Não dá para Haddad lavar as mãos na questão do corte de gastos, diz Manoel Pires


Para coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público, da FGV, Fazenda dá sinal ruim quando delega para a pasta de Simone Tebet a política de revisão de despesas

Por Alvaro Gribel
Atualização:
Entrevista comManoel Pirescoordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público

BRASÍLIA – O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), defende que a equipe econômica faça uma mudança de rota na estratégia para reequilibrar as contas públicas.

Após o governo revisar para baixo as metas fiscais para 2025 e 2026, Pires diz que é preciso “abrir espaço político” para o debate inevitável sobre o crescimento vertiginoso das despesas obrigatórias – e que, sem isso, o próximo passo será alterar o limite de gastos do arcabouço fiscal, hoje com teto de 2,5% ao ano acima da inflação.

“Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa”, diz Pires em entrevista ao Estadão. “A dúvida que fica é que talvez nem o ajuste (fiscal) lento aconteça. Porque, com esse crescimento de despesa obrigatória, o risco de o governo abandonar o teto de 2,5% é muito grande.”

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Pires reconhece o esforço da equipe econômica nas medidas de aumento de receitas, mas defende que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entre em campo para apoiar a agenda de revisão de gastos da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. O economista entende, porém, que apenas as revisões nos programas anunciados são insuficientes para manter a regra fiscal de pé.

Com a piora do cenário internacional, Pires alerta que a pressão sobre o governo será maior, sob risco de a taxa básica de juros (Selic) cair mais lentamente; mas enxerga uma janela de oportunidade para que a equipe econômica faça um freio de arrumação e consiga entregar um resultado fiscal “melhor do que pegou”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

'Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa', diz Manoel Pires  Foto: Dida Sampaio/Estadão
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Qual a sua avaliação sobre a alteração das metas anunciada pela equipe econômica?

O ajuste fiscal que está sendo feito tem uma parcela muito importante de receita não recorrente. E, além disso, a meta no ano que vem envolvia um ajuste adicional de mais de R$ 100 bilhões, num calendário político extremamente difícil. Acho que houve uma readequação à realidade, que está se impondo.

Houve excesso de otimismo nas metas anunciadas no ano passado?

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Houve. Mas isso não deve colocar em questão todo o esforço que a equipe econômica já fez. Isso também é importante reconhecer. Essa é uma situação muito difícil para o governo, porque ele precisa apresentar uma estratégia de ajuste que ofereça algum ganho de credibilidade, alguma relação com o mercado construtiva. Você fica no meio termo entre ter uma meta ambiciosa, ter um ponto de partida positivo, e ao mesmo tempo, esse encontro com a realidade que acontece toda vez que se tenta uma estratégia desse tipo. Todo ministro da Fazenda vive dessa dualidade, dessa ambiguidade, isso não tem jeito.

Os novos números são factíveis?

O governo vai perseguir o limite inferior da meta em 2025, de -0,25% do PIB, ou R$ 28 bilhões de déficit. Mas há o fato de que eles conseguiram abater os precatórios (dívidas judiciais da União) da meta, no valor de R$ 39 bilhões. Na prática, pode ter um déficit de quase R$ 70 bilhões no ano que vem. Com isso, a ideia de que as coisas estão melhorando gradualmente já não está posta, porque este ano a gente pode ter um déficit mais baixo do que isso.

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Muitos economistas já preveem 2025 pior que 2024...

A equipe econômica poderia ter apresentado alguma medida de controle de gasto adicional, alguma medida tributária, que pudesse reverter essa mensagem que ficou posta, de que o déficit de 2025 pode ser maior do que o de 2024. Isso faltou no anúncio. O grande problema é que as despesas obrigatórias estão crescendo muito. E a equipe econômica ainda não conseguiu se arrumar direito na agenda do gasto. A dúvida que fica é que talvez nem o ajuste lento aconteça. Porque, com esse crescimento de despesa obrigatória, o risco de o governo abandonar o teto (de gastos) de 2,5% (ao ano acima da inflação) é muito grande.

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Falta uma agenda efetiva de cortes de gastos?

Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa. O que o governo está conseguindo são coisas muito pequenas dentro do processo orçamentário – e, aparentemente, não está conseguindo tocar nas coisas mais significativas. É muito mais fácil usar as duas formas – ou seja, controle de gastos e aumento de receitas – ao mesmo tempo, do que uma só. Da mesma forma que a equipe econômica anterior focava muito em gastos, a equipe de Haddad foca apenas nas receitas. O que acho que seria muito salutar seria pegar esse episódio para o governo refazer a estratégia. Isso seria importante para a equipe econômica manter o discurso de que é possível entregar um resultado fiscal melhor e acenar com alguma sustentabilidade da dívida pública a longo prazo.

Mas o que seria essa mudança de estratégia?

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Abrir um espaço político para essas questões.

Um foco maior nas despesas obrigatórias?

Ter um controle das obrigatórias, para viabilizar a regra de despesa do governo, e continuar focando na agenda de receita para melhorar a meta de resultado primário.

O cenário internacional piorou bastante. Como a questão fiscal se enquadra nesse novo momento?

O contexto internacional coloca mais peso no fiscal sobre as decisões do Banco Central brasileiro, de dar continuidade da queda da taxa Selic. A notícia de que o fiscal vem pior do que o que estava planejado acaba mexendo no cenário, porque dá o sinal invertido do que seria o ideal.

Como vê a atuação da Fazenda e do Planejamento nesse processo de ajuste?

Já trabalhei nos dois lados, Fazenda e Planejamento. E é a Fazenda que dá o tom na agenda de política econômica. O apoio da Fazenda para essa agenda dos gastos é superimportante. Quando o Haddad diz que corte de gastos é com a Tebet, é um péssimo sinal. Ainda que seja, não dá para ele lavar as mãos. Ele tem sido muito bem sucedido na agenda de receita, e, qualquer ajuda que ele dê na agenda de gastos vai ser bom para o Orçamento, porque ele tem conseguido coisas que ninguém conseguiu antes: (fundos) offshore (no exterior), fundos fechados, reversões de causas no STF. Quando ele dá essa mensagem, não acho legal.

Eles precisam ir para a briga no debate público?

Ajuste fiscal é briga. Lembro em 2015 que mudamos as regras de seguro-desemprego e fui aos sindicatos explicar para os sindicalistas. E aí, quando você fala que tem muita fraude, ele entende.

Os gastos indexados com saúde e educação e salário mínimo são problemas?

A Previdência ocupa muito espaço no Orçamento, precisa de controle forte. Agora voltou o piso para a Saúde, e é um debate difícil, depois de sairmos da pandemia. O salário mínimo tem uma regra permanente que não havia nem no governo Lula, era temporária. Faltou alguém da Fazenda dar esse alerta. No Planejamento, a agenda de aumentar a eficiência do gasto é superimportante, mas ela sozinha não reverte em nada o quadro para viabilizar o arcabouço.

Estamos à beira do precipício ou o trem está fazendo a curva, ainda que lentamente?

Eu acho factível ele (o governo) entregar o Orçamento equilibrado do ponto de vista recorrente, estrutural, no fim de um ciclo de mandato. Em um ano, nunca achei. Agora, acho que eles erraram em 2023: fizeram muito pouco ajuste, e é mais fácil fazer isso no primeiro ano, você tem mais popularidade. Jogou para 2024. Olhando o todo, vejo um País que fez um ajuste de pessoal muito duro, que agora está nas mínimas históricas, como proporção do PIB, que fez reforma da Previdência, e agora aceitou enfrentar o debate da arrecadação e gastos tributários. Apesar das ambiguidades, temos um País que tenta se consertar; isso me faz ser sempre otimista.

Mas é preciso um ajuste de rota?

A gente aprende com os erros, e a equipe econômica precisa olhar para esse episódio e fazer alguns ajustes de estratégia para entregar um fiscal melhor do que pegou. Ajustes fiscais são longos, impactam a vida das pessoas. Acho que é preciso fazer um freio de arrumação, ajeitar algumas coisas, rever algumas estratégias, e conseguir entregar um resultado melhor. Isso é viável.

BRASÍLIA – O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), defende que a equipe econômica faça uma mudança de rota na estratégia para reequilibrar as contas públicas.

Após o governo revisar para baixo as metas fiscais para 2025 e 2026, Pires diz que é preciso “abrir espaço político” para o debate inevitável sobre o crescimento vertiginoso das despesas obrigatórias – e que, sem isso, o próximo passo será alterar o limite de gastos do arcabouço fiscal, hoje com teto de 2,5% ao ano acima da inflação.

“Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa”, diz Pires em entrevista ao Estadão. “A dúvida que fica é que talvez nem o ajuste (fiscal) lento aconteça. Porque, com esse crescimento de despesa obrigatória, o risco de o governo abandonar o teto de 2,5% é muito grande.”

Pires reconhece o esforço da equipe econômica nas medidas de aumento de receitas, mas defende que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entre em campo para apoiar a agenda de revisão de gastos da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. O economista entende, porém, que apenas as revisões nos programas anunciados são insuficientes para manter a regra fiscal de pé.

Com a piora do cenário internacional, Pires alerta que a pressão sobre o governo será maior, sob risco de a taxa básica de juros (Selic) cair mais lentamente; mas enxerga uma janela de oportunidade para que a equipe econômica faça um freio de arrumação e consiga entregar um resultado fiscal “melhor do que pegou”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

'Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa', diz Manoel Pires  Foto: Dida Sampaio/Estadão

Qual a sua avaliação sobre a alteração das metas anunciada pela equipe econômica?

O ajuste fiscal que está sendo feito tem uma parcela muito importante de receita não recorrente. E, além disso, a meta no ano que vem envolvia um ajuste adicional de mais de R$ 100 bilhões, num calendário político extremamente difícil. Acho que houve uma readequação à realidade, que está se impondo.

Houve excesso de otimismo nas metas anunciadas no ano passado?

Houve. Mas isso não deve colocar em questão todo o esforço que a equipe econômica já fez. Isso também é importante reconhecer. Essa é uma situação muito difícil para o governo, porque ele precisa apresentar uma estratégia de ajuste que ofereça algum ganho de credibilidade, alguma relação com o mercado construtiva. Você fica no meio termo entre ter uma meta ambiciosa, ter um ponto de partida positivo, e ao mesmo tempo, esse encontro com a realidade que acontece toda vez que se tenta uma estratégia desse tipo. Todo ministro da Fazenda vive dessa dualidade, dessa ambiguidade, isso não tem jeito.

Os novos números são factíveis?

O governo vai perseguir o limite inferior da meta em 2025, de -0,25% do PIB, ou R$ 28 bilhões de déficit. Mas há o fato de que eles conseguiram abater os precatórios (dívidas judiciais da União) da meta, no valor de R$ 39 bilhões. Na prática, pode ter um déficit de quase R$ 70 bilhões no ano que vem. Com isso, a ideia de que as coisas estão melhorando gradualmente já não está posta, porque este ano a gente pode ter um déficit mais baixo do que isso.

Muitos economistas já preveem 2025 pior que 2024...

A equipe econômica poderia ter apresentado alguma medida de controle de gasto adicional, alguma medida tributária, que pudesse reverter essa mensagem que ficou posta, de que o déficit de 2025 pode ser maior do que o de 2024. Isso faltou no anúncio. O grande problema é que as despesas obrigatórias estão crescendo muito. E a equipe econômica ainda não conseguiu se arrumar direito na agenda do gasto. A dúvida que fica é que talvez nem o ajuste lento aconteça. Porque, com esse crescimento de despesa obrigatória, o risco de o governo abandonar o teto (de gastos) de 2,5% (ao ano acima da inflação) é muito grande.

Falta uma agenda efetiva de cortes de gastos?

Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa. O que o governo está conseguindo são coisas muito pequenas dentro do processo orçamentário – e, aparentemente, não está conseguindo tocar nas coisas mais significativas. É muito mais fácil usar as duas formas – ou seja, controle de gastos e aumento de receitas – ao mesmo tempo, do que uma só. Da mesma forma que a equipe econômica anterior focava muito em gastos, a equipe de Haddad foca apenas nas receitas. O que acho que seria muito salutar seria pegar esse episódio para o governo refazer a estratégia. Isso seria importante para a equipe econômica manter o discurso de que é possível entregar um resultado fiscal melhor e acenar com alguma sustentabilidade da dívida pública a longo prazo.

Mas o que seria essa mudança de estratégia?

Abrir um espaço político para essas questões.

Um foco maior nas despesas obrigatórias?

Ter um controle das obrigatórias, para viabilizar a regra de despesa do governo, e continuar focando na agenda de receita para melhorar a meta de resultado primário.

O cenário internacional piorou bastante. Como a questão fiscal se enquadra nesse novo momento?

O contexto internacional coloca mais peso no fiscal sobre as decisões do Banco Central brasileiro, de dar continuidade da queda da taxa Selic. A notícia de que o fiscal vem pior do que o que estava planejado acaba mexendo no cenário, porque dá o sinal invertido do que seria o ideal.

Como vê a atuação da Fazenda e do Planejamento nesse processo de ajuste?

Já trabalhei nos dois lados, Fazenda e Planejamento. E é a Fazenda que dá o tom na agenda de política econômica. O apoio da Fazenda para essa agenda dos gastos é superimportante. Quando o Haddad diz que corte de gastos é com a Tebet, é um péssimo sinal. Ainda que seja, não dá para ele lavar as mãos. Ele tem sido muito bem sucedido na agenda de receita, e, qualquer ajuda que ele dê na agenda de gastos vai ser bom para o Orçamento, porque ele tem conseguido coisas que ninguém conseguiu antes: (fundos) offshore (no exterior), fundos fechados, reversões de causas no STF. Quando ele dá essa mensagem, não acho legal.

Eles precisam ir para a briga no debate público?

Ajuste fiscal é briga. Lembro em 2015 que mudamos as regras de seguro-desemprego e fui aos sindicatos explicar para os sindicalistas. E aí, quando você fala que tem muita fraude, ele entende.

Os gastos indexados com saúde e educação e salário mínimo são problemas?

A Previdência ocupa muito espaço no Orçamento, precisa de controle forte. Agora voltou o piso para a Saúde, e é um debate difícil, depois de sairmos da pandemia. O salário mínimo tem uma regra permanente que não havia nem no governo Lula, era temporária. Faltou alguém da Fazenda dar esse alerta. No Planejamento, a agenda de aumentar a eficiência do gasto é superimportante, mas ela sozinha não reverte em nada o quadro para viabilizar o arcabouço.

Estamos à beira do precipício ou o trem está fazendo a curva, ainda que lentamente?

Eu acho factível ele (o governo) entregar o Orçamento equilibrado do ponto de vista recorrente, estrutural, no fim de um ciclo de mandato. Em um ano, nunca achei. Agora, acho que eles erraram em 2023: fizeram muito pouco ajuste, e é mais fácil fazer isso no primeiro ano, você tem mais popularidade. Jogou para 2024. Olhando o todo, vejo um País que fez um ajuste de pessoal muito duro, que agora está nas mínimas históricas, como proporção do PIB, que fez reforma da Previdência, e agora aceitou enfrentar o debate da arrecadação e gastos tributários. Apesar das ambiguidades, temos um País que tenta se consertar; isso me faz ser sempre otimista.

Mas é preciso um ajuste de rota?

A gente aprende com os erros, e a equipe econômica precisa olhar para esse episódio e fazer alguns ajustes de estratégia para entregar um fiscal melhor do que pegou. Ajustes fiscais são longos, impactam a vida das pessoas. Acho que é preciso fazer um freio de arrumação, ajeitar algumas coisas, rever algumas estratégias, e conseguir entregar um resultado melhor. Isso é viável.

BRASÍLIA – O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), defende que a equipe econômica faça uma mudança de rota na estratégia para reequilibrar as contas públicas.

Após o governo revisar para baixo as metas fiscais para 2025 e 2026, Pires diz que é preciso “abrir espaço político” para o debate inevitável sobre o crescimento vertiginoso das despesas obrigatórias – e que, sem isso, o próximo passo será alterar o limite de gastos do arcabouço fiscal, hoje com teto de 2,5% ao ano acima da inflação.

“Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa”, diz Pires em entrevista ao Estadão. “A dúvida que fica é que talvez nem o ajuste (fiscal) lento aconteça. Porque, com esse crescimento de despesa obrigatória, o risco de o governo abandonar o teto de 2,5% é muito grande.”

Pires reconhece o esforço da equipe econômica nas medidas de aumento de receitas, mas defende que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entre em campo para apoiar a agenda de revisão de gastos da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. O economista entende, porém, que apenas as revisões nos programas anunciados são insuficientes para manter a regra fiscal de pé.

Com a piora do cenário internacional, Pires alerta que a pressão sobre o governo será maior, sob risco de a taxa básica de juros (Selic) cair mais lentamente; mas enxerga uma janela de oportunidade para que a equipe econômica faça um freio de arrumação e consiga entregar um resultado fiscal “melhor do que pegou”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

'Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa', diz Manoel Pires  Foto: Dida Sampaio/Estadão

Qual a sua avaliação sobre a alteração das metas anunciada pela equipe econômica?

O ajuste fiscal que está sendo feito tem uma parcela muito importante de receita não recorrente. E, além disso, a meta no ano que vem envolvia um ajuste adicional de mais de R$ 100 bilhões, num calendário político extremamente difícil. Acho que houve uma readequação à realidade, que está se impondo.

Houve excesso de otimismo nas metas anunciadas no ano passado?

Houve. Mas isso não deve colocar em questão todo o esforço que a equipe econômica já fez. Isso também é importante reconhecer. Essa é uma situação muito difícil para o governo, porque ele precisa apresentar uma estratégia de ajuste que ofereça algum ganho de credibilidade, alguma relação com o mercado construtiva. Você fica no meio termo entre ter uma meta ambiciosa, ter um ponto de partida positivo, e ao mesmo tempo, esse encontro com a realidade que acontece toda vez que se tenta uma estratégia desse tipo. Todo ministro da Fazenda vive dessa dualidade, dessa ambiguidade, isso não tem jeito.

Os novos números são factíveis?

O governo vai perseguir o limite inferior da meta em 2025, de -0,25% do PIB, ou R$ 28 bilhões de déficit. Mas há o fato de que eles conseguiram abater os precatórios (dívidas judiciais da União) da meta, no valor de R$ 39 bilhões. Na prática, pode ter um déficit de quase R$ 70 bilhões no ano que vem. Com isso, a ideia de que as coisas estão melhorando gradualmente já não está posta, porque este ano a gente pode ter um déficit mais baixo do que isso.

Muitos economistas já preveem 2025 pior que 2024...

A equipe econômica poderia ter apresentado alguma medida de controle de gasto adicional, alguma medida tributária, que pudesse reverter essa mensagem que ficou posta, de que o déficit de 2025 pode ser maior do que o de 2024. Isso faltou no anúncio. O grande problema é que as despesas obrigatórias estão crescendo muito. E a equipe econômica ainda não conseguiu se arrumar direito na agenda do gasto. A dúvida que fica é que talvez nem o ajuste lento aconteça. Porque, com esse crescimento de despesa obrigatória, o risco de o governo abandonar o teto (de gastos) de 2,5% (ao ano acima da inflação) é muito grande.

Falta uma agenda efetiva de cortes de gastos?

Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa. O que o governo está conseguindo são coisas muito pequenas dentro do processo orçamentário – e, aparentemente, não está conseguindo tocar nas coisas mais significativas. É muito mais fácil usar as duas formas – ou seja, controle de gastos e aumento de receitas – ao mesmo tempo, do que uma só. Da mesma forma que a equipe econômica anterior focava muito em gastos, a equipe de Haddad foca apenas nas receitas. O que acho que seria muito salutar seria pegar esse episódio para o governo refazer a estratégia. Isso seria importante para a equipe econômica manter o discurso de que é possível entregar um resultado fiscal melhor e acenar com alguma sustentabilidade da dívida pública a longo prazo.

Mas o que seria essa mudança de estratégia?

Abrir um espaço político para essas questões.

Um foco maior nas despesas obrigatórias?

Ter um controle das obrigatórias, para viabilizar a regra de despesa do governo, e continuar focando na agenda de receita para melhorar a meta de resultado primário.

O cenário internacional piorou bastante. Como a questão fiscal se enquadra nesse novo momento?

O contexto internacional coloca mais peso no fiscal sobre as decisões do Banco Central brasileiro, de dar continuidade da queda da taxa Selic. A notícia de que o fiscal vem pior do que o que estava planejado acaba mexendo no cenário, porque dá o sinal invertido do que seria o ideal.

Como vê a atuação da Fazenda e do Planejamento nesse processo de ajuste?

Já trabalhei nos dois lados, Fazenda e Planejamento. E é a Fazenda que dá o tom na agenda de política econômica. O apoio da Fazenda para essa agenda dos gastos é superimportante. Quando o Haddad diz que corte de gastos é com a Tebet, é um péssimo sinal. Ainda que seja, não dá para ele lavar as mãos. Ele tem sido muito bem sucedido na agenda de receita, e, qualquer ajuda que ele dê na agenda de gastos vai ser bom para o Orçamento, porque ele tem conseguido coisas que ninguém conseguiu antes: (fundos) offshore (no exterior), fundos fechados, reversões de causas no STF. Quando ele dá essa mensagem, não acho legal.

Eles precisam ir para a briga no debate público?

Ajuste fiscal é briga. Lembro em 2015 que mudamos as regras de seguro-desemprego e fui aos sindicatos explicar para os sindicalistas. E aí, quando você fala que tem muita fraude, ele entende.

Os gastos indexados com saúde e educação e salário mínimo são problemas?

A Previdência ocupa muito espaço no Orçamento, precisa de controle forte. Agora voltou o piso para a Saúde, e é um debate difícil, depois de sairmos da pandemia. O salário mínimo tem uma regra permanente que não havia nem no governo Lula, era temporária. Faltou alguém da Fazenda dar esse alerta. No Planejamento, a agenda de aumentar a eficiência do gasto é superimportante, mas ela sozinha não reverte em nada o quadro para viabilizar o arcabouço.

Estamos à beira do precipício ou o trem está fazendo a curva, ainda que lentamente?

Eu acho factível ele (o governo) entregar o Orçamento equilibrado do ponto de vista recorrente, estrutural, no fim de um ciclo de mandato. Em um ano, nunca achei. Agora, acho que eles erraram em 2023: fizeram muito pouco ajuste, e é mais fácil fazer isso no primeiro ano, você tem mais popularidade. Jogou para 2024. Olhando o todo, vejo um País que fez um ajuste de pessoal muito duro, que agora está nas mínimas históricas, como proporção do PIB, que fez reforma da Previdência, e agora aceitou enfrentar o debate da arrecadação e gastos tributários. Apesar das ambiguidades, temos um País que tenta se consertar; isso me faz ser sempre otimista.

Mas é preciso um ajuste de rota?

A gente aprende com os erros, e a equipe econômica precisa olhar para esse episódio e fazer alguns ajustes de estratégia para entregar um fiscal melhor do que pegou. Ajustes fiscais são longos, impactam a vida das pessoas. Acho que é preciso fazer um freio de arrumação, ajeitar algumas coisas, rever algumas estratégias, e conseguir entregar um resultado melhor. Isso é viável.

BRASÍLIA – O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), defende que a equipe econômica faça uma mudança de rota na estratégia para reequilibrar as contas públicas.

Após o governo revisar para baixo as metas fiscais para 2025 e 2026, Pires diz que é preciso “abrir espaço político” para o debate inevitável sobre o crescimento vertiginoso das despesas obrigatórias – e que, sem isso, o próximo passo será alterar o limite de gastos do arcabouço fiscal, hoje com teto de 2,5% ao ano acima da inflação.

“Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa”, diz Pires em entrevista ao Estadão. “A dúvida que fica é que talvez nem o ajuste (fiscal) lento aconteça. Porque, com esse crescimento de despesa obrigatória, o risco de o governo abandonar o teto de 2,5% é muito grande.”

Pires reconhece o esforço da equipe econômica nas medidas de aumento de receitas, mas defende que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entre em campo para apoiar a agenda de revisão de gastos da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. O economista entende, porém, que apenas as revisões nos programas anunciados são insuficientes para manter a regra fiscal de pé.

Com a piora do cenário internacional, Pires alerta que a pressão sobre o governo será maior, sob risco de a taxa básica de juros (Selic) cair mais lentamente; mas enxerga uma janela de oportunidade para que a equipe econômica faça um freio de arrumação e consiga entregar um resultado fiscal “melhor do que pegou”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

'Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa', diz Manoel Pires  Foto: Dida Sampaio/Estadão

Qual a sua avaliação sobre a alteração das metas anunciada pela equipe econômica?

O ajuste fiscal que está sendo feito tem uma parcela muito importante de receita não recorrente. E, além disso, a meta no ano que vem envolvia um ajuste adicional de mais de R$ 100 bilhões, num calendário político extremamente difícil. Acho que houve uma readequação à realidade, que está se impondo.

Houve excesso de otimismo nas metas anunciadas no ano passado?

Houve. Mas isso não deve colocar em questão todo o esforço que a equipe econômica já fez. Isso também é importante reconhecer. Essa é uma situação muito difícil para o governo, porque ele precisa apresentar uma estratégia de ajuste que ofereça algum ganho de credibilidade, alguma relação com o mercado construtiva. Você fica no meio termo entre ter uma meta ambiciosa, ter um ponto de partida positivo, e ao mesmo tempo, esse encontro com a realidade que acontece toda vez que se tenta uma estratégia desse tipo. Todo ministro da Fazenda vive dessa dualidade, dessa ambiguidade, isso não tem jeito.

Os novos números são factíveis?

O governo vai perseguir o limite inferior da meta em 2025, de -0,25% do PIB, ou R$ 28 bilhões de déficit. Mas há o fato de que eles conseguiram abater os precatórios (dívidas judiciais da União) da meta, no valor de R$ 39 bilhões. Na prática, pode ter um déficit de quase R$ 70 bilhões no ano que vem. Com isso, a ideia de que as coisas estão melhorando gradualmente já não está posta, porque este ano a gente pode ter um déficit mais baixo do que isso.

Muitos economistas já preveem 2025 pior que 2024...

A equipe econômica poderia ter apresentado alguma medida de controle de gasto adicional, alguma medida tributária, que pudesse reverter essa mensagem que ficou posta, de que o déficit de 2025 pode ser maior do que o de 2024. Isso faltou no anúncio. O grande problema é que as despesas obrigatórias estão crescendo muito. E a equipe econômica ainda não conseguiu se arrumar direito na agenda do gasto. A dúvida que fica é que talvez nem o ajuste lento aconteça. Porque, com esse crescimento de despesa obrigatória, o risco de o governo abandonar o teto (de gastos) de 2,5% (ao ano acima da inflação) é muito grande.

Falta uma agenda efetiva de cortes de gastos?

Ninguém consegue colocar o dedo na ferida do controle de despesa. O que o governo está conseguindo são coisas muito pequenas dentro do processo orçamentário – e, aparentemente, não está conseguindo tocar nas coisas mais significativas. É muito mais fácil usar as duas formas – ou seja, controle de gastos e aumento de receitas – ao mesmo tempo, do que uma só. Da mesma forma que a equipe econômica anterior focava muito em gastos, a equipe de Haddad foca apenas nas receitas. O que acho que seria muito salutar seria pegar esse episódio para o governo refazer a estratégia. Isso seria importante para a equipe econômica manter o discurso de que é possível entregar um resultado fiscal melhor e acenar com alguma sustentabilidade da dívida pública a longo prazo.

Mas o que seria essa mudança de estratégia?

Abrir um espaço político para essas questões.

Um foco maior nas despesas obrigatórias?

Ter um controle das obrigatórias, para viabilizar a regra de despesa do governo, e continuar focando na agenda de receita para melhorar a meta de resultado primário.

O cenário internacional piorou bastante. Como a questão fiscal se enquadra nesse novo momento?

O contexto internacional coloca mais peso no fiscal sobre as decisões do Banco Central brasileiro, de dar continuidade da queda da taxa Selic. A notícia de que o fiscal vem pior do que o que estava planejado acaba mexendo no cenário, porque dá o sinal invertido do que seria o ideal.

Como vê a atuação da Fazenda e do Planejamento nesse processo de ajuste?

Já trabalhei nos dois lados, Fazenda e Planejamento. E é a Fazenda que dá o tom na agenda de política econômica. O apoio da Fazenda para essa agenda dos gastos é superimportante. Quando o Haddad diz que corte de gastos é com a Tebet, é um péssimo sinal. Ainda que seja, não dá para ele lavar as mãos. Ele tem sido muito bem sucedido na agenda de receita, e, qualquer ajuda que ele dê na agenda de gastos vai ser bom para o Orçamento, porque ele tem conseguido coisas que ninguém conseguiu antes: (fundos) offshore (no exterior), fundos fechados, reversões de causas no STF. Quando ele dá essa mensagem, não acho legal.

Eles precisam ir para a briga no debate público?

Ajuste fiscal é briga. Lembro em 2015 que mudamos as regras de seguro-desemprego e fui aos sindicatos explicar para os sindicalistas. E aí, quando você fala que tem muita fraude, ele entende.

Os gastos indexados com saúde e educação e salário mínimo são problemas?

A Previdência ocupa muito espaço no Orçamento, precisa de controle forte. Agora voltou o piso para a Saúde, e é um debate difícil, depois de sairmos da pandemia. O salário mínimo tem uma regra permanente que não havia nem no governo Lula, era temporária. Faltou alguém da Fazenda dar esse alerta. No Planejamento, a agenda de aumentar a eficiência do gasto é superimportante, mas ela sozinha não reverte em nada o quadro para viabilizar o arcabouço.

Estamos à beira do precipício ou o trem está fazendo a curva, ainda que lentamente?

Eu acho factível ele (o governo) entregar o Orçamento equilibrado do ponto de vista recorrente, estrutural, no fim de um ciclo de mandato. Em um ano, nunca achei. Agora, acho que eles erraram em 2023: fizeram muito pouco ajuste, e é mais fácil fazer isso no primeiro ano, você tem mais popularidade. Jogou para 2024. Olhando o todo, vejo um País que fez um ajuste de pessoal muito duro, que agora está nas mínimas históricas, como proporção do PIB, que fez reforma da Previdência, e agora aceitou enfrentar o debate da arrecadação e gastos tributários. Apesar das ambiguidades, temos um País que tenta se consertar; isso me faz ser sempre otimista.

Mas é preciso um ajuste de rota?

A gente aprende com os erros, e a equipe econômica precisa olhar para esse episódio e fazer alguns ajustes de estratégia para entregar um fiscal melhor do que pegou. Ajustes fiscais são longos, impactam a vida das pessoas. Acho que é preciso fazer um freio de arrumação, ajeitar algumas coisas, rever algumas estratégias, e conseguir entregar um resultado melhor. Isso é viável.

Entrevista por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

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