A Discovery em minha vida


Por Ethevaldo Siqueira

A nave espacial Discovery tem um brilhante currículo: pôs em órbita o Telescópio Espacial Hubble, em 1990, e conduziu duas missões de manutenção desse telescópio; lançou as sondas Ulysses para estudar o Sol, bem como diversos satélites; levou ao espaço, em 1998, o astronauta John Glenn, pioneiro do projeto Mercury, já então com 77 anos, e que se tornou o mais idoso ser humano a viajar no espaço. Ao longo de 27 anos, voou um total de 238 milhões de quilômetros, em 39 missões, dando 5.830 voltas em torno da Terra e passando 365 dias em órbita, segundo a versão inglesa da Wikipédia.Agora, na última missão do ônibus espacial Discovery, eu não poderia deixar de acompanhar cada uma de suas etapas. Ele foi lançado dia 24 de fevereiro às 16h53 (18h53 de Brasília). Acoplou-se à Estação Espacial Internacional (ISS), no dia 26 de fevereiro, às 9h14 (11h14 de Brasília), sobre o oeste da Austrália a uma altura de 350 quilômetros. E pousou no dia 9 de março, às 11h57 (13h57 de Brasília), no Cabo Canaveral.A era dos ônibus espaciais está chegando ao fim. Só restam as missões STS-134 e 135, com as naves Endeavour e Atlantis, nos próximos meses. Infelizmente, com os cortes de verbas em seu orçamento, a Nasa não dispôs de recursos para projetar o veículo sucessor dos ônibus espaciais. A despedida. Desculpe-me, leitor, mas eu tenho uma razão especial para me recordar com saudade dessas magníficas naves reutilizáveis, porque elas me recordam um período fascinante de minha vida profissional, quando cobri o programa espacial norte-americano nos anos 1970 e 1980. Em fevereiro de 1977, acompanhei os primeiros voos da nave Enterprise, do projeto Space Shuttle, na Base de Edwards, em pleno deserto de Mojave, na Califórnia. Assisti, então, ao primeiro voo livre da Enterprise, ao se descolar do cockpit de um Boeing 747 e pousar suavemente na pista natural de argila de quase 18 quilômetros ali existente. A Enterprise não tinha motores ou turbinas, pois havia sido construída apenas para testar a dirigibilidade dos ônibus espaciais na atmosfera.Finalizei a cobertura participando de uma entrevista com cientistas e astronautas, inclusive Fred Haise, da Apollo 13, missão que, por pouco, não se transformou numa tragédia (lembra-se do filme com Tom Hanks?). Com alguns técnicos da Nasa, visitei a Enterprise, pus a mão nas placas de sílica negra de seu revestimento externo e tive uma aula completa sobre as missões futuras daqueles veículos espaciais.Meses depois, em agosto de 1977, fui para Washington-DC, para visitar o recém-inaugurado Museu Aeroespacial (Air and Space Museum) acompanhado de um guia muito especial, Michael Collins, o astronauta da Apollo-11, diretor da instituição. Entrevistei-o e ganhei um exemplar de seu livro, Flying to the Moon and Other Strange Places. Autografado, amigos.Show dos shows. Depois de cobrir vários outros eventos, era chegado o momento de assistir ao lançamento do primeiro ônibus espacial, o Columbia, na missão STS-1, em 12 de abril de 1981, no Centro Espacial John F. Kennedy, do Cabo Canaveral.Nunca me esquecerei daquele cenário. Fecho os olhos e ainda hoje revejo o espetáculo do lançamento dos ônibus espaciais, num posto de observação especial, a pouco mais de um quilômetro da plataforma de lançamento. Ouço ainda o ruído descomunal dos dois foguetes externos, de combustível sólido, somado ao dos três motores da nave, movidos a hidrogênio: o ônibus espacial começa a subir lentamente. O barulho supera tudo que já ouvi. Os pássaros, imobilizados pelo estrondo inesperado, demoram quase um minuto para deixar as árvores e iniciar sua revoada. Em minhas visitas ao Cabo Canaveral, eu me hospedava num Holiday Inn bem simples, em Cocoa Beach, uma cidadezinha que era a mais próxima do Centro Espacial Kennedy. Nessa pequena cidade, conheci Mary Bubb, uma repórter veterana e solitária, com mais de 60 anos, que morava numa casa térrea, linda, cercada de flores.Mary dizia ter coberto literalmente todos os lançamentos da Nasa até então: "Já assisti e já fotografei mais de 2 mil eventos, incluindo os projetos Mercury, Gemini, Apollo ou Viking".Anos depois, procurei Mary Bubb e não mais a encontrei. Foi logo depois da explosão da nave Challenger, em 28 de janeiro de 1986, que matou sete astronautas, inclusive Sharon Christa McAulliffe, a professora que se preparava para dar uma aula especial a seus garotos lá do espaço. Não pude estar no Cabo Canaveral naquele dia. Mesmo assim, nunca me esquecerei da expressão de desespero dos pais de Sharon Christa, mostrada dezenas de vezes pela TV, quando assistiam ao vivo e em cores ao desaparecimento de sua filha, naquela manhã de céu azul.Um planeta azul. Hoje, depois de avaliar a contribuição dos ônibus espaciais por mais de 30 anos, olho para as fotos que coleciono dessas naves e avalio o imenso privilégio que foi para mim ter podido testemunhar algumas de suas missões. Finalmente, confesso que, se fosse bilionário como Dennis Tito, Paul Allen ou Guy Laliberté, não hesitaria em pagar também milhões de dólares para dar apenas um passeio cósmico e repetir lá de cima, para todos vocês, as mesmas palavras de Yuri Gagarin, pronunciadas em 12 de abril de 1961: "A Terra é azul".

A nave espacial Discovery tem um brilhante currículo: pôs em órbita o Telescópio Espacial Hubble, em 1990, e conduziu duas missões de manutenção desse telescópio; lançou as sondas Ulysses para estudar o Sol, bem como diversos satélites; levou ao espaço, em 1998, o astronauta John Glenn, pioneiro do projeto Mercury, já então com 77 anos, e que se tornou o mais idoso ser humano a viajar no espaço. Ao longo de 27 anos, voou um total de 238 milhões de quilômetros, em 39 missões, dando 5.830 voltas em torno da Terra e passando 365 dias em órbita, segundo a versão inglesa da Wikipédia.Agora, na última missão do ônibus espacial Discovery, eu não poderia deixar de acompanhar cada uma de suas etapas. Ele foi lançado dia 24 de fevereiro às 16h53 (18h53 de Brasília). Acoplou-se à Estação Espacial Internacional (ISS), no dia 26 de fevereiro, às 9h14 (11h14 de Brasília), sobre o oeste da Austrália a uma altura de 350 quilômetros. E pousou no dia 9 de março, às 11h57 (13h57 de Brasília), no Cabo Canaveral.A era dos ônibus espaciais está chegando ao fim. Só restam as missões STS-134 e 135, com as naves Endeavour e Atlantis, nos próximos meses. Infelizmente, com os cortes de verbas em seu orçamento, a Nasa não dispôs de recursos para projetar o veículo sucessor dos ônibus espaciais. A despedida. Desculpe-me, leitor, mas eu tenho uma razão especial para me recordar com saudade dessas magníficas naves reutilizáveis, porque elas me recordam um período fascinante de minha vida profissional, quando cobri o programa espacial norte-americano nos anos 1970 e 1980. Em fevereiro de 1977, acompanhei os primeiros voos da nave Enterprise, do projeto Space Shuttle, na Base de Edwards, em pleno deserto de Mojave, na Califórnia. Assisti, então, ao primeiro voo livre da Enterprise, ao se descolar do cockpit de um Boeing 747 e pousar suavemente na pista natural de argila de quase 18 quilômetros ali existente. A Enterprise não tinha motores ou turbinas, pois havia sido construída apenas para testar a dirigibilidade dos ônibus espaciais na atmosfera.Finalizei a cobertura participando de uma entrevista com cientistas e astronautas, inclusive Fred Haise, da Apollo 13, missão que, por pouco, não se transformou numa tragédia (lembra-se do filme com Tom Hanks?). Com alguns técnicos da Nasa, visitei a Enterprise, pus a mão nas placas de sílica negra de seu revestimento externo e tive uma aula completa sobre as missões futuras daqueles veículos espaciais.Meses depois, em agosto de 1977, fui para Washington-DC, para visitar o recém-inaugurado Museu Aeroespacial (Air and Space Museum) acompanhado de um guia muito especial, Michael Collins, o astronauta da Apollo-11, diretor da instituição. Entrevistei-o e ganhei um exemplar de seu livro, Flying to the Moon and Other Strange Places. Autografado, amigos.Show dos shows. Depois de cobrir vários outros eventos, era chegado o momento de assistir ao lançamento do primeiro ônibus espacial, o Columbia, na missão STS-1, em 12 de abril de 1981, no Centro Espacial John F. Kennedy, do Cabo Canaveral.Nunca me esquecerei daquele cenário. Fecho os olhos e ainda hoje revejo o espetáculo do lançamento dos ônibus espaciais, num posto de observação especial, a pouco mais de um quilômetro da plataforma de lançamento. Ouço ainda o ruído descomunal dos dois foguetes externos, de combustível sólido, somado ao dos três motores da nave, movidos a hidrogênio: o ônibus espacial começa a subir lentamente. O barulho supera tudo que já ouvi. Os pássaros, imobilizados pelo estrondo inesperado, demoram quase um minuto para deixar as árvores e iniciar sua revoada. Em minhas visitas ao Cabo Canaveral, eu me hospedava num Holiday Inn bem simples, em Cocoa Beach, uma cidadezinha que era a mais próxima do Centro Espacial Kennedy. Nessa pequena cidade, conheci Mary Bubb, uma repórter veterana e solitária, com mais de 60 anos, que morava numa casa térrea, linda, cercada de flores.Mary dizia ter coberto literalmente todos os lançamentos da Nasa até então: "Já assisti e já fotografei mais de 2 mil eventos, incluindo os projetos Mercury, Gemini, Apollo ou Viking".Anos depois, procurei Mary Bubb e não mais a encontrei. Foi logo depois da explosão da nave Challenger, em 28 de janeiro de 1986, que matou sete astronautas, inclusive Sharon Christa McAulliffe, a professora que se preparava para dar uma aula especial a seus garotos lá do espaço. Não pude estar no Cabo Canaveral naquele dia. Mesmo assim, nunca me esquecerei da expressão de desespero dos pais de Sharon Christa, mostrada dezenas de vezes pela TV, quando assistiam ao vivo e em cores ao desaparecimento de sua filha, naquela manhã de céu azul.Um planeta azul. Hoje, depois de avaliar a contribuição dos ônibus espaciais por mais de 30 anos, olho para as fotos que coleciono dessas naves e avalio o imenso privilégio que foi para mim ter podido testemunhar algumas de suas missões. Finalmente, confesso que, se fosse bilionário como Dennis Tito, Paul Allen ou Guy Laliberté, não hesitaria em pagar também milhões de dólares para dar apenas um passeio cósmico e repetir lá de cima, para todos vocês, as mesmas palavras de Yuri Gagarin, pronunciadas em 12 de abril de 1961: "A Terra é azul".

A nave espacial Discovery tem um brilhante currículo: pôs em órbita o Telescópio Espacial Hubble, em 1990, e conduziu duas missões de manutenção desse telescópio; lançou as sondas Ulysses para estudar o Sol, bem como diversos satélites; levou ao espaço, em 1998, o astronauta John Glenn, pioneiro do projeto Mercury, já então com 77 anos, e que se tornou o mais idoso ser humano a viajar no espaço. Ao longo de 27 anos, voou um total de 238 milhões de quilômetros, em 39 missões, dando 5.830 voltas em torno da Terra e passando 365 dias em órbita, segundo a versão inglesa da Wikipédia.Agora, na última missão do ônibus espacial Discovery, eu não poderia deixar de acompanhar cada uma de suas etapas. Ele foi lançado dia 24 de fevereiro às 16h53 (18h53 de Brasília). Acoplou-se à Estação Espacial Internacional (ISS), no dia 26 de fevereiro, às 9h14 (11h14 de Brasília), sobre o oeste da Austrália a uma altura de 350 quilômetros. E pousou no dia 9 de março, às 11h57 (13h57 de Brasília), no Cabo Canaveral.A era dos ônibus espaciais está chegando ao fim. Só restam as missões STS-134 e 135, com as naves Endeavour e Atlantis, nos próximos meses. Infelizmente, com os cortes de verbas em seu orçamento, a Nasa não dispôs de recursos para projetar o veículo sucessor dos ônibus espaciais. A despedida. Desculpe-me, leitor, mas eu tenho uma razão especial para me recordar com saudade dessas magníficas naves reutilizáveis, porque elas me recordam um período fascinante de minha vida profissional, quando cobri o programa espacial norte-americano nos anos 1970 e 1980. Em fevereiro de 1977, acompanhei os primeiros voos da nave Enterprise, do projeto Space Shuttle, na Base de Edwards, em pleno deserto de Mojave, na Califórnia. Assisti, então, ao primeiro voo livre da Enterprise, ao se descolar do cockpit de um Boeing 747 e pousar suavemente na pista natural de argila de quase 18 quilômetros ali existente. A Enterprise não tinha motores ou turbinas, pois havia sido construída apenas para testar a dirigibilidade dos ônibus espaciais na atmosfera.Finalizei a cobertura participando de uma entrevista com cientistas e astronautas, inclusive Fred Haise, da Apollo 13, missão que, por pouco, não se transformou numa tragédia (lembra-se do filme com Tom Hanks?). Com alguns técnicos da Nasa, visitei a Enterprise, pus a mão nas placas de sílica negra de seu revestimento externo e tive uma aula completa sobre as missões futuras daqueles veículos espaciais.Meses depois, em agosto de 1977, fui para Washington-DC, para visitar o recém-inaugurado Museu Aeroespacial (Air and Space Museum) acompanhado de um guia muito especial, Michael Collins, o astronauta da Apollo-11, diretor da instituição. Entrevistei-o e ganhei um exemplar de seu livro, Flying to the Moon and Other Strange Places. Autografado, amigos.Show dos shows. Depois de cobrir vários outros eventos, era chegado o momento de assistir ao lançamento do primeiro ônibus espacial, o Columbia, na missão STS-1, em 12 de abril de 1981, no Centro Espacial John F. Kennedy, do Cabo Canaveral.Nunca me esquecerei daquele cenário. Fecho os olhos e ainda hoje revejo o espetáculo do lançamento dos ônibus espaciais, num posto de observação especial, a pouco mais de um quilômetro da plataforma de lançamento. Ouço ainda o ruído descomunal dos dois foguetes externos, de combustível sólido, somado ao dos três motores da nave, movidos a hidrogênio: o ônibus espacial começa a subir lentamente. O barulho supera tudo que já ouvi. Os pássaros, imobilizados pelo estrondo inesperado, demoram quase um minuto para deixar as árvores e iniciar sua revoada. Em minhas visitas ao Cabo Canaveral, eu me hospedava num Holiday Inn bem simples, em Cocoa Beach, uma cidadezinha que era a mais próxima do Centro Espacial Kennedy. Nessa pequena cidade, conheci Mary Bubb, uma repórter veterana e solitária, com mais de 60 anos, que morava numa casa térrea, linda, cercada de flores.Mary dizia ter coberto literalmente todos os lançamentos da Nasa até então: "Já assisti e já fotografei mais de 2 mil eventos, incluindo os projetos Mercury, Gemini, Apollo ou Viking".Anos depois, procurei Mary Bubb e não mais a encontrei. Foi logo depois da explosão da nave Challenger, em 28 de janeiro de 1986, que matou sete astronautas, inclusive Sharon Christa McAulliffe, a professora que se preparava para dar uma aula especial a seus garotos lá do espaço. Não pude estar no Cabo Canaveral naquele dia. Mesmo assim, nunca me esquecerei da expressão de desespero dos pais de Sharon Christa, mostrada dezenas de vezes pela TV, quando assistiam ao vivo e em cores ao desaparecimento de sua filha, naquela manhã de céu azul.Um planeta azul. Hoje, depois de avaliar a contribuição dos ônibus espaciais por mais de 30 anos, olho para as fotos que coleciono dessas naves e avalio o imenso privilégio que foi para mim ter podido testemunhar algumas de suas missões. Finalmente, confesso que, se fosse bilionário como Dennis Tito, Paul Allen ou Guy Laliberté, não hesitaria em pagar também milhões de dólares para dar apenas um passeio cósmico e repetir lá de cima, para todos vocês, as mesmas palavras de Yuri Gagarin, pronunciadas em 12 de abril de 1961: "A Terra é azul".

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