Ronnie Von chega aos 80 anos e reflete: ‘Estou longe de me sentir um velhinho’


O apresentador, que está prestes a estrear um novo programa noturno na Rede TV, fala sobre como gosta de levar a vida, diz que sofreu preconceito por vir de família abastada e revela ‘pavor’ de drogas após experiência ao lado de Rita Lee

Por Danilo Casaletti
Atualização:
Foto: Leo Martins/Estadao
Entrevista comRonnie VonApresentador

Durante o papo de mais de duas horas que Ronnie Von teve com a reportagem do Estadão em sua ampla casa no bairro do Morumbi, em São Paulo, três pessoas foram onipresentes entre os mais diversos temas: o pai de Ronnie, o diplomata José Maria Nogueira, morto em 2015, o da cantora Rita Lee (1947-2023) e de sua mulher, Maria Cristina Rangel, a Kika, com quem ele está casado há quase 40 anos.

Prestes a contemplar 80 anos nesta quarta-feira, 17, o apresentador e (ex) cantor recorre a eles para apresentar um ensinamento, um conselho ou para justificar escolhas que fez ao longo da vida, sempre dividida com o público, nos palcos ou na televisão. Com o pai, aprendeu que a mente nunca envelhece. Com Rita, a quem ele chama de Ritinha, conheceu a amizade verdadeira e tomou pavor de drogas. Com Kika, que o incentivou voltar para a TV quando a música deixou de lhe dar prazer, o niteroiense de nascença, carioca de criação e paulistano por opção quer passar os resto de seus dias, de preferência em alguma cidade do interior.

Ronnie se diz um cara de paz. “Tenho 58 anos de carreira e nunca fiz uma inimizade. Eu não polemizo. No meu programa você nunca vai ver isso’, afirma ele, que em breve via estrear um programa semanal noturno na Rede TV depois de deixar a faixa diurna da emissora. “Precisava de uma autocensura muito grande pela manhã”, aponta.

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Na entrevista, Ronnie se mostra sem pudor, com coerentemente diz preferir. “Fui chamado de filhinho de papai, calcinha de veludo, viadinho...”, diz, para justificar o que chama de “preconceito às avessas” no início de carreira, por vir de uma família abastada do mercado de capitais. “Não gosto de política. Acho uma idiotice”, afirma em outro momento, a opção por se manter fora de debates sobre o tema.

“Estão fazendo música?”, questiona, ao ser perguntado se tem ouvido algo ultimamente. “Se eu tivesse continuado com a Tropicália, que eu adorava, talvez eu pudesse realizar um sonho mais comercial”, diz, sobre o movimento de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Rogério Duprat que ele viu nascer em seu programa O Pequeno Mundo de Ronnie Von, que apresentou na TV Record em 1966 e que o alçou a ídolo popular com a música Meu Bem, versão de Girl, dos Beatles.

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Chegar aos 80 anos gera em você algum tipo de reflexão?

Tive uma crise existencial aos 28 anos. A minha geração tinha os 30 como algo forte. Aos 40, tive outra, não tão pesada. “Meu Deus, sou um quarentão!”. E aos 60. Parou aí. Na verdade, tive um reencontro comigo depois dos 50 anos. A pior luta do homem é contra ele mesmo. Agora, não sinto nada. Meu pai, com 87, 88 anos, mesmo tendo dois jardineiros permanentes em casa, resolveu podar uma primavera. Subiu em uma escada, caiu e se arrebentou todo. No caminho do hospital, eu dando lição de moral nele, ele me disse: “Meu filho, quero que você aprenda uma frase que vai te servir como um mantra: a mente humana nunca vai passar dos 25 anos”. Na festa que fiz de 80 anos para ele, pensei: “meu pai, 80 anos, ficou velhinho”. Como assim? Estou fazendo 80 anos e longe de me sentir um velhinho.

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Como você leva a vida?

Tenho uma vida simples. Não gosto de sair de casa. Fico muito na minha biblioteca. Tenho minha quadra de tênis, que não jogo mais. Uma adega bastante alentada. Meu laguinho com peixes. Meu galinheiro. Sempre sonhando em me mudar para o interior, por isso fiz essa casa com característica de sítio. É muito mais agradável você me atropelar com um caminhão betoneira do que me convidar para um casamento. Meu Deus! Ou um convite para qualquer evento. Detesto sair. Não gosto de festa. Tenho uma vida quieta. Vivo em função da minha mulher, da minha família. Não tenho atitude comportamental de um artista, o que é algo que me desagrada muito. Não tenho muitos amigos artistas, sobretudo mais novos. Alguns já nascem com a síndrome de Deus. Alguns, têm outra, que é a de professor de Deus. Querem tudo, não fazem isso, não fazem aquilo. Eu não tenho esse tipo de comportamento. Minha atividade profissional é um ofício de amor. Eu não me drogo. Então, meu ópio é a comunicação. Sou um operário dela.

Ronnie Von na biblioteca de sua casa no bairro do Morumbi, em São Paulo Foto: Leo Martins/Estadão
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Nunca se drogou? Você viveu em um tempo, sobretudo na música, de uso quase natural de drogas.

Nunca. E sempre me respeitaram. Os músicos, a minha banda. Se eu te disser que nunca vi maconha, pó... Criei esse medo na minha cabeça. Em 1966, eu estava começando a minha carreira e fui convidado para ir à casa de um amigo psicólogo. Era a época das experiências lisérgicas. Fui com uma super, hiper, plus amiga que virou minha irmã, a Ritinha (Rita Lee). Aliás, como ela era linda!

Vocês namoraram?

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Não! Tenho um áudio que a Ritinha me mandou dizendo: “Ronnie, quando você me conheceu disse que eu era a menina mais linda que você já tinha visto na vida. Eu te achava um gato. Por que nunca nos pegamos?”. Essa era a minha amiga! Doidinha!

Conte sobre a experiência lisérgica...

Então, neste dia, a cobaia, também um psicólogo, que virou muito meu amigo, começou a gritar que estava saindo sangue da parede. De repente, ele disse que estavam saindo morcegos da parede. Para mim, isso foi chocante! Meses depois, saímos juntos e ele teve o tal do flashback. Ele estava no meu carro e começou a ver morcegos. Abriu a porta e se jogou. Se arrebentou todo. Um amigo do Rio de Janeiro se jogou do décimo andar dizendo que era o Superman. Tenho medo! Nunca quis saber. Sou sommelier de vinho e fiz curso de bartender. O drink é uma droga. O álcool é uma droga. Mas foi onde eu conseguir chegar. Daí, não passei.

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Voltando a falar sobre fama, você virou um astro logo de cara, nos anos 1960. Como foi na sua cabeça?

Pensei muitas vezes em parar. Sofri uma carga de preconceito às avessas. Era impossível para uma pessoa que vinha de uma família de recursos - e eu nunca escondi isso - ser artista. Para ser reconhecido, você tinha que ter uma história sofrida. Fui chamado de filhinho de papai, calcinha de veludo, viadinho... Certa vez, ouvi no rádio: “Essa calcinha de veludo está tirando o lugar de alguém que precisa”. Como assim? Eu precisava mais do que qualquer um. Eu conheci o outro lado, o do recurso e, de repente, estava comendo sanduíche de mortadela na Boca do Lixo em São Paulo. [Cantar] Era um sonho que eu perseguia e ninguém entendia. Fora a turma de outros artistas consagrados que me perseguia brutalmente. A assessoria do Roberto [Carlos]... Foi algo muito complicado. No auge do programa Jovem Guarda, o Paulinho Machado de Carvalho [na época, dono da TV Record] me contratou para evitar que eu fosse para a TV Excelsior. Meu deu um programa aos sábados no mesmo horário da Jovem Guarda, que era aos domingos. Durante mais de 50 anos todo mundo me chama de “O príncipe da Jovem Guarda”. Eu nunca fui da Jovem Guarda. Mas, não adianta. O Brasil é um País rotulador.

Meus amigos de faculdade me viraram a cara. Rock? Música de cabeludo? Disseram que eu estava traindo a causa

Ronnie Von

A fama fascinou você?

Não. Até a página dois, quer dizer. Eu esperei por esse dia. Você sabe o que é sua família fazer uma reunião para questionar onde foi que errou? Disseram que eu ia jogar o nome deles na lama. Uma coisa que eu ouvi e me persegue até hoje: “Será que criamos uma cobra para nos picar?”. A família do meu pai vivia no século 19. Minha tia-avó por parte de pai, que fez a reunião, estava com tudo penhorado em bancos, mas se sentia a Rainha de Sabá. O negócio de mercado de capitais da minha família era de muitos anos. Meu avô e os irmãos eram médicos. Meu pai, diplomata. Eles estavam me preparando para ser o sucessor na empresa. Eu estava saindo da Força Aérea e me pediram para fazer economia. E eu tenho que confessar: detesto economia. Economia e política. Gosto de literatura, música, natureza. Gosto de gente. Qualquer solução está ligada a isso que não aprendemos nem com os cupins, nem com as formigas e nem com as abelhas: somos animais gregários. Temos que viver um em função do outro. Meus amigos de faculdade me viraram a cara. Rock? Música de cabeludo? Disseram que eu estava traindo a causa. A causa? A esquerda escocesa que só tomava uísque 12 anos ou a que só bebia champagne Dom Pérignon nas coberturas de Ipanema. Uma preocupação de “intelectualóide’. Fiquei sem amigos, pois não fazia musica engajada, e sem a família.

Ronnie Von em foto de 1969 Foto: Acervo/Estadão

É por isso que você evita, como me disse antes da entrevista, entrar no debate político atual?

Sim. Isso me incomoda. Acordem! Esta dicotomia é milenar. Porque eu sou de cima, de baixo, de direta ou de esquerda. Isso acompanha a história humana porque está ligada a algo indissociável ao homem: o poder. É um desencanto. Prefiro ler um livro de ficção científica a pensar em política. É uma idiotice.

Você e Roberto Carlos resolveram essa rivalidade?

Sim. Pelas mulheres. A Aretuza [primeira mulher de Ronnie, mãe de seus dois primeiros filhos] era muito amiga da Nice [primeira mulher de Roberto]. Elas que resolveram tudo. Nós homens não crescemos. O que aumenta é o preço dos nossos brinquedos.

Você, Roberto, Erasmo, Wanderléa e outros ídolos daquela época tiveram que amadurecer aos olhos do público e por meio da música. Você, por exemplo, depois de A Praça e Meu Bem foi fazer discos psicodélicos. Foi uma maneira de concretizar esse processo?

Eu adoro arte pictórica. Adoro o surrealismo. Quer me deixar feliz? Me leva ao Masp e me deixa o dia inteiro na frente de uma tela do Hieronymus Bosch. Ou de Salvador Dalí. Ou René Magritte. Eu queria fazer uma tela de Dalí ou Magritte em música. Era impossível. Mas eu consegui. Foi uma realização pessoal. E paguei muito caro. Era subterrâneo demais. Saí de A Praça, que teve 1, 7 milhão de cópias vendidas, para um disco que fiz com meus amiguinhos dos Mutantes que vendeu 40 mil. Um fracasso total para a época. Como o meu programa não tinha cast, eu levava Os Mutantes, Gal Costa, Caetano, Gil, Rogério Duprat. A Tropicália nasce ali. Se eu tivesse continuado com a Tropicália, que eu adorava, talvez eu pudesse realizar um sonho mais comercial. Mas meu empresário dizia que era para eu cair fora. Eu caí. E caíram fora comigo também.

Você gravou discos regularmente até os anos 1990. Depois, parou. O que houve?

Antigamente havia os divulgadores das gravadoras, que nos levavam para a TV e para o rádio. Hoje, você fica em casa, manda o dinheiro e a música toca. Qualquer coisa que você vir de um sucesso inesperado no rádio, pode ter certeza, foi pago. Por isso, me afastei da música. Quando começou esse negócio de jabá, acabou para mim. Imagina um Picasso pagando para você ter um desenho dele na sua casa. Eu estava me indispondo com esse mercado. Além disso, as viagens me incomodavam profundamente [Ronnie narra uma epopeia que incluiu um roteiro por Santo Antonio de Pádua, no Rio de Janeiro, São Paulo, Paris, Palma de Mallorca e Uberabra]. Atualmente, só gravo para caridade.

Onde ficou aquele sonho juvenil de ser um astro da música?

Ele foi realizado. Fiz o que devia ter feito. Decidi trabalhar para a ajudar outras pessoas e não para me ajudar. Depois que parei com a música, minha mulher, a Kika, me sugeriu voltar à televisão. Me sinto confortável nela.

Os gostos podem ser múltiplos, mas você não pode apoiar a música, a arte, em dois pilares. E o pior: eles não desabam nunca.

Ronnie Von

Algo da música brasileira interessa a você atualmente?

Estão fazendo música? O que ocorre hoje é haver uma sedimentação em alguns segmentos comerciais: o funk e o que chama de sertanejo. E o resto? E o antigo rock, não se faz mais? E a MPB com textos maravilhosos? Você não pode criar nichos comerciais em detrimento da arte. Os gostos podem ser múltiplos, mas você não pode apoiar a música, a arte, em dois pilares. E o pior: eles não desabam nunca. A edificação é firme. Claro, porque dá dinheiro. A primeira geração a ganhar dinheiro com a música foi a minha. Mas nós dávamos espaço a todo mundo. Havia até briga da MPB contra guitarra elétrica.

Você não entrou nessas brigas, não é?

Não. Eu sou de paz. Tenho 58 anos de carreira e nunca fiz uma inimizade. Eu não polemizo. No meu programa você nunca vai ver isso.

Ronnie, aos 80 anos, diz que prefere ficar longe de polêmicas Foto: Leo Martins/ Estadão

As emissoras nunca te pediram para você colocar polêmicas em seus programas?

Pedem. E eu não ponho. Antes de assinar o contrato eu já aviso: não polemizo, não entro em política. Meu programa é para falar de humanidades.

Você estava fazendo um programa diário matutino passará para um semanal noturno. Por que essa mudança?

Além de não ter que acordar às 5 horas da manhã? O meu público não é o da manhã. Eu saí da TV Gazeta [onde tinha programa diário noturno] e meu público era meio a meio [entre homens e mulheres]. Passei a fazer o matutino na Rede TV e o público feminino saltou para 82%. E tem coisas do meu gosto pessoal que eu gosto de dividir. Eu não podia, por exemplo, fazer um brinde com vinho pela manhã. É contra a lei. Fazer o drink da semana. De manhã eu tinha que ter uma autocensura muito grande.

Você é contratado da Rede TV ou tem algum outro tipo de acordo comercial com a emissora?

Sou contratado. Eu nem devia falar isso, mas vou falar. Se eu tivesse que pagar para ter um programa de televisão, se eu tivesse que pagar para uma gravadora me contratar, eu não me olharia no espelho. A arte não pode ser mercantilizada.

A música, na verdade, me deu tudo o que tenho materialmente e emocionalmente. A televisão, nem tanto

Ronnie Von

O que te deu mais prazer na vida artística nesses anos todos? A TV ou a música?

Gosto mais de falar do que cantar. Porém, o meu começo na música meu deu muita alegria. São coisas diferentes. Bom, meu começo, na música, também era um programa de televisão. Era garoto, gostava de estrada. O primeiro dinheiro que ganhei nada vida, em vez de comprar uma casa, comprei um avião. Eu era aviador. Morava em um apartamentinho humilde, mas tinha uma avião! Isso me foi dado pela música. A música, na verdade, me deu tudo o que tenho materialmente e emocionalmente. A televisão, nem tanto. “Ronnie, não está na hora de você parar?” Não sei. Talvez. Mas eu ainda não tenho vontade.

Durante o papo de mais de duas horas que Ronnie Von teve com a reportagem do Estadão em sua ampla casa no bairro do Morumbi, em São Paulo, três pessoas foram onipresentes entre os mais diversos temas: o pai de Ronnie, o diplomata José Maria Nogueira, morto em 2015, o da cantora Rita Lee (1947-2023) e de sua mulher, Maria Cristina Rangel, a Kika, com quem ele está casado há quase 40 anos.

Prestes a contemplar 80 anos nesta quarta-feira, 17, o apresentador e (ex) cantor recorre a eles para apresentar um ensinamento, um conselho ou para justificar escolhas que fez ao longo da vida, sempre dividida com o público, nos palcos ou na televisão. Com o pai, aprendeu que a mente nunca envelhece. Com Rita, a quem ele chama de Ritinha, conheceu a amizade verdadeira e tomou pavor de drogas. Com Kika, que o incentivou voltar para a TV quando a música deixou de lhe dar prazer, o niteroiense de nascença, carioca de criação e paulistano por opção quer passar os resto de seus dias, de preferência em alguma cidade do interior.

Ronnie se diz um cara de paz. “Tenho 58 anos de carreira e nunca fiz uma inimizade. Eu não polemizo. No meu programa você nunca vai ver isso’, afirma ele, que em breve via estrear um programa semanal noturno na Rede TV depois de deixar a faixa diurna da emissora. “Precisava de uma autocensura muito grande pela manhã”, aponta.

Na entrevista, Ronnie se mostra sem pudor, com coerentemente diz preferir. “Fui chamado de filhinho de papai, calcinha de veludo, viadinho...”, diz, para justificar o que chama de “preconceito às avessas” no início de carreira, por vir de uma família abastada do mercado de capitais. “Não gosto de política. Acho uma idiotice”, afirma em outro momento, a opção por se manter fora de debates sobre o tema.

“Estão fazendo música?”, questiona, ao ser perguntado se tem ouvido algo ultimamente. “Se eu tivesse continuado com a Tropicália, que eu adorava, talvez eu pudesse realizar um sonho mais comercial”, diz, sobre o movimento de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Rogério Duprat que ele viu nascer em seu programa O Pequeno Mundo de Ronnie Von, que apresentou na TV Record em 1966 e que o alçou a ídolo popular com a música Meu Bem, versão de Girl, dos Beatles.

Chegar aos 80 anos gera em você algum tipo de reflexão?

Tive uma crise existencial aos 28 anos. A minha geração tinha os 30 como algo forte. Aos 40, tive outra, não tão pesada. “Meu Deus, sou um quarentão!”. E aos 60. Parou aí. Na verdade, tive um reencontro comigo depois dos 50 anos. A pior luta do homem é contra ele mesmo. Agora, não sinto nada. Meu pai, com 87, 88 anos, mesmo tendo dois jardineiros permanentes em casa, resolveu podar uma primavera. Subiu em uma escada, caiu e se arrebentou todo. No caminho do hospital, eu dando lição de moral nele, ele me disse: “Meu filho, quero que você aprenda uma frase que vai te servir como um mantra: a mente humana nunca vai passar dos 25 anos”. Na festa que fiz de 80 anos para ele, pensei: “meu pai, 80 anos, ficou velhinho”. Como assim? Estou fazendo 80 anos e longe de me sentir um velhinho.

Como você leva a vida?

Tenho uma vida simples. Não gosto de sair de casa. Fico muito na minha biblioteca. Tenho minha quadra de tênis, que não jogo mais. Uma adega bastante alentada. Meu laguinho com peixes. Meu galinheiro. Sempre sonhando em me mudar para o interior, por isso fiz essa casa com característica de sítio. É muito mais agradável você me atropelar com um caminhão betoneira do que me convidar para um casamento. Meu Deus! Ou um convite para qualquer evento. Detesto sair. Não gosto de festa. Tenho uma vida quieta. Vivo em função da minha mulher, da minha família. Não tenho atitude comportamental de um artista, o que é algo que me desagrada muito. Não tenho muitos amigos artistas, sobretudo mais novos. Alguns já nascem com a síndrome de Deus. Alguns, têm outra, que é a de professor de Deus. Querem tudo, não fazem isso, não fazem aquilo. Eu não tenho esse tipo de comportamento. Minha atividade profissional é um ofício de amor. Eu não me drogo. Então, meu ópio é a comunicação. Sou um operário dela.

Ronnie Von na biblioteca de sua casa no bairro do Morumbi, em São Paulo Foto: Leo Martins/Estadão

Nunca se drogou? Você viveu em um tempo, sobretudo na música, de uso quase natural de drogas.

Nunca. E sempre me respeitaram. Os músicos, a minha banda. Se eu te disser que nunca vi maconha, pó... Criei esse medo na minha cabeça. Em 1966, eu estava começando a minha carreira e fui convidado para ir à casa de um amigo psicólogo. Era a época das experiências lisérgicas. Fui com uma super, hiper, plus amiga que virou minha irmã, a Ritinha (Rita Lee). Aliás, como ela era linda!

Vocês namoraram?

Não! Tenho um áudio que a Ritinha me mandou dizendo: “Ronnie, quando você me conheceu disse que eu era a menina mais linda que você já tinha visto na vida. Eu te achava um gato. Por que nunca nos pegamos?”. Essa era a minha amiga! Doidinha!

Conte sobre a experiência lisérgica...

Então, neste dia, a cobaia, também um psicólogo, que virou muito meu amigo, começou a gritar que estava saindo sangue da parede. De repente, ele disse que estavam saindo morcegos da parede. Para mim, isso foi chocante! Meses depois, saímos juntos e ele teve o tal do flashback. Ele estava no meu carro e começou a ver morcegos. Abriu a porta e se jogou. Se arrebentou todo. Um amigo do Rio de Janeiro se jogou do décimo andar dizendo que era o Superman. Tenho medo! Nunca quis saber. Sou sommelier de vinho e fiz curso de bartender. O drink é uma droga. O álcool é uma droga. Mas foi onde eu conseguir chegar. Daí, não passei.

Voltando a falar sobre fama, você virou um astro logo de cara, nos anos 1960. Como foi na sua cabeça?

Pensei muitas vezes em parar. Sofri uma carga de preconceito às avessas. Era impossível para uma pessoa que vinha de uma família de recursos - e eu nunca escondi isso - ser artista. Para ser reconhecido, você tinha que ter uma história sofrida. Fui chamado de filhinho de papai, calcinha de veludo, viadinho... Certa vez, ouvi no rádio: “Essa calcinha de veludo está tirando o lugar de alguém que precisa”. Como assim? Eu precisava mais do que qualquer um. Eu conheci o outro lado, o do recurso e, de repente, estava comendo sanduíche de mortadela na Boca do Lixo em São Paulo. [Cantar] Era um sonho que eu perseguia e ninguém entendia. Fora a turma de outros artistas consagrados que me perseguia brutalmente. A assessoria do Roberto [Carlos]... Foi algo muito complicado. No auge do programa Jovem Guarda, o Paulinho Machado de Carvalho [na época, dono da TV Record] me contratou para evitar que eu fosse para a TV Excelsior. Meu deu um programa aos sábados no mesmo horário da Jovem Guarda, que era aos domingos. Durante mais de 50 anos todo mundo me chama de “O príncipe da Jovem Guarda”. Eu nunca fui da Jovem Guarda. Mas, não adianta. O Brasil é um País rotulador.

Meus amigos de faculdade me viraram a cara. Rock? Música de cabeludo? Disseram que eu estava traindo a causa

Ronnie Von

A fama fascinou você?

Não. Até a página dois, quer dizer. Eu esperei por esse dia. Você sabe o que é sua família fazer uma reunião para questionar onde foi que errou? Disseram que eu ia jogar o nome deles na lama. Uma coisa que eu ouvi e me persegue até hoje: “Será que criamos uma cobra para nos picar?”. A família do meu pai vivia no século 19. Minha tia-avó por parte de pai, que fez a reunião, estava com tudo penhorado em bancos, mas se sentia a Rainha de Sabá. O negócio de mercado de capitais da minha família era de muitos anos. Meu avô e os irmãos eram médicos. Meu pai, diplomata. Eles estavam me preparando para ser o sucessor na empresa. Eu estava saindo da Força Aérea e me pediram para fazer economia. E eu tenho que confessar: detesto economia. Economia e política. Gosto de literatura, música, natureza. Gosto de gente. Qualquer solução está ligada a isso que não aprendemos nem com os cupins, nem com as formigas e nem com as abelhas: somos animais gregários. Temos que viver um em função do outro. Meus amigos de faculdade me viraram a cara. Rock? Música de cabeludo? Disseram que eu estava traindo a causa. A causa? A esquerda escocesa que só tomava uísque 12 anos ou a que só bebia champagne Dom Pérignon nas coberturas de Ipanema. Uma preocupação de “intelectualóide’. Fiquei sem amigos, pois não fazia musica engajada, e sem a família.

Ronnie Von em foto de 1969 Foto: Acervo/Estadão

É por isso que você evita, como me disse antes da entrevista, entrar no debate político atual?

Sim. Isso me incomoda. Acordem! Esta dicotomia é milenar. Porque eu sou de cima, de baixo, de direta ou de esquerda. Isso acompanha a história humana porque está ligada a algo indissociável ao homem: o poder. É um desencanto. Prefiro ler um livro de ficção científica a pensar em política. É uma idiotice.

Você e Roberto Carlos resolveram essa rivalidade?

Sim. Pelas mulheres. A Aretuza [primeira mulher de Ronnie, mãe de seus dois primeiros filhos] era muito amiga da Nice [primeira mulher de Roberto]. Elas que resolveram tudo. Nós homens não crescemos. O que aumenta é o preço dos nossos brinquedos.

Você, Roberto, Erasmo, Wanderléa e outros ídolos daquela época tiveram que amadurecer aos olhos do público e por meio da música. Você, por exemplo, depois de A Praça e Meu Bem foi fazer discos psicodélicos. Foi uma maneira de concretizar esse processo?

Eu adoro arte pictórica. Adoro o surrealismo. Quer me deixar feliz? Me leva ao Masp e me deixa o dia inteiro na frente de uma tela do Hieronymus Bosch. Ou de Salvador Dalí. Ou René Magritte. Eu queria fazer uma tela de Dalí ou Magritte em música. Era impossível. Mas eu consegui. Foi uma realização pessoal. E paguei muito caro. Era subterrâneo demais. Saí de A Praça, que teve 1, 7 milhão de cópias vendidas, para um disco que fiz com meus amiguinhos dos Mutantes que vendeu 40 mil. Um fracasso total para a época. Como o meu programa não tinha cast, eu levava Os Mutantes, Gal Costa, Caetano, Gil, Rogério Duprat. A Tropicália nasce ali. Se eu tivesse continuado com a Tropicália, que eu adorava, talvez eu pudesse realizar um sonho mais comercial. Mas meu empresário dizia que era para eu cair fora. Eu caí. E caíram fora comigo também.

Você gravou discos regularmente até os anos 1990. Depois, parou. O que houve?

Antigamente havia os divulgadores das gravadoras, que nos levavam para a TV e para o rádio. Hoje, você fica em casa, manda o dinheiro e a música toca. Qualquer coisa que você vir de um sucesso inesperado no rádio, pode ter certeza, foi pago. Por isso, me afastei da música. Quando começou esse negócio de jabá, acabou para mim. Imagina um Picasso pagando para você ter um desenho dele na sua casa. Eu estava me indispondo com esse mercado. Além disso, as viagens me incomodavam profundamente [Ronnie narra uma epopeia que incluiu um roteiro por Santo Antonio de Pádua, no Rio de Janeiro, São Paulo, Paris, Palma de Mallorca e Uberabra]. Atualmente, só gravo para caridade.

Onde ficou aquele sonho juvenil de ser um astro da música?

Ele foi realizado. Fiz o que devia ter feito. Decidi trabalhar para a ajudar outras pessoas e não para me ajudar. Depois que parei com a música, minha mulher, a Kika, me sugeriu voltar à televisão. Me sinto confortável nela.

Os gostos podem ser múltiplos, mas você não pode apoiar a música, a arte, em dois pilares. E o pior: eles não desabam nunca.

Ronnie Von

Algo da música brasileira interessa a você atualmente?

Estão fazendo música? O que ocorre hoje é haver uma sedimentação em alguns segmentos comerciais: o funk e o que chama de sertanejo. E o resto? E o antigo rock, não se faz mais? E a MPB com textos maravilhosos? Você não pode criar nichos comerciais em detrimento da arte. Os gostos podem ser múltiplos, mas você não pode apoiar a música, a arte, em dois pilares. E o pior: eles não desabam nunca. A edificação é firme. Claro, porque dá dinheiro. A primeira geração a ganhar dinheiro com a música foi a minha. Mas nós dávamos espaço a todo mundo. Havia até briga da MPB contra guitarra elétrica.

Você não entrou nessas brigas, não é?

Não. Eu sou de paz. Tenho 58 anos de carreira e nunca fiz uma inimizade. Eu não polemizo. No meu programa você nunca vai ver isso.

Ronnie, aos 80 anos, diz que prefere ficar longe de polêmicas Foto: Leo Martins/ Estadão

As emissoras nunca te pediram para você colocar polêmicas em seus programas?

Pedem. E eu não ponho. Antes de assinar o contrato eu já aviso: não polemizo, não entro em política. Meu programa é para falar de humanidades.

Você estava fazendo um programa diário matutino passará para um semanal noturno. Por que essa mudança?

Além de não ter que acordar às 5 horas da manhã? O meu público não é o da manhã. Eu saí da TV Gazeta [onde tinha programa diário noturno] e meu público era meio a meio [entre homens e mulheres]. Passei a fazer o matutino na Rede TV e o público feminino saltou para 82%. E tem coisas do meu gosto pessoal que eu gosto de dividir. Eu não podia, por exemplo, fazer um brinde com vinho pela manhã. É contra a lei. Fazer o drink da semana. De manhã eu tinha que ter uma autocensura muito grande.

Você é contratado da Rede TV ou tem algum outro tipo de acordo comercial com a emissora?

Sou contratado. Eu nem devia falar isso, mas vou falar. Se eu tivesse que pagar para ter um programa de televisão, se eu tivesse que pagar para uma gravadora me contratar, eu não me olharia no espelho. A arte não pode ser mercantilizada.

A música, na verdade, me deu tudo o que tenho materialmente e emocionalmente. A televisão, nem tanto

Ronnie Von

O que te deu mais prazer na vida artística nesses anos todos? A TV ou a música?

Gosto mais de falar do que cantar. Porém, o meu começo na música meu deu muita alegria. São coisas diferentes. Bom, meu começo, na música, também era um programa de televisão. Era garoto, gostava de estrada. O primeiro dinheiro que ganhei nada vida, em vez de comprar uma casa, comprei um avião. Eu era aviador. Morava em um apartamentinho humilde, mas tinha uma avião! Isso me foi dado pela música. A música, na verdade, me deu tudo o que tenho materialmente e emocionalmente. A televisão, nem tanto. “Ronnie, não está na hora de você parar?” Não sei. Talvez. Mas eu ainda não tenho vontade.

Durante o papo de mais de duas horas que Ronnie Von teve com a reportagem do Estadão em sua ampla casa no bairro do Morumbi, em São Paulo, três pessoas foram onipresentes entre os mais diversos temas: o pai de Ronnie, o diplomata José Maria Nogueira, morto em 2015, o da cantora Rita Lee (1947-2023) e de sua mulher, Maria Cristina Rangel, a Kika, com quem ele está casado há quase 40 anos.

Prestes a contemplar 80 anos nesta quarta-feira, 17, o apresentador e (ex) cantor recorre a eles para apresentar um ensinamento, um conselho ou para justificar escolhas que fez ao longo da vida, sempre dividida com o público, nos palcos ou na televisão. Com o pai, aprendeu que a mente nunca envelhece. Com Rita, a quem ele chama de Ritinha, conheceu a amizade verdadeira e tomou pavor de drogas. Com Kika, que o incentivou voltar para a TV quando a música deixou de lhe dar prazer, o niteroiense de nascença, carioca de criação e paulistano por opção quer passar os resto de seus dias, de preferência em alguma cidade do interior.

Ronnie se diz um cara de paz. “Tenho 58 anos de carreira e nunca fiz uma inimizade. Eu não polemizo. No meu programa você nunca vai ver isso’, afirma ele, que em breve via estrear um programa semanal noturno na Rede TV depois de deixar a faixa diurna da emissora. “Precisava de uma autocensura muito grande pela manhã”, aponta.

Na entrevista, Ronnie se mostra sem pudor, com coerentemente diz preferir. “Fui chamado de filhinho de papai, calcinha de veludo, viadinho...”, diz, para justificar o que chama de “preconceito às avessas” no início de carreira, por vir de uma família abastada do mercado de capitais. “Não gosto de política. Acho uma idiotice”, afirma em outro momento, a opção por se manter fora de debates sobre o tema.

“Estão fazendo música?”, questiona, ao ser perguntado se tem ouvido algo ultimamente. “Se eu tivesse continuado com a Tropicália, que eu adorava, talvez eu pudesse realizar um sonho mais comercial”, diz, sobre o movimento de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Rogério Duprat que ele viu nascer em seu programa O Pequeno Mundo de Ronnie Von, que apresentou na TV Record em 1966 e que o alçou a ídolo popular com a música Meu Bem, versão de Girl, dos Beatles.

Chegar aos 80 anos gera em você algum tipo de reflexão?

Tive uma crise existencial aos 28 anos. A minha geração tinha os 30 como algo forte. Aos 40, tive outra, não tão pesada. “Meu Deus, sou um quarentão!”. E aos 60. Parou aí. Na verdade, tive um reencontro comigo depois dos 50 anos. A pior luta do homem é contra ele mesmo. Agora, não sinto nada. Meu pai, com 87, 88 anos, mesmo tendo dois jardineiros permanentes em casa, resolveu podar uma primavera. Subiu em uma escada, caiu e se arrebentou todo. No caminho do hospital, eu dando lição de moral nele, ele me disse: “Meu filho, quero que você aprenda uma frase que vai te servir como um mantra: a mente humana nunca vai passar dos 25 anos”. Na festa que fiz de 80 anos para ele, pensei: “meu pai, 80 anos, ficou velhinho”. Como assim? Estou fazendo 80 anos e longe de me sentir um velhinho.

Como você leva a vida?

Tenho uma vida simples. Não gosto de sair de casa. Fico muito na minha biblioteca. Tenho minha quadra de tênis, que não jogo mais. Uma adega bastante alentada. Meu laguinho com peixes. Meu galinheiro. Sempre sonhando em me mudar para o interior, por isso fiz essa casa com característica de sítio. É muito mais agradável você me atropelar com um caminhão betoneira do que me convidar para um casamento. Meu Deus! Ou um convite para qualquer evento. Detesto sair. Não gosto de festa. Tenho uma vida quieta. Vivo em função da minha mulher, da minha família. Não tenho atitude comportamental de um artista, o que é algo que me desagrada muito. Não tenho muitos amigos artistas, sobretudo mais novos. Alguns já nascem com a síndrome de Deus. Alguns, têm outra, que é a de professor de Deus. Querem tudo, não fazem isso, não fazem aquilo. Eu não tenho esse tipo de comportamento. Minha atividade profissional é um ofício de amor. Eu não me drogo. Então, meu ópio é a comunicação. Sou um operário dela.

Ronnie Von na biblioteca de sua casa no bairro do Morumbi, em São Paulo Foto: Leo Martins/Estadão

Nunca se drogou? Você viveu em um tempo, sobretudo na música, de uso quase natural de drogas.

Nunca. E sempre me respeitaram. Os músicos, a minha banda. Se eu te disser que nunca vi maconha, pó... Criei esse medo na minha cabeça. Em 1966, eu estava começando a minha carreira e fui convidado para ir à casa de um amigo psicólogo. Era a época das experiências lisérgicas. Fui com uma super, hiper, plus amiga que virou minha irmã, a Ritinha (Rita Lee). Aliás, como ela era linda!

Vocês namoraram?

Não! Tenho um áudio que a Ritinha me mandou dizendo: “Ronnie, quando você me conheceu disse que eu era a menina mais linda que você já tinha visto na vida. Eu te achava um gato. Por que nunca nos pegamos?”. Essa era a minha amiga! Doidinha!

Conte sobre a experiência lisérgica...

Então, neste dia, a cobaia, também um psicólogo, que virou muito meu amigo, começou a gritar que estava saindo sangue da parede. De repente, ele disse que estavam saindo morcegos da parede. Para mim, isso foi chocante! Meses depois, saímos juntos e ele teve o tal do flashback. Ele estava no meu carro e começou a ver morcegos. Abriu a porta e se jogou. Se arrebentou todo. Um amigo do Rio de Janeiro se jogou do décimo andar dizendo que era o Superman. Tenho medo! Nunca quis saber. Sou sommelier de vinho e fiz curso de bartender. O drink é uma droga. O álcool é uma droga. Mas foi onde eu conseguir chegar. Daí, não passei.

Voltando a falar sobre fama, você virou um astro logo de cara, nos anos 1960. Como foi na sua cabeça?

Pensei muitas vezes em parar. Sofri uma carga de preconceito às avessas. Era impossível para uma pessoa que vinha de uma família de recursos - e eu nunca escondi isso - ser artista. Para ser reconhecido, você tinha que ter uma história sofrida. Fui chamado de filhinho de papai, calcinha de veludo, viadinho... Certa vez, ouvi no rádio: “Essa calcinha de veludo está tirando o lugar de alguém que precisa”. Como assim? Eu precisava mais do que qualquer um. Eu conheci o outro lado, o do recurso e, de repente, estava comendo sanduíche de mortadela na Boca do Lixo em São Paulo. [Cantar] Era um sonho que eu perseguia e ninguém entendia. Fora a turma de outros artistas consagrados que me perseguia brutalmente. A assessoria do Roberto [Carlos]... Foi algo muito complicado. No auge do programa Jovem Guarda, o Paulinho Machado de Carvalho [na época, dono da TV Record] me contratou para evitar que eu fosse para a TV Excelsior. Meu deu um programa aos sábados no mesmo horário da Jovem Guarda, que era aos domingos. Durante mais de 50 anos todo mundo me chama de “O príncipe da Jovem Guarda”. Eu nunca fui da Jovem Guarda. Mas, não adianta. O Brasil é um País rotulador.

Meus amigos de faculdade me viraram a cara. Rock? Música de cabeludo? Disseram que eu estava traindo a causa

Ronnie Von

A fama fascinou você?

Não. Até a página dois, quer dizer. Eu esperei por esse dia. Você sabe o que é sua família fazer uma reunião para questionar onde foi que errou? Disseram que eu ia jogar o nome deles na lama. Uma coisa que eu ouvi e me persegue até hoje: “Será que criamos uma cobra para nos picar?”. A família do meu pai vivia no século 19. Minha tia-avó por parte de pai, que fez a reunião, estava com tudo penhorado em bancos, mas se sentia a Rainha de Sabá. O negócio de mercado de capitais da minha família era de muitos anos. Meu avô e os irmãos eram médicos. Meu pai, diplomata. Eles estavam me preparando para ser o sucessor na empresa. Eu estava saindo da Força Aérea e me pediram para fazer economia. E eu tenho que confessar: detesto economia. Economia e política. Gosto de literatura, música, natureza. Gosto de gente. Qualquer solução está ligada a isso que não aprendemos nem com os cupins, nem com as formigas e nem com as abelhas: somos animais gregários. Temos que viver um em função do outro. Meus amigos de faculdade me viraram a cara. Rock? Música de cabeludo? Disseram que eu estava traindo a causa. A causa? A esquerda escocesa que só tomava uísque 12 anos ou a que só bebia champagne Dom Pérignon nas coberturas de Ipanema. Uma preocupação de “intelectualóide’. Fiquei sem amigos, pois não fazia musica engajada, e sem a família.

Ronnie Von em foto de 1969 Foto: Acervo/Estadão

É por isso que você evita, como me disse antes da entrevista, entrar no debate político atual?

Sim. Isso me incomoda. Acordem! Esta dicotomia é milenar. Porque eu sou de cima, de baixo, de direta ou de esquerda. Isso acompanha a história humana porque está ligada a algo indissociável ao homem: o poder. É um desencanto. Prefiro ler um livro de ficção científica a pensar em política. É uma idiotice.

Você e Roberto Carlos resolveram essa rivalidade?

Sim. Pelas mulheres. A Aretuza [primeira mulher de Ronnie, mãe de seus dois primeiros filhos] era muito amiga da Nice [primeira mulher de Roberto]. Elas que resolveram tudo. Nós homens não crescemos. O que aumenta é o preço dos nossos brinquedos.

Você, Roberto, Erasmo, Wanderléa e outros ídolos daquela época tiveram que amadurecer aos olhos do público e por meio da música. Você, por exemplo, depois de A Praça e Meu Bem foi fazer discos psicodélicos. Foi uma maneira de concretizar esse processo?

Eu adoro arte pictórica. Adoro o surrealismo. Quer me deixar feliz? Me leva ao Masp e me deixa o dia inteiro na frente de uma tela do Hieronymus Bosch. Ou de Salvador Dalí. Ou René Magritte. Eu queria fazer uma tela de Dalí ou Magritte em música. Era impossível. Mas eu consegui. Foi uma realização pessoal. E paguei muito caro. Era subterrâneo demais. Saí de A Praça, que teve 1, 7 milhão de cópias vendidas, para um disco que fiz com meus amiguinhos dos Mutantes que vendeu 40 mil. Um fracasso total para a época. Como o meu programa não tinha cast, eu levava Os Mutantes, Gal Costa, Caetano, Gil, Rogério Duprat. A Tropicália nasce ali. Se eu tivesse continuado com a Tropicália, que eu adorava, talvez eu pudesse realizar um sonho mais comercial. Mas meu empresário dizia que era para eu cair fora. Eu caí. E caíram fora comigo também.

Você gravou discos regularmente até os anos 1990. Depois, parou. O que houve?

Antigamente havia os divulgadores das gravadoras, que nos levavam para a TV e para o rádio. Hoje, você fica em casa, manda o dinheiro e a música toca. Qualquer coisa que você vir de um sucesso inesperado no rádio, pode ter certeza, foi pago. Por isso, me afastei da música. Quando começou esse negócio de jabá, acabou para mim. Imagina um Picasso pagando para você ter um desenho dele na sua casa. Eu estava me indispondo com esse mercado. Além disso, as viagens me incomodavam profundamente [Ronnie narra uma epopeia que incluiu um roteiro por Santo Antonio de Pádua, no Rio de Janeiro, São Paulo, Paris, Palma de Mallorca e Uberabra]. Atualmente, só gravo para caridade.

Onde ficou aquele sonho juvenil de ser um astro da música?

Ele foi realizado. Fiz o que devia ter feito. Decidi trabalhar para a ajudar outras pessoas e não para me ajudar. Depois que parei com a música, minha mulher, a Kika, me sugeriu voltar à televisão. Me sinto confortável nela.

Os gostos podem ser múltiplos, mas você não pode apoiar a música, a arte, em dois pilares. E o pior: eles não desabam nunca.

Ronnie Von

Algo da música brasileira interessa a você atualmente?

Estão fazendo música? O que ocorre hoje é haver uma sedimentação em alguns segmentos comerciais: o funk e o que chama de sertanejo. E o resto? E o antigo rock, não se faz mais? E a MPB com textos maravilhosos? Você não pode criar nichos comerciais em detrimento da arte. Os gostos podem ser múltiplos, mas você não pode apoiar a música, a arte, em dois pilares. E o pior: eles não desabam nunca. A edificação é firme. Claro, porque dá dinheiro. A primeira geração a ganhar dinheiro com a música foi a minha. Mas nós dávamos espaço a todo mundo. Havia até briga da MPB contra guitarra elétrica.

Você não entrou nessas brigas, não é?

Não. Eu sou de paz. Tenho 58 anos de carreira e nunca fiz uma inimizade. Eu não polemizo. No meu programa você nunca vai ver isso.

Ronnie, aos 80 anos, diz que prefere ficar longe de polêmicas Foto: Leo Martins/ Estadão

As emissoras nunca te pediram para você colocar polêmicas em seus programas?

Pedem. E eu não ponho. Antes de assinar o contrato eu já aviso: não polemizo, não entro em política. Meu programa é para falar de humanidades.

Você estava fazendo um programa diário matutino passará para um semanal noturno. Por que essa mudança?

Além de não ter que acordar às 5 horas da manhã? O meu público não é o da manhã. Eu saí da TV Gazeta [onde tinha programa diário noturno] e meu público era meio a meio [entre homens e mulheres]. Passei a fazer o matutino na Rede TV e o público feminino saltou para 82%. E tem coisas do meu gosto pessoal que eu gosto de dividir. Eu não podia, por exemplo, fazer um brinde com vinho pela manhã. É contra a lei. Fazer o drink da semana. De manhã eu tinha que ter uma autocensura muito grande.

Você é contratado da Rede TV ou tem algum outro tipo de acordo comercial com a emissora?

Sou contratado. Eu nem devia falar isso, mas vou falar. Se eu tivesse que pagar para ter um programa de televisão, se eu tivesse que pagar para uma gravadora me contratar, eu não me olharia no espelho. A arte não pode ser mercantilizada.

A música, na verdade, me deu tudo o que tenho materialmente e emocionalmente. A televisão, nem tanto

Ronnie Von

O que te deu mais prazer na vida artística nesses anos todos? A TV ou a música?

Gosto mais de falar do que cantar. Porém, o meu começo na música meu deu muita alegria. São coisas diferentes. Bom, meu começo, na música, também era um programa de televisão. Era garoto, gostava de estrada. O primeiro dinheiro que ganhei nada vida, em vez de comprar uma casa, comprei um avião. Eu era aviador. Morava em um apartamentinho humilde, mas tinha uma avião! Isso me foi dado pela música. A música, na verdade, me deu tudo o que tenho materialmente e emocionalmente. A televisão, nem tanto. “Ronnie, não está na hora de você parar?” Não sei. Talvez. Mas eu ainda não tenho vontade.

Durante o papo de mais de duas horas que Ronnie Von teve com a reportagem do Estadão em sua ampla casa no bairro do Morumbi, em São Paulo, três pessoas foram onipresentes entre os mais diversos temas: o pai de Ronnie, o diplomata José Maria Nogueira, morto em 2015, o da cantora Rita Lee (1947-2023) e de sua mulher, Maria Cristina Rangel, a Kika, com quem ele está casado há quase 40 anos.

Prestes a contemplar 80 anos nesta quarta-feira, 17, o apresentador e (ex) cantor recorre a eles para apresentar um ensinamento, um conselho ou para justificar escolhas que fez ao longo da vida, sempre dividida com o público, nos palcos ou na televisão. Com o pai, aprendeu que a mente nunca envelhece. Com Rita, a quem ele chama de Ritinha, conheceu a amizade verdadeira e tomou pavor de drogas. Com Kika, que o incentivou voltar para a TV quando a música deixou de lhe dar prazer, o niteroiense de nascença, carioca de criação e paulistano por opção quer passar os resto de seus dias, de preferência em alguma cidade do interior.

Ronnie se diz um cara de paz. “Tenho 58 anos de carreira e nunca fiz uma inimizade. Eu não polemizo. No meu programa você nunca vai ver isso’, afirma ele, que em breve via estrear um programa semanal noturno na Rede TV depois de deixar a faixa diurna da emissora. “Precisava de uma autocensura muito grande pela manhã”, aponta.

Na entrevista, Ronnie se mostra sem pudor, com coerentemente diz preferir. “Fui chamado de filhinho de papai, calcinha de veludo, viadinho...”, diz, para justificar o que chama de “preconceito às avessas” no início de carreira, por vir de uma família abastada do mercado de capitais. “Não gosto de política. Acho uma idiotice”, afirma em outro momento, a opção por se manter fora de debates sobre o tema.

“Estão fazendo música?”, questiona, ao ser perguntado se tem ouvido algo ultimamente. “Se eu tivesse continuado com a Tropicália, que eu adorava, talvez eu pudesse realizar um sonho mais comercial”, diz, sobre o movimento de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Rogério Duprat que ele viu nascer em seu programa O Pequeno Mundo de Ronnie Von, que apresentou na TV Record em 1966 e que o alçou a ídolo popular com a música Meu Bem, versão de Girl, dos Beatles.

Chegar aos 80 anos gera em você algum tipo de reflexão?

Tive uma crise existencial aos 28 anos. A minha geração tinha os 30 como algo forte. Aos 40, tive outra, não tão pesada. “Meu Deus, sou um quarentão!”. E aos 60. Parou aí. Na verdade, tive um reencontro comigo depois dos 50 anos. A pior luta do homem é contra ele mesmo. Agora, não sinto nada. Meu pai, com 87, 88 anos, mesmo tendo dois jardineiros permanentes em casa, resolveu podar uma primavera. Subiu em uma escada, caiu e se arrebentou todo. No caminho do hospital, eu dando lição de moral nele, ele me disse: “Meu filho, quero que você aprenda uma frase que vai te servir como um mantra: a mente humana nunca vai passar dos 25 anos”. Na festa que fiz de 80 anos para ele, pensei: “meu pai, 80 anos, ficou velhinho”. Como assim? Estou fazendo 80 anos e longe de me sentir um velhinho.

Como você leva a vida?

Tenho uma vida simples. Não gosto de sair de casa. Fico muito na minha biblioteca. Tenho minha quadra de tênis, que não jogo mais. Uma adega bastante alentada. Meu laguinho com peixes. Meu galinheiro. Sempre sonhando em me mudar para o interior, por isso fiz essa casa com característica de sítio. É muito mais agradável você me atropelar com um caminhão betoneira do que me convidar para um casamento. Meu Deus! Ou um convite para qualquer evento. Detesto sair. Não gosto de festa. Tenho uma vida quieta. Vivo em função da minha mulher, da minha família. Não tenho atitude comportamental de um artista, o que é algo que me desagrada muito. Não tenho muitos amigos artistas, sobretudo mais novos. Alguns já nascem com a síndrome de Deus. Alguns, têm outra, que é a de professor de Deus. Querem tudo, não fazem isso, não fazem aquilo. Eu não tenho esse tipo de comportamento. Minha atividade profissional é um ofício de amor. Eu não me drogo. Então, meu ópio é a comunicação. Sou um operário dela.

Ronnie Von na biblioteca de sua casa no bairro do Morumbi, em São Paulo Foto: Leo Martins/Estadão

Nunca se drogou? Você viveu em um tempo, sobretudo na música, de uso quase natural de drogas.

Nunca. E sempre me respeitaram. Os músicos, a minha banda. Se eu te disser que nunca vi maconha, pó... Criei esse medo na minha cabeça. Em 1966, eu estava começando a minha carreira e fui convidado para ir à casa de um amigo psicólogo. Era a época das experiências lisérgicas. Fui com uma super, hiper, plus amiga que virou minha irmã, a Ritinha (Rita Lee). Aliás, como ela era linda!

Vocês namoraram?

Não! Tenho um áudio que a Ritinha me mandou dizendo: “Ronnie, quando você me conheceu disse que eu era a menina mais linda que você já tinha visto na vida. Eu te achava um gato. Por que nunca nos pegamos?”. Essa era a minha amiga! Doidinha!

Conte sobre a experiência lisérgica...

Então, neste dia, a cobaia, também um psicólogo, que virou muito meu amigo, começou a gritar que estava saindo sangue da parede. De repente, ele disse que estavam saindo morcegos da parede. Para mim, isso foi chocante! Meses depois, saímos juntos e ele teve o tal do flashback. Ele estava no meu carro e começou a ver morcegos. Abriu a porta e se jogou. Se arrebentou todo. Um amigo do Rio de Janeiro se jogou do décimo andar dizendo que era o Superman. Tenho medo! Nunca quis saber. Sou sommelier de vinho e fiz curso de bartender. O drink é uma droga. O álcool é uma droga. Mas foi onde eu conseguir chegar. Daí, não passei.

Voltando a falar sobre fama, você virou um astro logo de cara, nos anos 1960. Como foi na sua cabeça?

Pensei muitas vezes em parar. Sofri uma carga de preconceito às avessas. Era impossível para uma pessoa que vinha de uma família de recursos - e eu nunca escondi isso - ser artista. Para ser reconhecido, você tinha que ter uma história sofrida. Fui chamado de filhinho de papai, calcinha de veludo, viadinho... Certa vez, ouvi no rádio: “Essa calcinha de veludo está tirando o lugar de alguém que precisa”. Como assim? Eu precisava mais do que qualquer um. Eu conheci o outro lado, o do recurso e, de repente, estava comendo sanduíche de mortadela na Boca do Lixo em São Paulo. [Cantar] Era um sonho que eu perseguia e ninguém entendia. Fora a turma de outros artistas consagrados que me perseguia brutalmente. A assessoria do Roberto [Carlos]... Foi algo muito complicado. No auge do programa Jovem Guarda, o Paulinho Machado de Carvalho [na época, dono da TV Record] me contratou para evitar que eu fosse para a TV Excelsior. Meu deu um programa aos sábados no mesmo horário da Jovem Guarda, que era aos domingos. Durante mais de 50 anos todo mundo me chama de “O príncipe da Jovem Guarda”. Eu nunca fui da Jovem Guarda. Mas, não adianta. O Brasil é um País rotulador.

Meus amigos de faculdade me viraram a cara. Rock? Música de cabeludo? Disseram que eu estava traindo a causa

Ronnie Von

A fama fascinou você?

Não. Até a página dois, quer dizer. Eu esperei por esse dia. Você sabe o que é sua família fazer uma reunião para questionar onde foi que errou? Disseram que eu ia jogar o nome deles na lama. Uma coisa que eu ouvi e me persegue até hoje: “Será que criamos uma cobra para nos picar?”. A família do meu pai vivia no século 19. Minha tia-avó por parte de pai, que fez a reunião, estava com tudo penhorado em bancos, mas se sentia a Rainha de Sabá. O negócio de mercado de capitais da minha família era de muitos anos. Meu avô e os irmãos eram médicos. Meu pai, diplomata. Eles estavam me preparando para ser o sucessor na empresa. Eu estava saindo da Força Aérea e me pediram para fazer economia. E eu tenho que confessar: detesto economia. Economia e política. Gosto de literatura, música, natureza. Gosto de gente. Qualquer solução está ligada a isso que não aprendemos nem com os cupins, nem com as formigas e nem com as abelhas: somos animais gregários. Temos que viver um em função do outro. Meus amigos de faculdade me viraram a cara. Rock? Música de cabeludo? Disseram que eu estava traindo a causa. A causa? A esquerda escocesa que só tomava uísque 12 anos ou a que só bebia champagne Dom Pérignon nas coberturas de Ipanema. Uma preocupação de “intelectualóide’. Fiquei sem amigos, pois não fazia musica engajada, e sem a família.

Ronnie Von em foto de 1969 Foto: Acervo/Estadão

É por isso que você evita, como me disse antes da entrevista, entrar no debate político atual?

Sim. Isso me incomoda. Acordem! Esta dicotomia é milenar. Porque eu sou de cima, de baixo, de direta ou de esquerda. Isso acompanha a história humana porque está ligada a algo indissociável ao homem: o poder. É um desencanto. Prefiro ler um livro de ficção científica a pensar em política. É uma idiotice.

Você e Roberto Carlos resolveram essa rivalidade?

Sim. Pelas mulheres. A Aretuza [primeira mulher de Ronnie, mãe de seus dois primeiros filhos] era muito amiga da Nice [primeira mulher de Roberto]. Elas que resolveram tudo. Nós homens não crescemos. O que aumenta é o preço dos nossos brinquedos.

Você, Roberto, Erasmo, Wanderléa e outros ídolos daquela época tiveram que amadurecer aos olhos do público e por meio da música. Você, por exemplo, depois de A Praça e Meu Bem foi fazer discos psicodélicos. Foi uma maneira de concretizar esse processo?

Eu adoro arte pictórica. Adoro o surrealismo. Quer me deixar feliz? Me leva ao Masp e me deixa o dia inteiro na frente de uma tela do Hieronymus Bosch. Ou de Salvador Dalí. Ou René Magritte. Eu queria fazer uma tela de Dalí ou Magritte em música. Era impossível. Mas eu consegui. Foi uma realização pessoal. E paguei muito caro. Era subterrâneo demais. Saí de A Praça, que teve 1, 7 milhão de cópias vendidas, para um disco que fiz com meus amiguinhos dos Mutantes que vendeu 40 mil. Um fracasso total para a época. Como o meu programa não tinha cast, eu levava Os Mutantes, Gal Costa, Caetano, Gil, Rogério Duprat. A Tropicália nasce ali. Se eu tivesse continuado com a Tropicália, que eu adorava, talvez eu pudesse realizar um sonho mais comercial. Mas meu empresário dizia que era para eu cair fora. Eu caí. E caíram fora comigo também.

Você gravou discos regularmente até os anos 1990. Depois, parou. O que houve?

Antigamente havia os divulgadores das gravadoras, que nos levavam para a TV e para o rádio. Hoje, você fica em casa, manda o dinheiro e a música toca. Qualquer coisa que você vir de um sucesso inesperado no rádio, pode ter certeza, foi pago. Por isso, me afastei da música. Quando começou esse negócio de jabá, acabou para mim. Imagina um Picasso pagando para você ter um desenho dele na sua casa. Eu estava me indispondo com esse mercado. Além disso, as viagens me incomodavam profundamente [Ronnie narra uma epopeia que incluiu um roteiro por Santo Antonio de Pádua, no Rio de Janeiro, São Paulo, Paris, Palma de Mallorca e Uberabra]. Atualmente, só gravo para caridade.

Onde ficou aquele sonho juvenil de ser um astro da música?

Ele foi realizado. Fiz o que devia ter feito. Decidi trabalhar para a ajudar outras pessoas e não para me ajudar. Depois que parei com a música, minha mulher, a Kika, me sugeriu voltar à televisão. Me sinto confortável nela.

Os gostos podem ser múltiplos, mas você não pode apoiar a música, a arte, em dois pilares. E o pior: eles não desabam nunca.

Ronnie Von

Algo da música brasileira interessa a você atualmente?

Estão fazendo música? O que ocorre hoje é haver uma sedimentação em alguns segmentos comerciais: o funk e o que chama de sertanejo. E o resto? E o antigo rock, não se faz mais? E a MPB com textos maravilhosos? Você não pode criar nichos comerciais em detrimento da arte. Os gostos podem ser múltiplos, mas você não pode apoiar a música, a arte, em dois pilares. E o pior: eles não desabam nunca. A edificação é firme. Claro, porque dá dinheiro. A primeira geração a ganhar dinheiro com a música foi a minha. Mas nós dávamos espaço a todo mundo. Havia até briga da MPB contra guitarra elétrica.

Você não entrou nessas brigas, não é?

Não. Eu sou de paz. Tenho 58 anos de carreira e nunca fiz uma inimizade. Eu não polemizo. No meu programa você nunca vai ver isso.

Ronnie, aos 80 anos, diz que prefere ficar longe de polêmicas Foto: Leo Martins/ Estadão

As emissoras nunca te pediram para você colocar polêmicas em seus programas?

Pedem. E eu não ponho. Antes de assinar o contrato eu já aviso: não polemizo, não entro em política. Meu programa é para falar de humanidades.

Você estava fazendo um programa diário matutino passará para um semanal noturno. Por que essa mudança?

Além de não ter que acordar às 5 horas da manhã? O meu público não é o da manhã. Eu saí da TV Gazeta [onde tinha programa diário noturno] e meu público era meio a meio [entre homens e mulheres]. Passei a fazer o matutino na Rede TV e o público feminino saltou para 82%. E tem coisas do meu gosto pessoal que eu gosto de dividir. Eu não podia, por exemplo, fazer um brinde com vinho pela manhã. É contra a lei. Fazer o drink da semana. De manhã eu tinha que ter uma autocensura muito grande.

Você é contratado da Rede TV ou tem algum outro tipo de acordo comercial com a emissora?

Sou contratado. Eu nem devia falar isso, mas vou falar. Se eu tivesse que pagar para ter um programa de televisão, se eu tivesse que pagar para uma gravadora me contratar, eu não me olharia no espelho. A arte não pode ser mercantilizada.

A música, na verdade, me deu tudo o que tenho materialmente e emocionalmente. A televisão, nem tanto

Ronnie Von

O que te deu mais prazer na vida artística nesses anos todos? A TV ou a música?

Gosto mais de falar do que cantar. Porém, o meu começo na música meu deu muita alegria. São coisas diferentes. Bom, meu começo, na música, também era um programa de televisão. Era garoto, gostava de estrada. O primeiro dinheiro que ganhei nada vida, em vez de comprar uma casa, comprei um avião. Eu era aviador. Morava em um apartamentinho humilde, mas tinha uma avião! Isso me foi dado pela música. A música, na verdade, me deu tudo o que tenho materialmente e emocionalmente. A televisão, nem tanto. “Ronnie, não está na hora de você parar?” Não sei. Talvez. Mas eu ainda não tenho vontade.

Entrevista por Danilo Casaletti

Repórter de Cultura do Estadão

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