Clientes da agência de viagens 123milhas reclamam nas redes sociais sobre como está sendo realizado o reembolso dos valores das compras canceladas pela empresa. Relatos no X (antigo Twitter) apontam que o valor total estaria sendo disponibilizado para o cliente dividido em vários vouchers. O problema, ainda segundo os relatos, é que só seria possível utilizar um voucher por compra - ou seja, não haveria como acumular todos os vouchers para usar de uma vez o valor total do reembolso em uma nova compra, substituindo a compra cancelada.
A 123milhas anunciou na última sexta-feira, 18, a suspensão de pedidos da linha PROMO que ainda não foram emitidos, com previsão de embarque entre setembro e dezembro de 2023, devido à “persistência de fatores econômicos e de mercado adversos”. A empresa afirmou que os valores serão devolvidos integralmente em “vouchers acrescidos de correção monetária de 150% do CDI, acima da inflação e dos juros de mercado”.
Segundo a advogada Renata Abalém, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP, o Código de Defesa do Consumidor estabelece que, havendo falha na prestação de serviço, o consumidor tem direito a escolher entre a devolução do valor pago, devidamente corrigido, a troca do crédito por outra mercadoria ou serviço da empresa (no caso, o voucher), ou a exigência de que esse serviço seja prestado.
“Como o serviço evidentemente não tem como ser prestado, ficaria à disposição do consumidor duas situações: optar pela devolução dos valores ou pelo voucher”, afirma Renata, que também é Diretora Jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e Diretora da Câmara de Comércio Brasil Líbano. “Essa opção é do consumidor, não é da empresa”, destaca.
Para Renata, a alternativa de dividir o valor do reembolso em vários vouchers poderia atrapalhar a tentativa do cliente de se reorganizar. “Seria uma situação bem crítica essa questão de vários vouchers que não podem ser acumulados. Se a 123milhas partisse para essa prática, ela quebraria qualquer possibilidade de o consumidor ter as suas férias, refazer um planejamento, mesmo com a situação enfrentada pela empresa”, afirma.
Procurada, a 123milhas não respondeu até o momento da publicação. A matéria será atualizada caso haja um retorno.
Segundo a agência, passagens já emitidas, que possuem localizador ou e-ticket, estão mantidas. Os canais de comunicação para solicitar os vouchers são os seguintes: www.123milhas.com ou www.123milhas.com.br na aba PROMO 123 ou através do WhatsApp verificado (31) 99397-0210.
A 123milhas afirma que a emissão dos vouchers ocorrerá em até cinco dias úteis pelo e-mail cadastrado do pagante e que os vouchers poderão ser utilizados em até 36 meses a partir da sua solicitação.
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Além da divisão dos valores em vários vouchers, outra reclamação dos clientes é que o reembolso não seria suficiente para uma nova compra equivalente à que foi cancelada. Estéfani Caroline Reis Pinto havia adquirido, há quase um ano, três passagens de ida e volta para Madri, na Espanha, por R$ 3,6 mil, valor pago em seis parcelas. Ela comprou somente as passagens aéreas com a 123milhas e adquiriu separadamente um cruzeiro e reservas de hotéis para a viagem, que ocorreria em novembro. “Com o voucher que a empresa está oferecendo, que equivale ao valor pago e mais 150% do CDI, não vou conseguir comprar nem sequer uma passagem”, diz ela, que já fez buscas em sites de viagens e o mais barato que encontrou foi R$ 3,6 mil por passageiro.
Renata afirma que os consumidores podem registrar reclamações nos órgãos de defesa do consumidor, como os Procons, e também em outras plataformas. “O consumidor pode também registrar reclamação na plataforma Reclame Aqui e também pode fazer isso pelas suas próprias redes sociais. Se houver um prejuízo que realmente penalize o consumidor, ele também pode entrar na Justiça”, diz. Ela acrescenta que, caso o cancelamento por parte da empresa tenha impacto em ocasiões especiais, como em uma festa de casamento ou lua de mel, por exemplo, o consumidor também pode ter direito a uma indenização moral.
Veja orientações para os consumidores
- Entrar em contato diretamente com a empresa, pedindo para que esclareça sua situação específica e as demais condições que forem apresentadas;
- Registrar essa comunicação com a empresa (por meio de gravação ou por mensagem de e-mail);
- Se o consumidor não concordar com as medidas, deve registrar uma reclamação no Procon de suas cidades ou Estados. Em São Paulo, o registro pode ser feito pelo site oficial do órgão: www.procon.sp.gov.br;
- O consumidor que ainda estiver pagando o pacote ou passagem, não deve interromper os pagamentos. Mesmo diante da suspensão da oferta, é aconselhável continuar cumprindo sua parte no contrato. Esta medida é importante caso a questão precise ser judicializada, pois demonstrará boa-fé por parte do consumidor;
- Consumidores lesados também podem fazer registro na plataforma consumidor.gov.br, do Ministério da justiça.
Consequências
O Procon-SP notificou a 123milhas na manhã desta segunda-feira, 21, pedindo esclarecimentos sobre a suspensão de pacotes e passagens anunciada pela empresa. O órgão pede o detalhamento das condições adversas citadas como justificativa, além de número de clientes impactados, opções oferecidas além dos vouchers e como está sendo o atendimento. Há relatos de consumidores que não estariam sendo atendidos, segundo Rodrigo Tritapepe, diretor de Atendimento e Orientação do Procon-SP. “A empresa, além de ter feito uma mudança unilateral das regras, não pode deixar os consumidores sem informação”, diz.
No domingo, 20, o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras, o deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), afirmou que quer convocar os donos da 123 Milhas para cobrar explicações. “Vamos convocar [os donos] pois isso é uma pirâmide. Venderam, venderam e venderam, e agora acontece isso”, disse.
Os ministérios da Justiça e do Turismo também anunciaram no sábado, 19, que vão investigar a 123Milhas. A apuração deverá ser feita pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que integra o Ministério de Justiça e Segurança Pública. Para o Turismo, é necessário esclarecer as razões dos cancelamentos, identificar todos as pessoas atingidas e promover a reparação de danos a todos os clientes prejudicados. A Senacon informou que, dependendo das informações da empresa, poderá abrir um processo administrativo que pode resultar em multa.
O Ministério do Turismo ainda declarou que ambos os ministérios estão “empenhados na busca de mecanismos que evitem que situações semelhantes voltem a se repetir e na responsabilização de empresas que, porventura, tenham agido de má-fé”. “O MTur e o MJSP acompanharão, de perto, o avanço das investigações preliminares e manterão informadas todas as pessoas e setores envolvidos”, concluiu.