Thomas Mallon faz um retrato da Nova York de 1980 em ‘Up With the Sun’


Narrativa parte do encontro de Dick, o protagonista, e um pianista na véspera do assassinato do ator

Por Matthew Specktor

THE WASHINGTON POST - A história de Hollywood está cheia de promessas esquecidas, então tudo bem se você não se lembrar de Dick Kallman, ator da Broadway que virou ator de televisão cuja carreira atingiu um fugaz apogeu quando ele estrelou uma sitcom chamada Hank, em 1965. Depois do cancelamento do programa no ano seguinte, Kallman só veio a ganhar outra manchete em 1980, quando – tendo se aposentado do showbusiness e se transformado em um negociante de antiguidades de sucesso – ele e seu parceiro foram brutalmente assassinados em seu apartamento em Manhattan durante um assalto que deu errado.

Que este episódio escandaloso esteja no centro do novo romance de Thomas Mallon, Up With the Sun, pode parecer estranho, dada a destreza com que Mallon vem entretecendo personagens secundárias no grande tecido da história desde Henry e Clara, de 1994. Esse romance, que contava uma história de amantes infelizes contra o pano de fundo do assassinato de Abraham Lincoln, foi seguido por outros em que Mallon abordou a longa sombra da eleição de 1948 (Dewey Defeats Truman, de 1997), as audiências de McCarthy (Fellow Travelers, de 2007) e o segundo mandato caótico de George W. Bush (Landfall, de 2019). Então, a morte digna de tabloide de um ator esquecido parece bastante estreita para um romancista com as vastas habilidades de Mallon.

Thomas Mallon na Feira do Livro do Texas Foto: Wikimedia Commons
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Mas essa estranheza desaparece quando o livro começa e somos imediatamente seduzidos por seu retrato perspicaz da Nova York de 1980, sua evocação do período e sua descrição ágil de um encontro entre Dick e um pianista chamado Matt Liannetta na véspera do assassinato do ator.

Matt, nosso narrador, não parece gostar muito de Dick – ninguém gosta – mas eles se conhecem desde o início dos anos 1950, quando Dick era um substituto em um musical chamado Seventeen e Matt era pianista na orquestra do espetáculo. Esta noite, Matt está trabalhando no fosso de uma malfadada adaptação musical de Harold and Maude, e Dick é escudeiro da atriz Dolores Gray, uma das muitas figuras renomadas que fazem aparições ao longo do romance.

Quando Dick apresenta Dolores como sua parceira de negócios, Matt por um instante entende errado (“Por um segundo, pensei que ele queria dizer parceiros de um jeito horrível, feito Judy-Garland-e-marido-bicha-número-quatro”) antes de aceitar um convite para passar na casa de Dick para jantar depois do show. Quando ele faz isso – ele ouve, mas não vê, os homens que depois serão presos pelo assassinato de Dick – acaba se tornando uma das últimas pessoas a ver Dick vivo, o que o põe no centro da investigação policial que se segue. O romance traz seções que se passam no presente de Matt na era Reagan e outras (contadas na terceira pessoa) que seguem a carreira de Kallman desde a estreia na Broadway em 1951 até sua morte.

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Quando digo que ninguém gosta muito de Dick, quero dizer ninguém mesmo: nem Dyan Cannon, que divide o palco com Dick

Quando digo que ninguém gosta muito de Dick, quero dizer ninguém mesmo: nem Dyan Cannon, que divide o palco com Dick na produção de How to Succeed in Business Without Really Trying em 1964; nem Lucie Arnaz, que conheceu Dick quando ele estudava na oficina de atuação de sua mãe, Lucille Ball, em 1959; e muito menos Kenneth Nelson, o protagonista de Seventeen por quem Dick sofrerá o resto da vida depois de ver repelidas suas desajeitadas tentativas românticas.

As ambições de Dick, sua ganância, seus modos desagradavelmente insinuantes e sua total falta de escrúpulos na carreira infinitamente frustrada (há mais do que um toque do intrigante roteirista Pat Hobby, de F. Scott Fitzgerald) incomodam todo mundo. Como Matt diz durante um raro momento de apatia para o ator, “Ainda dava para ouvir os metais, mas parecia que alguém tinha enfiado uma surdina no meio dos seus setenta e seis trombones”.

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Ainda assim, o que surge à medida que o livro se desenrola é uma representação melancólica e muitas vezes deslumbrante do contraste – ou, na verdade, do continuum – entre a vida gay na Manhattan antes de Stonewall e a vida às vésperas da epidemia de AIDS, um contraste que fica mais nítido e infinitamente mais triste à medida que o livro avança.

Detalhe da capa do novo livro de Thomas Mallon Foto: Knopf Books

Mesmo que o mistério que envolve o assassinato de Dick seja uma intriga simplória e que haja um leve cheiro de artifício barato – o pequeno alfinete de diamante que Dick tenta dar de presente a Kenneth Nelson ressurge em momentos-chave do romance – na se compara à trama vasta e abrangente que aparece no quarto final do livro, quando se revela o verdadeiro tema histórico de Mallon.

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“Por toda a minha vida amei o passado como um lugar que pode nos salvar do presente”, Matt reflete a certa altura, “um lugar que sua imaginação pode deixar tão bonito quanto os apartamentos bidimensionais dos cenários de Seventeen”. Mas, é claro, o passado não é nada disso, e o grande triunfo de Up With the Sun é apresentar seu mundo não em duas dimensões, mas em três, para tornar a vida de um par de músicos periféricos não apenas operística, mas genuína e devastadoramente trágica.

Matthew Specktor é o autor de American Dream Machine, That Summertime Sound e Always Crashing in the Same Car.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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Up With the Sun

Thomas Mallon

Knopf - 352 páginas - US$ 28

THE WASHINGTON POST - A história de Hollywood está cheia de promessas esquecidas, então tudo bem se você não se lembrar de Dick Kallman, ator da Broadway que virou ator de televisão cuja carreira atingiu um fugaz apogeu quando ele estrelou uma sitcom chamada Hank, em 1965. Depois do cancelamento do programa no ano seguinte, Kallman só veio a ganhar outra manchete em 1980, quando – tendo se aposentado do showbusiness e se transformado em um negociante de antiguidades de sucesso – ele e seu parceiro foram brutalmente assassinados em seu apartamento em Manhattan durante um assalto que deu errado.

Que este episódio escandaloso esteja no centro do novo romance de Thomas Mallon, Up With the Sun, pode parecer estranho, dada a destreza com que Mallon vem entretecendo personagens secundárias no grande tecido da história desde Henry e Clara, de 1994. Esse romance, que contava uma história de amantes infelizes contra o pano de fundo do assassinato de Abraham Lincoln, foi seguido por outros em que Mallon abordou a longa sombra da eleição de 1948 (Dewey Defeats Truman, de 1997), as audiências de McCarthy (Fellow Travelers, de 2007) e o segundo mandato caótico de George W. Bush (Landfall, de 2019). Então, a morte digna de tabloide de um ator esquecido parece bastante estreita para um romancista com as vastas habilidades de Mallon.

Thomas Mallon na Feira do Livro do Texas Foto: Wikimedia Commons

Mas essa estranheza desaparece quando o livro começa e somos imediatamente seduzidos por seu retrato perspicaz da Nova York de 1980, sua evocação do período e sua descrição ágil de um encontro entre Dick e um pianista chamado Matt Liannetta na véspera do assassinato do ator.

Matt, nosso narrador, não parece gostar muito de Dick – ninguém gosta – mas eles se conhecem desde o início dos anos 1950, quando Dick era um substituto em um musical chamado Seventeen e Matt era pianista na orquestra do espetáculo. Esta noite, Matt está trabalhando no fosso de uma malfadada adaptação musical de Harold and Maude, e Dick é escudeiro da atriz Dolores Gray, uma das muitas figuras renomadas que fazem aparições ao longo do romance.

Quando Dick apresenta Dolores como sua parceira de negócios, Matt por um instante entende errado (“Por um segundo, pensei que ele queria dizer parceiros de um jeito horrível, feito Judy-Garland-e-marido-bicha-número-quatro”) antes de aceitar um convite para passar na casa de Dick para jantar depois do show. Quando ele faz isso – ele ouve, mas não vê, os homens que depois serão presos pelo assassinato de Dick – acaba se tornando uma das últimas pessoas a ver Dick vivo, o que o põe no centro da investigação policial que se segue. O romance traz seções que se passam no presente de Matt na era Reagan e outras (contadas na terceira pessoa) que seguem a carreira de Kallman desde a estreia na Broadway em 1951 até sua morte.

Quando digo que ninguém gosta muito de Dick, quero dizer ninguém mesmo: nem Dyan Cannon, que divide o palco com Dick

Quando digo que ninguém gosta muito de Dick, quero dizer ninguém mesmo: nem Dyan Cannon, que divide o palco com Dick na produção de How to Succeed in Business Without Really Trying em 1964; nem Lucie Arnaz, que conheceu Dick quando ele estudava na oficina de atuação de sua mãe, Lucille Ball, em 1959; e muito menos Kenneth Nelson, o protagonista de Seventeen por quem Dick sofrerá o resto da vida depois de ver repelidas suas desajeitadas tentativas românticas.

As ambições de Dick, sua ganância, seus modos desagradavelmente insinuantes e sua total falta de escrúpulos na carreira infinitamente frustrada (há mais do que um toque do intrigante roteirista Pat Hobby, de F. Scott Fitzgerald) incomodam todo mundo. Como Matt diz durante um raro momento de apatia para o ator, “Ainda dava para ouvir os metais, mas parecia que alguém tinha enfiado uma surdina no meio dos seus setenta e seis trombones”.

Ainda assim, o que surge à medida que o livro se desenrola é uma representação melancólica e muitas vezes deslumbrante do contraste – ou, na verdade, do continuum – entre a vida gay na Manhattan antes de Stonewall e a vida às vésperas da epidemia de AIDS, um contraste que fica mais nítido e infinitamente mais triste à medida que o livro avança.

Detalhe da capa do novo livro de Thomas Mallon Foto: Knopf Books

Mesmo que o mistério que envolve o assassinato de Dick seja uma intriga simplória e que haja um leve cheiro de artifício barato – o pequeno alfinete de diamante que Dick tenta dar de presente a Kenneth Nelson ressurge em momentos-chave do romance – na se compara à trama vasta e abrangente que aparece no quarto final do livro, quando se revela o verdadeiro tema histórico de Mallon.

“Por toda a minha vida amei o passado como um lugar que pode nos salvar do presente”, Matt reflete a certa altura, “um lugar que sua imaginação pode deixar tão bonito quanto os apartamentos bidimensionais dos cenários de Seventeen”. Mas, é claro, o passado não é nada disso, e o grande triunfo de Up With the Sun é apresentar seu mundo não em duas dimensões, mas em três, para tornar a vida de um par de músicos periféricos não apenas operística, mas genuína e devastadoramente trágica.

Matthew Specktor é o autor de American Dream Machine, That Summertime Sound e Always Crashing in the Same Car.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Up With the Sun

Thomas Mallon

Knopf - 352 páginas - US$ 28

THE WASHINGTON POST - A história de Hollywood está cheia de promessas esquecidas, então tudo bem se você não se lembrar de Dick Kallman, ator da Broadway que virou ator de televisão cuja carreira atingiu um fugaz apogeu quando ele estrelou uma sitcom chamada Hank, em 1965. Depois do cancelamento do programa no ano seguinte, Kallman só veio a ganhar outra manchete em 1980, quando – tendo se aposentado do showbusiness e se transformado em um negociante de antiguidades de sucesso – ele e seu parceiro foram brutalmente assassinados em seu apartamento em Manhattan durante um assalto que deu errado.

Que este episódio escandaloso esteja no centro do novo romance de Thomas Mallon, Up With the Sun, pode parecer estranho, dada a destreza com que Mallon vem entretecendo personagens secundárias no grande tecido da história desde Henry e Clara, de 1994. Esse romance, que contava uma história de amantes infelizes contra o pano de fundo do assassinato de Abraham Lincoln, foi seguido por outros em que Mallon abordou a longa sombra da eleição de 1948 (Dewey Defeats Truman, de 1997), as audiências de McCarthy (Fellow Travelers, de 2007) e o segundo mandato caótico de George W. Bush (Landfall, de 2019). Então, a morte digna de tabloide de um ator esquecido parece bastante estreita para um romancista com as vastas habilidades de Mallon.

Thomas Mallon na Feira do Livro do Texas Foto: Wikimedia Commons

Mas essa estranheza desaparece quando o livro começa e somos imediatamente seduzidos por seu retrato perspicaz da Nova York de 1980, sua evocação do período e sua descrição ágil de um encontro entre Dick e um pianista chamado Matt Liannetta na véspera do assassinato do ator.

Matt, nosso narrador, não parece gostar muito de Dick – ninguém gosta – mas eles se conhecem desde o início dos anos 1950, quando Dick era um substituto em um musical chamado Seventeen e Matt era pianista na orquestra do espetáculo. Esta noite, Matt está trabalhando no fosso de uma malfadada adaptação musical de Harold and Maude, e Dick é escudeiro da atriz Dolores Gray, uma das muitas figuras renomadas que fazem aparições ao longo do romance.

Quando Dick apresenta Dolores como sua parceira de negócios, Matt por um instante entende errado (“Por um segundo, pensei que ele queria dizer parceiros de um jeito horrível, feito Judy-Garland-e-marido-bicha-número-quatro”) antes de aceitar um convite para passar na casa de Dick para jantar depois do show. Quando ele faz isso – ele ouve, mas não vê, os homens que depois serão presos pelo assassinato de Dick – acaba se tornando uma das últimas pessoas a ver Dick vivo, o que o põe no centro da investigação policial que se segue. O romance traz seções que se passam no presente de Matt na era Reagan e outras (contadas na terceira pessoa) que seguem a carreira de Kallman desde a estreia na Broadway em 1951 até sua morte.

Quando digo que ninguém gosta muito de Dick, quero dizer ninguém mesmo: nem Dyan Cannon, que divide o palco com Dick

Quando digo que ninguém gosta muito de Dick, quero dizer ninguém mesmo: nem Dyan Cannon, que divide o palco com Dick na produção de How to Succeed in Business Without Really Trying em 1964; nem Lucie Arnaz, que conheceu Dick quando ele estudava na oficina de atuação de sua mãe, Lucille Ball, em 1959; e muito menos Kenneth Nelson, o protagonista de Seventeen por quem Dick sofrerá o resto da vida depois de ver repelidas suas desajeitadas tentativas românticas.

As ambições de Dick, sua ganância, seus modos desagradavelmente insinuantes e sua total falta de escrúpulos na carreira infinitamente frustrada (há mais do que um toque do intrigante roteirista Pat Hobby, de F. Scott Fitzgerald) incomodam todo mundo. Como Matt diz durante um raro momento de apatia para o ator, “Ainda dava para ouvir os metais, mas parecia que alguém tinha enfiado uma surdina no meio dos seus setenta e seis trombones”.

Ainda assim, o que surge à medida que o livro se desenrola é uma representação melancólica e muitas vezes deslumbrante do contraste – ou, na verdade, do continuum – entre a vida gay na Manhattan antes de Stonewall e a vida às vésperas da epidemia de AIDS, um contraste que fica mais nítido e infinitamente mais triste à medida que o livro avança.

Detalhe da capa do novo livro de Thomas Mallon Foto: Knopf Books

Mesmo que o mistério que envolve o assassinato de Dick seja uma intriga simplória e que haja um leve cheiro de artifício barato – o pequeno alfinete de diamante que Dick tenta dar de presente a Kenneth Nelson ressurge em momentos-chave do romance – na se compara à trama vasta e abrangente que aparece no quarto final do livro, quando se revela o verdadeiro tema histórico de Mallon.

“Por toda a minha vida amei o passado como um lugar que pode nos salvar do presente”, Matt reflete a certa altura, “um lugar que sua imaginação pode deixar tão bonito quanto os apartamentos bidimensionais dos cenários de Seventeen”. Mas, é claro, o passado não é nada disso, e o grande triunfo de Up With the Sun é apresentar seu mundo não em duas dimensões, mas em três, para tornar a vida de um par de músicos periféricos não apenas operística, mas genuína e devastadoramente trágica.

Matthew Specktor é o autor de American Dream Machine, That Summertime Sound e Always Crashing in the Same Car.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Up With the Sun

Thomas Mallon

Knopf - 352 páginas - US$ 28

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