‘A conta não pode ir para os acionistas da Petrobrás’, diz Pessôa


A sociedade, segundo Pessôa, tem de decidir o papel da estatal e, se for o caso, fechar o capital da empresa

Por Luciana Dyniewicz

A saída de Pedro Parente da presidência da Petrobrás indica que o executivo encontrou dificuldade para manter a política de preços do combustível alinhada com o mercado internacional, segundo Samuel Pessôa, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE). Para ele, se a sociedade quiser que a estatal atenda a interesses sociais e permitir a atuação de interesses políticos, é preciso fechar o capital da empresa. “O futuro (da petroleira) depende do resultado eleitoral”, diz. Pessôa destaca que o governo perdeu a capacidade de gerenciar crises e afirma que o principal risco para o País, após a greve dos caminhoneiros, é que movimentos semelhantes comecem a ocorrer nos próximos meses. “ Haveria um risco de estagflação.” A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.

O economistaSamuel Pessôa, do Ibre/FGV Foto: Tiago Queiroz | ESTADÃO CONTEÚDO

Como fica a Petrobrás após o anúncio de redução do preço de combustível, ainda que temporário, e a saída do ex-presidente Pedro Parente?

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(A redução do preço) é um choque momentâneo. Eu entendo uma regra mais estável (para o preço do combustível), em vez de reajustes todo dia. Agora, a Petrobrás não pode subsidiar, tem de cobrar o preço internacional. A saída de Parente é péssima para a empresa e para o País. O interesse de utilizar a Petrobrás para fazer política se sobrepõs aos interesses da sociedade.

Sendo uma empresa estratégica para todos os setores da economia, ela não tem uma função social?

Entendo que, num período de guerra, haja uma ação da Petrobrás para garantir a estabilidade da oferta. Numa condição de normalidade, não entendo o subsídio. A maneira de fazer isso (subsidiar) é de uma forma transparente, com recursos do Tesouro Nacional, do contribuinte. A conta não pode ser jogada nos acionistas da Petrobrás.

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Por quê?

Porque a decisão é da sociedade. A empresa tem de ter uma gestão bem feita e ela vai dar lucro. Esse lucro vai gerar dividendos para o governo. Não sei porque aquele cara que comprou uma ação da Petrobrás acreditando numa guinada política tenha de sofrer uma perda no seu patrimônio porque a política mudou. É uma empresa que está listada em Bolsa e que obedece uma governança que não permite atuação política. Se a gente, enquanto sociedade, achar que a empresa tem de ser usada com esse fim, aí temos de comprar as ações de volta. Fechar o capital da empresa. A impressão que temos é que, quando a gente mudou a governança da empresa, colocou mais participação do setor privado, o setor desenvolveu-se mais no Brasil.

A saída de Parente indica que a empresa vai voltar a subsidiar o combustível?

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Havia espaço para ele negociar uma nova regra de preço que reduzisse as oscilações. Mas o fato de ele ter saído e, antes mesmo disso, sinalizado que estava disposto a negociar alguma outra regra que reduzisse a oscilação, mas que não mudasse o princípio básico de precificação pelo custo de oportunidade -- que é dado pelo preço do bem no mercado internacional -- significa que ele estava com dificuldade de impor esse princípio. Mas não dá para fazer um prognóstico do que acontecerá na Petrobrás. A saída dele muda todo o jogo. O governo está no final. O futuro dela depende do resultado eleitoral.

Essa crise na empresa abre espaço para um debate em torno da privatização ou da estatização total?

Isso estava posto independentemente desse processo. Temos uma eleição difícil, um problema fiscal dramático e a sociedade vai ter de conversar com ela mesma. Não tem saída fácil e certamente a inserção do Estado, mais interventor ou que garanta mais bem estar social, será um tema importante. As incertezas são enormes.

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Quais os impactos da greve na economia?

O impacto imediato é uma tendência de estagflação, porque a greve desorganiza a produção. Com isso, faltam bens e serviços, os preços sobem e a produção cai. Mas esperamos que, com a normalização da situação, os preços reduzam. Só não sabemos quanto tempo vai demorar esse processo.

Não é cedo para falar em estagflação? Vínhamos de um inflação muito baixa. Não há espaço para um aumento de preços momentâneo sem gerar pressão inflacionária?

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Com certeza. O que eu digo é uma tendência, um choque estagflacionário. A inflação estava em um nível muito baixo. Se bem que ela já viria pressionada em junho em função da desvalorização do câmbio e do aumento do petróleo. Mas, adicionalmente, temos agora o impacto da greve.

O governo respondeu de forma correta à greve?

Me parece que o governo estava mal informado. Acho que, depois que a crise está instaurada, com pintinhos morrendo, filas quilométricas nos postos e todas as cidades em clima de feriado, o poder de barganha do lado grevista é muito forte. É difícil não ceder. Não acho que o problema tenha sido esse. Tinha de ter agido antes. Tinha de estar acompanhando com mais cuidado.

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Os grevistas conseguiram praticamente tudo o que pediram. Isso pode se espalhar em outras áreas da sociedade?

Esse é meu medo maior. Há sinais de perda de capacidade de gerenciar as crises no governo. O problema (a greve) adquiriu uma dimensão dramática em um intervalo de tempo curto, e os grevistas foram muito favorecidos. O medo que dá é que, de repente, comece a estourar greves e movimentos sociais dessa dimensão em outros setores. Aí haveria um risco, sim, de estagflação. O governo já é fraco, pela natureza dele. É um governo fruto de um impedimento de outro governo, que foi pego em uma situação dramática -- aquela divulgação da gravação do Joesley (Batista) em 17 de maio do ano passado -- que o enfraqueceu ainda mais. A recuperação econômica também frustrou. Então é um governo em dificuldades. É preocupante.

Preocupante no sentido de que o presidente Temer não consiga acabar o governo, como demandavam os grevistas, ou de que termine com um resultado econômico ruim?

O grande motivo do impedimento da presidente Dilma Rousseff, e eu mesmo apoiei ele, foi que ela perdeu a condição de governar e a economia estava ladeira abaixo. Um dos motivos desse evento era, com a troca, fazer com que a economia se equilibrasse para que pudéssemos, em 2018, escolher um novo líder. É preocupante que esse trabalho que foi feito -- e acho que o governo Temer tem muitos méritos – se perca. Que novos eventos grevistas comecem a pipocar. Que a desorganização da economia persista e que o novo presidente assuma numa situação dramática.

Depois da greve, um trabalho com o direcionamento do defendido pelo presidente Temer perde força? Os grevistas se manifestaram contra uma política alinhada a todo o programa econômico dele, e a favor de intervenção e de um projeto nacionalista.

Acho que sim. Acho que agora a estratégia é de minimização de danos. A equipe está focada nisso. Fazendo o melhor para que a economia continue se recuperando, mesmo que abaixo do que se imaginava inicialmente.

Mas a agenda reformista para 2019 perde apelo?

Isso depende da nossa atuação, de todo mundo. O assessor econômico do Ciro Gomes, Mauro Benevides Filho, deu uma excelente entrevista ao Valor Econômico (na semana passada). Posso concordar com ele ou não, mas ele colocou o debate num nível que não lembro de ter havido no processo eleitoral passado. Falou claramente quais impostos vai subir, o que pretende fazer para as contas públicas fecharem e a previsão de arrecadação que tem. Se essa entrevista servir como balizadora para a campanha, é um ótimo sinal. Sinal de amadurecimento da sociedade.

Então tudo depende de os outros candidatos também elevarem o nível do debate?

Exatamente. A gente tem de acabar com a ideia de esconder do cidadão as dificuldades e os conflitos distributivos. Os ricos precisam pagar mais a conta, e a gente precisa falar sobre esse tema. Se a gente não fala, alguém ganha eleição, e ninguém consegue fazer nada, porque não está autorizada a fazer.

A população está preocupada com isso? Uma pesquisa do Datafolha mostrou que a maioria apoia a greve, mas ninguém quer pagar a conta.

A população não está ciente da gravidade da situação fiscal. E essa não é uma especificidade brasileira. É natural um certo espírito adolescente no eleitorado: querer as coisas e não querer pagar o custo delas. A população acha que tem um grupo de pessoas que assalta o Estado brasileiro e que, se conseguir neutralizar esse grupo, vai ter dinheiro para tudo. Isso não é verdade. Todos nós somos parte do problema. Os ricos que pagam pouco imposto, os servidores públicos que têm condições de trabalho irreais para a realidade brasileira, a população em geral que tem expectativas que não são possíveis de ser atendidas, de qualidade e quantidade de serviços públicos, e assim sucessivamente. Todo mundo tem a sua participação. Uns mais do que outros. Temos de usar política para fazer essa mediação.

A saída de Pedro Parente da presidência da Petrobrás indica que o executivo encontrou dificuldade para manter a política de preços do combustível alinhada com o mercado internacional, segundo Samuel Pessôa, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE). Para ele, se a sociedade quiser que a estatal atenda a interesses sociais e permitir a atuação de interesses políticos, é preciso fechar o capital da empresa. “O futuro (da petroleira) depende do resultado eleitoral”, diz. Pessôa destaca que o governo perdeu a capacidade de gerenciar crises e afirma que o principal risco para o País, após a greve dos caminhoneiros, é que movimentos semelhantes comecem a ocorrer nos próximos meses. “ Haveria um risco de estagflação.” A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.

O economistaSamuel Pessôa, do Ibre/FGV Foto: Tiago Queiroz | ESTADÃO CONTEÚDO

Como fica a Petrobrás após o anúncio de redução do preço de combustível, ainda que temporário, e a saída do ex-presidente Pedro Parente?

(A redução do preço) é um choque momentâneo. Eu entendo uma regra mais estável (para o preço do combustível), em vez de reajustes todo dia. Agora, a Petrobrás não pode subsidiar, tem de cobrar o preço internacional. A saída de Parente é péssima para a empresa e para o País. O interesse de utilizar a Petrobrás para fazer política se sobrepõs aos interesses da sociedade.

Sendo uma empresa estratégica para todos os setores da economia, ela não tem uma função social?

Entendo que, num período de guerra, haja uma ação da Petrobrás para garantir a estabilidade da oferta. Numa condição de normalidade, não entendo o subsídio. A maneira de fazer isso (subsidiar) é de uma forma transparente, com recursos do Tesouro Nacional, do contribuinte. A conta não pode ser jogada nos acionistas da Petrobrás.

Por quê?

Porque a decisão é da sociedade. A empresa tem de ter uma gestão bem feita e ela vai dar lucro. Esse lucro vai gerar dividendos para o governo. Não sei porque aquele cara que comprou uma ação da Petrobrás acreditando numa guinada política tenha de sofrer uma perda no seu patrimônio porque a política mudou. É uma empresa que está listada em Bolsa e que obedece uma governança que não permite atuação política. Se a gente, enquanto sociedade, achar que a empresa tem de ser usada com esse fim, aí temos de comprar as ações de volta. Fechar o capital da empresa. A impressão que temos é que, quando a gente mudou a governança da empresa, colocou mais participação do setor privado, o setor desenvolveu-se mais no Brasil.

A saída de Parente indica que a empresa vai voltar a subsidiar o combustível?

Havia espaço para ele negociar uma nova regra de preço que reduzisse as oscilações. Mas o fato de ele ter saído e, antes mesmo disso, sinalizado que estava disposto a negociar alguma outra regra que reduzisse a oscilação, mas que não mudasse o princípio básico de precificação pelo custo de oportunidade -- que é dado pelo preço do bem no mercado internacional -- significa que ele estava com dificuldade de impor esse princípio. Mas não dá para fazer um prognóstico do que acontecerá na Petrobrás. A saída dele muda todo o jogo. O governo está no final. O futuro dela depende do resultado eleitoral.

Essa crise na empresa abre espaço para um debate em torno da privatização ou da estatização total?

Isso estava posto independentemente desse processo. Temos uma eleição difícil, um problema fiscal dramático e a sociedade vai ter de conversar com ela mesma. Não tem saída fácil e certamente a inserção do Estado, mais interventor ou que garanta mais bem estar social, será um tema importante. As incertezas são enormes.

Quais os impactos da greve na economia?

O impacto imediato é uma tendência de estagflação, porque a greve desorganiza a produção. Com isso, faltam bens e serviços, os preços sobem e a produção cai. Mas esperamos que, com a normalização da situação, os preços reduzam. Só não sabemos quanto tempo vai demorar esse processo.

Não é cedo para falar em estagflação? Vínhamos de um inflação muito baixa. Não há espaço para um aumento de preços momentâneo sem gerar pressão inflacionária?

Com certeza. O que eu digo é uma tendência, um choque estagflacionário. A inflação estava em um nível muito baixo. Se bem que ela já viria pressionada em junho em função da desvalorização do câmbio e do aumento do petróleo. Mas, adicionalmente, temos agora o impacto da greve.

O governo respondeu de forma correta à greve?

Me parece que o governo estava mal informado. Acho que, depois que a crise está instaurada, com pintinhos morrendo, filas quilométricas nos postos e todas as cidades em clima de feriado, o poder de barganha do lado grevista é muito forte. É difícil não ceder. Não acho que o problema tenha sido esse. Tinha de ter agido antes. Tinha de estar acompanhando com mais cuidado.

Os grevistas conseguiram praticamente tudo o que pediram. Isso pode se espalhar em outras áreas da sociedade?

Esse é meu medo maior. Há sinais de perda de capacidade de gerenciar as crises no governo. O problema (a greve) adquiriu uma dimensão dramática em um intervalo de tempo curto, e os grevistas foram muito favorecidos. O medo que dá é que, de repente, comece a estourar greves e movimentos sociais dessa dimensão em outros setores. Aí haveria um risco, sim, de estagflação. O governo já é fraco, pela natureza dele. É um governo fruto de um impedimento de outro governo, que foi pego em uma situação dramática -- aquela divulgação da gravação do Joesley (Batista) em 17 de maio do ano passado -- que o enfraqueceu ainda mais. A recuperação econômica também frustrou. Então é um governo em dificuldades. É preocupante.

Preocupante no sentido de que o presidente Temer não consiga acabar o governo, como demandavam os grevistas, ou de que termine com um resultado econômico ruim?

O grande motivo do impedimento da presidente Dilma Rousseff, e eu mesmo apoiei ele, foi que ela perdeu a condição de governar e a economia estava ladeira abaixo. Um dos motivos desse evento era, com a troca, fazer com que a economia se equilibrasse para que pudéssemos, em 2018, escolher um novo líder. É preocupante que esse trabalho que foi feito -- e acho que o governo Temer tem muitos méritos – se perca. Que novos eventos grevistas comecem a pipocar. Que a desorganização da economia persista e que o novo presidente assuma numa situação dramática.

Depois da greve, um trabalho com o direcionamento do defendido pelo presidente Temer perde força? Os grevistas se manifestaram contra uma política alinhada a todo o programa econômico dele, e a favor de intervenção e de um projeto nacionalista.

Acho que sim. Acho que agora a estratégia é de minimização de danos. A equipe está focada nisso. Fazendo o melhor para que a economia continue se recuperando, mesmo que abaixo do que se imaginava inicialmente.

Mas a agenda reformista para 2019 perde apelo?

Isso depende da nossa atuação, de todo mundo. O assessor econômico do Ciro Gomes, Mauro Benevides Filho, deu uma excelente entrevista ao Valor Econômico (na semana passada). Posso concordar com ele ou não, mas ele colocou o debate num nível que não lembro de ter havido no processo eleitoral passado. Falou claramente quais impostos vai subir, o que pretende fazer para as contas públicas fecharem e a previsão de arrecadação que tem. Se essa entrevista servir como balizadora para a campanha, é um ótimo sinal. Sinal de amadurecimento da sociedade.

Então tudo depende de os outros candidatos também elevarem o nível do debate?

Exatamente. A gente tem de acabar com a ideia de esconder do cidadão as dificuldades e os conflitos distributivos. Os ricos precisam pagar mais a conta, e a gente precisa falar sobre esse tema. Se a gente não fala, alguém ganha eleição, e ninguém consegue fazer nada, porque não está autorizada a fazer.

A população está preocupada com isso? Uma pesquisa do Datafolha mostrou que a maioria apoia a greve, mas ninguém quer pagar a conta.

A população não está ciente da gravidade da situação fiscal. E essa não é uma especificidade brasileira. É natural um certo espírito adolescente no eleitorado: querer as coisas e não querer pagar o custo delas. A população acha que tem um grupo de pessoas que assalta o Estado brasileiro e que, se conseguir neutralizar esse grupo, vai ter dinheiro para tudo. Isso não é verdade. Todos nós somos parte do problema. Os ricos que pagam pouco imposto, os servidores públicos que têm condições de trabalho irreais para a realidade brasileira, a população em geral que tem expectativas que não são possíveis de ser atendidas, de qualidade e quantidade de serviços públicos, e assim sucessivamente. Todo mundo tem a sua participação. Uns mais do que outros. Temos de usar política para fazer essa mediação.

A saída de Pedro Parente da presidência da Petrobrás indica que o executivo encontrou dificuldade para manter a política de preços do combustível alinhada com o mercado internacional, segundo Samuel Pessôa, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE). Para ele, se a sociedade quiser que a estatal atenda a interesses sociais e permitir a atuação de interesses políticos, é preciso fechar o capital da empresa. “O futuro (da petroleira) depende do resultado eleitoral”, diz. Pessôa destaca que o governo perdeu a capacidade de gerenciar crises e afirma que o principal risco para o País, após a greve dos caminhoneiros, é que movimentos semelhantes comecem a ocorrer nos próximos meses. “ Haveria um risco de estagflação.” A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.

O economistaSamuel Pessôa, do Ibre/FGV Foto: Tiago Queiroz | ESTADÃO CONTEÚDO

Como fica a Petrobrás após o anúncio de redução do preço de combustível, ainda que temporário, e a saída do ex-presidente Pedro Parente?

(A redução do preço) é um choque momentâneo. Eu entendo uma regra mais estável (para o preço do combustível), em vez de reajustes todo dia. Agora, a Petrobrás não pode subsidiar, tem de cobrar o preço internacional. A saída de Parente é péssima para a empresa e para o País. O interesse de utilizar a Petrobrás para fazer política se sobrepõs aos interesses da sociedade.

Sendo uma empresa estratégica para todos os setores da economia, ela não tem uma função social?

Entendo que, num período de guerra, haja uma ação da Petrobrás para garantir a estabilidade da oferta. Numa condição de normalidade, não entendo o subsídio. A maneira de fazer isso (subsidiar) é de uma forma transparente, com recursos do Tesouro Nacional, do contribuinte. A conta não pode ser jogada nos acionistas da Petrobrás.

Por quê?

Porque a decisão é da sociedade. A empresa tem de ter uma gestão bem feita e ela vai dar lucro. Esse lucro vai gerar dividendos para o governo. Não sei porque aquele cara que comprou uma ação da Petrobrás acreditando numa guinada política tenha de sofrer uma perda no seu patrimônio porque a política mudou. É uma empresa que está listada em Bolsa e que obedece uma governança que não permite atuação política. Se a gente, enquanto sociedade, achar que a empresa tem de ser usada com esse fim, aí temos de comprar as ações de volta. Fechar o capital da empresa. A impressão que temos é que, quando a gente mudou a governança da empresa, colocou mais participação do setor privado, o setor desenvolveu-se mais no Brasil.

A saída de Parente indica que a empresa vai voltar a subsidiar o combustível?

Havia espaço para ele negociar uma nova regra de preço que reduzisse as oscilações. Mas o fato de ele ter saído e, antes mesmo disso, sinalizado que estava disposto a negociar alguma outra regra que reduzisse a oscilação, mas que não mudasse o princípio básico de precificação pelo custo de oportunidade -- que é dado pelo preço do bem no mercado internacional -- significa que ele estava com dificuldade de impor esse princípio. Mas não dá para fazer um prognóstico do que acontecerá na Petrobrás. A saída dele muda todo o jogo. O governo está no final. O futuro dela depende do resultado eleitoral.

Essa crise na empresa abre espaço para um debate em torno da privatização ou da estatização total?

Isso estava posto independentemente desse processo. Temos uma eleição difícil, um problema fiscal dramático e a sociedade vai ter de conversar com ela mesma. Não tem saída fácil e certamente a inserção do Estado, mais interventor ou que garanta mais bem estar social, será um tema importante. As incertezas são enormes.

Quais os impactos da greve na economia?

O impacto imediato é uma tendência de estagflação, porque a greve desorganiza a produção. Com isso, faltam bens e serviços, os preços sobem e a produção cai. Mas esperamos que, com a normalização da situação, os preços reduzam. Só não sabemos quanto tempo vai demorar esse processo.

Não é cedo para falar em estagflação? Vínhamos de um inflação muito baixa. Não há espaço para um aumento de preços momentâneo sem gerar pressão inflacionária?

Com certeza. O que eu digo é uma tendência, um choque estagflacionário. A inflação estava em um nível muito baixo. Se bem que ela já viria pressionada em junho em função da desvalorização do câmbio e do aumento do petróleo. Mas, adicionalmente, temos agora o impacto da greve.

O governo respondeu de forma correta à greve?

Me parece que o governo estava mal informado. Acho que, depois que a crise está instaurada, com pintinhos morrendo, filas quilométricas nos postos e todas as cidades em clima de feriado, o poder de barganha do lado grevista é muito forte. É difícil não ceder. Não acho que o problema tenha sido esse. Tinha de ter agido antes. Tinha de estar acompanhando com mais cuidado.

Os grevistas conseguiram praticamente tudo o que pediram. Isso pode se espalhar em outras áreas da sociedade?

Esse é meu medo maior. Há sinais de perda de capacidade de gerenciar as crises no governo. O problema (a greve) adquiriu uma dimensão dramática em um intervalo de tempo curto, e os grevistas foram muito favorecidos. O medo que dá é que, de repente, comece a estourar greves e movimentos sociais dessa dimensão em outros setores. Aí haveria um risco, sim, de estagflação. O governo já é fraco, pela natureza dele. É um governo fruto de um impedimento de outro governo, que foi pego em uma situação dramática -- aquela divulgação da gravação do Joesley (Batista) em 17 de maio do ano passado -- que o enfraqueceu ainda mais. A recuperação econômica também frustrou. Então é um governo em dificuldades. É preocupante.

Preocupante no sentido de que o presidente Temer não consiga acabar o governo, como demandavam os grevistas, ou de que termine com um resultado econômico ruim?

O grande motivo do impedimento da presidente Dilma Rousseff, e eu mesmo apoiei ele, foi que ela perdeu a condição de governar e a economia estava ladeira abaixo. Um dos motivos desse evento era, com a troca, fazer com que a economia se equilibrasse para que pudéssemos, em 2018, escolher um novo líder. É preocupante que esse trabalho que foi feito -- e acho que o governo Temer tem muitos méritos – se perca. Que novos eventos grevistas comecem a pipocar. Que a desorganização da economia persista e que o novo presidente assuma numa situação dramática.

Depois da greve, um trabalho com o direcionamento do defendido pelo presidente Temer perde força? Os grevistas se manifestaram contra uma política alinhada a todo o programa econômico dele, e a favor de intervenção e de um projeto nacionalista.

Acho que sim. Acho que agora a estratégia é de minimização de danos. A equipe está focada nisso. Fazendo o melhor para que a economia continue se recuperando, mesmo que abaixo do que se imaginava inicialmente.

Mas a agenda reformista para 2019 perde apelo?

Isso depende da nossa atuação, de todo mundo. O assessor econômico do Ciro Gomes, Mauro Benevides Filho, deu uma excelente entrevista ao Valor Econômico (na semana passada). Posso concordar com ele ou não, mas ele colocou o debate num nível que não lembro de ter havido no processo eleitoral passado. Falou claramente quais impostos vai subir, o que pretende fazer para as contas públicas fecharem e a previsão de arrecadação que tem. Se essa entrevista servir como balizadora para a campanha, é um ótimo sinal. Sinal de amadurecimento da sociedade.

Então tudo depende de os outros candidatos também elevarem o nível do debate?

Exatamente. A gente tem de acabar com a ideia de esconder do cidadão as dificuldades e os conflitos distributivos. Os ricos precisam pagar mais a conta, e a gente precisa falar sobre esse tema. Se a gente não fala, alguém ganha eleição, e ninguém consegue fazer nada, porque não está autorizada a fazer.

A população está preocupada com isso? Uma pesquisa do Datafolha mostrou que a maioria apoia a greve, mas ninguém quer pagar a conta.

A população não está ciente da gravidade da situação fiscal. E essa não é uma especificidade brasileira. É natural um certo espírito adolescente no eleitorado: querer as coisas e não querer pagar o custo delas. A população acha que tem um grupo de pessoas que assalta o Estado brasileiro e que, se conseguir neutralizar esse grupo, vai ter dinheiro para tudo. Isso não é verdade. Todos nós somos parte do problema. Os ricos que pagam pouco imposto, os servidores públicos que têm condições de trabalho irreais para a realidade brasileira, a população em geral que tem expectativas que não são possíveis de ser atendidas, de qualidade e quantidade de serviços públicos, e assim sucessivamente. Todo mundo tem a sua participação. Uns mais do que outros. Temos de usar política para fazer essa mediação.

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