‘Véspera’ parte de drama do Velho Testamento


Polêmico, livro de Carla Madeira coloca em xeque conceitos de irmandade e maternalismo

Por Faustino Rodrigues

Lidar com mitos em produções artísticas traz o desafio da manipulação de um tema atual através de uma narrativa geralmente conhecida. Neste caso, o processo criativo tende a ficar condicionado à capacidade de interpretação das lendas e leitura da contemporaneidade que o autor pode ter. Isso é uma das formas de se conseguir tanto chamar a atenção para a temática presente quanto para a atualização mitológica.  Recentemente a Editora Record publicou o terceiro romance de Carla Madeira, Véspera. O entusiasmo criado com a produção literária da autora de Tudo é rio (2014) e A natureza da mordida (2018) não é em vão. Isso porque ela consegue manter as expectativas derivadas de seus dois primeiros romances. Madeira sustenta uma identidade construída na literatura, de levar em conta as pulsões dos sujeitos, manipulando-as na narrativa através de uma tênue linha que as separa do amor. Em seu mais recente livro, a escritora mineira vai além, pois toma a mitologia para atualizar a sua escrita. E o faz com muita prodigalidade. 

'Caim e Abel', tela de Tintoretto que está na Accademia de Veneza Foto: Accademia de Veneza

Véspera é um livro sobre o amor, em suas mais diferentes formas de manifestação. O risco de se cair em uma narrativa pobre, desprovida da problematização digna de um tema tão sério, e sempre atual, é grande. Aqui, isso não ocorre. A história inicia com Antunes, um alcoólatra convicto, que, em um de seus rompantes afetivos, registra os filhos gêmeos com os nomes de Caim e Abel. Custódia, a esposa de extremo fervor religioso e que apenas tolerava o temperamento do apaixonado marido com uma obrigação de fé, lança-se à fúria e ao desgosto, passando a odiá-lo ao se deparar com a provocação bíblica.  A história se desenrola com o crescimento das crianças e sobre como elas lidam com o peso de seus nomes e da mitologia que carrega, através do acento nas distinções entre os dois personagens principais. Todos sabem quem foi quem. O julgamento já está dado. E, como na bíblia, apenas há Caim se houver Abel. A existência de um está condicionada à do outro. E talvez aí esteja o assassinato atual. As diferenças entre os personagens são construídas com as características pessoais das personagens expostas de maneira vigorosa e bastante envolvente, sem perder o tom da escrita. Não falta homogeneidade à obra. Tem-se a impressão de que o livro foi escrito de uma única vez. Não há momentos dissonantes. Não é uma narrativa silenciosa, tampouco rápida, mas bastante sincopada. Assim, a autora consegue manter uma afinidade entre o crescimento dos irmãos e a cadência da leitura. 

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Deve-se chamar a atenção, ainda, para a trama paralela presente no livro. Na verdade, são duas histórias entrecortadas. A já mencionada de Caim e Abel começa no capítulo 18, com a sua numeração decrescendo até um epílogo, o capítulo “Antes do fim”. A de Vedina – uma mãe que surta em meio a suas obrigações domésticas e abandona o filho de cinco anos no meio da rua – segue a numeração normal.  Madeira demonstra como as histórias se encontram emaranhadas, ao mesmo tempo em que apresenta a narrativa de Caim e Abel quase que com uma contagem regressiva. Gera uma expectativa positiva no leitor, detentor de um repertório pelo menos em torno da mitologia bíblica.  A história de Vedina, cuja adolescência se encontra com a de Caim e Abel, é angustiante. Ao passo que a dos irmãos é quase uma epopeia, no sentido metafórico do termo. Autora manipula os sentimentos que se encontram na ordem do dia entre o mais comum dos seres humanos que insiste cotidianamente que o amor é a solução para tudo. Parafraseando outra jovem e prodigiosa escritora, Ayelet Gundar Goshen, autora de Uma noite, Markovitch, “o amor não necessariamente traz felicidade”. Véspera demonstra essa premissa com vivacidade. Coloca o leitor contra a parede, o leitor de uma sociedade crente de que as coisas, materiais ou não, se encontram acessíveis a todos. Uma sociedade ávida por soluções fáceis, reproduzindo uma ansiedade e angústia permanentes ao perceber que, apesar de supostamente poder ter tudo, pode nada conseguir. Definitivamente, uma atualização do mito, conforme mencionado no princípio deste texto.

Lidar com mitos em produções artísticas traz o desafio da manipulação de um tema atual através de uma narrativa geralmente conhecida. Neste caso, o processo criativo tende a ficar condicionado à capacidade de interpretação das lendas e leitura da contemporaneidade que o autor pode ter. Isso é uma das formas de se conseguir tanto chamar a atenção para a temática presente quanto para a atualização mitológica.  Recentemente a Editora Record publicou o terceiro romance de Carla Madeira, Véspera. O entusiasmo criado com a produção literária da autora de Tudo é rio (2014) e A natureza da mordida (2018) não é em vão. Isso porque ela consegue manter as expectativas derivadas de seus dois primeiros romances. Madeira sustenta uma identidade construída na literatura, de levar em conta as pulsões dos sujeitos, manipulando-as na narrativa através de uma tênue linha que as separa do amor. Em seu mais recente livro, a escritora mineira vai além, pois toma a mitologia para atualizar a sua escrita. E o faz com muita prodigalidade. 

'Caim e Abel', tela de Tintoretto que está na Accademia de Veneza Foto: Accademia de Veneza

Véspera é um livro sobre o amor, em suas mais diferentes formas de manifestação. O risco de se cair em uma narrativa pobre, desprovida da problematização digna de um tema tão sério, e sempre atual, é grande. Aqui, isso não ocorre. A história inicia com Antunes, um alcoólatra convicto, que, em um de seus rompantes afetivos, registra os filhos gêmeos com os nomes de Caim e Abel. Custódia, a esposa de extremo fervor religioso e que apenas tolerava o temperamento do apaixonado marido com uma obrigação de fé, lança-se à fúria e ao desgosto, passando a odiá-lo ao se deparar com a provocação bíblica.  A história se desenrola com o crescimento das crianças e sobre como elas lidam com o peso de seus nomes e da mitologia que carrega, através do acento nas distinções entre os dois personagens principais. Todos sabem quem foi quem. O julgamento já está dado. E, como na bíblia, apenas há Caim se houver Abel. A existência de um está condicionada à do outro. E talvez aí esteja o assassinato atual. As diferenças entre os personagens são construídas com as características pessoais das personagens expostas de maneira vigorosa e bastante envolvente, sem perder o tom da escrita. Não falta homogeneidade à obra. Tem-se a impressão de que o livro foi escrito de uma única vez. Não há momentos dissonantes. Não é uma narrativa silenciosa, tampouco rápida, mas bastante sincopada. Assim, a autora consegue manter uma afinidade entre o crescimento dos irmãos e a cadência da leitura. 

Deve-se chamar a atenção, ainda, para a trama paralela presente no livro. Na verdade, são duas histórias entrecortadas. A já mencionada de Caim e Abel começa no capítulo 18, com a sua numeração decrescendo até um epílogo, o capítulo “Antes do fim”. A de Vedina – uma mãe que surta em meio a suas obrigações domésticas e abandona o filho de cinco anos no meio da rua – segue a numeração normal.  Madeira demonstra como as histórias se encontram emaranhadas, ao mesmo tempo em que apresenta a narrativa de Caim e Abel quase que com uma contagem regressiva. Gera uma expectativa positiva no leitor, detentor de um repertório pelo menos em torno da mitologia bíblica.  A história de Vedina, cuja adolescência se encontra com a de Caim e Abel, é angustiante. Ao passo que a dos irmãos é quase uma epopeia, no sentido metafórico do termo. Autora manipula os sentimentos que se encontram na ordem do dia entre o mais comum dos seres humanos que insiste cotidianamente que o amor é a solução para tudo. Parafraseando outra jovem e prodigiosa escritora, Ayelet Gundar Goshen, autora de Uma noite, Markovitch, “o amor não necessariamente traz felicidade”. Véspera demonstra essa premissa com vivacidade. Coloca o leitor contra a parede, o leitor de uma sociedade crente de que as coisas, materiais ou não, se encontram acessíveis a todos. Uma sociedade ávida por soluções fáceis, reproduzindo uma ansiedade e angústia permanentes ao perceber que, apesar de supostamente poder ter tudo, pode nada conseguir. Definitivamente, uma atualização do mito, conforme mencionado no princípio deste texto.

Lidar com mitos em produções artísticas traz o desafio da manipulação de um tema atual através de uma narrativa geralmente conhecida. Neste caso, o processo criativo tende a ficar condicionado à capacidade de interpretação das lendas e leitura da contemporaneidade que o autor pode ter. Isso é uma das formas de se conseguir tanto chamar a atenção para a temática presente quanto para a atualização mitológica.  Recentemente a Editora Record publicou o terceiro romance de Carla Madeira, Véspera. O entusiasmo criado com a produção literária da autora de Tudo é rio (2014) e A natureza da mordida (2018) não é em vão. Isso porque ela consegue manter as expectativas derivadas de seus dois primeiros romances. Madeira sustenta uma identidade construída na literatura, de levar em conta as pulsões dos sujeitos, manipulando-as na narrativa através de uma tênue linha que as separa do amor. Em seu mais recente livro, a escritora mineira vai além, pois toma a mitologia para atualizar a sua escrita. E o faz com muita prodigalidade. 

'Caim e Abel', tela de Tintoretto que está na Accademia de Veneza Foto: Accademia de Veneza

Véspera é um livro sobre o amor, em suas mais diferentes formas de manifestação. O risco de se cair em uma narrativa pobre, desprovida da problematização digna de um tema tão sério, e sempre atual, é grande. Aqui, isso não ocorre. A história inicia com Antunes, um alcoólatra convicto, que, em um de seus rompantes afetivos, registra os filhos gêmeos com os nomes de Caim e Abel. Custódia, a esposa de extremo fervor religioso e que apenas tolerava o temperamento do apaixonado marido com uma obrigação de fé, lança-se à fúria e ao desgosto, passando a odiá-lo ao se deparar com a provocação bíblica.  A história se desenrola com o crescimento das crianças e sobre como elas lidam com o peso de seus nomes e da mitologia que carrega, através do acento nas distinções entre os dois personagens principais. Todos sabem quem foi quem. O julgamento já está dado. E, como na bíblia, apenas há Caim se houver Abel. A existência de um está condicionada à do outro. E talvez aí esteja o assassinato atual. As diferenças entre os personagens são construídas com as características pessoais das personagens expostas de maneira vigorosa e bastante envolvente, sem perder o tom da escrita. Não falta homogeneidade à obra. Tem-se a impressão de que o livro foi escrito de uma única vez. Não há momentos dissonantes. Não é uma narrativa silenciosa, tampouco rápida, mas bastante sincopada. Assim, a autora consegue manter uma afinidade entre o crescimento dos irmãos e a cadência da leitura. 

Deve-se chamar a atenção, ainda, para a trama paralela presente no livro. Na verdade, são duas histórias entrecortadas. A já mencionada de Caim e Abel começa no capítulo 18, com a sua numeração decrescendo até um epílogo, o capítulo “Antes do fim”. A de Vedina – uma mãe que surta em meio a suas obrigações domésticas e abandona o filho de cinco anos no meio da rua – segue a numeração normal.  Madeira demonstra como as histórias se encontram emaranhadas, ao mesmo tempo em que apresenta a narrativa de Caim e Abel quase que com uma contagem regressiva. Gera uma expectativa positiva no leitor, detentor de um repertório pelo menos em torno da mitologia bíblica.  A história de Vedina, cuja adolescência se encontra com a de Caim e Abel, é angustiante. Ao passo que a dos irmãos é quase uma epopeia, no sentido metafórico do termo. Autora manipula os sentimentos que se encontram na ordem do dia entre o mais comum dos seres humanos que insiste cotidianamente que o amor é a solução para tudo. Parafraseando outra jovem e prodigiosa escritora, Ayelet Gundar Goshen, autora de Uma noite, Markovitch, “o amor não necessariamente traz felicidade”. Véspera demonstra essa premissa com vivacidade. Coloca o leitor contra a parede, o leitor de uma sociedade crente de que as coisas, materiais ou não, se encontram acessíveis a todos. Uma sociedade ávida por soluções fáceis, reproduzindo uma ansiedade e angústia permanentes ao perceber que, apesar de supostamente poder ter tudo, pode nada conseguir. Definitivamente, uma atualização do mito, conforme mencionado no princípio deste texto.

Lidar com mitos em produções artísticas traz o desafio da manipulação de um tema atual através de uma narrativa geralmente conhecida. Neste caso, o processo criativo tende a ficar condicionado à capacidade de interpretação das lendas e leitura da contemporaneidade que o autor pode ter. Isso é uma das formas de se conseguir tanto chamar a atenção para a temática presente quanto para a atualização mitológica.  Recentemente a Editora Record publicou o terceiro romance de Carla Madeira, Véspera. O entusiasmo criado com a produção literária da autora de Tudo é rio (2014) e A natureza da mordida (2018) não é em vão. Isso porque ela consegue manter as expectativas derivadas de seus dois primeiros romances. Madeira sustenta uma identidade construída na literatura, de levar em conta as pulsões dos sujeitos, manipulando-as na narrativa através de uma tênue linha que as separa do amor. Em seu mais recente livro, a escritora mineira vai além, pois toma a mitologia para atualizar a sua escrita. E o faz com muita prodigalidade. 

'Caim e Abel', tela de Tintoretto que está na Accademia de Veneza Foto: Accademia de Veneza

Véspera é um livro sobre o amor, em suas mais diferentes formas de manifestação. O risco de se cair em uma narrativa pobre, desprovida da problematização digna de um tema tão sério, e sempre atual, é grande. Aqui, isso não ocorre. A história inicia com Antunes, um alcoólatra convicto, que, em um de seus rompantes afetivos, registra os filhos gêmeos com os nomes de Caim e Abel. Custódia, a esposa de extremo fervor religioso e que apenas tolerava o temperamento do apaixonado marido com uma obrigação de fé, lança-se à fúria e ao desgosto, passando a odiá-lo ao se deparar com a provocação bíblica.  A história se desenrola com o crescimento das crianças e sobre como elas lidam com o peso de seus nomes e da mitologia que carrega, através do acento nas distinções entre os dois personagens principais. Todos sabem quem foi quem. O julgamento já está dado. E, como na bíblia, apenas há Caim se houver Abel. A existência de um está condicionada à do outro. E talvez aí esteja o assassinato atual. As diferenças entre os personagens são construídas com as características pessoais das personagens expostas de maneira vigorosa e bastante envolvente, sem perder o tom da escrita. Não falta homogeneidade à obra. Tem-se a impressão de que o livro foi escrito de uma única vez. Não há momentos dissonantes. Não é uma narrativa silenciosa, tampouco rápida, mas bastante sincopada. Assim, a autora consegue manter uma afinidade entre o crescimento dos irmãos e a cadência da leitura. 

Deve-se chamar a atenção, ainda, para a trama paralela presente no livro. Na verdade, são duas histórias entrecortadas. A já mencionada de Caim e Abel começa no capítulo 18, com a sua numeração decrescendo até um epílogo, o capítulo “Antes do fim”. A de Vedina – uma mãe que surta em meio a suas obrigações domésticas e abandona o filho de cinco anos no meio da rua – segue a numeração normal.  Madeira demonstra como as histórias se encontram emaranhadas, ao mesmo tempo em que apresenta a narrativa de Caim e Abel quase que com uma contagem regressiva. Gera uma expectativa positiva no leitor, detentor de um repertório pelo menos em torno da mitologia bíblica.  A história de Vedina, cuja adolescência se encontra com a de Caim e Abel, é angustiante. Ao passo que a dos irmãos é quase uma epopeia, no sentido metafórico do termo. Autora manipula os sentimentos que se encontram na ordem do dia entre o mais comum dos seres humanos que insiste cotidianamente que o amor é a solução para tudo. Parafraseando outra jovem e prodigiosa escritora, Ayelet Gundar Goshen, autora de Uma noite, Markovitch, “o amor não necessariamente traz felicidade”. Véspera demonstra essa premissa com vivacidade. Coloca o leitor contra a parede, o leitor de uma sociedade crente de que as coisas, materiais ou não, se encontram acessíveis a todos. Uma sociedade ávida por soluções fáceis, reproduzindo uma ansiedade e angústia permanentes ao perceber que, apesar de supostamente poder ter tudo, pode nada conseguir. Definitivamente, uma atualização do mito, conforme mencionado no princípio deste texto.

Lidar com mitos em produções artísticas traz o desafio da manipulação de um tema atual através de uma narrativa geralmente conhecida. Neste caso, o processo criativo tende a ficar condicionado à capacidade de interpretação das lendas e leitura da contemporaneidade que o autor pode ter. Isso é uma das formas de se conseguir tanto chamar a atenção para a temática presente quanto para a atualização mitológica.  Recentemente a Editora Record publicou o terceiro romance de Carla Madeira, Véspera. O entusiasmo criado com a produção literária da autora de Tudo é rio (2014) e A natureza da mordida (2018) não é em vão. Isso porque ela consegue manter as expectativas derivadas de seus dois primeiros romances. Madeira sustenta uma identidade construída na literatura, de levar em conta as pulsões dos sujeitos, manipulando-as na narrativa através de uma tênue linha que as separa do amor. Em seu mais recente livro, a escritora mineira vai além, pois toma a mitologia para atualizar a sua escrita. E o faz com muita prodigalidade. 

'Caim e Abel', tela de Tintoretto que está na Accademia de Veneza Foto: Accademia de Veneza

Véspera é um livro sobre o amor, em suas mais diferentes formas de manifestação. O risco de se cair em uma narrativa pobre, desprovida da problematização digna de um tema tão sério, e sempre atual, é grande. Aqui, isso não ocorre. A história inicia com Antunes, um alcoólatra convicto, que, em um de seus rompantes afetivos, registra os filhos gêmeos com os nomes de Caim e Abel. Custódia, a esposa de extremo fervor religioso e que apenas tolerava o temperamento do apaixonado marido com uma obrigação de fé, lança-se à fúria e ao desgosto, passando a odiá-lo ao se deparar com a provocação bíblica.  A história se desenrola com o crescimento das crianças e sobre como elas lidam com o peso de seus nomes e da mitologia que carrega, através do acento nas distinções entre os dois personagens principais. Todos sabem quem foi quem. O julgamento já está dado. E, como na bíblia, apenas há Caim se houver Abel. A existência de um está condicionada à do outro. E talvez aí esteja o assassinato atual. As diferenças entre os personagens são construídas com as características pessoais das personagens expostas de maneira vigorosa e bastante envolvente, sem perder o tom da escrita. Não falta homogeneidade à obra. Tem-se a impressão de que o livro foi escrito de uma única vez. Não há momentos dissonantes. Não é uma narrativa silenciosa, tampouco rápida, mas bastante sincopada. Assim, a autora consegue manter uma afinidade entre o crescimento dos irmãos e a cadência da leitura. 

Deve-se chamar a atenção, ainda, para a trama paralela presente no livro. Na verdade, são duas histórias entrecortadas. A já mencionada de Caim e Abel começa no capítulo 18, com a sua numeração decrescendo até um epílogo, o capítulo “Antes do fim”. A de Vedina – uma mãe que surta em meio a suas obrigações domésticas e abandona o filho de cinco anos no meio da rua – segue a numeração normal.  Madeira demonstra como as histórias se encontram emaranhadas, ao mesmo tempo em que apresenta a narrativa de Caim e Abel quase que com uma contagem regressiva. Gera uma expectativa positiva no leitor, detentor de um repertório pelo menos em torno da mitologia bíblica.  A história de Vedina, cuja adolescência se encontra com a de Caim e Abel, é angustiante. Ao passo que a dos irmãos é quase uma epopeia, no sentido metafórico do termo. Autora manipula os sentimentos que se encontram na ordem do dia entre o mais comum dos seres humanos que insiste cotidianamente que o amor é a solução para tudo. Parafraseando outra jovem e prodigiosa escritora, Ayelet Gundar Goshen, autora de Uma noite, Markovitch, “o amor não necessariamente traz felicidade”. Véspera demonstra essa premissa com vivacidade. Coloca o leitor contra a parede, o leitor de uma sociedade crente de que as coisas, materiais ou não, se encontram acessíveis a todos. Uma sociedade ávida por soluções fáceis, reproduzindo uma ansiedade e angústia permanentes ao perceber que, apesar de supostamente poder ter tudo, pode nada conseguir. Definitivamente, uma atualização do mito, conforme mencionado no princípio deste texto.

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