‘A esquerda bolorenta defende a legislação trabalhista do fascismo’, diz senador Rogério Marinho


Para parlamentar, governo Lula, PT e sindicatos querem manter relações de trabalho numa ‘camisa de força’, ao torpedear novas formas de contratação e defender a CLT, criada por Getulio Vargas em 1943 e inspirada na Carta del Lavoro, de Mussolini

Por José Fucs
Atualização:
Foto: Dida Sampaio/Estadão - 22/2/2019
Entrevista comRogério MarinhoSenador (PL-RN), líder da oposição no Senado e ex-ministro do Desenvolvimento Regional

O senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro do Desenvolvimento Regional na gestão de Jair Bolsonaro, é um dos maiores críticos do governo Lula no Congresso, como líder da oposição no Senado. Em 2017, como deputado federal e integrante da bancada do PSDB, do qual se desligou em 2020, ele foi o relator e um dos principais articuladores da reforma trabalhista na Câmara, que flexibilizou as relações de trabalho no País, e acompanha com lupa até hoje as iniciativas governamentais na área.

Nesta entrevista ao Estadão, concedida após almoço realizado no restaurante Président, do chef Érick Jacquin e do empresário Orlando Leone, nos Jardins, em São Paulo, Marinho comenta a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar constitucional a cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, inclusive de não associados das entidades, e o projeto em tramitação no Senado para permitir que os trabalhadores possam exercer de forma digital seu direito de oposição à medida.

Ele fala também sobre o impacto da reforma trabalhista na economia, a possibilidade de o governo promover um “revogaço” das mudanças, a volta das greves de fundo político e as iniciativas do atual governo para restringir o comércio aos domingos e feriados e de regulamentar os aplicativos de transporte e entrega. “A esquerda caracterizada pelo movimento sindical pelego, bolorento, defende uma legislação de 1943 que é oriunda de um governo que eles consideram como tudo que eles são contra, que é o fascismo de Benito Mussolini”, afirma.

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Marinho diz que modernização da legislação trabalhista foi fundamental para dar previsibilidade, oferecer segurança jurídica e criar ambiente favorável para quem quer empreender e investir Foto: Adriano Machado/Reuters

O sr. foi o relator na Câmara e um dos principais articuladores da reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso em 2017, no governo Temer. Como o sr. analisa os resultados das mudanças? Que balanço o sr. faz da reforma?

Passados mais de seis anos desde a sua aprovação, o que a gente vê é que a modernização da nossa legislação trabalhista foi fundamental para dar previsibilidade, oferecer segurança jurídica e criar um ambiente adequado e favorável para quem quer empreender e investir. A reforma possibilitou a contratação de pessoas sem gerar passivos trabalhistas, na quantidade e na intensidade que ocorriam antes, trazendo emprego, gerando renda e criando oportunidades. Se a gente for expressar isso em números, estamos falando de um acréscimo de mais de cinco milhões de postos formais de trabalho desde 2017. Nós podemos falar também da maior massa salarial da história paga aos trabalhadores brasileiros em 2022 e da menor taxa de informalidade. Então, com as alterações promovidas na legislação, que foram quase 150 no total, o Brasil conseguiu dar um passo decisivo para melhorar sua produtividade e reduzir a insegurança jurídica na área trabalhista, incorporando o espírito do tempo nas relações de trabalho.

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Entre todas essas medidas, quais o sr. destacaria como as mais relevantes?

A regulamentação da terceirização, que é comum no mundo inteiro há mais de cem anos, mas era tratada no Brasil como uma questão marginal, foi uma das principais medidas. Desde a Primeira Guerra Mundial, com a necessidade de se colocar grandes exércitos em campo e produzir grande quantidade de materiais e de alimentos, a fragmentação do trabalho, das etapas de produção, tornou-se uma realidade global. Hoje, a Apple, por exemplo, tem milhares de aplicativos produzidos por terceiros que são credenciados para operar em seu sistema operacional. Os componentes de seus celulares são fabricados em dezenas de países. Com a reforma, a terceirização, que era restrita a áreas não ligadas às atividades-fim das empresas, como limpeza e segurança, pode ser realizada sem restrições também no País.

Que outras medidas o sr. destacaria na reforma trabalhista?

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A regulamentação do trabalho intermitente também foi uma mudança importante. Nos restaurantes, por exemplo, os empreendedores precisam de mais colaboradores nos momentos em que há pico de clientes, como às sextas, aos sábados e aos domingos, e menos gente nos demais dias da semana. A intermitência permite essa graduação. O trabalho remoto, o tal do home office, cuja importância foi mostrada na prática durante a pandemia, foi outro ponto relevante, assim como o fim da ultra-atividade, que prolongava automaticamente as convenções ou os acordos coletivos de trabalho até que houvesse uma nova negociação. Se o sindicato não quisesse alterar os termos da convenção ou do acordo, prevaleciam os pontos aprovados anteriormente. Mesmo que houvesse uma queda na atividade econômica, as empresas eram obrigadas a seguir cláusulas que não tinham como cumprir. Isso quebrava as empresas. Com a reforma, as convenções passaram a ocorrer com maior assiduidade, respeitando o papel dos sindicatos, que continuam a fazer seu trabalho de mediação entre quem trabalha e quem empreende, que é necessário, para que as condições sejam dadas de acordo com o espírito do tempo.

Com o imposto sindical, os sindicatos e as centrais retiravam bilhões de reais do bolso do trabalhador de forma compulsória para bancar estruturas paquidérmicas, partidos políticos e candidaturas

Houve ainda um ponto da reforma que o sr. não mencionou, que foi o fim da cobrança compulsória do imposto sindical, pelo qual os trabalhadores tinham de contribuir com um dia de trabalho por ano para os sindicatos e as centrais sindicais. Como o sr. analisa o efeito dessa medida?

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Em 2017, quando nós tiramos a compulsoriedade da lei, dentro do espírito da liberdade sindical, nós não extinguimos a contribuição, mas a tornamos opcional. Deixamos para o trabalhador a decisão de contribuir ou não. Até então, os sindicatos e as centrais retiravam bilhões de reais do bolso do trabalhador de forma compulsória e utilizavam esses recursos para bancar estruturas paquidérmicas, partidos políticos e candidaturas. A Força Sindical, por exemplo sorteava dezenas de carros para os trabalhadores em seu aniversário e promovia shows com cantores famosos. As centrais e os sindicatos recrutavam cidadãos de menor poder aquisitivo nas comunidades para participar de manifestações agitando bandeiras mediante o pagamento de uma diária. Ofereciam até transporte e pão com mortadela para o pessoal. Tudo isso era bancado com o suor do trabalhador à sua revelia. Com a aprovação da reforma e com o fim da compulsoriedade do imposto sindical, a arrecadação dos sindicatos caiu para 3%, 4% ,5% do que era, o que mostra que a grande maioria tinha pouca efetividade em suas atividades. O trabalhador não se sentiu compelido a fazer essa contribuição de forma voluntária porque pensou “ah, esse cara não está me representando, esse sindicato não está fazendo a sua parte”. Hoje, menos de 10% dos trabalhadores contratados pela CLT são sindicalizados.

Recentemente, o STF decidiu pela legalidade da cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, inclusive de não associados das entidades, embora tenha preservado o direito de oposição dos trabalhadores. Muita gente interpretou essa decisão como uma forma de ressuscitar o imposto sindical obrigatório. Qual a sua avaliação sobre a decisão do STF?

Decisão judicial a gente cumpre. A gente pode espernear, achar ruim, que é o meu caso, mas eu respeito a lei e a Constituição e vou cumprir a decisão do Supremo. Agora, eu acredito que o STF errou novamente neste caso específico, gerando uma confusão enorme, porque interferiu em um processo que diz respeito à relação dos sindicatos com os trabalhadores que já havia sido regulamentado pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e posteriormente pela modernização da legislação trabalhista. Ao decidir que, feito o acordo ou convenção coletiva, a cobrança da contribuição assistencial é universal, o STF foi na contramão do que a gente havia decidido no caso do imposto sindical, pelo conjunto dos deputados e senadores, quando o entendimento foi de que se tratava de uma questão individual, que exige a manifestação de cada trabalhador. E, como a questão não foi regulamentada, tem gerado uma celeuma extraordinária e está levando a uma série de distorções. Por isso, nós buscamos um projeto de lei que já existia, do senador Styvenson Valetim (Podemos-RN), do qual fui o relator, para regulamentar o direito de oposição do trabalhador.

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O que nós estamos propondo é a regulamentação da decisão do STF, de preservar o direito de oposição dos trabalhadores

O que exatamente prevê esse projeto?

É algo muito simples: se a gente vive hoje no mundo virtual, o que estamos propondo é que o direito de oposição seja exercido por e-mail e por WhatsApp. Hoje, qualquer cidadão brasileiro faz quase tudo hoje em sua vida pela internet. O próprio STF ou boa parte dele defende a urna eletrônica. Então, por que o exercício do direito de oposição também não pode ser feito eletronicamente? Por que o trabalhador tem de comparecer pessoalmente ao sindicato para exercer seu direito oposição ou ir à assembleia de sua categoria, na qual há uma minoria organizada que intimida aqueles que, por ventura, pensem diferente?

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Em que pé está essa questão?

Esse projeto já foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, com apenas três votos contrários. Agora ele está sendo avaliado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que designou o senador Paulo Paim (PT-RS) como relator. Estou tentando negociar com o Paim, para que ele vote esse projeto até o fim do ano. Já fizemos uma audiência pública a respeito do tema, mas o Paim ainda não se definiu. Eu estou dizendo que é melhor a gente votar logo, para perder ou para ganhar, porque acredito que a função do Parlamento é essa e não procrastinar as decisões, empurrá-las com a barriga. O que nós estamos propondo não se contrapõe à decisão do STF. É a regulamentação da decisão do STF, de preservar o direito de oposição dos trabalhadores. Do jeito que a coisa está hoje, o direito de oposição acaba não sendo exercido. É “para inglês ver”.

O sr. acredita que há possibilidade efetiva de esse projeto ser levado a votação pelo plenário, mesmo dependendo do aval de dois senadores do PT que estão cuidando da questão na CAS?

Acredito que sim, porque apesar de, em princípio, eles serem contrários a essa mudança, não tenho dúvida de que os dois senadores vão permitir que o ato legislativo se estabeleça democraticamente. Tenho pressionado, no bom sentido, o senador Paim para que a gente chegue a um acordo para votarmos isso até o dia 20, antes do recesso parlamentar.

Enquanto isso não acontece, estão ocorrendo muitos abusos. Muitos sindicatos estão exigindo a presença física dos trabalhadores, o que está levando à formação de filas enormes nas sedes das entidades, para que que o direito de oposição seja exercido. Tem sindicato que está cobrando até 12% do salário ao ano como contribuição assistencial e R$ 150 do trabalhador que não quiser pagar a taxa. Qual a sua posição em relação a esses abusos?

Na verdade, se não tivermos um contraponto no Legislativo, vai ficar pior do que era antes da reforma. Antes, o trabalhador pagava um dia de salário por ano de imposto sindical. Agora, pela jurisprudência existente nesta questão, poderá pagar até 1/100 do seu rendimento anual como contribuição assistencial, o que significa 3,67 dias de trabalho por ano. Isso representa um aumento de 367% em relação ao que era cobrado como imposto sindical. Como hoje está ocorrendo uma espécie de autorregulação, é evidente que as centrais sindicais e os sindicatos vão buscar os parâmetros mais elevados. Como não há regulamentação, cada um está interpretando a questão da maneira mais conveniente. Quem pode mais manda mais. Estão falando até na possibilidade de retroagir a cobrança por cinco anos, além de cobrar um percentual exagerado do salário do trabalhador. A nossa preocupação justamente é evitar esses abusos com a regulamentação.

Havia e há um grande número de pessoas que são ‘viúvas’ da legislação anterior ou refratárias à mudança. A burocracia se retroalimenta

Agora, apesar de a reforma estar em pleno vigor, muitos juízes do Trabalho têm se rebelado contra ela, tomando decisões com base na legislação anterior, como se a reforma não tivesse ocorrido. A que o sr. atribui essa resistência de uma parcela significativa da Justiça do Trabalho à reforma?

Como a gente costuma dizer lá no meu estado, no Rio Grande do Norte, o uso do cachimbo deixa a boca torta. Havia e há um grande número de pessoas que são “viúvas” da legislação anterior ou refratárias à mudança. A burocracia se retroalimenta. Quando a CLT foi introduzida, em 1943, o Brasil era um país completamente diferente do que é hoje. A internet era algo inimaginável. Milhares de profissões que existem hoje não existiam naquela época – e vice-versa. Em muitas cidades brasileiras, a tração animal ainda puxava vagões que transportavam as pessoas. Então, é evidente que havia necessidade de promover uma modernização dessa legislação.

Agora, das mais de cinquenta Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que foram impetradas contestando diferentes artigos da nova legislação, cerca de quarente delas já foram julgadas e apenas um artigo foi considerado inconstitucional: o que previa que as gestantes exercessem atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo e que lactantes desempenhassem atividades insalubres em qualquer grau, exceto quando apresentassem atestado de saúde que recomendasse o afastamento. Isso mostra que a nova legislação foi feita de acordo com o espírito do tempo, com a contemporaneidade e sobretudo com bom senso.

De qualquer forma, mesmo com essas ADIs sendo consideradas improcedentes, uma parte Justiça do Trabalho, especialmente na 1º e na 2º instâncias, continua a seguir as velhas regras do jogo. Qual o sentido de implementar uma reforma se a Justiça não incorpora as mudanças em seus julgamentos?

A Justiça tem um caráter interpretativo. Por isso, existem as instâncias superiores. O que eu tenho recomendado àqueles que, por ventura, são vencidos na Justiça, mesmo agindo dentro do que a legislação prevê, é que recorram das decisões, para revisar as sentenças das primeiras instâncias. Geralmente, quando as ações chegam ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) e algumas vezes até ao STF (Supremo Tribunal Federal), elas são revisadas e cria-se uma jurisprudência. O importante é que a lei seja cumprida.

Eles falam de “precarização” do trabalho com a reforma trabalhista, mas não explicam o que isso significa. É apenas palavra de ordem

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, boa parte dos sindicatos e sindicalistas, além do PT e de partidos aliados costumam dizer que a reforma trabalhista levou à “precarização” do trabalho no País e criou situações de trabalho “análogo à escravidão”, ao permitir formas de contratação mais flexíveis, sem todos os direitos da contratação tradicional pela CLT. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

A esquerda caracterizada pelo movimento sindical pelego, bolorento, defende uma legislação de 1943 que é oriunda de um governo que eles consideram hoje como tudo que eles são contra, que é o fascismo. Quando Getulio Vargas fez a CLT, espelhando-se na Carta Del Lavoro de Benito Mussolini, estabeleceu-se uma relação promíscua entre os sindicatos e o Estado. Até hoje é o Ministério do Trabalho que dá a carta sindical monopolista, em que um único sindicato tem a prerrogativa de açambarcar todos os trabalhadores daquele segmento específico e naquela região geográfica. Isso é uma nódoa no movimento sindical, uma distorção com a qual os sindicalistas parecem se sentir confortáveis, mas que retira representatividade e credibilidade do movimento sindical. Essa turma que se diz contra o fascismo deveria estudar mais, porque eles são um produto do fascismo e se perpetuam por causa disso, dessa relação espúria entre o Estado e os sindicatos. Por isso surgiu aquela expressão pelego. É o sindicalista que é utilizado politicamente pelo governo de ocasião para fazer política partidária. É uma hipocrisia violenta.

Eles falam de “precarização” do trabalho com a reforma trabalhista, mas não explicam o que isso significa. É apenas uma palavra de ordem. Quando você repete uma palavra de ordem até a exaustão, seu objetivo é só calar o adversário, sem explicar o que está falando. É uma tática velha, ultrapassada e sobretudo autoritária. Precarização? Ora, o mundo mudou. O mundo hoje é o mundo virtual, o mundo da inteligência artificial, o mundo dos aplicativos. É um mundo em que as velhas profissões estão perdendo espaço. Eles querem usar uma espécie de camisa de força que não leva em consideração essas mudanças nas relações de trabalho. O que falta a eles é ousadia, criatividade. Eles não conseguem deixar para trás esse modelo ultrapassado que, na verdade, perpetua velhas práticas, cheias de distorções, de clientelismo e de corrupção. Os jornais, as mídias, estão recheados de casos de corrupção, de direcionamento dos recursos que são auferidos com base nessa legislação ultrapassada, que foi mudada em 2017 e que agora eles querem reverter. O que a gente tem que discutir é o monopólio sindical ou o que a gente chama de unicidade sindical. O Brasil tem essa excrescência, que é o monopólio estabelecido em 1943, com um viés fascista.

Imaginar que a CLT vai açambarcar as mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo ou é ingenuidade ou tem um viés totalitário e atrasado que deve ser combatido e denunciado

Muita gente da esquerda, sindicalistas e partidos como o PT e outros defendem a revogação da reforma. O próprio ministro Luiz Marinho já deu declarações neste sentido, embora hoje negue a intenção de promover um ‘revogaço’ na reforma. Como o sr. vê a ideia de revogar a reforma trabalhista e de só poder contratar gente no Brasil pela CLT?

Isso é um atraso, um contrassenso, uma visão completamente equivocada do que é o Brasil, do que é a economia e do que é o mundo. O mundo mudou e eles permaneceram no mesmo lugar. Claro que para eles é conveniente, confortável, estar dentro das velhas estruturas suportadas e financiadas pelo suor do trabalhador brasileiro. Mas o fato inequívoco é que a velocidade da mudança hoje é geométrica. Imaginar que a CLT vai englobar o conjunto, a diversidade, as mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo ou é ingenuidade ou tem um viés totalitário e atrasado, que deve ser combatido e denunciado. É evidente que o ministro Marinho pense dessa forma, porque ele representa tudo isso. Ele é um produto do sindicalismo do ABC paulista, berço do PT, que incorporou tudo que você possa imaginar de atraso do ponto de vista da organização sindical no País. Agora, o próprio Parlamento e a população não vão permitir esse retrocesso. Não temos nenhuma dúvida de que o sentimento do Congresso Nacional e da população brasileira é de que o que foi feito tem de ser não apenas preservado, mas aprofundado. Eu vejo uma narrativa absolutamente canhestra, tacanha, bisonha de que a precarização se traduz em terceirização e a terceirização em trabalho análogo à escravidão. É uma retórica vazia, feita sob encomenda para um grupo específico, ideológico, da sociedade que desconhece a realidade objetiva.

A própria reforma trabalhista determina que nenhuma empresa pode contratar um trabalhador terceirizado que não esteja ombreado em termos de direitos com os demais trabalhadores que ela tem. Ele tem de usar o mesmo refeitório, ter o mesmo fardamento e o mesmo sistema de saúde. São situações que não existiam antes, quando havia, aí sim, uma completa ausência de legislação a respeito do tema, pelo preconceito que foi instituído em relação à terceirização no País. Note que nós estamos falando de mais de 20 milhões de trabalhadores terceirizados. Isso não é uma nota de rodapé.

Em meados de novembro, o ministro Marinho editou uma portaria determinando que o trabalho aos domingos e feriados no comércio teria de obter aval dos sindicatos, sem realizar qualquer debate prévio com os empresários do setor. Como houve uma forte reação das empresas e o Congresso estava se organizando para derrubar a portaria, o governo acabou adiando a medida para março, mas não cancelou a sua adoção. Como o sr. avalia isso?

Quando a reforma foi votada um item que me parecia consensual entre patrões, empregados e governo, era justamente a prevalência do negociado sobre o legislado. O que está ocorrendo agora é uma inversão desse papel, porque a portaria anterior, de 2021, que foi objeto de uma consulta pública, com a participação de todos os interessados, previa que as contratações de fim de ano permitiriam o trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de acordo ou convenção sindical, levando em conta a CLT. O que o ministro fez foi uma decisão atabalhoada, unilateral, que certamente iria prejudicar muito a contratação de trabalhadores eventuais e criaria uma situação em que as convenções que ocorreriam no fim do ano colocariam literalmente uma espada na jugular do empreendedor e dos empregadores, forçando-os a tomar decisões em cima do laço que os prejudicaria no médio e no longo prazos.

Esse recuo do ministro se deveu não apenas à reação do setor empresarial e do Parlamento, mas sobretudo daqueles que o fizeram ver que era um completo absurdo o que ele estava propondo. Além de o ministro não ter chamado para conversar um dos principais interessados na medida, que é quem emprega, aquela portaria iria impactar no número de trabalhadores empregados no fim do ano e geraria uma frustração no mercado de trabalho. O adiamento foi algo que ele fez para tentar ganhar tempo, mas nós temos mais de vinte projetos de decreto legislativo para sustar isso tanto na Câmara quanto no Senado, como tem já três projetos tramitando para regulamentar essa situação que existe até hoje. Considerando a CLT, quem trabalha no domingo deve ter uma folga remunerada durante a semana e quem trabalha no feriado tem de ganhar horas extraordinárias. Então, o trabalho aos domingos e feriados não tem nada contra a CLT. É apenas um acordo feito por ocasião da contratação sem a necessidade da mediação ou da interveniência do sindicato. O que nós esperamos é que até março o ministro caia em si e entenda que essa é mais uma das medidas arbitrárias, desarrazoadas e de retrocesso desse governo, que entende pouco de mercado de trabalho e muito de sindicalismo, de assembleísmo e de empatar o crescimento da economia.

O ministro Marinho também quer porque quer promover a regulação dos aplicativos de entrega e transporte, embora a maioria dos trabalhadores da área, de acordo com as pesquisas, queira continuar a trabalhar como empreendedor, sem vínculo trabalhista, até para ter liberdade de trabalhar para várias empresas. Como o sr, vê essa obstinação do ministro Marinho em regular o trabalho para os aplicativos?

Nós temos um projeto de lei a respeito do tema, que foi encaminhado em junho ou julho ao Senado. Basicamente, esse grupo de trabalhadores precisa de dois mecanismos: um suporte na questão previdenciária e um seguro da atividade laboral que eles exercem, para ter cobertura caso ocorra um acidente de trabalho, cujo custo deve ser compartilhado com entre quem emprega e quem trabalha. Em algum momento, essa massa de trabalhadores vai precisar ser suportada pelo Estado brasileiro. Agora, a CLT é um instrumento que não se adequa a esse tipo de atividade. O ministro Marinho tem uma visão defasada do mercado de trabalho, que mudou complemente desde a época em que ele era dirigente sindical.

Para finalizar, senador, com a retomada das greves e a perspectiva de retrocessos na reforma trabalhista sobre os quais falamos há pouco, alguns analistas têm falado de um novo fortalecimento dos sindicatos e da volta da chamada “República Sindicalista” que predominou no País alguns anos atrás. O sr. concorda com isso? O sr. acredita que a República Sindicalista está de volta?

Acredito que esse é um segmento que sempre foi muito ligado ao Partido dos Trabalhadores. É natural que o presidente Lula busque mecanismos para restabelecer as forças que esse grupo tinha na sociedade brasileira. É curioso que as greves acontecem normalmente em estados e municípios nos quais não há afinidade ideológica entre os sindicatos e os governantes. No meu estado, o Rio Grande do Norte, por exemplo, nós temos problemas seríssimos na educação e na saúde e a gente não vê greve desses segmentos contra o governo do estado, que é do PT, ao contrário do que acontece em São Paulo, com o governador Tarcísio de Freitas. É claro que há um viés político muito evidente nessas greves.

Nós estamos vendo personagens que tiveram e têm grande relevância no movimento sindical ocupando postos-chave neste governo, inclusive sem nenhuma capacidade técnica, como é o caso do presidente da Previ, uma entidade que é responsável pela gestão de R$ 250 bilhões. O cidadão que é presidente da entidade tem como biografia o fato de ter sido dirigente sindical por 15 ou 20 anos. No passado recente, em outros casos de fundos de pensão, nós já tivemos uma história muito triste por parte do PT por malversação e desvio de recursos e maus investimentos, decorrentes de decisões erradas. Mas esse é um governo que tem se caracterizado por repetir velhas fórmulas e o pior é que com as mesmas roupagens. Não está nem se incomodando em dar um verniz novo para elas. É uma política populista, retrógrada, equivocada, de aparelhamento da máquina pública, de aumento de gastos públicos sem contrapartida nem de receita nem de diminuição de despesas. É uma política em que se privilegia afagos a países em que governos têm identidade ideológica parecida, projeto para que o BNDES volte a ser o fiador das políticas internacionais do governo do PT porque grande aspiração do presidente Lula é ser ganhador do prêmio Nobel da paz.

O senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro do Desenvolvimento Regional na gestão de Jair Bolsonaro, é um dos maiores críticos do governo Lula no Congresso, como líder da oposição no Senado. Em 2017, como deputado federal e integrante da bancada do PSDB, do qual se desligou em 2020, ele foi o relator e um dos principais articuladores da reforma trabalhista na Câmara, que flexibilizou as relações de trabalho no País, e acompanha com lupa até hoje as iniciativas governamentais na área.

Nesta entrevista ao Estadão, concedida após almoço realizado no restaurante Président, do chef Érick Jacquin e do empresário Orlando Leone, nos Jardins, em São Paulo, Marinho comenta a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar constitucional a cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, inclusive de não associados das entidades, e o projeto em tramitação no Senado para permitir que os trabalhadores possam exercer de forma digital seu direito de oposição à medida.

Ele fala também sobre o impacto da reforma trabalhista na economia, a possibilidade de o governo promover um “revogaço” das mudanças, a volta das greves de fundo político e as iniciativas do atual governo para restringir o comércio aos domingos e feriados e de regulamentar os aplicativos de transporte e entrega. “A esquerda caracterizada pelo movimento sindical pelego, bolorento, defende uma legislação de 1943 que é oriunda de um governo que eles consideram como tudo que eles são contra, que é o fascismo de Benito Mussolini”, afirma.

Marinho diz que modernização da legislação trabalhista foi fundamental para dar previsibilidade, oferecer segurança jurídica e criar ambiente favorável para quem quer empreender e investir Foto: Adriano Machado/Reuters

O sr. foi o relator na Câmara e um dos principais articuladores da reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso em 2017, no governo Temer. Como o sr. analisa os resultados das mudanças? Que balanço o sr. faz da reforma?

Passados mais de seis anos desde a sua aprovação, o que a gente vê é que a modernização da nossa legislação trabalhista foi fundamental para dar previsibilidade, oferecer segurança jurídica e criar um ambiente adequado e favorável para quem quer empreender e investir. A reforma possibilitou a contratação de pessoas sem gerar passivos trabalhistas, na quantidade e na intensidade que ocorriam antes, trazendo emprego, gerando renda e criando oportunidades. Se a gente for expressar isso em números, estamos falando de um acréscimo de mais de cinco milhões de postos formais de trabalho desde 2017. Nós podemos falar também da maior massa salarial da história paga aos trabalhadores brasileiros em 2022 e da menor taxa de informalidade. Então, com as alterações promovidas na legislação, que foram quase 150 no total, o Brasil conseguiu dar um passo decisivo para melhorar sua produtividade e reduzir a insegurança jurídica na área trabalhista, incorporando o espírito do tempo nas relações de trabalho.

Entre todas essas medidas, quais o sr. destacaria como as mais relevantes?

A regulamentação da terceirização, que é comum no mundo inteiro há mais de cem anos, mas era tratada no Brasil como uma questão marginal, foi uma das principais medidas. Desde a Primeira Guerra Mundial, com a necessidade de se colocar grandes exércitos em campo e produzir grande quantidade de materiais e de alimentos, a fragmentação do trabalho, das etapas de produção, tornou-se uma realidade global. Hoje, a Apple, por exemplo, tem milhares de aplicativos produzidos por terceiros que são credenciados para operar em seu sistema operacional. Os componentes de seus celulares são fabricados em dezenas de países. Com a reforma, a terceirização, que era restrita a áreas não ligadas às atividades-fim das empresas, como limpeza e segurança, pode ser realizada sem restrições também no País.

Que outras medidas o sr. destacaria na reforma trabalhista?

A regulamentação do trabalho intermitente também foi uma mudança importante. Nos restaurantes, por exemplo, os empreendedores precisam de mais colaboradores nos momentos em que há pico de clientes, como às sextas, aos sábados e aos domingos, e menos gente nos demais dias da semana. A intermitência permite essa graduação. O trabalho remoto, o tal do home office, cuja importância foi mostrada na prática durante a pandemia, foi outro ponto relevante, assim como o fim da ultra-atividade, que prolongava automaticamente as convenções ou os acordos coletivos de trabalho até que houvesse uma nova negociação. Se o sindicato não quisesse alterar os termos da convenção ou do acordo, prevaleciam os pontos aprovados anteriormente. Mesmo que houvesse uma queda na atividade econômica, as empresas eram obrigadas a seguir cláusulas que não tinham como cumprir. Isso quebrava as empresas. Com a reforma, as convenções passaram a ocorrer com maior assiduidade, respeitando o papel dos sindicatos, que continuam a fazer seu trabalho de mediação entre quem trabalha e quem empreende, que é necessário, para que as condições sejam dadas de acordo com o espírito do tempo.

Com o imposto sindical, os sindicatos e as centrais retiravam bilhões de reais do bolso do trabalhador de forma compulsória para bancar estruturas paquidérmicas, partidos políticos e candidaturas

Houve ainda um ponto da reforma que o sr. não mencionou, que foi o fim da cobrança compulsória do imposto sindical, pelo qual os trabalhadores tinham de contribuir com um dia de trabalho por ano para os sindicatos e as centrais sindicais. Como o sr. analisa o efeito dessa medida?

Em 2017, quando nós tiramos a compulsoriedade da lei, dentro do espírito da liberdade sindical, nós não extinguimos a contribuição, mas a tornamos opcional. Deixamos para o trabalhador a decisão de contribuir ou não. Até então, os sindicatos e as centrais retiravam bilhões de reais do bolso do trabalhador de forma compulsória e utilizavam esses recursos para bancar estruturas paquidérmicas, partidos políticos e candidaturas. A Força Sindical, por exemplo sorteava dezenas de carros para os trabalhadores em seu aniversário e promovia shows com cantores famosos. As centrais e os sindicatos recrutavam cidadãos de menor poder aquisitivo nas comunidades para participar de manifestações agitando bandeiras mediante o pagamento de uma diária. Ofereciam até transporte e pão com mortadela para o pessoal. Tudo isso era bancado com o suor do trabalhador à sua revelia. Com a aprovação da reforma e com o fim da compulsoriedade do imposto sindical, a arrecadação dos sindicatos caiu para 3%, 4% ,5% do que era, o que mostra que a grande maioria tinha pouca efetividade em suas atividades. O trabalhador não se sentiu compelido a fazer essa contribuição de forma voluntária porque pensou “ah, esse cara não está me representando, esse sindicato não está fazendo a sua parte”. Hoje, menos de 10% dos trabalhadores contratados pela CLT são sindicalizados.

Recentemente, o STF decidiu pela legalidade da cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, inclusive de não associados das entidades, embora tenha preservado o direito de oposição dos trabalhadores. Muita gente interpretou essa decisão como uma forma de ressuscitar o imposto sindical obrigatório. Qual a sua avaliação sobre a decisão do STF?

Decisão judicial a gente cumpre. A gente pode espernear, achar ruim, que é o meu caso, mas eu respeito a lei e a Constituição e vou cumprir a decisão do Supremo. Agora, eu acredito que o STF errou novamente neste caso específico, gerando uma confusão enorme, porque interferiu em um processo que diz respeito à relação dos sindicatos com os trabalhadores que já havia sido regulamentado pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e posteriormente pela modernização da legislação trabalhista. Ao decidir que, feito o acordo ou convenção coletiva, a cobrança da contribuição assistencial é universal, o STF foi na contramão do que a gente havia decidido no caso do imposto sindical, pelo conjunto dos deputados e senadores, quando o entendimento foi de que se tratava de uma questão individual, que exige a manifestação de cada trabalhador. E, como a questão não foi regulamentada, tem gerado uma celeuma extraordinária e está levando a uma série de distorções. Por isso, nós buscamos um projeto de lei que já existia, do senador Styvenson Valetim (Podemos-RN), do qual fui o relator, para regulamentar o direito de oposição do trabalhador.

O que nós estamos propondo é a regulamentação da decisão do STF, de preservar o direito de oposição dos trabalhadores

O que exatamente prevê esse projeto?

É algo muito simples: se a gente vive hoje no mundo virtual, o que estamos propondo é que o direito de oposição seja exercido por e-mail e por WhatsApp. Hoje, qualquer cidadão brasileiro faz quase tudo hoje em sua vida pela internet. O próprio STF ou boa parte dele defende a urna eletrônica. Então, por que o exercício do direito de oposição também não pode ser feito eletronicamente? Por que o trabalhador tem de comparecer pessoalmente ao sindicato para exercer seu direito oposição ou ir à assembleia de sua categoria, na qual há uma minoria organizada que intimida aqueles que, por ventura, pensem diferente?

Em que pé está essa questão?

Esse projeto já foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, com apenas três votos contrários. Agora ele está sendo avaliado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que designou o senador Paulo Paim (PT-RS) como relator. Estou tentando negociar com o Paim, para que ele vote esse projeto até o fim do ano. Já fizemos uma audiência pública a respeito do tema, mas o Paim ainda não se definiu. Eu estou dizendo que é melhor a gente votar logo, para perder ou para ganhar, porque acredito que a função do Parlamento é essa e não procrastinar as decisões, empurrá-las com a barriga. O que nós estamos propondo não se contrapõe à decisão do STF. É a regulamentação da decisão do STF, de preservar o direito de oposição dos trabalhadores. Do jeito que a coisa está hoje, o direito de oposição acaba não sendo exercido. É “para inglês ver”.

O sr. acredita que há possibilidade efetiva de esse projeto ser levado a votação pelo plenário, mesmo dependendo do aval de dois senadores do PT que estão cuidando da questão na CAS?

Acredito que sim, porque apesar de, em princípio, eles serem contrários a essa mudança, não tenho dúvida de que os dois senadores vão permitir que o ato legislativo se estabeleça democraticamente. Tenho pressionado, no bom sentido, o senador Paim para que a gente chegue a um acordo para votarmos isso até o dia 20, antes do recesso parlamentar.

Enquanto isso não acontece, estão ocorrendo muitos abusos. Muitos sindicatos estão exigindo a presença física dos trabalhadores, o que está levando à formação de filas enormes nas sedes das entidades, para que que o direito de oposição seja exercido. Tem sindicato que está cobrando até 12% do salário ao ano como contribuição assistencial e R$ 150 do trabalhador que não quiser pagar a taxa. Qual a sua posição em relação a esses abusos?

Na verdade, se não tivermos um contraponto no Legislativo, vai ficar pior do que era antes da reforma. Antes, o trabalhador pagava um dia de salário por ano de imposto sindical. Agora, pela jurisprudência existente nesta questão, poderá pagar até 1/100 do seu rendimento anual como contribuição assistencial, o que significa 3,67 dias de trabalho por ano. Isso representa um aumento de 367% em relação ao que era cobrado como imposto sindical. Como hoje está ocorrendo uma espécie de autorregulação, é evidente que as centrais sindicais e os sindicatos vão buscar os parâmetros mais elevados. Como não há regulamentação, cada um está interpretando a questão da maneira mais conveniente. Quem pode mais manda mais. Estão falando até na possibilidade de retroagir a cobrança por cinco anos, além de cobrar um percentual exagerado do salário do trabalhador. A nossa preocupação justamente é evitar esses abusos com a regulamentação.

Havia e há um grande número de pessoas que são ‘viúvas’ da legislação anterior ou refratárias à mudança. A burocracia se retroalimenta

Agora, apesar de a reforma estar em pleno vigor, muitos juízes do Trabalho têm se rebelado contra ela, tomando decisões com base na legislação anterior, como se a reforma não tivesse ocorrido. A que o sr. atribui essa resistência de uma parcela significativa da Justiça do Trabalho à reforma?

Como a gente costuma dizer lá no meu estado, no Rio Grande do Norte, o uso do cachimbo deixa a boca torta. Havia e há um grande número de pessoas que são “viúvas” da legislação anterior ou refratárias à mudança. A burocracia se retroalimenta. Quando a CLT foi introduzida, em 1943, o Brasil era um país completamente diferente do que é hoje. A internet era algo inimaginável. Milhares de profissões que existem hoje não existiam naquela época – e vice-versa. Em muitas cidades brasileiras, a tração animal ainda puxava vagões que transportavam as pessoas. Então, é evidente que havia necessidade de promover uma modernização dessa legislação.

Agora, das mais de cinquenta Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que foram impetradas contestando diferentes artigos da nova legislação, cerca de quarente delas já foram julgadas e apenas um artigo foi considerado inconstitucional: o que previa que as gestantes exercessem atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo e que lactantes desempenhassem atividades insalubres em qualquer grau, exceto quando apresentassem atestado de saúde que recomendasse o afastamento. Isso mostra que a nova legislação foi feita de acordo com o espírito do tempo, com a contemporaneidade e sobretudo com bom senso.

De qualquer forma, mesmo com essas ADIs sendo consideradas improcedentes, uma parte Justiça do Trabalho, especialmente na 1º e na 2º instâncias, continua a seguir as velhas regras do jogo. Qual o sentido de implementar uma reforma se a Justiça não incorpora as mudanças em seus julgamentos?

A Justiça tem um caráter interpretativo. Por isso, existem as instâncias superiores. O que eu tenho recomendado àqueles que, por ventura, são vencidos na Justiça, mesmo agindo dentro do que a legislação prevê, é que recorram das decisões, para revisar as sentenças das primeiras instâncias. Geralmente, quando as ações chegam ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) e algumas vezes até ao STF (Supremo Tribunal Federal), elas são revisadas e cria-se uma jurisprudência. O importante é que a lei seja cumprida.

Eles falam de “precarização” do trabalho com a reforma trabalhista, mas não explicam o que isso significa. É apenas palavra de ordem

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, boa parte dos sindicatos e sindicalistas, além do PT e de partidos aliados costumam dizer que a reforma trabalhista levou à “precarização” do trabalho no País e criou situações de trabalho “análogo à escravidão”, ao permitir formas de contratação mais flexíveis, sem todos os direitos da contratação tradicional pela CLT. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

A esquerda caracterizada pelo movimento sindical pelego, bolorento, defende uma legislação de 1943 que é oriunda de um governo que eles consideram hoje como tudo que eles são contra, que é o fascismo. Quando Getulio Vargas fez a CLT, espelhando-se na Carta Del Lavoro de Benito Mussolini, estabeleceu-se uma relação promíscua entre os sindicatos e o Estado. Até hoje é o Ministério do Trabalho que dá a carta sindical monopolista, em que um único sindicato tem a prerrogativa de açambarcar todos os trabalhadores daquele segmento específico e naquela região geográfica. Isso é uma nódoa no movimento sindical, uma distorção com a qual os sindicalistas parecem se sentir confortáveis, mas que retira representatividade e credibilidade do movimento sindical. Essa turma que se diz contra o fascismo deveria estudar mais, porque eles são um produto do fascismo e se perpetuam por causa disso, dessa relação espúria entre o Estado e os sindicatos. Por isso surgiu aquela expressão pelego. É o sindicalista que é utilizado politicamente pelo governo de ocasião para fazer política partidária. É uma hipocrisia violenta.

Eles falam de “precarização” do trabalho com a reforma trabalhista, mas não explicam o que isso significa. É apenas uma palavra de ordem. Quando você repete uma palavra de ordem até a exaustão, seu objetivo é só calar o adversário, sem explicar o que está falando. É uma tática velha, ultrapassada e sobretudo autoritária. Precarização? Ora, o mundo mudou. O mundo hoje é o mundo virtual, o mundo da inteligência artificial, o mundo dos aplicativos. É um mundo em que as velhas profissões estão perdendo espaço. Eles querem usar uma espécie de camisa de força que não leva em consideração essas mudanças nas relações de trabalho. O que falta a eles é ousadia, criatividade. Eles não conseguem deixar para trás esse modelo ultrapassado que, na verdade, perpetua velhas práticas, cheias de distorções, de clientelismo e de corrupção. Os jornais, as mídias, estão recheados de casos de corrupção, de direcionamento dos recursos que são auferidos com base nessa legislação ultrapassada, que foi mudada em 2017 e que agora eles querem reverter. O que a gente tem que discutir é o monopólio sindical ou o que a gente chama de unicidade sindical. O Brasil tem essa excrescência, que é o monopólio estabelecido em 1943, com um viés fascista.

Imaginar que a CLT vai açambarcar as mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo ou é ingenuidade ou tem um viés totalitário e atrasado que deve ser combatido e denunciado

Muita gente da esquerda, sindicalistas e partidos como o PT e outros defendem a revogação da reforma. O próprio ministro Luiz Marinho já deu declarações neste sentido, embora hoje negue a intenção de promover um ‘revogaço’ na reforma. Como o sr. vê a ideia de revogar a reforma trabalhista e de só poder contratar gente no Brasil pela CLT?

Isso é um atraso, um contrassenso, uma visão completamente equivocada do que é o Brasil, do que é a economia e do que é o mundo. O mundo mudou e eles permaneceram no mesmo lugar. Claro que para eles é conveniente, confortável, estar dentro das velhas estruturas suportadas e financiadas pelo suor do trabalhador brasileiro. Mas o fato inequívoco é que a velocidade da mudança hoje é geométrica. Imaginar que a CLT vai englobar o conjunto, a diversidade, as mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo ou é ingenuidade ou tem um viés totalitário e atrasado, que deve ser combatido e denunciado. É evidente que o ministro Marinho pense dessa forma, porque ele representa tudo isso. Ele é um produto do sindicalismo do ABC paulista, berço do PT, que incorporou tudo que você possa imaginar de atraso do ponto de vista da organização sindical no País. Agora, o próprio Parlamento e a população não vão permitir esse retrocesso. Não temos nenhuma dúvida de que o sentimento do Congresso Nacional e da população brasileira é de que o que foi feito tem de ser não apenas preservado, mas aprofundado. Eu vejo uma narrativa absolutamente canhestra, tacanha, bisonha de que a precarização se traduz em terceirização e a terceirização em trabalho análogo à escravidão. É uma retórica vazia, feita sob encomenda para um grupo específico, ideológico, da sociedade que desconhece a realidade objetiva.

A própria reforma trabalhista determina que nenhuma empresa pode contratar um trabalhador terceirizado que não esteja ombreado em termos de direitos com os demais trabalhadores que ela tem. Ele tem de usar o mesmo refeitório, ter o mesmo fardamento e o mesmo sistema de saúde. São situações que não existiam antes, quando havia, aí sim, uma completa ausência de legislação a respeito do tema, pelo preconceito que foi instituído em relação à terceirização no País. Note que nós estamos falando de mais de 20 milhões de trabalhadores terceirizados. Isso não é uma nota de rodapé.

Em meados de novembro, o ministro Marinho editou uma portaria determinando que o trabalho aos domingos e feriados no comércio teria de obter aval dos sindicatos, sem realizar qualquer debate prévio com os empresários do setor. Como houve uma forte reação das empresas e o Congresso estava se organizando para derrubar a portaria, o governo acabou adiando a medida para março, mas não cancelou a sua adoção. Como o sr. avalia isso?

Quando a reforma foi votada um item que me parecia consensual entre patrões, empregados e governo, era justamente a prevalência do negociado sobre o legislado. O que está ocorrendo agora é uma inversão desse papel, porque a portaria anterior, de 2021, que foi objeto de uma consulta pública, com a participação de todos os interessados, previa que as contratações de fim de ano permitiriam o trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de acordo ou convenção sindical, levando em conta a CLT. O que o ministro fez foi uma decisão atabalhoada, unilateral, que certamente iria prejudicar muito a contratação de trabalhadores eventuais e criaria uma situação em que as convenções que ocorreriam no fim do ano colocariam literalmente uma espada na jugular do empreendedor e dos empregadores, forçando-os a tomar decisões em cima do laço que os prejudicaria no médio e no longo prazos.

Esse recuo do ministro se deveu não apenas à reação do setor empresarial e do Parlamento, mas sobretudo daqueles que o fizeram ver que era um completo absurdo o que ele estava propondo. Além de o ministro não ter chamado para conversar um dos principais interessados na medida, que é quem emprega, aquela portaria iria impactar no número de trabalhadores empregados no fim do ano e geraria uma frustração no mercado de trabalho. O adiamento foi algo que ele fez para tentar ganhar tempo, mas nós temos mais de vinte projetos de decreto legislativo para sustar isso tanto na Câmara quanto no Senado, como tem já três projetos tramitando para regulamentar essa situação que existe até hoje. Considerando a CLT, quem trabalha no domingo deve ter uma folga remunerada durante a semana e quem trabalha no feriado tem de ganhar horas extraordinárias. Então, o trabalho aos domingos e feriados não tem nada contra a CLT. É apenas um acordo feito por ocasião da contratação sem a necessidade da mediação ou da interveniência do sindicato. O que nós esperamos é que até março o ministro caia em si e entenda que essa é mais uma das medidas arbitrárias, desarrazoadas e de retrocesso desse governo, que entende pouco de mercado de trabalho e muito de sindicalismo, de assembleísmo e de empatar o crescimento da economia.

O ministro Marinho também quer porque quer promover a regulação dos aplicativos de entrega e transporte, embora a maioria dos trabalhadores da área, de acordo com as pesquisas, queira continuar a trabalhar como empreendedor, sem vínculo trabalhista, até para ter liberdade de trabalhar para várias empresas. Como o sr, vê essa obstinação do ministro Marinho em regular o trabalho para os aplicativos?

Nós temos um projeto de lei a respeito do tema, que foi encaminhado em junho ou julho ao Senado. Basicamente, esse grupo de trabalhadores precisa de dois mecanismos: um suporte na questão previdenciária e um seguro da atividade laboral que eles exercem, para ter cobertura caso ocorra um acidente de trabalho, cujo custo deve ser compartilhado com entre quem emprega e quem trabalha. Em algum momento, essa massa de trabalhadores vai precisar ser suportada pelo Estado brasileiro. Agora, a CLT é um instrumento que não se adequa a esse tipo de atividade. O ministro Marinho tem uma visão defasada do mercado de trabalho, que mudou complemente desde a época em que ele era dirigente sindical.

Para finalizar, senador, com a retomada das greves e a perspectiva de retrocessos na reforma trabalhista sobre os quais falamos há pouco, alguns analistas têm falado de um novo fortalecimento dos sindicatos e da volta da chamada “República Sindicalista” que predominou no País alguns anos atrás. O sr. concorda com isso? O sr. acredita que a República Sindicalista está de volta?

Acredito que esse é um segmento que sempre foi muito ligado ao Partido dos Trabalhadores. É natural que o presidente Lula busque mecanismos para restabelecer as forças que esse grupo tinha na sociedade brasileira. É curioso que as greves acontecem normalmente em estados e municípios nos quais não há afinidade ideológica entre os sindicatos e os governantes. No meu estado, o Rio Grande do Norte, por exemplo, nós temos problemas seríssimos na educação e na saúde e a gente não vê greve desses segmentos contra o governo do estado, que é do PT, ao contrário do que acontece em São Paulo, com o governador Tarcísio de Freitas. É claro que há um viés político muito evidente nessas greves.

Nós estamos vendo personagens que tiveram e têm grande relevância no movimento sindical ocupando postos-chave neste governo, inclusive sem nenhuma capacidade técnica, como é o caso do presidente da Previ, uma entidade que é responsável pela gestão de R$ 250 bilhões. O cidadão que é presidente da entidade tem como biografia o fato de ter sido dirigente sindical por 15 ou 20 anos. No passado recente, em outros casos de fundos de pensão, nós já tivemos uma história muito triste por parte do PT por malversação e desvio de recursos e maus investimentos, decorrentes de decisões erradas. Mas esse é um governo que tem se caracterizado por repetir velhas fórmulas e o pior é que com as mesmas roupagens. Não está nem se incomodando em dar um verniz novo para elas. É uma política populista, retrógrada, equivocada, de aparelhamento da máquina pública, de aumento de gastos públicos sem contrapartida nem de receita nem de diminuição de despesas. É uma política em que se privilegia afagos a países em que governos têm identidade ideológica parecida, projeto para que o BNDES volte a ser o fiador das políticas internacionais do governo do PT porque grande aspiração do presidente Lula é ser ganhador do prêmio Nobel da paz.

O senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro do Desenvolvimento Regional na gestão de Jair Bolsonaro, é um dos maiores críticos do governo Lula no Congresso, como líder da oposição no Senado. Em 2017, como deputado federal e integrante da bancada do PSDB, do qual se desligou em 2020, ele foi o relator e um dos principais articuladores da reforma trabalhista na Câmara, que flexibilizou as relações de trabalho no País, e acompanha com lupa até hoje as iniciativas governamentais na área.

Nesta entrevista ao Estadão, concedida após almoço realizado no restaurante Président, do chef Érick Jacquin e do empresário Orlando Leone, nos Jardins, em São Paulo, Marinho comenta a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar constitucional a cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, inclusive de não associados das entidades, e o projeto em tramitação no Senado para permitir que os trabalhadores possam exercer de forma digital seu direito de oposição à medida.

Ele fala também sobre o impacto da reforma trabalhista na economia, a possibilidade de o governo promover um “revogaço” das mudanças, a volta das greves de fundo político e as iniciativas do atual governo para restringir o comércio aos domingos e feriados e de regulamentar os aplicativos de transporte e entrega. “A esquerda caracterizada pelo movimento sindical pelego, bolorento, defende uma legislação de 1943 que é oriunda de um governo que eles consideram como tudo que eles são contra, que é o fascismo de Benito Mussolini”, afirma.

Marinho diz que modernização da legislação trabalhista foi fundamental para dar previsibilidade, oferecer segurança jurídica e criar ambiente favorável para quem quer empreender e investir Foto: Adriano Machado/Reuters

O sr. foi o relator na Câmara e um dos principais articuladores da reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso em 2017, no governo Temer. Como o sr. analisa os resultados das mudanças? Que balanço o sr. faz da reforma?

Passados mais de seis anos desde a sua aprovação, o que a gente vê é que a modernização da nossa legislação trabalhista foi fundamental para dar previsibilidade, oferecer segurança jurídica e criar um ambiente adequado e favorável para quem quer empreender e investir. A reforma possibilitou a contratação de pessoas sem gerar passivos trabalhistas, na quantidade e na intensidade que ocorriam antes, trazendo emprego, gerando renda e criando oportunidades. Se a gente for expressar isso em números, estamos falando de um acréscimo de mais de cinco milhões de postos formais de trabalho desde 2017. Nós podemos falar também da maior massa salarial da história paga aos trabalhadores brasileiros em 2022 e da menor taxa de informalidade. Então, com as alterações promovidas na legislação, que foram quase 150 no total, o Brasil conseguiu dar um passo decisivo para melhorar sua produtividade e reduzir a insegurança jurídica na área trabalhista, incorporando o espírito do tempo nas relações de trabalho.

Entre todas essas medidas, quais o sr. destacaria como as mais relevantes?

A regulamentação da terceirização, que é comum no mundo inteiro há mais de cem anos, mas era tratada no Brasil como uma questão marginal, foi uma das principais medidas. Desde a Primeira Guerra Mundial, com a necessidade de se colocar grandes exércitos em campo e produzir grande quantidade de materiais e de alimentos, a fragmentação do trabalho, das etapas de produção, tornou-se uma realidade global. Hoje, a Apple, por exemplo, tem milhares de aplicativos produzidos por terceiros que são credenciados para operar em seu sistema operacional. Os componentes de seus celulares são fabricados em dezenas de países. Com a reforma, a terceirização, que era restrita a áreas não ligadas às atividades-fim das empresas, como limpeza e segurança, pode ser realizada sem restrições também no País.

Que outras medidas o sr. destacaria na reforma trabalhista?

A regulamentação do trabalho intermitente também foi uma mudança importante. Nos restaurantes, por exemplo, os empreendedores precisam de mais colaboradores nos momentos em que há pico de clientes, como às sextas, aos sábados e aos domingos, e menos gente nos demais dias da semana. A intermitência permite essa graduação. O trabalho remoto, o tal do home office, cuja importância foi mostrada na prática durante a pandemia, foi outro ponto relevante, assim como o fim da ultra-atividade, que prolongava automaticamente as convenções ou os acordos coletivos de trabalho até que houvesse uma nova negociação. Se o sindicato não quisesse alterar os termos da convenção ou do acordo, prevaleciam os pontos aprovados anteriormente. Mesmo que houvesse uma queda na atividade econômica, as empresas eram obrigadas a seguir cláusulas que não tinham como cumprir. Isso quebrava as empresas. Com a reforma, as convenções passaram a ocorrer com maior assiduidade, respeitando o papel dos sindicatos, que continuam a fazer seu trabalho de mediação entre quem trabalha e quem empreende, que é necessário, para que as condições sejam dadas de acordo com o espírito do tempo.

Com o imposto sindical, os sindicatos e as centrais retiravam bilhões de reais do bolso do trabalhador de forma compulsória para bancar estruturas paquidérmicas, partidos políticos e candidaturas

Houve ainda um ponto da reforma que o sr. não mencionou, que foi o fim da cobrança compulsória do imposto sindical, pelo qual os trabalhadores tinham de contribuir com um dia de trabalho por ano para os sindicatos e as centrais sindicais. Como o sr. analisa o efeito dessa medida?

Em 2017, quando nós tiramos a compulsoriedade da lei, dentro do espírito da liberdade sindical, nós não extinguimos a contribuição, mas a tornamos opcional. Deixamos para o trabalhador a decisão de contribuir ou não. Até então, os sindicatos e as centrais retiravam bilhões de reais do bolso do trabalhador de forma compulsória e utilizavam esses recursos para bancar estruturas paquidérmicas, partidos políticos e candidaturas. A Força Sindical, por exemplo sorteava dezenas de carros para os trabalhadores em seu aniversário e promovia shows com cantores famosos. As centrais e os sindicatos recrutavam cidadãos de menor poder aquisitivo nas comunidades para participar de manifestações agitando bandeiras mediante o pagamento de uma diária. Ofereciam até transporte e pão com mortadela para o pessoal. Tudo isso era bancado com o suor do trabalhador à sua revelia. Com a aprovação da reforma e com o fim da compulsoriedade do imposto sindical, a arrecadação dos sindicatos caiu para 3%, 4% ,5% do que era, o que mostra que a grande maioria tinha pouca efetividade em suas atividades. O trabalhador não se sentiu compelido a fazer essa contribuição de forma voluntária porque pensou “ah, esse cara não está me representando, esse sindicato não está fazendo a sua parte”. Hoje, menos de 10% dos trabalhadores contratados pela CLT são sindicalizados.

Recentemente, o STF decidiu pela legalidade da cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, inclusive de não associados das entidades, embora tenha preservado o direito de oposição dos trabalhadores. Muita gente interpretou essa decisão como uma forma de ressuscitar o imposto sindical obrigatório. Qual a sua avaliação sobre a decisão do STF?

Decisão judicial a gente cumpre. A gente pode espernear, achar ruim, que é o meu caso, mas eu respeito a lei e a Constituição e vou cumprir a decisão do Supremo. Agora, eu acredito que o STF errou novamente neste caso específico, gerando uma confusão enorme, porque interferiu em um processo que diz respeito à relação dos sindicatos com os trabalhadores que já havia sido regulamentado pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e posteriormente pela modernização da legislação trabalhista. Ao decidir que, feito o acordo ou convenção coletiva, a cobrança da contribuição assistencial é universal, o STF foi na contramão do que a gente havia decidido no caso do imposto sindical, pelo conjunto dos deputados e senadores, quando o entendimento foi de que se tratava de uma questão individual, que exige a manifestação de cada trabalhador. E, como a questão não foi regulamentada, tem gerado uma celeuma extraordinária e está levando a uma série de distorções. Por isso, nós buscamos um projeto de lei que já existia, do senador Styvenson Valetim (Podemos-RN), do qual fui o relator, para regulamentar o direito de oposição do trabalhador.

O que nós estamos propondo é a regulamentação da decisão do STF, de preservar o direito de oposição dos trabalhadores

O que exatamente prevê esse projeto?

É algo muito simples: se a gente vive hoje no mundo virtual, o que estamos propondo é que o direito de oposição seja exercido por e-mail e por WhatsApp. Hoje, qualquer cidadão brasileiro faz quase tudo hoje em sua vida pela internet. O próprio STF ou boa parte dele defende a urna eletrônica. Então, por que o exercício do direito de oposição também não pode ser feito eletronicamente? Por que o trabalhador tem de comparecer pessoalmente ao sindicato para exercer seu direito oposição ou ir à assembleia de sua categoria, na qual há uma minoria organizada que intimida aqueles que, por ventura, pensem diferente?

Em que pé está essa questão?

Esse projeto já foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, com apenas três votos contrários. Agora ele está sendo avaliado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que designou o senador Paulo Paim (PT-RS) como relator. Estou tentando negociar com o Paim, para que ele vote esse projeto até o fim do ano. Já fizemos uma audiência pública a respeito do tema, mas o Paim ainda não se definiu. Eu estou dizendo que é melhor a gente votar logo, para perder ou para ganhar, porque acredito que a função do Parlamento é essa e não procrastinar as decisões, empurrá-las com a barriga. O que nós estamos propondo não se contrapõe à decisão do STF. É a regulamentação da decisão do STF, de preservar o direito de oposição dos trabalhadores. Do jeito que a coisa está hoje, o direito de oposição acaba não sendo exercido. É “para inglês ver”.

O sr. acredita que há possibilidade efetiva de esse projeto ser levado a votação pelo plenário, mesmo dependendo do aval de dois senadores do PT que estão cuidando da questão na CAS?

Acredito que sim, porque apesar de, em princípio, eles serem contrários a essa mudança, não tenho dúvida de que os dois senadores vão permitir que o ato legislativo se estabeleça democraticamente. Tenho pressionado, no bom sentido, o senador Paim para que a gente chegue a um acordo para votarmos isso até o dia 20, antes do recesso parlamentar.

Enquanto isso não acontece, estão ocorrendo muitos abusos. Muitos sindicatos estão exigindo a presença física dos trabalhadores, o que está levando à formação de filas enormes nas sedes das entidades, para que que o direito de oposição seja exercido. Tem sindicato que está cobrando até 12% do salário ao ano como contribuição assistencial e R$ 150 do trabalhador que não quiser pagar a taxa. Qual a sua posição em relação a esses abusos?

Na verdade, se não tivermos um contraponto no Legislativo, vai ficar pior do que era antes da reforma. Antes, o trabalhador pagava um dia de salário por ano de imposto sindical. Agora, pela jurisprudência existente nesta questão, poderá pagar até 1/100 do seu rendimento anual como contribuição assistencial, o que significa 3,67 dias de trabalho por ano. Isso representa um aumento de 367% em relação ao que era cobrado como imposto sindical. Como hoje está ocorrendo uma espécie de autorregulação, é evidente que as centrais sindicais e os sindicatos vão buscar os parâmetros mais elevados. Como não há regulamentação, cada um está interpretando a questão da maneira mais conveniente. Quem pode mais manda mais. Estão falando até na possibilidade de retroagir a cobrança por cinco anos, além de cobrar um percentual exagerado do salário do trabalhador. A nossa preocupação justamente é evitar esses abusos com a regulamentação.

Havia e há um grande número de pessoas que são ‘viúvas’ da legislação anterior ou refratárias à mudança. A burocracia se retroalimenta

Agora, apesar de a reforma estar em pleno vigor, muitos juízes do Trabalho têm se rebelado contra ela, tomando decisões com base na legislação anterior, como se a reforma não tivesse ocorrido. A que o sr. atribui essa resistência de uma parcela significativa da Justiça do Trabalho à reforma?

Como a gente costuma dizer lá no meu estado, no Rio Grande do Norte, o uso do cachimbo deixa a boca torta. Havia e há um grande número de pessoas que são “viúvas” da legislação anterior ou refratárias à mudança. A burocracia se retroalimenta. Quando a CLT foi introduzida, em 1943, o Brasil era um país completamente diferente do que é hoje. A internet era algo inimaginável. Milhares de profissões que existem hoje não existiam naquela época – e vice-versa. Em muitas cidades brasileiras, a tração animal ainda puxava vagões que transportavam as pessoas. Então, é evidente que havia necessidade de promover uma modernização dessa legislação.

Agora, das mais de cinquenta Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que foram impetradas contestando diferentes artigos da nova legislação, cerca de quarente delas já foram julgadas e apenas um artigo foi considerado inconstitucional: o que previa que as gestantes exercessem atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo e que lactantes desempenhassem atividades insalubres em qualquer grau, exceto quando apresentassem atestado de saúde que recomendasse o afastamento. Isso mostra que a nova legislação foi feita de acordo com o espírito do tempo, com a contemporaneidade e sobretudo com bom senso.

De qualquer forma, mesmo com essas ADIs sendo consideradas improcedentes, uma parte Justiça do Trabalho, especialmente na 1º e na 2º instâncias, continua a seguir as velhas regras do jogo. Qual o sentido de implementar uma reforma se a Justiça não incorpora as mudanças em seus julgamentos?

A Justiça tem um caráter interpretativo. Por isso, existem as instâncias superiores. O que eu tenho recomendado àqueles que, por ventura, são vencidos na Justiça, mesmo agindo dentro do que a legislação prevê, é que recorram das decisões, para revisar as sentenças das primeiras instâncias. Geralmente, quando as ações chegam ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) e algumas vezes até ao STF (Supremo Tribunal Federal), elas são revisadas e cria-se uma jurisprudência. O importante é que a lei seja cumprida.

Eles falam de “precarização” do trabalho com a reforma trabalhista, mas não explicam o que isso significa. É apenas palavra de ordem

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, boa parte dos sindicatos e sindicalistas, além do PT e de partidos aliados costumam dizer que a reforma trabalhista levou à “precarização” do trabalho no País e criou situações de trabalho “análogo à escravidão”, ao permitir formas de contratação mais flexíveis, sem todos os direitos da contratação tradicional pela CLT. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

A esquerda caracterizada pelo movimento sindical pelego, bolorento, defende uma legislação de 1943 que é oriunda de um governo que eles consideram hoje como tudo que eles são contra, que é o fascismo. Quando Getulio Vargas fez a CLT, espelhando-se na Carta Del Lavoro de Benito Mussolini, estabeleceu-se uma relação promíscua entre os sindicatos e o Estado. Até hoje é o Ministério do Trabalho que dá a carta sindical monopolista, em que um único sindicato tem a prerrogativa de açambarcar todos os trabalhadores daquele segmento específico e naquela região geográfica. Isso é uma nódoa no movimento sindical, uma distorção com a qual os sindicalistas parecem se sentir confortáveis, mas que retira representatividade e credibilidade do movimento sindical. Essa turma que se diz contra o fascismo deveria estudar mais, porque eles são um produto do fascismo e se perpetuam por causa disso, dessa relação espúria entre o Estado e os sindicatos. Por isso surgiu aquela expressão pelego. É o sindicalista que é utilizado politicamente pelo governo de ocasião para fazer política partidária. É uma hipocrisia violenta.

Eles falam de “precarização” do trabalho com a reforma trabalhista, mas não explicam o que isso significa. É apenas uma palavra de ordem. Quando você repete uma palavra de ordem até a exaustão, seu objetivo é só calar o adversário, sem explicar o que está falando. É uma tática velha, ultrapassada e sobretudo autoritária. Precarização? Ora, o mundo mudou. O mundo hoje é o mundo virtual, o mundo da inteligência artificial, o mundo dos aplicativos. É um mundo em que as velhas profissões estão perdendo espaço. Eles querem usar uma espécie de camisa de força que não leva em consideração essas mudanças nas relações de trabalho. O que falta a eles é ousadia, criatividade. Eles não conseguem deixar para trás esse modelo ultrapassado que, na verdade, perpetua velhas práticas, cheias de distorções, de clientelismo e de corrupção. Os jornais, as mídias, estão recheados de casos de corrupção, de direcionamento dos recursos que são auferidos com base nessa legislação ultrapassada, que foi mudada em 2017 e que agora eles querem reverter. O que a gente tem que discutir é o monopólio sindical ou o que a gente chama de unicidade sindical. O Brasil tem essa excrescência, que é o monopólio estabelecido em 1943, com um viés fascista.

Imaginar que a CLT vai açambarcar as mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo ou é ingenuidade ou tem um viés totalitário e atrasado que deve ser combatido e denunciado

Muita gente da esquerda, sindicalistas e partidos como o PT e outros defendem a revogação da reforma. O próprio ministro Luiz Marinho já deu declarações neste sentido, embora hoje negue a intenção de promover um ‘revogaço’ na reforma. Como o sr. vê a ideia de revogar a reforma trabalhista e de só poder contratar gente no Brasil pela CLT?

Isso é um atraso, um contrassenso, uma visão completamente equivocada do que é o Brasil, do que é a economia e do que é o mundo. O mundo mudou e eles permaneceram no mesmo lugar. Claro que para eles é conveniente, confortável, estar dentro das velhas estruturas suportadas e financiadas pelo suor do trabalhador brasileiro. Mas o fato inequívoco é que a velocidade da mudança hoje é geométrica. Imaginar que a CLT vai englobar o conjunto, a diversidade, as mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo ou é ingenuidade ou tem um viés totalitário e atrasado, que deve ser combatido e denunciado. É evidente que o ministro Marinho pense dessa forma, porque ele representa tudo isso. Ele é um produto do sindicalismo do ABC paulista, berço do PT, que incorporou tudo que você possa imaginar de atraso do ponto de vista da organização sindical no País. Agora, o próprio Parlamento e a população não vão permitir esse retrocesso. Não temos nenhuma dúvida de que o sentimento do Congresso Nacional e da população brasileira é de que o que foi feito tem de ser não apenas preservado, mas aprofundado. Eu vejo uma narrativa absolutamente canhestra, tacanha, bisonha de que a precarização se traduz em terceirização e a terceirização em trabalho análogo à escravidão. É uma retórica vazia, feita sob encomenda para um grupo específico, ideológico, da sociedade que desconhece a realidade objetiva.

A própria reforma trabalhista determina que nenhuma empresa pode contratar um trabalhador terceirizado que não esteja ombreado em termos de direitos com os demais trabalhadores que ela tem. Ele tem de usar o mesmo refeitório, ter o mesmo fardamento e o mesmo sistema de saúde. São situações que não existiam antes, quando havia, aí sim, uma completa ausência de legislação a respeito do tema, pelo preconceito que foi instituído em relação à terceirização no País. Note que nós estamos falando de mais de 20 milhões de trabalhadores terceirizados. Isso não é uma nota de rodapé.

Em meados de novembro, o ministro Marinho editou uma portaria determinando que o trabalho aos domingos e feriados no comércio teria de obter aval dos sindicatos, sem realizar qualquer debate prévio com os empresários do setor. Como houve uma forte reação das empresas e o Congresso estava se organizando para derrubar a portaria, o governo acabou adiando a medida para março, mas não cancelou a sua adoção. Como o sr. avalia isso?

Quando a reforma foi votada um item que me parecia consensual entre patrões, empregados e governo, era justamente a prevalência do negociado sobre o legislado. O que está ocorrendo agora é uma inversão desse papel, porque a portaria anterior, de 2021, que foi objeto de uma consulta pública, com a participação de todos os interessados, previa que as contratações de fim de ano permitiriam o trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de acordo ou convenção sindical, levando em conta a CLT. O que o ministro fez foi uma decisão atabalhoada, unilateral, que certamente iria prejudicar muito a contratação de trabalhadores eventuais e criaria uma situação em que as convenções que ocorreriam no fim do ano colocariam literalmente uma espada na jugular do empreendedor e dos empregadores, forçando-os a tomar decisões em cima do laço que os prejudicaria no médio e no longo prazos.

Esse recuo do ministro se deveu não apenas à reação do setor empresarial e do Parlamento, mas sobretudo daqueles que o fizeram ver que era um completo absurdo o que ele estava propondo. Além de o ministro não ter chamado para conversar um dos principais interessados na medida, que é quem emprega, aquela portaria iria impactar no número de trabalhadores empregados no fim do ano e geraria uma frustração no mercado de trabalho. O adiamento foi algo que ele fez para tentar ganhar tempo, mas nós temos mais de vinte projetos de decreto legislativo para sustar isso tanto na Câmara quanto no Senado, como tem já três projetos tramitando para regulamentar essa situação que existe até hoje. Considerando a CLT, quem trabalha no domingo deve ter uma folga remunerada durante a semana e quem trabalha no feriado tem de ganhar horas extraordinárias. Então, o trabalho aos domingos e feriados não tem nada contra a CLT. É apenas um acordo feito por ocasião da contratação sem a necessidade da mediação ou da interveniência do sindicato. O que nós esperamos é que até março o ministro caia em si e entenda que essa é mais uma das medidas arbitrárias, desarrazoadas e de retrocesso desse governo, que entende pouco de mercado de trabalho e muito de sindicalismo, de assembleísmo e de empatar o crescimento da economia.

O ministro Marinho também quer porque quer promover a regulação dos aplicativos de entrega e transporte, embora a maioria dos trabalhadores da área, de acordo com as pesquisas, queira continuar a trabalhar como empreendedor, sem vínculo trabalhista, até para ter liberdade de trabalhar para várias empresas. Como o sr, vê essa obstinação do ministro Marinho em regular o trabalho para os aplicativos?

Nós temos um projeto de lei a respeito do tema, que foi encaminhado em junho ou julho ao Senado. Basicamente, esse grupo de trabalhadores precisa de dois mecanismos: um suporte na questão previdenciária e um seguro da atividade laboral que eles exercem, para ter cobertura caso ocorra um acidente de trabalho, cujo custo deve ser compartilhado com entre quem emprega e quem trabalha. Em algum momento, essa massa de trabalhadores vai precisar ser suportada pelo Estado brasileiro. Agora, a CLT é um instrumento que não se adequa a esse tipo de atividade. O ministro Marinho tem uma visão defasada do mercado de trabalho, que mudou complemente desde a época em que ele era dirigente sindical.

Para finalizar, senador, com a retomada das greves e a perspectiva de retrocessos na reforma trabalhista sobre os quais falamos há pouco, alguns analistas têm falado de um novo fortalecimento dos sindicatos e da volta da chamada “República Sindicalista” que predominou no País alguns anos atrás. O sr. concorda com isso? O sr. acredita que a República Sindicalista está de volta?

Acredito que esse é um segmento que sempre foi muito ligado ao Partido dos Trabalhadores. É natural que o presidente Lula busque mecanismos para restabelecer as forças que esse grupo tinha na sociedade brasileira. É curioso que as greves acontecem normalmente em estados e municípios nos quais não há afinidade ideológica entre os sindicatos e os governantes. No meu estado, o Rio Grande do Norte, por exemplo, nós temos problemas seríssimos na educação e na saúde e a gente não vê greve desses segmentos contra o governo do estado, que é do PT, ao contrário do que acontece em São Paulo, com o governador Tarcísio de Freitas. É claro que há um viés político muito evidente nessas greves.

Nós estamos vendo personagens que tiveram e têm grande relevância no movimento sindical ocupando postos-chave neste governo, inclusive sem nenhuma capacidade técnica, como é o caso do presidente da Previ, uma entidade que é responsável pela gestão de R$ 250 bilhões. O cidadão que é presidente da entidade tem como biografia o fato de ter sido dirigente sindical por 15 ou 20 anos. No passado recente, em outros casos de fundos de pensão, nós já tivemos uma história muito triste por parte do PT por malversação e desvio de recursos e maus investimentos, decorrentes de decisões erradas. Mas esse é um governo que tem se caracterizado por repetir velhas fórmulas e o pior é que com as mesmas roupagens. Não está nem se incomodando em dar um verniz novo para elas. É uma política populista, retrógrada, equivocada, de aparelhamento da máquina pública, de aumento de gastos públicos sem contrapartida nem de receita nem de diminuição de despesas. É uma política em que se privilegia afagos a países em que governos têm identidade ideológica parecida, projeto para que o BNDES volte a ser o fiador das políticas internacionais do governo do PT porque grande aspiração do presidente Lula é ser ganhador do prêmio Nobel da paz.

O senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro do Desenvolvimento Regional na gestão de Jair Bolsonaro, é um dos maiores críticos do governo Lula no Congresso, como líder da oposição no Senado. Em 2017, como deputado federal e integrante da bancada do PSDB, do qual se desligou em 2020, ele foi o relator e um dos principais articuladores da reforma trabalhista na Câmara, que flexibilizou as relações de trabalho no País, e acompanha com lupa até hoje as iniciativas governamentais na área.

Nesta entrevista ao Estadão, concedida após almoço realizado no restaurante Président, do chef Érick Jacquin e do empresário Orlando Leone, nos Jardins, em São Paulo, Marinho comenta a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar constitucional a cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, inclusive de não associados das entidades, e o projeto em tramitação no Senado para permitir que os trabalhadores possam exercer de forma digital seu direito de oposição à medida.

Ele fala também sobre o impacto da reforma trabalhista na economia, a possibilidade de o governo promover um “revogaço” das mudanças, a volta das greves de fundo político e as iniciativas do atual governo para restringir o comércio aos domingos e feriados e de regulamentar os aplicativos de transporte e entrega. “A esquerda caracterizada pelo movimento sindical pelego, bolorento, defende uma legislação de 1943 que é oriunda de um governo que eles consideram como tudo que eles são contra, que é o fascismo de Benito Mussolini”, afirma.

Marinho diz que modernização da legislação trabalhista foi fundamental para dar previsibilidade, oferecer segurança jurídica e criar ambiente favorável para quem quer empreender e investir Foto: Adriano Machado/Reuters

O sr. foi o relator na Câmara e um dos principais articuladores da reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso em 2017, no governo Temer. Como o sr. analisa os resultados das mudanças? Que balanço o sr. faz da reforma?

Passados mais de seis anos desde a sua aprovação, o que a gente vê é que a modernização da nossa legislação trabalhista foi fundamental para dar previsibilidade, oferecer segurança jurídica e criar um ambiente adequado e favorável para quem quer empreender e investir. A reforma possibilitou a contratação de pessoas sem gerar passivos trabalhistas, na quantidade e na intensidade que ocorriam antes, trazendo emprego, gerando renda e criando oportunidades. Se a gente for expressar isso em números, estamos falando de um acréscimo de mais de cinco milhões de postos formais de trabalho desde 2017. Nós podemos falar também da maior massa salarial da história paga aos trabalhadores brasileiros em 2022 e da menor taxa de informalidade. Então, com as alterações promovidas na legislação, que foram quase 150 no total, o Brasil conseguiu dar um passo decisivo para melhorar sua produtividade e reduzir a insegurança jurídica na área trabalhista, incorporando o espírito do tempo nas relações de trabalho.

Entre todas essas medidas, quais o sr. destacaria como as mais relevantes?

A regulamentação da terceirização, que é comum no mundo inteiro há mais de cem anos, mas era tratada no Brasil como uma questão marginal, foi uma das principais medidas. Desde a Primeira Guerra Mundial, com a necessidade de se colocar grandes exércitos em campo e produzir grande quantidade de materiais e de alimentos, a fragmentação do trabalho, das etapas de produção, tornou-se uma realidade global. Hoje, a Apple, por exemplo, tem milhares de aplicativos produzidos por terceiros que são credenciados para operar em seu sistema operacional. Os componentes de seus celulares são fabricados em dezenas de países. Com a reforma, a terceirização, que era restrita a áreas não ligadas às atividades-fim das empresas, como limpeza e segurança, pode ser realizada sem restrições também no País.

Que outras medidas o sr. destacaria na reforma trabalhista?

A regulamentação do trabalho intermitente também foi uma mudança importante. Nos restaurantes, por exemplo, os empreendedores precisam de mais colaboradores nos momentos em que há pico de clientes, como às sextas, aos sábados e aos domingos, e menos gente nos demais dias da semana. A intermitência permite essa graduação. O trabalho remoto, o tal do home office, cuja importância foi mostrada na prática durante a pandemia, foi outro ponto relevante, assim como o fim da ultra-atividade, que prolongava automaticamente as convenções ou os acordos coletivos de trabalho até que houvesse uma nova negociação. Se o sindicato não quisesse alterar os termos da convenção ou do acordo, prevaleciam os pontos aprovados anteriormente. Mesmo que houvesse uma queda na atividade econômica, as empresas eram obrigadas a seguir cláusulas que não tinham como cumprir. Isso quebrava as empresas. Com a reforma, as convenções passaram a ocorrer com maior assiduidade, respeitando o papel dos sindicatos, que continuam a fazer seu trabalho de mediação entre quem trabalha e quem empreende, que é necessário, para que as condições sejam dadas de acordo com o espírito do tempo.

Com o imposto sindical, os sindicatos e as centrais retiravam bilhões de reais do bolso do trabalhador de forma compulsória para bancar estruturas paquidérmicas, partidos políticos e candidaturas

Houve ainda um ponto da reforma que o sr. não mencionou, que foi o fim da cobrança compulsória do imposto sindical, pelo qual os trabalhadores tinham de contribuir com um dia de trabalho por ano para os sindicatos e as centrais sindicais. Como o sr. analisa o efeito dessa medida?

Em 2017, quando nós tiramos a compulsoriedade da lei, dentro do espírito da liberdade sindical, nós não extinguimos a contribuição, mas a tornamos opcional. Deixamos para o trabalhador a decisão de contribuir ou não. Até então, os sindicatos e as centrais retiravam bilhões de reais do bolso do trabalhador de forma compulsória e utilizavam esses recursos para bancar estruturas paquidérmicas, partidos políticos e candidaturas. A Força Sindical, por exemplo sorteava dezenas de carros para os trabalhadores em seu aniversário e promovia shows com cantores famosos. As centrais e os sindicatos recrutavam cidadãos de menor poder aquisitivo nas comunidades para participar de manifestações agitando bandeiras mediante o pagamento de uma diária. Ofereciam até transporte e pão com mortadela para o pessoal. Tudo isso era bancado com o suor do trabalhador à sua revelia. Com a aprovação da reforma e com o fim da compulsoriedade do imposto sindical, a arrecadação dos sindicatos caiu para 3%, 4% ,5% do que era, o que mostra que a grande maioria tinha pouca efetividade em suas atividades. O trabalhador não se sentiu compelido a fazer essa contribuição de forma voluntária porque pensou “ah, esse cara não está me representando, esse sindicato não está fazendo a sua parte”. Hoje, menos de 10% dos trabalhadores contratados pela CLT são sindicalizados.

Recentemente, o STF decidiu pela legalidade da cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, inclusive de não associados das entidades, embora tenha preservado o direito de oposição dos trabalhadores. Muita gente interpretou essa decisão como uma forma de ressuscitar o imposto sindical obrigatório. Qual a sua avaliação sobre a decisão do STF?

Decisão judicial a gente cumpre. A gente pode espernear, achar ruim, que é o meu caso, mas eu respeito a lei e a Constituição e vou cumprir a decisão do Supremo. Agora, eu acredito que o STF errou novamente neste caso específico, gerando uma confusão enorme, porque interferiu em um processo que diz respeito à relação dos sindicatos com os trabalhadores que já havia sido regulamentado pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e posteriormente pela modernização da legislação trabalhista. Ao decidir que, feito o acordo ou convenção coletiva, a cobrança da contribuição assistencial é universal, o STF foi na contramão do que a gente havia decidido no caso do imposto sindical, pelo conjunto dos deputados e senadores, quando o entendimento foi de que se tratava de uma questão individual, que exige a manifestação de cada trabalhador. E, como a questão não foi regulamentada, tem gerado uma celeuma extraordinária e está levando a uma série de distorções. Por isso, nós buscamos um projeto de lei que já existia, do senador Styvenson Valetim (Podemos-RN), do qual fui o relator, para regulamentar o direito de oposição do trabalhador.

O que nós estamos propondo é a regulamentação da decisão do STF, de preservar o direito de oposição dos trabalhadores

O que exatamente prevê esse projeto?

É algo muito simples: se a gente vive hoje no mundo virtual, o que estamos propondo é que o direito de oposição seja exercido por e-mail e por WhatsApp. Hoje, qualquer cidadão brasileiro faz quase tudo hoje em sua vida pela internet. O próprio STF ou boa parte dele defende a urna eletrônica. Então, por que o exercício do direito de oposição também não pode ser feito eletronicamente? Por que o trabalhador tem de comparecer pessoalmente ao sindicato para exercer seu direito oposição ou ir à assembleia de sua categoria, na qual há uma minoria organizada que intimida aqueles que, por ventura, pensem diferente?

Em que pé está essa questão?

Esse projeto já foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, com apenas três votos contrários. Agora ele está sendo avaliado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que designou o senador Paulo Paim (PT-RS) como relator. Estou tentando negociar com o Paim, para que ele vote esse projeto até o fim do ano. Já fizemos uma audiência pública a respeito do tema, mas o Paim ainda não se definiu. Eu estou dizendo que é melhor a gente votar logo, para perder ou para ganhar, porque acredito que a função do Parlamento é essa e não procrastinar as decisões, empurrá-las com a barriga. O que nós estamos propondo não se contrapõe à decisão do STF. É a regulamentação da decisão do STF, de preservar o direito de oposição dos trabalhadores. Do jeito que a coisa está hoje, o direito de oposição acaba não sendo exercido. É “para inglês ver”.

O sr. acredita que há possibilidade efetiva de esse projeto ser levado a votação pelo plenário, mesmo dependendo do aval de dois senadores do PT que estão cuidando da questão na CAS?

Acredito que sim, porque apesar de, em princípio, eles serem contrários a essa mudança, não tenho dúvida de que os dois senadores vão permitir que o ato legislativo se estabeleça democraticamente. Tenho pressionado, no bom sentido, o senador Paim para que a gente chegue a um acordo para votarmos isso até o dia 20, antes do recesso parlamentar.

Enquanto isso não acontece, estão ocorrendo muitos abusos. Muitos sindicatos estão exigindo a presença física dos trabalhadores, o que está levando à formação de filas enormes nas sedes das entidades, para que que o direito de oposição seja exercido. Tem sindicato que está cobrando até 12% do salário ao ano como contribuição assistencial e R$ 150 do trabalhador que não quiser pagar a taxa. Qual a sua posição em relação a esses abusos?

Na verdade, se não tivermos um contraponto no Legislativo, vai ficar pior do que era antes da reforma. Antes, o trabalhador pagava um dia de salário por ano de imposto sindical. Agora, pela jurisprudência existente nesta questão, poderá pagar até 1/100 do seu rendimento anual como contribuição assistencial, o que significa 3,67 dias de trabalho por ano. Isso representa um aumento de 367% em relação ao que era cobrado como imposto sindical. Como hoje está ocorrendo uma espécie de autorregulação, é evidente que as centrais sindicais e os sindicatos vão buscar os parâmetros mais elevados. Como não há regulamentação, cada um está interpretando a questão da maneira mais conveniente. Quem pode mais manda mais. Estão falando até na possibilidade de retroagir a cobrança por cinco anos, além de cobrar um percentual exagerado do salário do trabalhador. A nossa preocupação justamente é evitar esses abusos com a regulamentação.

Havia e há um grande número de pessoas que são ‘viúvas’ da legislação anterior ou refratárias à mudança. A burocracia se retroalimenta

Agora, apesar de a reforma estar em pleno vigor, muitos juízes do Trabalho têm se rebelado contra ela, tomando decisões com base na legislação anterior, como se a reforma não tivesse ocorrido. A que o sr. atribui essa resistência de uma parcela significativa da Justiça do Trabalho à reforma?

Como a gente costuma dizer lá no meu estado, no Rio Grande do Norte, o uso do cachimbo deixa a boca torta. Havia e há um grande número de pessoas que são “viúvas” da legislação anterior ou refratárias à mudança. A burocracia se retroalimenta. Quando a CLT foi introduzida, em 1943, o Brasil era um país completamente diferente do que é hoje. A internet era algo inimaginável. Milhares de profissões que existem hoje não existiam naquela época – e vice-versa. Em muitas cidades brasileiras, a tração animal ainda puxava vagões que transportavam as pessoas. Então, é evidente que havia necessidade de promover uma modernização dessa legislação.

Agora, das mais de cinquenta Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que foram impetradas contestando diferentes artigos da nova legislação, cerca de quarente delas já foram julgadas e apenas um artigo foi considerado inconstitucional: o que previa que as gestantes exercessem atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo e que lactantes desempenhassem atividades insalubres em qualquer grau, exceto quando apresentassem atestado de saúde que recomendasse o afastamento. Isso mostra que a nova legislação foi feita de acordo com o espírito do tempo, com a contemporaneidade e sobretudo com bom senso.

De qualquer forma, mesmo com essas ADIs sendo consideradas improcedentes, uma parte Justiça do Trabalho, especialmente na 1º e na 2º instâncias, continua a seguir as velhas regras do jogo. Qual o sentido de implementar uma reforma se a Justiça não incorpora as mudanças em seus julgamentos?

A Justiça tem um caráter interpretativo. Por isso, existem as instâncias superiores. O que eu tenho recomendado àqueles que, por ventura, são vencidos na Justiça, mesmo agindo dentro do que a legislação prevê, é que recorram das decisões, para revisar as sentenças das primeiras instâncias. Geralmente, quando as ações chegam ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) e algumas vezes até ao STF (Supremo Tribunal Federal), elas são revisadas e cria-se uma jurisprudência. O importante é que a lei seja cumprida.

Eles falam de “precarização” do trabalho com a reforma trabalhista, mas não explicam o que isso significa. É apenas palavra de ordem

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, boa parte dos sindicatos e sindicalistas, além do PT e de partidos aliados costumam dizer que a reforma trabalhista levou à “precarização” do trabalho no País e criou situações de trabalho “análogo à escravidão”, ao permitir formas de contratação mais flexíveis, sem todos os direitos da contratação tradicional pela CLT. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

A esquerda caracterizada pelo movimento sindical pelego, bolorento, defende uma legislação de 1943 que é oriunda de um governo que eles consideram hoje como tudo que eles são contra, que é o fascismo. Quando Getulio Vargas fez a CLT, espelhando-se na Carta Del Lavoro de Benito Mussolini, estabeleceu-se uma relação promíscua entre os sindicatos e o Estado. Até hoje é o Ministério do Trabalho que dá a carta sindical monopolista, em que um único sindicato tem a prerrogativa de açambarcar todos os trabalhadores daquele segmento específico e naquela região geográfica. Isso é uma nódoa no movimento sindical, uma distorção com a qual os sindicalistas parecem se sentir confortáveis, mas que retira representatividade e credibilidade do movimento sindical. Essa turma que se diz contra o fascismo deveria estudar mais, porque eles são um produto do fascismo e se perpetuam por causa disso, dessa relação espúria entre o Estado e os sindicatos. Por isso surgiu aquela expressão pelego. É o sindicalista que é utilizado politicamente pelo governo de ocasião para fazer política partidária. É uma hipocrisia violenta.

Eles falam de “precarização” do trabalho com a reforma trabalhista, mas não explicam o que isso significa. É apenas uma palavra de ordem. Quando você repete uma palavra de ordem até a exaustão, seu objetivo é só calar o adversário, sem explicar o que está falando. É uma tática velha, ultrapassada e sobretudo autoritária. Precarização? Ora, o mundo mudou. O mundo hoje é o mundo virtual, o mundo da inteligência artificial, o mundo dos aplicativos. É um mundo em que as velhas profissões estão perdendo espaço. Eles querem usar uma espécie de camisa de força que não leva em consideração essas mudanças nas relações de trabalho. O que falta a eles é ousadia, criatividade. Eles não conseguem deixar para trás esse modelo ultrapassado que, na verdade, perpetua velhas práticas, cheias de distorções, de clientelismo e de corrupção. Os jornais, as mídias, estão recheados de casos de corrupção, de direcionamento dos recursos que são auferidos com base nessa legislação ultrapassada, que foi mudada em 2017 e que agora eles querem reverter. O que a gente tem que discutir é o monopólio sindical ou o que a gente chama de unicidade sindical. O Brasil tem essa excrescência, que é o monopólio estabelecido em 1943, com um viés fascista.

Imaginar que a CLT vai açambarcar as mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo ou é ingenuidade ou tem um viés totalitário e atrasado que deve ser combatido e denunciado

Muita gente da esquerda, sindicalistas e partidos como o PT e outros defendem a revogação da reforma. O próprio ministro Luiz Marinho já deu declarações neste sentido, embora hoje negue a intenção de promover um ‘revogaço’ na reforma. Como o sr. vê a ideia de revogar a reforma trabalhista e de só poder contratar gente no Brasil pela CLT?

Isso é um atraso, um contrassenso, uma visão completamente equivocada do que é o Brasil, do que é a economia e do que é o mundo. O mundo mudou e eles permaneceram no mesmo lugar. Claro que para eles é conveniente, confortável, estar dentro das velhas estruturas suportadas e financiadas pelo suor do trabalhador brasileiro. Mas o fato inequívoco é que a velocidade da mudança hoje é geométrica. Imaginar que a CLT vai englobar o conjunto, a diversidade, as mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo ou é ingenuidade ou tem um viés totalitário e atrasado, que deve ser combatido e denunciado. É evidente que o ministro Marinho pense dessa forma, porque ele representa tudo isso. Ele é um produto do sindicalismo do ABC paulista, berço do PT, que incorporou tudo que você possa imaginar de atraso do ponto de vista da organização sindical no País. Agora, o próprio Parlamento e a população não vão permitir esse retrocesso. Não temos nenhuma dúvida de que o sentimento do Congresso Nacional e da população brasileira é de que o que foi feito tem de ser não apenas preservado, mas aprofundado. Eu vejo uma narrativa absolutamente canhestra, tacanha, bisonha de que a precarização se traduz em terceirização e a terceirização em trabalho análogo à escravidão. É uma retórica vazia, feita sob encomenda para um grupo específico, ideológico, da sociedade que desconhece a realidade objetiva.

A própria reforma trabalhista determina que nenhuma empresa pode contratar um trabalhador terceirizado que não esteja ombreado em termos de direitos com os demais trabalhadores que ela tem. Ele tem de usar o mesmo refeitório, ter o mesmo fardamento e o mesmo sistema de saúde. São situações que não existiam antes, quando havia, aí sim, uma completa ausência de legislação a respeito do tema, pelo preconceito que foi instituído em relação à terceirização no País. Note que nós estamos falando de mais de 20 milhões de trabalhadores terceirizados. Isso não é uma nota de rodapé.

Em meados de novembro, o ministro Marinho editou uma portaria determinando que o trabalho aos domingos e feriados no comércio teria de obter aval dos sindicatos, sem realizar qualquer debate prévio com os empresários do setor. Como houve uma forte reação das empresas e o Congresso estava se organizando para derrubar a portaria, o governo acabou adiando a medida para março, mas não cancelou a sua adoção. Como o sr. avalia isso?

Quando a reforma foi votada um item que me parecia consensual entre patrões, empregados e governo, era justamente a prevalência do negociado sobre o legislado. O que está ocorrendo agora é uma inversão desse papel, porque a portaria anterior, de 2021, que foi objeto de uma consulta pública, com a participação de todos os interessados, previa que as contratações de fim de ano permitiriam o trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de acordo ou convenção sindical, levando em conta a CLT. O que o ministro fez foi uma decisão atabalhoada, unilateral, que certamente iria prejudicar muito a contratação de trabalhadores eventuais e criaria uma situação em que as convenções que ocorreriam no fim do ano colocariam literalmente uma espada na jugular do empreendedor e dos empregadores, forçando-os a tomar decisões em cima do laço que os prejudicaria no médio e no longo prazos.

Esse recuo do ministro se deveu não apenas à reação do setor empresarial e do Parlamento, mas sobretudo daqueles que o fizeram ver que era um completo absurdo o que ele estava propondo. Além de o ministro não ter chamado para conversar um dos principais interessados na medida, que é quem emprega, aquela portaria iria impactar no número de trabalhadores empregados no fim do ano e geraria uma frustração no mercado de trabalho. O adiamento foi algo que ele fez para tentar ganhar tempo, mas nós temos mais de vinte projetos de decreto legislativo para sustar isso tanto na Câmara quanto no Senado, como tem já três projetos tramitando para regulamentar essa situação que existe até hoje. Considerando a CLT, quem trabalha no domingo deve ter uma folga remunerada durante a semana e quem trabalha no feriado tem de ganhar horas extraordinárias. Então, o trabalho aos domingos e feriados não tem nada contra a CLT. É apenas um acordo feito por ocasião da contratação sem a necessidade da mediação ou da interveniência do sindicato. O que nós esperamos é que até março o ministro caia em si e entenda que essa é mais uma das medidas arbitrárias, desarrazoadas e de retrocesso desse governo, que entende pouco de mercado de trabalho e muito de sindicalismo, de assembleísmo e de empatar o crescimento da economia.

O ministro Marinho também quer porque quer promover a regulação dos aplicativos de entrega e transporte, embora a maioria dos trabalhadores da área, de acordo com as pesquisas, queira continuar a trabalhar como empreendedor, sem vínculo trabalhista, até para ter liberdade de trabalhar para várias empresas. Como o sr, vê essa obstinação do ministro Marinho em regular o trabalho para os aplicativos?

Nós temos um projeto de lei a respeito do tema, que foi encaminhado em junho ou julho ao Senado. Basicamente, esse grupo de trabalhadores precisa de dois mecanismos: um suporte na questão previdenciária e um seguro da atividade laboral que eles exercem, para ter cobertura caso ocorra um acidente de trabalho, cujo custo deve ser compartilhado com entre quem emprega e quem trabalha. Em algum momento, essa massa de trabalhadores vai precisar ser suportada pelo Estado brasileiro. Agora, a CLT é um instrumento que não se adequa a esse tipo de atividade. O ministro Marinho tem uma visão defasada do mercado de trabalho, que mudou complemente desde a época em que ele era dirigente sindical.

Para finalizar, senador, com a retomada das greves e a perspectiva de retrocessos na reforma trabalhista sobre os quais falamos há pouco, alguns analistas têm falado de um novo fortalecimento dos sindicatos e da volta da chamada “República Sindicalista” que predominou no País alguns anos atrás. O sr. concorda com isso? O sr. acredita que a República Sindicalista está de volta?

Acredito que esse é um segmento que sempre foi muito ligado ao Partido dos Trabalhadores. É natural que o presidente Lula busque mecanismos para restabelecer as forças que esse grupo tinha na sociedade brasileira. É curioso que as greves acontecem normalmente em estados e municípios nos quais não há afinidade ideológica entre os sindicatos e os governantes. No meu estado, o Rio Grande do Norte, por exemplo, nós temos problemas seríssimos na educação e na saúde e a gente não vê greve desses segmentos contra o governo do estado, que é do PT, ao contrário do que acontece em São Paulo, com o governador Tarcísio de Freitas. É claro que há um viés político muito evidente nessas greves.

Nós estamos vendo personagens que tiveram e têm grande relevância no movimento sindical ocupando postos-chave neste governo, inclusive sem nenhuma capacidade técnica, como é o caso do presidente da Previ, uma entidade que é responsável pela gestão de R$ 250 bilhões. O cidadão que é presidente da entidade tem como biografia o fato de ter sido dirigente sindical por 15 ou 20 anos. No passado recente, em outros casos de fundos de pensão, nós já tivemos uma história muito triste por parte do PT por malversação e desvio de recursos e maus investimentos, decorrentes de decisões erradas. Mas esse é um governo que tem se caracterizado por repetir velhas fórmulas e o pior é que com as mesmas roupagens. Não está nem se incomodando em dar um verniz novo para elas. É uma política populista, retrógrada, equivocada, de aparelhamento da máquina pública, de aumento de gastos públicos sem contrapartida nem de receita nem de diminuição de despesas. É uma política em que se privilegia afagos a países em que governos têm identidade ideológica parecida, projeto para que o BNDES volte a ser o fiador das políticas internacionais do governo do PT porque grande aspiração do presidente Lula é ser ganhador do prêmio Nobel da paz.

Entrevista por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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