauguração do Teatro Paiol, em Curitiba, construído onde antes funcionava um prédio do Exército que abrigava o arsenal de pólvora da cidade. Os versos diziam: “Estamos trancados no paiol de pólvora/ Paralisados no paiol de pólvora/ Olhos vedados no paiol de pólvora/ Dentes cerrados no paiol de pólvora”.

A música foi cotada para ser o tema de abertura, mas o governo militar não gostou da ideia de os provocativos versos invadirem as casas dos brasileiros durante noves meses e proibiu sua execução. “A letra tinha a ver com a história do local, mas também era uma metáfora do Brasil de 1971”, diz Toquinho.

Os arranjos do disco foram feitos pelo maestro Chiquinho de Moraes, com exceção de Paiol de Pólvora, confiada ao tropicalista Rogério Duprat. “A canção exigia um arranjo mais ousado, e Duprat reunia em seu trabalho erudição, ousadia e inventividade. Ele acrescentou, com características da música concreta, alguns sons que não são musicais e que se ajustaram ao tema”, diz Toquinho.

A música escolhida da abertura foi, então, o samba O Bem Amado, gravado pelo grupo MPB4. “A melodia já estava pronta e Vinicius não fazia a letra. Não tive dúvida, resolvi fazer a letra e tentar explicar posteriormente ao Vinicius. Com o disco pronto, ouvimos as canções, comentando cada uma. Quando chegou a hora do tema, pensei: ‘O que será que Vinicius vai achar?’ Ele ouviu e comentou: ‘Que música boa que fizemos!’. Ele morreu achando que tinha feito essa letra”. /D.C.

Vamos deixar de lado os entretantos e partir para os finalmentes: os 178 capítulos da novela O Bem-Amado, exibidos em 1973, estão disponíveis desde segunda-feira, 15, na Globoplay. Quase meio século depois, o folhetim de Dias Gomes segue no imaginário do brasileiro. “Até hoje, quando entro em um táxi, o motorista diz: olha o padre de O Bem-Amado! É quase 100% de chance de acontecer”, conta Rogério Fróes, 86 anos, intérprete do Vigário. Ele é um dos primeiros a aparecer na novela.

Paulo Gracindo em 'O Bem Amado' Foto: ACERVO TV GLOBO

Com Emiliano Queiroz, 85, acontece o mesmo. Sempre alguém o chama pelo nome de seu personagem, o Dirceu Borboleta. “Tem histórias muito curiosas. Quando filmei Casa de Areia (2005), estava voltando das filmagens e o carro atolou. Um caminhoneiro parou e gritou ‘Oh Dirceu Borboleta, o que você está fazendo aqui?’. Ele nos ajudou e quis tirar uma foto comigo, o que fiz com todo prazer”, conta Queiroz.

A novela, dirigida por Régis Cardoso, é uma adaptação da peça O Bem-Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte, escrita por Dias Gomes em 1962. A história gira em torno de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), um político populista e corrupto, prefeito do fictício município de Sucupira, no litoral da Bahia. Elege-se prometendo inaugurar um cemitério em uma cidade em que ninguém morria. 

De fala empolada, Paraguaçu abusava de neologismos – entre os mais famosos estão “recessão necrófila” e “vagabundista”. A perseguição à imprensa, o negacionismo para com a ciência, o uso político da religião e a desqualificação da oposição estavam na pauta do seu governo.

Além de Odorico, a novela criou personagens que entraram para a história da dramaturgia, como Zeca Diabo (Lima Duarte), Zelão das Asas (Milton Gonçalves) e Donana Medradro (Zilka Salaberry). O elenco contava ainda com Ruth de Souza, Lutero Luiz e Jardel Filho. A novela voltou como série, que ficou no ar de 1980 a 1984.

Daniel Filho, 83, foi supervisor da novela à época. Em conversa com o Estadão via Zoom, solta um sonoro palavrão com intenção de surpresa quando se deu conta de que, daqui a pouco tempo, a obra vai completar 50 anos. “É isso mesmo? Está tão viva na minha memória. Ela é tão atual”, diz o diretor.

Daniel lembra que Lima Duarte estava para sair da Globo depois do fracasso como diretor de O Bofe. Ele sugeriu que Gomes o chamasse para o papel de Zeca Diabo, o matador que não matava ninguém. A inspiração de um pistoleiro matuto veio do western Cat Ballou, filme de Elliot Silverstein, de 1965, com Lee Marvin.

Em recente depoimento postado em seu perfil no Instagram, Lima narra a cena em que Zeca chega à cidade contratado por Odorico para matar alguém para que o cemitério fosse inaugurado. “Como nos filmes clássicos. Com cachorros latindo, mulheres gritando e homens correndo”, diz. Para criar uma dualidade na personagem, ele o fez com uma voz fina. “Isso desatou um fio complexo. Ele era vítima de uma estrutura social”.

Dirceu Borboleta, fiel secretário de Odorico, no qual ele descontava toda sua ira, nasceu em cena, conta Emiliano Queiroz. “Em uma cena em que Odorico me acusava, apareceu uma gagueira, minha voz engasgou. Surgiu ali o jeito do Dirceu. Ele é fruto da repressão que sofre de Odorico e da mãe, que havia feito uma promessa para ele continuar virgem a vida toda.”

O Bem-Amado, exibida às 22h, também entrou para a história como a primeira novela em cores da televisão brasileira. “Dizíamos que só faltava o cheiro dos quitutes baianos servidos na trama para completar a felicidade que era acompanhar a história, finalmente em cores como na vida real”, diz Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia, autor de A Hollywood Brasileira e da versão para romance de O Bem-Amado. No entanto, o exagero de cores e a falta de experiência com a nova tecnologia gerou contratempos para a produção. “A profusão cromática que você encontra nos cenários de Sucupira é fruto do êxtase do diretor e da produção em aproveitar todas as cores possíveis para encantar o telespectador’, completa Alencar.

Censura. O texto do comunista Dias Gomes não escapou da vigilância da censura da ditadura militar que proibiu, por exemplo, que Odorico fosse chamado de coronel. “Foi bom eles implicarem com a palavra ‘coronel’. Enquanto eles discutiam isso, a gente passava a boiada, tal qual sugeriu esse ministro (Ricardo Salles, do Meio Ambiente) recentemente. Passamos muitos bois. O público sabia muito bem que estávamos dando porrada no governo. E se identificava com isso”. 

Para Mauro Alencar, O Bem- Amado não deve despertar apenas a atenção dos saudosistas. É programa obrigatório para quem quer entender a formação política brasileira. “O enredo, as tramas muito bem urdidas, a construção das personagens tanto pelo autor quanto pelos atores, a direção...E, claro, os jogos políticos e sociais dos quais emergem a ação das personagens. O que terá mudado desde então?”, questiona.

Lima, em depoimento no Instagram, diz: “Espero que o tempo não tenha sido impiedoso com O Bem-Amado. Que tenham ficado as intenções, a crítica mordaz, quando denunciamos que o Brasil é esse (da novela)”. “O público vai reconhecer os políticos de hoje na novela”, diz Rogério Fróes.

Uma trilha sonora explosiva

A dupla Toquinho e Vinicius de Moraes já havia feito a trilha sonora da novela Minha Filha Gabriela, da TV Tupi, em 1971, quando recebeu o convite da Globo para compor os temas musicais dos habitantes de Sucupira. Entre novas criações como Meu Pai Oxalá, tema de Zelão, e Um Pouco Mais de Consideração, para Dirceu Borboleta, duas canções foram reaproveitadas: Paiol de Pólvora e Cotidiano n.º 2. A primeira foi composta para a inauguração do Teatro Paiol, em Curitiba, construído onde antes funcionava um prédio do Exército que abrigava o arsenal de pólvora da cidade. Os versos diziam: “Estamos trancados no paiol de pólvora/ Paralisados no paiol de pólvora/ Olhos vedados no paiol de pólvora/ Dentes cerrados no paiol de pólvora”.

A música foi cotada para ser o tema de abertura, mas o governo militar não gostou da ideia de os provocativos versos invadirem as casas dos brasileiros durante noves meses e proibiu sua execução. “A letra tinha a ver com a história do local, mas também era uma metáfora do Brasil de 1971”, diz Toquinho.

Os arranjos do disco foram feitos pelo maestro Chiquinho de Moraes, com exceção de Paiol de Pólvora, confiada ao tropicalista Rogério Duprat. “A canção exigia um arranjo mais ousado, e Duprat reunia em seu trabalho erudição, ousadia e inventividade. Ele acrescentou, com características da música concreta, alguns sons que não são musicais e que se ajustaram ao tema”, diz Toquinho.

A música escolhida da abertura foi, então, o samba O Bem Amado, gravado pelo grupo MPB4. “A melodia já estava pronta e Vinicius não fazia a letra. Não tive dúvida, resolvi fazer a letra e tentar explicar posteriormente ao Vinicius. Com o disco pronto, ouvimos as canções, comentando cada uma. Quando chegou a hora do tema, pensei: ‘O que será que Vinicius vai achar?’ Ele ouviu e comentou: ‘Que música boa que fizemos!’. Ele morreu achando que tinha feito essa letra”. /D.C.

Vamos deixar de lado os entretantos e partir para os finalmentes: os 178 capítulos da novela O Bem-Amado, exibidos em 1973, estão disponíveis desde segunda-feira, 15, na Globoplay. Quase meio século depois, o folhetim de Dias Gomes segue no imaginário do brasileiro. “Até hoje, quando entro em um táxi, o motorista diz: olha o padre de O Bem-Amado! É quase 100% de chance de acontecer”, conta Rogério Fróes, 86 anos, intérprete do Vigário. Ele é um dos primeiros a aparecer na novela.

Paulo Gracindo em 'O Bem Amado' Foto: ACERVO TV GLOBO

Com Emiliano Queiroz, 85, acontece o mesmo. Sempre alguém o chama pelo nome de seu personagem, o Dirceu Borboleta. “Tem histórias muito curiosas. Quando filmei Casa de Areia (2005), estava voltando das filmagens e o carro atolou. Um caminhoneiro parou e gritou ‘Oh Dirceu Borboleta, o que você está fazendo aqui?’. Ele nos ajudou e quis tirar uma foto comigo, o que fiz com todo prazer”, conta Queiroz.

A novela, dirigida por Régis Cardoso, é uma adaptação da peça O Bem-Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte, escrita por Dias Gomes em 1962. A história gira em torno de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), um político populista e corrupto, prefeito do fictício município de Sucupira, no litoral da Bahia. Elege-se prometendo inaugurar um cemitério em uma cidade em que ninguém morria. 

De fala empolada, Paraguaçu abusava de neologismos – entre os mais famosos estão “recessão necrófila” e “vagabundista”. A perseguição à imprensa, o negacionismo para com a ciência, o uso político da religião e a desqualificação da oposição estavam na pauta do seu governo.

Além de Odorico, a novela criou personagens que entraram para a história da dramaturgia, como Zeca Diabo (Lima Duarte), Zelão das Asas (Milton Gonçalves) e Donana Medradro (Zilka Salaberry). O elenco contava ainda com Ruth de Souza, Lutero Luiz e Jardel Filho. A novela voltou como série, que ficou no ar de 1980 a 1984.

Daniel Filho, 83, foi supervisor da novela à época. Em conversa com o Estadão via Zoom, solta um sonoro palavrão com intenção de surpresa quando se deu conta de que, daqui a pouco tempo, a obra vai completar 50 anos. “É isso mesmo? Está tão viva na minha memória. Ela é tão atual”, diz o diretor.

Daniel lembra que Lima Duarte estava para sair da Globo depois do fracasso como diretor de O Bofe. Ele sugeriu que Gomes o chamasse para o papel de Zeca Diabo, o matador que não matava ninguém. A inspiração de um pistoleiro matuto veio do western Cat Ballou, filme de Elliot Silverstein, de 1965, com Lee Marvin.

Em recente depoimento postado em seu perfil no Instagram, Lima narra a cena em que Zeca chega à cidade contratado por Odorico para matar alguém para que o cemitério fosse inaugurado. “Como nos filmes clássicos. Com cachorros latindo, mulheres gritando e homens correndo”, diz. Para criar uma dualidade na personagem, ele o fez com uma voz fina. “Isso desatou um fio complexo. Ele era vítima de uma estrutura social”.

Dirceu Borboleta, fiel secretário de Odorico, no qual ele descontava toda sua ira, nasceu em cena, conta Emiliano Queiroz. “Em uma cena em que Odorico me acusava, apareceu uma gagueira, minha voz engasgou. Surgiu ali o jeito do Dirceu. Ele é fruto da repressão que sofre de Odorico e da mãe, que havia feito uma promessa para ele continuar virgem a vida toda.”

O Bem-Amado, exibida às 22h, também entrou para a história como a primeira novela em cores da televisão brasileira. “Dizíamos que só faltava o cheiro dos quitutes baianos servidos na trama para completar a felicidade que era acompanhar a história, finalmente em cores como na vida real”, diz Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia, autor de A Hollywood Brasileira e da versão para romance de O Bem-Amado. No entanto, o exagero de cores e a falta de experiência com a nova tecnologia gerou contratempos para a produção. “A profusão cromática que você encontra nos cenários de Sucupira é fruto do êxtase do diretor e da produção em aproveitar todas as cores possíveis para encantar o telespectador’, completa Alencar.

Censura. O texto do comunista Dias Gomes não escapou da vigilância da censura da ditadura militar que proibiu, por exemplo, que Odorico fosse chamado de coronel. “Foi bom eles implicarem com a palavra ‘coronel’. Enquanto eles discutiam isso, a gente passava a boiada, tal qual sugeriu esse ministro (Ricardo Salles, do Meio Ambiente) recentemente. Passamos muitos bois. O público sabia muito bem que estávamos dando porrada no governo. E se identificava com isso”. 

Para Mauro Alencar, O Bem- Amado não deve despertar apenas a atenção dos saudosistas. É programa obrigatório para quem quer entender a formação política brasileira. “O enredo, as tramas muito bem urdidas, a construção das personagens tanto pelo autor quanto pelos atores, a direção...E, claro, os jogos políticos e sociais dos quais emergem a ação das personagens. O que terá mudado desde então?”, questiona.

Lima, em depoimento no Instagram, diz: “Espero que o tempo não tenha sido impiedoso com O Bem-Amado. Que tenham ficado as intenções, a crítica mordaz, quando denunciamos que o Brasil é esse (da novela)”. “O público vai reconhecer os políticos de hoje na novela”, diz Rogério Fróes.

Uma trilha sonora explosiva

A dupla Toquinho e Vinicius de Moraes já havia feito a trilha sonora da novela Minha Filha Gabriela, da TV Tupi, em 1971, quando recebeu o convite da Globo para compor os temas musicais dos habitantes de Sucupira. Entre novas criações como Meu Pai Oxalá, tema de Zelão, e Um Pouco Mais de Consideração, para Dirceu Borboleta, duas canções foram reaproveitadas: Paiol de Pólvora e Cotidiano n.º 2. A primeira foi composta para a inauguração do Teatro Paiol, em Curitiba, construído onde antes funcionava um prédio do Exército que abrigava o arsenal de pólvora da cidade. Os versos diziam: “Estamos trancados no paiol de pólvora/ Paralisados no paiol de pólvora/ Olhos vedados no paiol de pólvora/ Dentes cerrados no paiol de pólvora”.

A música foi cotada para ser o tema de abertura, mas o governo militar não gostou da ideia de os provocativos versos invadirem as casas dos brasileiros durante noves meses e proibiu sua execução. “A letra tinha a ver com a história do local, mas também era uma metáfora do Brasil de 1971”, diz Toquinho.

Os arranjos do disco foram feitos pelo maestro Chiquinho de Moraes, com exceção de Paiol de Pólvora, confiada ao tropicalista Rogério Duprat. “A canção exigia um arranjo mais ousado, e Duprat reunia em seu trabalho erudição, ousadia e inventividade. Ele acrescentou, com características da música concreta, alguns sons que não são musicais e que se ajustaram ao tema”, diz Toquinho.

A música escolhida da abertura foi, então, o samba O Bem Amado, gravado pelo grupo MPB4. “A melodia já estava pronta e Vinicius não fazia a letra. Não tive dúvida, resolvi fazer a letra e tentar explicar posteriormente ao Vinicius. Com o disco pronto, ouvimos as canções, comentando cada uma. Quando chegou a hora do tema, pensei: ‘O que será que Vinicius vai achar?’ Ele ouviu e comentou: ‘Que música boa que fizemos!’. Ele morreu achando que tinha feito essa letra”. /D.C.

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