SÃO PAULO - No ápice do debate sobre a flexibilização das leis trabalhistas e da Previdência, em que se pressupõe que os brasileiros deveriam estar preocupados em fazer um pé de meia, 62% de um total de 801 entrevistados pela SPC Brasil e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) no País disseram que não guardam dinheiro. O levantamento é do mês de janeiro e embasa a primeira edição do Indicador de Reserva Financeira, que as entidades passarão a divulgar mensalmente a partir desta terça-feira. O índice reunirá também dados sobre a quantidade de brasileiros que conseguiram guardar ao menos parte dos seus rendimentos e acompanhará a evolução deste hábito.
Em janeiro, 29% dos abordados pela pesquisa informaram que guardam apenas o que sobra do orçamento. Só 7% reservam um valor fixo mês a mês. Somando-se os dois porcentuais, 36% têm o costume de guardar alguma quantia. Do total dos entrevistados, 2% preferiram não responder à pesquisa. Entre os poupadores, a média reservada foi de R$ 481. A maior parte busca proteger-se contra períodos de afastamento por doença e desemprego. A poupança é o principal destino da reserva, mas 20% ainda guardam dinheiro em casa, de acordo com a pesquisa da SPC Brasil e CNDL.
O indicador mostra ainda que há diferenças entre o hábito de poupar de acordo com a classe social. Nas classes A e B, os poupadores habituais, independentemente de o valor ser fixo ou não, somaram 58% dos entrevistados. Já nas classes C, D e E somaram 30%.
Segundo o presidente do SPC Brasil, Roque Pellizzaro, o brasileiro não tem o hábito de poupar e, quando poupa, na maioria das vezes a poupança é o que sobra do orçamento, e não algo planejado. "A formação de uma reserva de dinheiro é um tópico fundamental para o equilíbrio das finanças pessoais, mas tende a ser negligenciada por boa parte dos consumidores, afirma Pellizzaro. Para ele, a consequência disso é que, no caso de um acontecimento imprevisto, muitos acabarão inadimplentes.
Os entrevistados também foram questionados sobre a poupança que fizeram no mês anterior à pesquisa. O indicador mostra que, em dezembro, expressivos 75% não conseguiram reservar nada de sua renda, contra 23% que pouparam. A diferença entre as classes também aparece aqui. Nas classes A e B, o porcentual de poupadores foi de 36%, enquanto nas classes C, D e E, foi de 19%.
"É notável que a maioria dos brasileiros não reservou parte de seu dinheiro em dezembro, inclusive quem pertence a classes de alta renda. A crise econômica certamente tem seu papel no resultado da baixa poupança. Com o crescimento do desemprego, o orçamento familiar tornou-se mais apertado e, em alguns casos, insuficiente até para honrar compromissos já assumidos", explica Pellizzaro.
Segundo o presidente, as menções ao pagamento de contas são claro sintoma do aperto orçamentário das famílias. De acordo com os dados, mesmo entre os poupadores habituais, 46% precisaram dispor de sua reserva financeira em dezembro. Os principais motivos foram o pagamento de dívidas (13%), despesas extras (11%), de contas da casa (12%), imprevistos (4%) e também o consumo (8%).
De acordo com o levantamento, a maior parte dos poupadores busca, ao fazer uma reserva, proteger-se contra imprevistos como doenças, morte de entes (43%) ou mesmo o desemprego (31%). Há também 27% que poupam pensando em garantir um futuro melhor para a família e 24% que poupam com vistas à realização de um sonho de consumo. Destes, 23% citam os planos de viajar e 18% mencionam a compra ou quitação da casa.
A reserva financeira com foco na aposentadoria foi citada apenas por 17% dos entrevistados. "É um porcentual bastante baixo, já que estamos considerando apenas a realidade dos poupadores", indica a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti. "A longo prazo, a falta de preparo cobra seu preço. Sem constituir uma reserva ao longo da vida, muitos idosos são obrigados a rever seu padrão de consumo ou acabam na dependência de terceiros. Em tempos de discussão sobre a reforma das regras de aposentadoria, o tema torna-se ainda mais urgente."
O indicador revela que o principal destino do dinheiro reservado ainda é a caderneta de poupança, citada por 62% dos entrevistados. Também chama a atenção o fato de que 20% dos poupadores guardam dinheiro em casa. Os fundos de investimento foram mencionados por 10% e a Previdência Privada, por 6%. Completam a lista outras alternativas de investimento como renda fixa e Bolsa de Valores, mas citados por menos de 5% desses entrevistados. "Como se nota, a carteira de investimento do poupador brasileiro é bastante conservadora. Cultivar o hábito de reservar dinheiro é um passo importante, mas o consumidor deve considerar o retorno financeiro", aconselha Kawauti.
"Se o investidor opta por uma aplicação de menor rendimento quando há outros que oferecem retornos maiores, é como se ele estivesse perdendo dinheiro. Nos últimos anos, quem optou pela poupança, teve parte de seu dinheiro corroído pela inflação ou, no máximo, alcançou um rendimento real muito baixo", segundo a economista. "No caso de quem manteve o dinheiro em casa, as perdas foram ainda maiores", conclui.