Antes de atender a reportagem do Estadão em sua sala na TV Globo, o apresentador Serginho Groisman recebeu a informação de que o músico Branco Mello havia chegado à emissora. “Vocês me dão uns minutinhos? Branco chegou e eu vou ao camarim dar as boas-vindas”, diz.
Cerca de uma hora depois, Groisman está no cenário do Altas Horas para acompanhar o ensaio do coral Ginga e Voz que vai interpretar a canção Enquanto Houver Sol, do repertório dos Titãs, banda que protagonizará o programa especial que vai ao ar neste sábado, 23 de setembro.
Groisman também assistiu à passagem de som dos Titãs - a maioria de seus integrantes é formada por amigos ainda do tempo em que ele comandava o Centro Cultural Equipe, no colégio Equipe, onde, nos anos 1970, promoveu shows de nomes como Clementina de Jesus, Cartola, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Novos Baianos, entre outros.
Ao contrário do estereótipo do diretor mandão - desde o começo deste ano, ele divide a função da direção geral do Altas Horas com Adriano Ricco - Groisman não grita ou usa o posto para fazer pedidos impossíveis de serem atendidos. Observa bastante. Tem quase uma obsessão por acolher e deixar todo mundo à vontade. “Sempre foi assim. E é com todo mundo”, ele diz.
Ao seu lado, na produção, quer quem faça o mesmo. Tem uma equipe enxuta, com profissionais escolhidos por ele. “Prezo pelo astral. Por quem trata todo mundo bem. E isso tem que passar para o outro lado (telespectador)”, explica.
O Altas Horas tem alcançado bons índices de audiência. No último mês de agosto, quando misturou no palco Biafra, Dudu Nobre, Peninha e Regis Danese para um especial de Dia dos Pais, alcançou 16 pontos de audiência, maior índice desde 04 de junho de 2022, quando registrou 17 pontos.
Groisman diz que o programa continua o mesmo. “Dá voz aos jovens, traz música e conversa. O que mudou foi a percepção da Globo em relação a ele”. Desde abril de 2022, a atração é exibida logo após da novela das nove, horário mais nobre do que as madrugadas de sábado - ele chegou a entrar no ar depois das duas da manhã.
Apesar do entendimento de que é o porta-voz do ‘fala, garoto (a)’, Groisman sabe que tem atingido o público mais velho, presente, inclusive, na plateia, cada vez mais diversificada. “O público TV aberta, naturalmente, é mais velho, não é uma exclusividade do Altas Horas. Eu sempre soube, independente do horário, que o jovem está na rua. Mas eu sempre falei para o jovem, como também para a família”, diz.
Nesse sentido, os especiais musicais, anteriormente realizados pontualmente, estão cada vez mais frequentes. Eles cumprem a função de unir gerações em frente à TV. O Altas Horas foi o único programa de TV em que os Titãs aceitaram se apresentar cantando nessa turnê de reencontro da banda.
Groisman, 73 anos, na TV desde os anos 1980 - só de Altas Horas são 23 anos - caminha para se tornar um dos apresentadores de auditório mais longevos da televisão brasileira - e esse é um tipo de profissional difícil de se formar, vide as tentativas recentes das emissoras. Ele suspeita que há um certo mistério nisso. Sabe falar por ele. Sempre deu preferência à formação humanística, em detrimento da artística.
“Nunca projetei ter um programa de auditório. Meu foco era no jornalismo. Trago elementos da academia. Leio muito, amo cinema, gosto de política e de esportes. Isso faz um bom apresentador. Ele precisa saber conversar”, diz.
Dentro disso, equilibra o gosto pessoal e o que o público deseja. “Às vezes, sou o Chacrinha. Em outras, o William Bonner”, diz. Groisman não faz planos. Desmente que o Altas Horas se tornará um programa por temporada. Assiste a todas as edições levadas ao ar e afirma ter a autocrítica como principal aliada. “Enquanto eu achar que há qualidade no que faço e estiver bem saúde, eu continuo”, diz.
Uma intuição gerou o tributo a Rita Lee
Em dezembro de 1970, a gravadora Philips publicou um anúncio de duas páginas com uma foto que reunia seu cast que, aquela altura, tinha nomes como Elis Regina, Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Jorge Ben (Jor), Claudette Soares, entre outros. Na peça, era possível ler: ‘Só nos falta o Roberto (Carlos)...’ - o cantor era contratado da CBS.
Para Groisman, também falta o Roberto. E Chico Buarque. Dois nomes da música que ele sonha em levar para o palco do Altas Horas. “Posso te adiantar que estamos bem perto de trazer um deles”, diz o apresentador, sem revelar qual dos dois. “Chico, talvez, seja um especial sem ele”, revela Groisman, deixando uma pista para seus telespectadores.
Aliás, uma das mais emocionantes edições do programa neste ano foi justamente um tributo. Exibida no dia 15 de abril, a homenagem a Rita Lee foi ao ar cerca de vinte dias antes da morte da cantora, em decorrência de um câncer de pulmão.
O que pouca gente sabe é sobre os bastidores do tributo. Naquela altura, Groisman negociava para que Rita fosse ao programa em outubro deste ano. Era uma data que considerava o restabelecimento da saúde da cantora.
Certo dia, Groisman acordou com uma intuição de que deveria fazer o programa imediatamente. “Cheguei na produção e disse: ‘temos que fazer o tributo para Rita. E logo’”. Uma assessora disse ao apresentador que Rita não poderia participar, dando a entender que a cantora não estava bem. “Perguntei se ela estava em cuidados paliativos”, diz. Groisman estava certo.
No dia da gravação, a produção do programa disponibilizou um link para que a cantora assistisse tudo de casa. Rita, no entanto, não conseguiu acompanhar. Não estava bem.
Na noite de sábado, quando o programa foi ao ar, Rita estava melhor. Conseguiu assistir pelo menos parte da homenagem, que contou com as participações de Tom Zé, Paula Toller, Zezé Motta, Fernanda Abreu, Paulo Ricardo, Luísa Sonza, Céu, Tiago Iorc, além de Beto Lee, filho mais velho de Rita.
Um vídeo gravado por Roberto de Carvalho mostrou a cantora vibrando com a apresentação do filho. É a última imagem conhecida de Rita. “Foi uma das coisas mais fortes que fiz na vida”, diz Groisman.