Análise|‘The Boys’ se assume woke, abraça o viés político e deixa rivais Marvel e DC para trás


Quarta temporada da série do Prime Vídeo, iniciada nesta quinta, 13, transforma-se em um reflexo da sociedade atual mais do que a inspiração nas HQs clássicas - e isso é ótimo e igualmente assustador

Por Pedro Antunes
Atualização:

Seria The Boys uma série woke? O termo relacionado a conscientização social, racional e política, tem sido constantemente associado à produção do Prime Vídeo, principalmente pelo final da terceira temporada, quando é claro uma polarização construída em torno da principal figura da série, o Capitão Pátria, uma espécie de Superman desvirtuado com sérias sequelas por ter sido criado em laboratórios e ambições cada vez mais descaradamente supremacistas.

Interpretado por um deliciosamente assustador Antony Starr, Capitão Pátria é uma versão anabolizada de Donald Trump, em uma analogia cada vez mais clara pelas armas políticas e ideais nacionalistas, com o agravante dos poderes do filho de Krypton (superforça, velocidade, capacidade de voar, raios laser lançados pelos olhos). O uniforme, claro, é azul, com uma capa esvoaçante pendurada nos ombros - falta-lhe, apenas, a cueca por cima das calças.

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Capitão Pátria usa a máquina midiática em torno da própria imagem a seu favor: factoides e fake news, enquanto alimenta um sentimento de nacionalismo exacerbado a partir de uma ideia de terrorismo inexistente, e escala suas ações violentas em exibições cada vez mais sanguinárias. Ao final da terceira temporada, ele assassina um protestante em frente a uma multidão com raios atirados pelos olhos. O público, decidido pelo reinado da proteção de Pátria, aplaude. Adicto pelas ovações e cansado de conviver com as limitações éticas e morais, o personagem assume publicamente a personalidade agressiva e prega a sua própria superioridade. Em dado momento, ele compara os humanos sem poderes a baratas.

Ele não é candidato a eleição alguma, veja bem, sua posição de liderança é tamanha que está acima de quem é candidato a presidência dos Estados Unidos. De qualquer forma, a politicagem é inevitável neste momento da história de The Boys - e há quem torça o nariz para o escancaramento da polarização (tal qual ocorre nos Estados Unidos, no momento, com a nova corrida de Donald Trump à presidência e à imagem desgastada do governo democrata de Joe Binden).

Capitão Pátria, interpretado por Antony Starr, é uma versão anabolizada de Donald Trump com poderes do Superman em The Boys Foto: Prime Video / Divulgação
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A amplitude temática é também o maior trunfo da série no início da quarta temporada, disponível desde a última quinta, 13, com episódios semanais, na plataforma Prime Video. Principalmente porque a trama se aproxima do final (são cinco temporadas previstas) e há um enfraquecimento pesaroso das tramas paralelas, cujo fôlego parece ter sido esgotado mais de uma temporada atrás e, agora, só se transformam em um peso extra carregado pelos roteiristas sem necessidade.

São tantos lampejos de surrealidade (como um episódio da terceira temporada, de nome “Supersuruba”, com cenas de heróis usando seus super-poderes para outras coisas que não salvar inocentes de incêndios, se é que você me entende), e ainda assim, a aproximação com a política e a dicotomia partidária e ideológica tornam a aventura perigosamente real - é basicamente o que o mundo todo tem vivido, a cada nova eleição de países democráticos.

Uma sociedade como a nossa, mas com seres superpoderosos

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Aos recém-chegados, The Boys é uma série baseada nas HQs publicadas por Garth Ennis e Darick Robertson, publicadas entre 2006 e 2012 e se se passa em uma versão de sociedade similar à nossa. Nesta realidade, contudo, existem essas figuras com poderes extra-humanos, como habilidade de correr mais rápido que a luz, superforça, voar, transformar o corpo em elástico, criar fogo, gelo, ou o que quer que seja.

Neste ambiente, os “supes” (um apelido dado na série aos personagens com poderes, sem o “r” do super) são bancados por grandes organizações responsáveis por torná-los uma máquina da fazer dinheiro na indústria cultural - para a a diversão dos estudiosos da Escola de Frankfurt de Adorno e Horkheimer.

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De modo mais simples de entender: é como se os Vingadores ou a Liga da Justiça fossem reais, bancados por uma grande empresa como Marvel e DC Comics.

Mas os atos heroicos, neste caso, são apenas de fachada - estas pessoas com superpoderes são completamente desajustados, verdadeiramente psicopatas, cujos crimes sórdidos são acobertadas pela máquina de dinheiro que os sustenta e sustentada por eles também, com filmes, séries de TV, brinquedos e outros itens de merchandising.

Os heróis de The Boys, portanto, são os anti-heróis, ou mata-heróis, já aqueles de capa são os vilões. Ao longo das temporadas, as tensões entre os lados se agigantou a ponto de, ao final da terceira temporada, as cartas estarem mais expostas sobre a mesa.

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É chegada a hora, enfim, do grande embate de Billy Butcher, vivido por um furioso Karl Urban, um ser humano comum cuja vida foi esfarelada por Capitão Pátria, o nêmesis dele. O desejo de vingança de Butcher contra os superpoderosos o uniu a outros como ele, pessoas cujas vidas fora igualmente (e tragicamente) transformadas por estas figuras que desafiam as leis da física e da biologia humana.

Liderado por Billy Butcher (Karl Urban) lidera o grupo The Boys, em uma luta os super-heróis desajustados Foto: Prime Video / Divulgação

Juntos, eles se autoproclamam como os The Boys, em uma tentativa de equilibrar uma sociedade dividida entre aqueles que aceitam a superioridade imposta dos tais heróis e aqueles que entendem que a existência de alguém como Capitão Pátria levará a humanidade de volta aos tempos do Holocausto (como é dito, inclusive, no episódio de estreia da quarta temporada).

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É interessante como Garth Ennis e Darick Robertson, ao criarem The Boys, usam da inesgotável fonte das histórias em quadrinhos dos grandes estúdios e, ao mesmo tempo, critica-na ao reformular e regurgitar os conceitos narrativos de personagens como Superman, Batman, The Flash, entre outros.

Foi assim enquanto a publicação de The Boys concorria com Marvel e DC nas bancas de jornal norte-americanas e se repete, agora na nova mídia, as séries de TV para plataformas de streaming.

No audiovisual, o baile é ainda maior. A Marvel, por exemplo, tenta encontrar o rumo depois de uma série de fracassos retumbantes dos últimos anos, talvez desde Vingadores: Guerra Infinita, lançado em 2018 - o estúdio só se recuperou com a ótima animação X-Men ‘97, deste ano, mas é pouco para alta expectativa criada ao longo da década passada e, principalmente, pela quantidade de produtos lançados pelo estúdio anualmente, com séries, animações e filmes.

A DC, por sua vez, é um fracasso abissal desde antes da Era Pós-Moderna dos Heróis, quando encerrou a Trilogia de Batman, o Cavaleiro das Trevas, do diretor Christopher Nolan, lançados em 2005, 2008 e 2012. Contrataram Zack Snyder para construir um universo cinematográfico tal qual a rival Marvel o fez ao longo de 10 anos, da partir do filme Homem de Ferro, de 2008, mas desistiram diante dos primeiros fracassos do diretor. Agora, tentam se reerguer, novamente apostando as fichas em um novo diretor, o escolhido agora é James Gunn (de Guardiões da Galáxia e Esquadrão Suicida).

Veja bem, política não é novidade para nenhum dos estúdios. A própria Marvel carrega, na sua história, a existência dos X-Men, um grupo de mutantes cujas histórias convivem com a frequente discriminação, preconceito e flerta com temas adultos e atuais, como misoginia e racismo. Mais recentemente, a editora lançou duas séries nomeadas Guerra Civil, nas quais os personagens como Homem de Ferro e Capitão América debatem o direito à liberdade e à identidade secreta (na primeira das guerras) e à presunção da inocência (na segunda).

Aos poucos, as histórias têm se afastado de temas espinhosos (as vendas, em queda livre, não permite ousadias narrativas). É isso que torna The Boys ainda mais divertida. Sem muito a perder, a série não tenta inventar a roda. Pelo contrário, ela tira sarro dos absurdos do zeitgeist dos quadrinhos. E o faz com muito sangue, gore, fornicação e mortes espetacularmente chocantes.

Próximo de um clímax orgástico, a série desenha o embate final entre as duas partes rivais enquanto escancara a própria inspiração na sociedade atual, e não nos quadrinhos. O que é, talvez, ainda melhor. Mas, também, mais assustador.

Seria The Boys uma série woke? O termo relacionado a conscientização social, racional e política, tem sido constantemente associado à produção do Prime Vídeo, principalmente pelo final da terceira temporada, quando é claro uma polarização construída em torno da principal figura da série, o Capitão Pátria, uma espécie de Superman desvirtuado com sérias sequelas por ter sido criado em laboratórios e ambições cada vez mais descaradamente supremacistas.

Interpretado por um deliciosamente assustador Antony Starr, Capitão Pátria é uma versão anabolizada de Donald Trump, em uma analogia cada vez mais clara pelas armas políticas e ideais nacionalistas, com o agravante dos poderes do filho de Krypton (superforça, velocidade, capacidade de voar, raios laser lançados pelos olhos). O uniforme, claro, é azul, com uma capa esvoaçante pendurada nos ombros - falta-lhe, apenas, a cueca por cima das calças.

Capitão Pátria usa a máquina midiática em torno da própria imagem a seu favor: factoides e fake news, enquanto alimenta um sentimento de nacionalismo exacerbado a partir de uma ideia de terrorismo inexistente, e escala suas ações violentas em exibições cada vez mais sanguinárias. Ao final da terceira temporada, ele assassina um protestante em frente a uma multidão com raios atirados pelos olhos. O público, decidido pelo reinado da proteção de Pátria, aplaude. Adicto pelas ovações e cansado de conviver com as limitações éticas e morais, o personagem assume publicamente a personalidade agressiva e prega a sua própria superioridade. Em dado momento, ele compara os humanos sem poderes a baratas.

Ele não é candidato a eleição alguma, veja bem, sua posição de liderança é tamanha que está acima de quem é candidato a presidência dos Estados Unidos. De qualquer forma, a politicagem é inevitável neste momento da história de The Boys - e há quem torça o nariz para o escancaramento da polarização (tal qual ocorre nos Estados Unidos, no momento, com a nova corrida de Donald Trump à presidência e à imagem desgastada do governo democrata de Joe Binden).

Capitão Pátria, interpretado por Antony Starr, é uma versão anabolizada de Donald Trump com poderes do Superman em The Boys Foto: Prime Video / Divulgação

A amplitude temática é também o maior trunfo da série no início da quarta temporada, disponível desde a última quinta, 13, com episódios semanais, na plataforma Prime Video. Principalmente porque a trama se aproxima do final (são cinco temporadas previstas) e há um enfraquecimento pesaroso das tramas paralelas, cujo fôlego parece ter sido esgotado mais de uma temporada atrás e, agora, só se transformam em um peso extra carregado pelos roteiristas sem necessidade.

São tantos lampejos de surrealidade (como um episódio da terceira temporada, de nome “Supersuruba”, com cenas de heróis usando seus super-poderes para outras coisas que não salvar inocentes de incêndios, se é que você me entende), e ainda assim, a aproximação com a política e a dicotomia partidária e ideológica tornam a aventura perigosamente real - é basicamente o que o mundo todo tem vivido, a cada nova eleição de países democráticos.

Uma sociedade como a nossa, mas com seres superpoderosos

Aos recém-chegados, The Boys é uma série baseada nas HQs publicadas por Garth Ennis e Darick Robertson, publicadas entre 2006 e 2012 e se se passa em uma versão de sociedade similar à nossa. Nesta realidade, contudo, existem essas figuras com poderes extra-humanos, como habilidade de correr mais rápido que a luz, superforça, voar, transformar o corpo em elástico, criar fogo, gelo, ou o que quer que seja.

Neste ambiente, os “supes” (um apelido dado na série aos personagens com poderes, sem o “r” do super) são bancados por grandes organizações responsáveis por torná-los uma máquina da fazer dinheiro na indústria cultural - para a a diversão dos estudiosos da Escola de Frankfurt de Adorno e Horkheimer.

De modo mais simples de entender: é como se os Vingadores ou a Liga da Justiça fossem reais, bancados por uma grande empresa como Marvel e DC Comics.

Mas os atos heroicos, neste caso, são apenas de fachada - estas pessoas com superpoderes são completamente desajustados, verdadeiramente psicopatas, cujos crimes sórdidos são acobertadas pela máquina de dinheiro que os sustenta e sustentada por eles também, com filmes, séries de TV, brinquedos e outros itens de merchandising.

Os heróis de The Boys, portanto, são os anti-heróis, ou mata-heróis, já aqueles de capa são os vilões. Ao longo das temporadas, as tensões entre os lados se agigantou a ponto de, ao final da terceira temporada, as cartas estarem mais expostas sobre a mesa.

É chegada a hora, enfim, do grande embate de Billy Butcher, vivido por um furioso Karl Urban, um ser humano comum cuja vida foi esfarelada por Capitão Pátria, o nêmesis dele. O desejo de vingança de Butcher contra os superpoderosos o uniu a outros como ele, pessoas cujas vidas fora igualmente (e tragicamente) transformadas por estas figuras que desafiam as leis da física e da biologia humana.

Liderado por Billy Butcher (Karl Urban) lidera o grupo The Boys, em uma luta os super-heróis desajustados Foto: Prime Video / Divulgação

Juntos, eles se autoproclamam como os The Boys, em uma tentativa de equilibrar uma sociedade dividida entre aqueles que aceitam a superioridade imposta dos tais heróis e aqueles que entendem que a existência de alguém como Capitão Pátria levará a humanidade de volta aos tempos do Holocausto (como é dito, inclusive, no episódio de estreia da quarta temporada).

É interessante como Garth Ennis e Darick Robertson, ao criarem The Boys, usam da inesgotável fonte das histórias em quadrinhos dos grandes estúdios e, ao mesmo tempo, critica-na ao reformular e regurgitar os conceitos narrativos de personagens como Superman, Batman, The Flash, entre outros.

Foi assim enquanto a publicação de The Boys concorria com Marvel e DC nas bancas de jornal norte-americanas e se repete, agora na nova mídia, as séries de TV para plataformas de streaming.

No audiovisual, o baile é ainda maior. A Marvel, por exemplo, tenta encontrar o rumo depois de uma série de fracassos retumbantes dos últimos anos, talvez desde Vingadores: Guerra Infinita, lançado em 2018 - o estúdio só se recuperou com a ótima animação X-Men ‘97, deste ano, mas é pouco para alta expectativa criada ao longo da década passada e, principalmente, pela quantidade de produtos lançados pelo estúdio anualmente, com séries, animações e filmes.

A DC, por sua vez, é um fracasso abissal desde antes da Era Pós-Moderna dos Heróis, quando encerrou a Trilogia de Batman, o Cavaleiro das Trevas, do diretor Christopher Nolan, lançados em 2005, 2008 e 2012. Contrataram Zack Snyder para construir um universo cinematográfico tal qual a rival Marvel o fez ao longo de 10 anos, da partir do filme Homem de Ferro, de 2008, mas desistiram diante dos primeiros fracassos do diretor. Agora, tentam se reerguer, novamente apostando as fichas em um novo diretor, o escolhido agora é James Gunn (de Guardiões da Galáxia e Esquadrão Suicida).

Veja bem, política não é novidade para nenhum dos estúdios. A própria Marvel carrega, na sua história, a existência dos X-Men, um grupo de mutantes cujas histórias convivem com a frequente discriminação, preconceito e flerta com temas adultos e atuais, como misoginia e racismo. Mais recentemente, a editora lançou duas séries nomeadas Guerra Civil, nas quais os personagens como Homem de Ferro e Capitão América debatem o direito à liberdade e à identidade secreta (na primeira das guerras) e à presunção da inocência (na segunda).

Aos poucos, as histórias têm se afastado de temas espinhosos (as vendas, em queda livre, não permite ousadias narrativas). É isso que torna The Boys ainda mais divertida. Sem muito a perder, a série não tenta inventar a roda. Pelo contrário, ela tira sarro dos absurdos do zeitgeist dos quadrinhos. E o faz com muito sangue, gore, fornicação e mortes espetacularmente chocantes.

Próximo de um clímax orgástico, a série desenha o embate final entre as duas partes rivais enquanto escancara a própria inspiração na sociedade atual, e não nos quadrinhos. O que é, talvez, ainda melhor. Mas, também, mais assustador.

Seria The Boys uma série woke? O termo relacionado a conscientização social, racional e política, tem sido constantemente associado à produção do Prime Vídeo, principalmente pelo final da terceira temporada, quando é claro uma polarização construída em torno da principal figura da série, o Capitão Pátria, uma espécie de Superman desvirtuado com sérias sequelas por ter sido criado em laboratórios e ambições cada vez mais descaradamente supremacistas.

Interpretado por um deliciosamente assustador Antony Starr, Capitão Pátria é uma versão anabolizada de Donald Trump, em uma analogia cada vez mais clara pelas armas políticas e ideais nacionalistas, com o agravante dos poderes do filho de Krypton (superforça, velocidade, capacidade de voar, raios laser lançados pelos olhos). O uniforme, claro, é azul, com uma capa esvoaçante pendurada nos ombros - falta-lhe, apenas, a cueca por cima das calças.

Capitão Pátria usa a máquina midiática em torno da própria imagem a seu favor: factoides e fake news, enquanto alimenta um sentimento de nacionalismo exacerbado a partir de uma ideia de terrorismo inexistente, e escala suas ações violentas em exibições cada vez mais sanguinárias. Ao final da terceira temporada, ele assassina um protestante em frente a uma multidão com raios atirados pelos olhos. O público, decidido pelo reinado da proteção de Pátria, aplaude. Adicto pelas ovações e cansado de conviver com as limitações éticas e morais, o personagem assume publicamente a personalidade agressiva e prega a sua própria superioridade. Em dado momento, ele compara os humanos sem poderes a baratas.

Ele não é candidato a eleição alguma, veja bem, sua posição de liderança é tamanha que está acima de quem é candidato a presidência dos Estados Unidos. De qualquer forma, a politicagem é inevitável neste momento da história de The Boys - e há quem torça o nariz para o escancaramento da polarização (tal qual ocorre nos Estados Unidos, no momento, com a nova corrida de Donald Trump à presidência e à imagem desgastada do governo democrata de Joe Binden).

Capitão Pátria, interpretado por Antony Starr, é uma versão anabolizada de Donald Trump com poderes do Superman em The Boys Foto: Prime Video / Divulgação

A amplitude temática é também o maior trunfo da série no início da quarta temporada, disponível desde a última quinta, 13, com episódios semanais, na plataforma Prime Video. Principalmente porque a trama se aproxima do final (são cinco temporadas previstas) e há um enfraquecimento pesaroso das tramas paralelas, cujo fôlego parece ter sido esgotado mais de uma temporada atrás e, agora, só se transformam em um peso extra carregado pelos roteiristas sem necessidade.

São tantos lampejos de surrealidade (como um episódio da terceira temporada, de nome “Supersuruba”, com cenas de heróis usando seus super-poderes para outras coisas que não salvar inocentes de incêndios, se é que você me entende), e ainda assim, a aproximação com a política e a dicotomia partidária e ideológica tornam a aventura perigosamente real - é basicamente o que o mundo todo tem vivido, a cada nova eleição de países democráticos.

Uma sociedade como a nossa, mas com seres superpoderosos

Aos recém-chegados, The Boys é uma série baseada nas HQs publicadas por Garth Ennis e Darick Robertson, publicadas entre 2006 e 2012 e se se passa em uma versão de sociedade similar à nossa. Nesta realidade, contudo, existem essas figuras com poderes extra-humanos, como habilidade de correr mais rápido que a luz, superforça, voar, transformar o corpo em elástico, criar fogo, gelo, ou o que quer que seja.

Neste ambiente, os “supes” (um apelido dado na série aos personagens com poderes, sem o “r” do super) são bancados por grandes organizações responsáveis por torná-los uma máquina da fazer dinheiro na indústria cultural - para a a diversão dos estudiosos da Escola de Frankfurt de Adorno e Horkheimer.

De modo mais simples de entender: é como se os Vingadores ou a Liga da Justiça fossem reais, bancados por uma grande empresa como Marvel e DC Comics.

Mas os atos heroicos, neste caso, são apenas de fachada - estas pessoas com superpoderes são completamente desajustados, verdadeiramente psicopatas, cujos crimes sórdidos são acobertadas pela máquina de dinheiro que os sustenta e sustentada por eles também, com filmes, séries de TV, brinquedos e outros itens de merchandising.

Os heróis de The Boys, portanto, são os anti-heróis, ou mata-heróis, já aqueles de capa são os vilões. Ao longo das temporadas, as tensões entre os lados se agigantou a ponto de, ao final da terceira temporada, as cartas estarem mais expostas sobre a mesa.

É chegada a hora, enfim, do grande embate de Billy Butcher, vivido por um furioso Karl Urban, um ser humano comum cuja vida foi esfarelada por Capitão Pátria, o nêmesis dele. O desejo de vingança de Butcher contra os superpoderosos o uniu a outros como ele, pessoas cujas vidas fora igualmente (e tragicamente) transformadas por estas figuras que desafiam as leis da física e da biologia humana.

Liderado por Billy Butcher (Karl Urban) lidera o grupo The Boys, em uma luta os super-heróis desajustados Foto: Prime Video / Divulgação

Juntos, eles se autoproclamam como os The Boys, em uma tentativa de equilibrar uma sociedade dividida entre aqueles que aceitam a superioridade imposta dos tais heróis e aqueles que entendem que a existência de alguém como Capitão Pátria levará a humanidade de volta aos tempos do Holocausto (como é dito, inclusive, no episódio de estreia da quarta temporada).

É interessante como Garth Ennis e Darick Robertson, ao criarem The Boys, usam da inesgotável fonte das histórias em quadrinhos dos grandes estúdios e, ao mesmo tempo, critica-na ao reformular e regurgitar os conceitos narrativos de personagens como Superman, Batman, The Flash, entre outros.

Foi assim enquanto a publicação de The Boys concorria com Marvel e DC nas bancas de jornal norte-americanas e se repete, agora na nova mídia, as séries de TV para plataformas de streaming.

No audiovisual, o baile é ainda maior. A Marvel, por exemplo, tenta encontrar o rumo depois de uma série de fracassos retumbantes dos últimos anos, talvez desde Vingadores: Guerra Infinita, lançado em 2018 - o estúdio só se recuperou com a ótima animação X-Men ‘97, deste ano, mas é pouco para alta expectativa criada ao longo da década passada e, principalmente, pela quantidade de produtos lançados pelo estúdio anualmente, com séries, animações e filmes.

A DC, por sua vez, é um fracasso abissal desde antes da Era Pós-Moderna dos Heróis, quando encerrou a Trilogia de Batman, o Cavaleiro das Trevas, do diretor Christopher Nolan, lançados em 2005, 2008 e 2012. Contrataram Zack Snyder para construir um universo cinematográfico tal qual a rival Marvel o fez ao longo de 10 anos, da partir do filme Homem de Ferro, de 2008, mas desistiram diante dos primeiros fracassos do diretor. Agora, tentam se reerguer, novamente apostando as fichas em um novo diretor, o escolhido agora é James Gunn (de Guardiões da Galáxia e Esquadrão Suicida).

Veja bem, política não é novidade para nenhum dos estúdios. A própria Marvel carrega, na sua história, a existência dos X-Men, um grupo de mutantes cujas histórias convivem com a frequente discriminação, preconceito e flerta com temas adultos e atuais, como misoginia e racismo. Mais recentemente, a editora lançou duas séries nomeadas Guerra Civil, nas quais os personagens como Homem de Ferro e Capitão América debatem o direito à liberdade e à identidade secreta (na primeira das guerras) e à presunção da inocência (na segunda).

Aos poucos, as histórias têm se afastado de temas espinhosos (as vendas, em queda livre, não permite ousadias narrativas). É isso que torna The Boys ainda mais divertida. Sem muito a perder, a série não tenta inventar a roda. Pelo contrário, ela tira sarro dos absurdos do zeitgeist dos quadrinhos. E o faz com muito sangue, gore, fornicação e mortes espetacularmente chocantes.

Próximo de um clímax orgástico, a série desenha o embate final entre as duas partes rivais enquanto escancara a própria inspiração na sociedade atual, e não nos quadrinhos. O que é, talvez, ainda melhor. Mas, também, mais assustador.

Seria The Boys uma série woke? O termo relacionado a conscientização social, racional e política, tem sido constantemente associado à produção do Prime Vídeo, principalmente pelo final da terceira temporada, quando é claro uma polarização construída em torno da principal figura da série, o Capitão Pátria, uma espécie de Superman desvirtuado com sérias sequelas por ter sido criado em laboratórios e ambições cada vez mais descaradamente supremacistas.

Interpretado por um deliciosamente assustador Antony Starr, Capitão Pátria é uma versão anabolizada de Donald Trump, em uma analogia cada vez mais clara pelas armas políticas e ideais nacionalistas, com o agravante dos poderes do filho de Krypton (superforça, velocidade, capacidade de voar, raios laser lançados pelos olhos). O uniforme, claro, é azul, com uma capa esvoaçante pendurada nos ombros - falta-lhe, apenas, a cueca por cima das calças.

Capitão Pátria usa a máquina midiática em torno da própria imagem a seu favor: factoides e fake news, enquanto alimenta um sentimento de nacionalismo exacerbado a partir de uma ideia de terrorismo inexistente, e escala suas ações violentas em exibições cada vez mais sanguinárias. Ao final da terceira temporada, ele assassina um protestante em frente a uma multidão com raios atirados pelos olhos. O público, decidido pelo reinado da proteção de Pátria, aplaude. Adicto pelas ovações e cansado de conviver com as limitações éticas e morais, o personagem assume publicamente a personalidade agressiva e prega a sua própria superioridade. Em dado momento, ele compara os humanos sem poderes a baratas.

Ele não é candidato a eleição alguma, veja bem, sua posição de liderança é tamanha que está acima de quem é candidato a presidência dos Estados Unidos. De qualquer forma, a politicagem é inevitável neste momento da história de The Boys - e há quem torça o nariz para o escancaramento da polarização (tal qual ocorre nos Estados Unidos, no momento, com a nova corrida de Donald Trump à presidência e à imagem desgastada do governo democrata de Joe Binden).

Capitão Pátria, interpretado por Antony Starr, é uma versão anabolizada de Donald Trump com poderes do Superman em The Boys Foto: Prime Video / Divulgação

A amplitude temática é também o maior trunfo da série no início da quarta temporada, disponível desde a última quinta, 13, com episódios semanais, na plataforma Prime Video. Principalmente porque a trama se aproxima do final (são cinco temporadas previstas) e há um enfraquecimento pesaroso das tramas paralelas, cujo fôlego parece ter sido esgotado mais de uma temporada atrás e, agora, só se transformam em um peso extra carregado pelos roteiristas sem necessidade.

São tantos lampejos de surrealidade (como um episódio da terceira temporada, de nome “Supersuruba”, com cenas de heróis usando seus super-poderes para outras coisas que não salvar inocentes de incêndios, se é que você me entende), e ainda assim, a aproximação com a política e a dicotomia partidária e ideológica tornam a aventura perigosamente real - é basicamente o que o mundo todo tem vivido, a cada nova eleição de países democráticos.

Uma sociedade como a nossa, mas com seres superpoderosos

Aos recém-chegados, The Boys é uma série baseada nas HQs publicadas por Garth Ennis e Darick Robertson, publicadas entre 2006 e 2012 e se se passa em uma versão de sociedade similar à nossa. Nesta realidade, contudo, existem essas figuras com poderes extra-humanos, como habilidade de correr mais rápido que a luz, superforça, voar, transformar o corpo em elástico, criar fogo, gelo, ou o que quer que seja.

Neste ambiente, os “supes” (um apelido dado na série aos personagens com poderes, sem o “r” do super) são bancados por grandes organizações responsáveis por torná-los uma máquina da fazer dinheiro na indústria cultural - para a a diversão dos estudiosos da Escola de Frankfurt de Adorno e Horkheimer.

De modo mais simples de entender: é como se os Vingadores ou a Liga da Justiça fossem reais, bancados por uma grande empresa como Marvel e DC Comics.

Mas os atos heroicos, neste caso, são apenas de fachada - estas pessoas com superpoderes são completamente desajustados, verdadeiramente psicopatas, cujos crimes sórdidos são acobertadas pela máquina de dinheiro que os sustenta e sustentada por eles também, com filmes, séries de TV, brinquedos e outros itens de merchandising.

Os heróis de The Boys, portanto, são os anti-heróis, ou mata-heróis, já aqueles de capa são os vilões. Ao longo das temporadas, as tensões entre os lados se agigantou a ponto de, ao final da terceira temporada, as cartas estarem mais expostas sobre a mesa.

É chegada a hora, enfim, do grande embate de Billy Butcher, vivido por um furioso Karl Urban, um ser humano comum cuja vida foi esfarelada por Capitão Pátria, o nêmesis dele. O desejo de vingança de Butcher contra os superpoderosos o uniu a outros como ele, pessoas cujas vidas fora igualmente (e tragicamente) transformadas por estas figuras que desafiam as leis da física e da biologia humana.

Liderado por Billy Butcher (Karl Urban) lidera o grupo The Boys, em uma luta os super-heróis desajustados Foto: Prime Video / Divulgação

Juntos, eles se autoproclamam como os The Boys, em uma tentativa de equilibrar uma sociedade dividida entre aqueles que aceitam a superioridade imposta dos tais heróis e aqueles que entendem que a existência de alguém como Capitão Pátria levará a humanidade de volta aos tempos do Holocausto (como é dito, inclusive, no episódio de estreia da quarta temporada).

É interessante como Garth Ennis e Darick Robertson, ao criarem The Boys, usam da inesgotável fonte das histórias em quadrinhos dos grandes estúdios e, ao mesmo tempo, critica-na ao reformular e regurgitar os conceitos narrativos de personagens como Superman, Batman, The Flash, entre outros.

Foi assim enquanto a publicação de The Boys concorria com Marvel e DC nas bancas de jornal norte-americanas e se repete, agora na nova mídia, as séries de TV para plataformas de streaming.

No audiovisual, o baile é ainda maior. A Marvel, por exemplo, tenta encontrar o rumo depois de uma série de fracassos retumbantes dos últimos anos, talvez desde Vingadores: Guerra Infinita, lançado em 2018 - o estúdio só se recuperou com a ótima animação X-Men ‘97, deste ano, mas é pouco para alta expectativa criada ao longo da década passada e, principalmente, pela quantidade de produtos lançados pelo estúdio anualmente, com séries, animações e filmes.

A DC, por sua vez, é um fracasso abissal desde antes da Era Pós-Moderna dos Heróis, quando encerrou a Trilogia de Batman, o Cavaleiro das Trevas, do diretor Christopher Nolan, lançados em 2005, 2008 e 2012. Contrataram Zack Snyder para construir um universo cinematográfico tal qual a rival Marvel o fez ao longo de 10 anos, da partir do filme Homem de Ferro, de 2008, mas desistiram diante dos primeiros fracassos do diretor. Agora, tentam se reerguer, novamente apostando as fichas em um novo diretor, o escolhido agora é James Gunn (de Guardiões da Galáxia e Esquadrão Suicida).

Veja bem, política não é novidade para nenhum dos estúdios. A própria Marvel carrega, na sua história, a existência dos X-Men, um grupo de mutantes cujas histórias convivem com a frequente discriminação, preconceito e flerta com temas adultos e atuais, como misoginia e racismo. Mais recentemente, a editora lançou duas séries nomeadas Guerra Civil, nas quais os personagens como Homem de Ferro e Capitão América debatem o direito à liberdade e à identidade secreta (na primeira das guerras) e à presunção da inocência (na segunda).

Aos poucos, as histórias têm se afastado de temas espinhosos (as vendas, em queda livre, não permite ousadias narrativas). É isso que torna The Boys ainda mais divertida. Sem muito a perder, a série não tenta inventar a roda. Pelo contrário, ela tira sarro dos absurdos do zeitgeist dos quadrinhos. E o faz com muito sangue, gore, fornicação e mortes espetacularmente chocantes.

Próximo de um clímax orgástico, a série desenha o embate final entre as duas partes rivais enquanto escancara a própria inspiração na sociedade atual, e não nos quadrinhos. O que é, talvez, ainda melhor. Mas, também, mais assustador.

Análise por Pedro Antunes

Subeditor de Cultura e E+. Crítico de música, cinema e TV.

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