‘The Inheritors’ mostra vida de sul-africanos depois do apartheid


Autora propõe que recriar a democracia é um desafio no País e faz paralelos com os EUA

Atualização:

THE WASHINGTON POST O contador de histórias mais talentoso no coquetel mais interessante dificilmente conseguiria fazer mais do que Eve Fairbanks conseguiu em The Inheritors: An Intimate Portrait of South Africa’s Racial Reckoning. Como este feito vai chegar aos leitores dependerá do que eles querem de um livro sobre esse tema.

The Inheritors parte de histórias de sul-africanos comuns para examinar os desafios da vida pós-apartheid. A missão de levantar uma república democrática das cinzas de um estado de supremacia branca atrai Fairbanks, nascida nos Estados Unidos, e provavelmente atrairá muitos leitores, tanto por causa do interesse humano intrínseco das histórias quanto por causa dos paralelos óbvios com os Estados Unidos. Ambos os países se organizaram de forma explícita, brutal e sistemática para beneficiar os brancos e oprimir todos os outros. (Nós demos a isso nomes como Jim Crow e “remoção de índios”, eles deram nomes como “apartheid” e “terras natais”). Ambos os países tentaram restabelecer seus projetos nacionais em bases menos alarmantes, mas descobriram que haviam construído muito melhor do que alguns de seus críticos imaginavam. Ambos descobriram que alcançar verdadeiramente o que chamamos de “reconstrução” e o que eles chamaram de “nova dispensação” é mais difícil do que a maioria das pessoas consegue admitir. Agora ambos os países estão tentando entender o que fazer após essa percepção infeliz.

A questão geral da vida após o apartheid na verdade abarca muitas questões menores, todas unidas pela dor das esperanças frustradas e pelos perigos das condições contemporâneas. Pobreza, agitação trabalhista, infraestrutura precária e muitos outros males continuam sendo características proeminentes da vida de muitos sul-africanos, muito depois do fim do governo da minoria branca. São problemas políticos com implicações psicológicas, enraizados na decepção de ver que a terra prometida continua muito distante.

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A escritora Eve Fairbanks conta a história da África do Sul pós-apartheid Foto: Acervo Pessoal

Fairbanks explica que começou a explorar essas questões durante sua juventude na Virgínia dos anos 1990, quando se viu fascinada pelo general confederado Stonewall Jackson. Seu interesse não se concentrava nos odiosos compromissos políticos, mas nas questões existenciais que ele teria enfrentado se tivesse sobrevivido à Guerra Civil. Todo confederado sincero enfrentou essas questões de alguma forma, pois a vitória do Norte sinalizava o repúdio oficial aos valores nos quais apostaram suas vidas. Mas o famoso compromisso de Jackson com a retidão pessoal teve uma ressonância especial para Fairbanks. O que alguém que se preocupa apaixonadamente com a ação correta e a boa cidadania faz quando o significado do certo e do bem muda da noite para o dia? Como essa pessoa pode contribuir para a sociedade que rejeita os valores que definem seu próprio ser?

É claro que os Estados Unidos nunca levaram essas questões tão a sério quanto deveriam. A supremacia branca se reorganizou e se reafirmou, conseguiu mais um século de dominação aberta e, depois disso, lançou as bases para o que quer que Donald Trump tenha escancarado. Essas tentativas hesitantes de reconstrução racial levaram Fairbanks a olhar para a África do Sul, cujo povo “nunca teve o luxo de perambular no precipício psicológico de uma grande mudança. Em um piscar de olhos, na contagem de um único voto, eles já estavam lá”.

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Alguém pode se perguntar se “perambular” é a palavra certa para descrever campanhas violentas de terror racista e programas sistemáticos de políticas opressivas, mas Fairbanks está no caminho certo. Mais de cinquenta anos separaram a ascensão de Martin Luther King Jr. em Montgomery e da ascensão de Barack Obama ao Salão Oval. Em contraste, o sul-africano Nelson Mandela passou da prisão política à presidência em apenas três anos (embora depois de quase três décadas atrás das grades). Os Estados Unidos estão só começando a lidar com a perspectiva de sua população branca não mais constituir uma maioria demográfica. Os brancos da África do Sul eram minoria o tempo todo. Olhar para o sul, então, deve dar aos leitores de Fairbanks um vislumbre de para onde os Estados Unidos estão indo.

O secretário de estado Antony Blinken conversa com Antoinette Sithole, irmã de Hector Pieterson, no memorial em Soweto que leva o nome do ativista, símbolo da luta contra o Apartheid  Foto: Andrew Harnik/AFP

A linha mestra do livro vem das histórias de suas três personagens principais: Dipuo, ativista de Soweto; Malaika, a filha de Dipuo; e um ex-oficial das forças especiais chamado Christo. Acompanhamos todos os três desde a infância até o presente, desde a vida de Dipuo na cidade e a vida de Christo no campo agrícola africâner, com seu trabalho nas lutas a favor e contra o apartheid, até o mundo pós-apartheid que os confronta com as consequências de suas escolhas. Aqui começamos a seguir Malaika, desde sua concepção alguns meses após a libertação de Mandela da cadeia até a universidade, com suas próprias formas de ativismo e a aproximação de um empresário negro, que para ela é uma figura paterna.

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À medida que essas vidas se desenrolam languidamente nos 34 capítulos do livro, o mundo pós-apartheid entra em foco. As histórias das personagens principais se ramificam em histórias sobre outras pessoas e, a partir daí, em sumários maravilhosamente acessíveis da história e política sul-africanas. Os leitores que já conhecem algo sobre o país encontrarão lembretes úteis e exemplos comoventes. Leitores menos experientes encontrarão pontos de entrada concisos e envolventes.

Fairbanks também traz insights sobre os desafios da psicologia moral pós-apartheid. Suas personagens lidam com emoções racialmente carregadas como vergonha e culpa, pena e penitência, e ela extrai lições úteis de seus esforços. Um relacionamento mais próximo com a vasta literatura acadêmica sobre essas questões não faria mal, mas felizmente é possível dispensar a especialização acadêmica quando os escritores oferecem outras compensações.

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Infelizmente, Fairbanks bloqueia o caminho para essas compensações entupindo o livro com personagens secundárias. Algumas dessas pessoas têm nomes, outras não. Algumas são pobres ou da classe trabalhadora, outras são da classe média ou ainda mais privilegiadas. Suas histórias são ricamente desenhadas e muitas vezes comoventes. Mas o livro as coleta ao acaso e as espalha pelos capítulos sem muito nexo com as três personagens principais. Saímos querendo mais orientações sobre como tematizar essas riquezas narrativas.

O grande problema talvez seja que os guias precisam começar descobrindo sua própria localização. Para um escritor, especialmente em um projeto como The Inheritors, isso significa examinar sua relação com o tema. Significa recusar a fantasia de que se pode percorrer o texto sem atrito nem resto, como um fantasma ou um deus.

Não é que Fairbanks se retire completamente do texto. Além de relatar seu interesse juvenil por Stonewall Jackson, ela confessa ter trocado a “confiança diáfana e forçada” de sua infância por um sentimento crescente de “frustração” e “pavor” com os descaminhos dos Estados Unidos. Ela compara experiências pessoais, como brigas com antigos namorados, às fissuras cívicas da África do Sul, assumindo com otimismo que os méritos dessas analogias compensarão seu defeituoso senso de proporção. Ela também aparece constantemente em suas histórias, conversando com as personagens e visitando hospitais, fazendas e escolas com elas.

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Celebração na África do Sul marca os 20 anos do fim do Apartheid  Foto: AP

Esta é presumivelmente a intimidade prometida no subtítulo do livro, mas é estranhamente unilateral. Fairbanks observa seus amigos e conhecidos lutarem com o mundo que herdaram e os ouve quando eles questionam suas escolhas e compromissos. Mas ela parece ter pouco interesse em seguir seu exemplo. Uma lição do livro é que as pessoas criadas em lugares cheios de significados raciais complicados devem tratar suas convicções sobre raça com desconfiança. Mas nunca parece ocorrer a Fairbanks que essa lição pode se aplicar a uma escritora americana branca que começou seu estudo sobre a África do Sul intrigada com um general confederado.

Uma intimidade mais equitativa poderia ter levado Fairbanks a dizer mais sobre por que ela foi para a África do Sul e como conheceu suas personagens (nunca ficamos sabendo nada a respeito). Ou a fazer melhor uso de sua mãe judia, cuja identidade parece não ter relação com a política racial da autora. Ou a deixar de lado a velha obsessão americana pelo preto e branco, um hábito mental que lhe permite evitar quase todas as menções às grandes e importantes populações indígenas e mestiças da África do Sul.

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Talvez eu esteja pedindo um livro mais parecido com The Hidden Wound, de Wendell Berry, que encontra seu autor americano branco refletindo se ele realmente conhece os negros cujas histórias está tentando contar. Talvez seja um pedido inadequado. Afinal, Fairbanks nunca se propôs às tarefas do ensaísmo literário. Mas aí penso no livro de Wesley Lowery, They Can’t Kill Us All. Lowery, assim como Fairbanks, é jornalista.

Garoto observa um mural com desenho do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela em Johannesburgo, na África do Sul Foto: Dylan Martinez/Reuters

Ele se aproxima de Ferguson, Missouri, após o assassinato de Michael Brown pela polícia – assim como ela se aproxima da África do Sul após o apartheid – contando histórias sobre as pessoas fascinantes que vai encontrando pelo caminho. Mas ele também pergunta explicitamente o que a política do momento Black Lives Matter significa para ele e o que tudo isso exige dele como repórter, negro e cidadão. Fairbanks evita esse tipo de investigação pessoal, embora se possa argumentar que seja uma exigência de seu tema.

O que me traz de volta ao meu pensamento inicial sobre coquetéis. Às vezes a investigação mais profunda fica simplesmente fora de lugar. Às vezes basta entreter e fornecer algum ensinamento leve, especialmente quando a pessoa que está apresentando parte de um material muito rico, reunido com grande esforço e compartilhado com grande habilidade. Você pode se perguntar o que a pessoa que conta a história poderia fazer com esse material – escrever um romance ou um ensaio reflexivo, por exemplo. Mas, no fim das contas, a escolha é da pessoa que conta a história e foi assim que ela decidiu compartilhar essa história com você.

Paul C. Taylor é professor de filosofia da W. Alton Jones e professor de estudos afro-americanos e da diáspora na Universidade Vanderbilt./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The Inheritors: An Intimate Portrait of South Africa’s Racial Reckoning

Eve Fairbanks

Simon & Schuster - 399 páginas - US $27.99

THE WASHINGTON POST O contador de histórias mais talentoso no coquetel mais interessante dificilmente conseguiria fazer mais do que Eve Fairbanks conseguiu em The Inheritors: An Intimate Portrait of South Africa’s Racial Reckoning. Como este feito vai chegar aos leitores dependerá do que eles querem de um livro sobre esse tema.

The Inheritors parte de histórias de sul-africanos comuns para examinar os desafios da vida pós-apartheid. A missão de levantar uma república democrática das cinzas de um estado de supremacia branca atrai Fairbanks, nascida nos Estados Unidos, e provavelmente atrairá muitos leitores, tanto por causa do interesse humano intrínseco das histórias quanto por causa dos paralelos óbvios com os Estados Unidos. Ambos os países se organizaram de forma explícita, brutal e sistemática para beneficiar os brancos e oprimir todos os outros. (Nós demos a isso nomes como Jim Crow e “remoção de índios”, eles deram nomes como “apartheid” e “terras natais”). Ambos os países tentaram restabelecer seus projetos nacionais em bases menos alarmantes, mas descobriram que haviam construído muito melhor do que alguns de seus críticos imaginavam. Ambos descobriram que alcançar verdadeiramente o que chamamos de “reconstrução” e o que eles chamaram de “nova dispensação” é mais difícil do que a maioria das pessoas consegue admitir. Agora ambos os países estão tentando entender o que fazer após essa percepção infeliz.

A questão geral da vida após o apartheid na verdade abarca muitas questões menores, todas unidas pela dor das esperanças frustradas e pelos perigos das condições contemporâneas. Pobreza, agitação trabalhista, infraestrutura precária e muitos outros males continuam sendo características proeminentes da vida de muitos sul-africanos, muito depois do fim do governo da minoria branca. São problemas políticos com implicações psicológicas, enraizados na decepção de ver que a terra prometida continua muito distante.

A escritora Eve Fairbanks conta a história da África do Sul pós-apartheid Foto: Acervo Pessoal

Fairbanks explica que começou a explorar essas questões durante sua juventude na Virgínia dos anos 1990, quando se viu fascinada pelo general confederado Stonewall Jackson. Seu interesse não se concentrava nos odiosos compromissos políticos, mas nas questões existenciais que ele teria enfrentado se tivesse sobrevivido à Guerra Civil. Todo confederado sincero enfrentou essas questões de alguma forma, pois a vitória do Norte sinalizava o repúdio oficial aos valores nos quais apostaram suas vidas. Mas o famoso compromisso de Jackson com a retidão pessoal teve uma ressonância especial para Fairbanks. O que alguém que se preocupa apaixonadamente com a ação correta e a boa cidadania faz quando o significado do certo e do bem muda da noite para o dia? Como essa pessoa pode contribuir para a sociedade que rejeita os valores que definem seu próprio ser?

É claro que os Estados Unidos nunca levaram essas questões tão a sério quanto deveriam. A supremacia branca se reorganizou e se reafirmou, conseguiu mais um século de dominação aberta e, depois disso, lançou as bases para o que quer que Donald Trump tenha escancarado. Essas tentativas hesitantes de reconstrução racial levaram Fairbanks a olhar para a África do Sul, cujo povo “nunca teve o luxo de perambular no precipício psicológico de uma grande mudança. Em um piscar de olhos, na contagem de um único voto, eles já estavam lá”.

Alguém pode se perguntar se “perambular” é a palavra certa para descrever campanhas violentas de terror racista e programas sistemáticos de políticas opressivas, mas Fairbanks está no caminho certo. Mais de cinquenta anos separaram a ascensão de Martin Luther King Jr. em Montgomery e da ascensão de Barack Obama ao Salão Oval. Em contraste, o sul-africano Nelson Mandela passou da prisão política à presidência em apenas três anos (embora depois de quase três décadas atrás das grades). Os Estados Unidos estão só começando a lidar com a perspectiva de sua população branca não mais constituir uma maioria demográfica. Os brancos da África do Sul eram minoria o tempo todo. Olhar para o sul, então, deve dar aos leitores de Fairbanks um vislumbre de para onde os Estados Unidos estão indo.

O secretário de estado Antony Blinken conversa com Antoinette Sithole, irmã de Hector Pieterson, no memorial em Soweto que leva o nome do ativista, símbolo da luta contra o Apartheid  Foto: Andrew Harnik/AFP

A linha mestra do livro vem das histórias de suas três personagens principais: Dipuo, ativista de Soweto; Malaika, a filha de Dipuo; e um ex-oficial das forças especiais chamado Christo. Acompanhamos todos os três desde a infância até o presente, desde a vida de Dipuo na cidade e a vida de Christo no campo agrícola africâner, com seu trabalho nas lutas a favor e contra o apartheid, até o mundo pós-apartheid que os confronta com as consequências de suas escolhas. Aqui começamos a seguir Malaika, desde sua concepção alguns meses após a libertação de Mandela da cadeia até a universidade, com suas próprias formas de ativismo e a aproximação de um empresário negro, que para ela é uma figura paterna.

À medida que essas vidas se desenrolam languidamente nos 34 capítulos do livro, o mundo pós-apartheid entra em foco. As histórias das personagens principais se ramificam em histórias sobre outras pessoas e, a partir daí, em sumários maravilhosamente acessíveis da história e política sul-africanas. Os leitores que já conhecem algo sobre o país encontrarão lembretes úteis e exemplos comoventes. Leitores menos experientes encontrarão pontos de entrada concisos e envolventes.

Fairbanks também traz insights sobre os desafios da psicologia moral pós-apartheid. Suas personagens lidam com emoções racialmente carregadas como vergonha e culpa, pena e penitência, e ela extrai lições úteis de seus esforços. Um relacionamento mais próximo com a vasta literatura acadêmica sobre essas questões não faria mal, mas felizmente é possível dispensar a especialização acadêmica quando os escritores oferecem outras compensações.

Infelizmente, Fairbanks bloqueia o caminho para essas compensações entupindo o livro com personagens secundárias. Algumas dessas pessoas têm nomes, outras não. Algumas são pobres ou da classe trabalhadora, outras são da classe média ou ainda mais privilegiadas. Suas histórias são ricamente desenhadas e muitas vezes comoventes. Mas o livro as coleta ao acaso e as espalha pelos capítulos sem muito nexo com as três personagens principais. Saímos querendo mais orientações sobre como tematizar essas riquezas narrativas.

O grande problema talvez seja que os guias precisam começar descobrindo sua própria localização. Para um escritor, especialmente em um projeto como The Inheritors, isso significa examinar sua relação com o tema. Significa recusar a fantasia de que se pode percorrer o texto sem atrito nem resto, como um fantasma ou um deus.

Não é que Fairbanks se retire completamente do texto. Além de relatar seu interesse juvenil por Stonewall Jackson, ela confessa ter trocado a “confiança diáfana e forçada” de sua infância por um sentimento crescente de “frustração” e “pavor” com os descaminhos dos Estados Unidos. Ela compara experiências pessoais, como brigas com antigos namorados, às fissuras cívicas da África do Sul, assumindo com otimismo que os méritos dessas analogias compensarão seu defeituoso senso de proporção. Ela também aparece constantemente em suas histórias, conversando com as personagens e visitando hospitais, fazendas e escolas com elas.

Celebração na África do Sul marca os 20 anos do fim do Apartheid  Foto: AP

Esta é presumivelmente a intimidade prometida no subtítulo do livro, mas é estranhamente unilateral. Fairbanks observa seus amigos e conhecidos lutarem com o mundo que herdaram e os ouve quando eles questionam suas escolhas e compromissos. Mas ela parece ter pouco interesse em seguir seu exemplo. Uma lição do livro é que as pessoas criadas em lugares cheios de significados raciais complicados devem tratar suas convicções sobre raça com desconfiança. Mas nunca parece ocorrer a Fairbanks que essa lição pode se aplicar a uma escritora americana branca que começou seu estudo sobre a África do Sul intrigada com um general confederado.

Uma intimidade mais equitativa poderia ter levado Fairbanks a dizer mais sobre por que ela foi para a África do Sul e como conheceu suas personagens (nunca ficamos sabendo nada a respeito). Ou a fazer melhor uso de sua mãe judia, cuja identidade parece não ter relação com a política racial da autora. Ou a deixar de lado a velha obsessão americana pelo preto e branco, um hábito mental que lhe permite evitar quase todas as menções às grandes e importantes populações indígenas e mestiças da África do Sul.

Talvez eu esteja pedindo um livro mais parecido com The Hidden Wound, de Wendell Berry, que encontra seu autor americano branco refletindo se ele realmente conhece os negros cujas histórias está tentando contar. Talvez seja um pedido inadequado. Afinal, Fairbanks nunca se propôs às tarefas do ensaísmo literário. Mas aí penso no livro de Wesley Lowery, They Can’t Kill Us All. Lowery, assim como Fairbanks, é jornalista.

Garoto observa um mural com desenho do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela em Johannesburgo, na África do Sul Foto: Dylan Martinez/Reuters

Ele se aproxima de Ferguson, Missouri, após o assassinato de Michael Brown pela polícia – assim como ela se aproxima da África do Sul após o apartheid – contando histórias sobre as pessoas fascinantes que vai encontrando pelo caminho. Mas ele também pergunta explicitamente o que a política do momento Black Lives Matter significa para ele e o que tudo isso exige dele como repórter, negro e cidadão. Fairbanks evita esse tipo de investigação pessoal, embora se possa argumentar que seja uma exigência de seu tema.

O que me traz de volta ao meu pensamento inicial sobre coquetéis. Às vezes a investigação mais profunda fica simplesmente fora de lugar. Às vezes basta entreter e fornecer algum ensinamento leve, especialmente quando a pessoa que está apresentando parte de um material muito rico, reunido com grande esforço e compartilhado com grande habilidade. Você pode se perguntar o que a pessoa que conta a história poderia fazer com esse material – escrever um romance ou um ensaio reflexivo, por exemplo. Mas, no fim das contas, a escolha é da pessoa que conta a história e foi assim que ela decidiu compartilhar essa história com você.

Paul C. Taylor é professor de filosofia da W. Alton Jones e professor de estudos afro-americanos e da diáspora na Universidade Vanderbilt./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The Inheritors: An Intimate Portrait of South Africa’s Racial Reckoning

Eve Fairbanks

Simon & Schuster - 399 páginas - US $27.99

THE WASHINGTON POST O contador de histórias mais talentoso no coquetel mais interessante dificilmente conseguiria fazer mais do que Eve Fairbanks conseguiu em The Inheritors: An Intimate Portrait of South Africa’s Racial Reckoning. Como este feito vai chegar aos leitores dependerá do que eles querem de um livro sobre esse tema.

The Inheritors parte de histórias de sul-africanos comuns para examinar os desafios da vida pós-apartheid. A missão de levantar uma república democrática das cinzas de um estado de supremacia branca atrai Fairbanks, nascida nos Estados Unidos, e provavelmente atrairá muitos leitores, tanto por causa do interesse humano intrínseco das histórias quanto por causa dos paralelos óbvios com os Estados Unidos. Ambos os países se organizaram de forma explícita, brutal e sistemática para beneficiar os brancos e oprimir todos os outros. (Nós demos a isso nomes como Jim Crow e “remoção de índios”, eles deram nomes como “apartheid” e “terras natais”). Ambos os países tentaram restabelecer seus projetos nacionais em bases menos alarmantes, mas descobriram que haviam construído muito melhor do que alguns de seus críticos imaginavam. Ambos descobriram que alcançar verdadeiramente o que chamamos de “reconstrução” e o que eles chamaram de “nova dispensação” é mais difícil do que a maioria das pessoas consegue admitir. Agora ambos os países estão tentando entender o que fazer após essa percepção infeliz.

A questão geral da vida após o apartheid na verdade abarca muitas questões menores, todas unidas pela dor das esperanças frustradas e pelos perigos das condições contemporâneas. Pobreza, agitação trabalhista, infraestrutura precária e muitos outros males continuam sendo características proeminentes da vida de muitos sul-africanos, muito depois do fim do governo da minoria branca. São problemas políticos com implicações psicológicas, enraizados na decepção de ver que a terra prometida continua muito distante.

A escritora Eve Fairbanks conta a história da África do Sul pós-apartheid Foto: Acervo Pessoal

Fairbanks explica que começou a explorar essas questões durante sua juventude na Virgínia dos anos 1990, quando se viu fascinada pelo general confederado Stonewall Jackson. Seu interesse não se concentrava nos odiosos compromissos políticos, mas nas questões existenciais que ele teria enfrentado se tivesse sobrevivido à Guerra Civil. Todo confederado sincero enfrentou essas questões de alguma forma, pois a vitória do Norte sinalizava o repúdio oficial aos valores nos quais apostaram suas vidas. Mas o famoso compromisso de Jackson com a retidão pessoal teve uma ressonância especial para Fairbanks. O que alguém que se preocupa apaixonadamente com a ação correta e a boa cidadania faz quando o significado do certo e do bem muda da noite para o dia? Como essa pessoa pode contribuir para a sociedade que rejeita os valores que definem seu próprio ser?

É claro que os Estados Unidos nunca levaram essas questões tão a sério quanto deveriam. A supremacia branca se reorganizou e se reafirmou, conseguiu mais um século de dominação aberta e, depois disso, lançou as bases para o que quer que Donald Trump tenha escancarado. Essas tentativas hesitantes de reconstrução racial levaram Fairbanks a olhar para a África do Sul, cujo povo “nunca teve o luxo de perambular no precipício psicológico de uma grande mudança. Em um piscar de olhos, na contagem de um único voto, eles já estavam lá”.

Alguém pode se perguntar se “perambular” é a palavra certa para descrever campanhas violentas de terror racista e programas sistemáticos de políticas opressivas, mas Fairbanks está no caminho certo. Mais de cinquenta anos separaram a ascensão de Martin Luther King Jr. em Montgomery e da ascensão de Barack Obama ao Salão Oval. Em contraste, o sul-africano Nelson Mandela passou da prisão política à presidência em apenas três anos (embora depois de quase três décadas atrás das grades). Os Estados Unidos estão só começando a lidar com a perspectiva de sua população branca não mais constituir uma maioria demográfica. Os brancos da África do Sul eram minoria o tempo todo. Olhar para o sul, então, deve dar aos leitores de Fairbanks um vislumbre de para onde os Estados Unidos estão indo.

O secretário de estado Antony Blinken conversa com Antoinette Sithole, irmã de Hector Pieterson, no memorial em Soweto que leva o nome do ativista, símbolo da luta contra o Apartheid  Foto: Andrew Harnik/AFP

A linha mestra do livro vem das histórias de suas três personagens principais: Dipuo, ativista de Soweto; Malaika, a filha de Dipuo; e um ex-oficial das forças especiais chamado Christo. Acompanhamos todos os três desde a infância até o presente, desde a vida de Dipuo na cidade e a vida de Christo no campo agrícola africâner, com seu trabalho nas lutas a favor e contra o apartheid, até o mundo pós-apartheid que os confronta com as consequências de suas escolhas. Aqui começamos a seguir Malaika, desde sua concepção alguns meses após a libertação de Mandela da cadeia até a universidade, com suas próprias formas de ativismo e a aproximação de um empresário negro, que para ela é uma figura paterna.

À medida que essas vidas se desenrolam languidamente nos 34 capítulos do livro, o mundo pós-apartheid entra em foco. As histórias das personagens principais se ramificam em histórias sobre outras pessoas e, a partir daí, em sumários maravilhosamente acessíveis da história e política sul-africanas. Os leitores que já conhecem algo sobre o país encontrarão lembretes úteis e exemplos comoventes. Leitores menos experientes encontrarão pontos de entrada concisos e envolventes.

Fairbanks também traz insights sobre os desafios da psicologia moral pós-apartheid. Suas personagens lidam com emoções racialmente carregadas como vergonha e culpa, pena e penitência, e ela extrai lições úteis de seus esforços. Um relacionamento mais próximo com a vasta literatura acadêmica sobre essas questões não faria mal, mas felizmente é possível dispensar a especialização acadêmica quando os escritores oferecem outras compensações.

Infelizmente, Fairbanks bloqueia o caminho para essas compensações entupindo o livro com personagens secundárias. Algumas dessas pessoas têm nomes, outras não. Algumas são pobres ou da classe trabalhadora, outras são da classe média ou ainda mais privilegiadas. Suas histórias são ricamente desenhadas e muitas vezes comoventes. Mas o livro as coleta ao acaso e as espalha pelos capítulos sem muito nexo com as três personagens principais. Saímos querendo mais orientações sobre como tematizar essas riquezas narrativas.

O grande problema talvez seja que os guias precisam começar descobrindo sua própria localização. Para um escritor, especialmente em um projeto como The Inheritors, isso significa examinar sua relação com o tema. Significa recusar a fantasia de que se pode percorrer o texto sem atrito nem resto, como um fantasma ou um deus.

Não é que Fairbanks se retire completamente do texto. Além de relatar seu interesse juvenil por Stonewall Jackson, ela confessa ter trocado a “confiança diáfana e forçada” de sua infância por um sentimento crescente de “frustração” e “pavor” com os descaminhos dos Estados Unidos. Ela compara experiências pessoais, como brigas com antigos namorados, às fissuras cívicas da África do Sul, assumindo com otimismo que os méritos dessas analogias compensarão seu defeituoso senso de proporção. Ela também aparece constantemente em suas histórias, conversando com as personagens e visitando hospitais, fazendas e escolas com elas.

Celebração na África do Sul marca os 20 anos do fim do Apartheid  Foto: AP

Esta é presumivelmente a intimidade prometida no subtítulo do livro, mas é estranhamente unilateral. Fairbanks observa seus amigos e conhecidos lutarem com o mundo que herdaram e os ouve quando eles questionam suas escolhas e compromissos. Mas ela parece ter pouco interesse em seguir seu exemplo. Uma lição do livro é que as pessoas criadas em lugares cheios de significados raciais complicados devem tratar suas convicções sobre raça com desconfiança. Mas nunca parece ocorrer a Fairbanks que essa lição pode se aplicar a uma escritora americana branca que começou seu estudo sobre a África do Sul intrigada com um general confederado.

Uma intimidade mais equitativa poderia ter levado Fairbanks a dizer mais sobre por que ela foi para a África do Sul e como conheceu suas personagens (nunca ficamos sabendo nada a respeito). Ou a fazer melhor uso de sua mãe judia, cuja identidade parece não ter relação com a política racial da autora. Ou a deixar de lado a velha obsessão americana pelo preto e branco, um hábito mental que lhe permite evitar quase todas as menções às grandes e importantes populações indígenas e mestiças da África do Sul.

Talvez eu esteja pedindo um livro mais parecido com The Hidden Wound, de Wendell Berry, que encontra seu autor americano branco refletindo se ele realmente conhece os negros cujas histórias está tentando contar. Talvez seja um pedido inadequado. Afinal, Fairbanks nunca se propôs às tarefas do ensaísmo literário. Mas aí penso no livro de Wesley Lowery, They Can’t Kill Us All. Lowery, assim como Fairbanks, é jornalista.

Garoto observa um mural com desenho do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela em Johannesburgo, na África do Sul Foto: Dylan Martinez/Reuters

Ele se aproxima de Ferguson, Missouri, após o assassinato de Michael Brown pela polícia – assim como ela se aproxima da África do Sul após o apartheid – contando histórias sobre as pessoas fascinantes que vai encontrando pelo caminho. Mas ele também pergunta explicitamente o que a política do momento Black Lives Matter significa para ele e o que tudo isso exige dele como repórter, negro e cidadão. Fairbanks evita esse tipo de investigação pessoal, embora se possa argumentar que seja uma exigência de seu tema.

O que me traz de volta ao meu pensamento inicial sobre coquetéis. Às vezes a investigação mais profunda fica simplesmente fora de lugar. Às vezes basta entreter e fornecer algum ensinamento leve, especialmente quando a pessoa que está apresentando parte de um material muito rico, reunido com grande esforço e compartilhado com grande habilidade. Você pode se perguntar o que a pessoa que conta a história poderia fazer com esse material – escrever um romance ou um ensaio reflexivo, por exemplo. Mas, no fim das contas, a escolha é da pessoa que conta a história e foi assim que ela decidiu compartilhar essa história com você.

Paul C. Taylor é professor de filosofia da W. Alton Jones e professor de estudos afro-americanos e da diáspora na Universidade Vanderbilt./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The Inheritors: An Intimate Portrait of South Africa’s Racial Reckoning

Eve Fairbanks

Simon & Schuster - 399 páginas - US $27.99

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