‘A gente está empurrando o problema fiscal com a barriga’, diz ex-diretor do BC


Para o economista Luiz Fernando Figueiredo, o País terá de fazer, “em algum momento”, um ajuste nas contas públicas da ordem de 2% a 2,5% do PIB, embora ele considere que a prática do governo na área seja melhor do que a narrativa de Lula

Por José Fucs
Atualização:
Entrevista comLuiz Fernando FigueiredoEconomista, ex-diretor do Banco Central e presidente do conselho de administração da Jive Investments

O economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Investiments, uma empresa de gestão de recursos, afirma que a prática do governo em relação às contas públicas “é melhor” do que a narrativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a questão.

Nesta entrevista ao Estadão, Figueiredo diz que, com o novo arcabouço fiscal que substituiu o teto de gastos e a busca do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por novas receitas, o governo está mostrando que “não vai fazer um estouro fiscal despudorado”. Está, também, reduzindo o risco de que a dívida pública “cresça de maneira galopante”. Segundo ele, as declarações de Lula, de que tem de haver déficit fiscal para estimular o crescimento da economia, são “só espuma”.

“A gente não está indo para o que é preciso, mas também não está deixando a coisa se deteriorar a ponto de mudar o quadro para um cenário muito ruim”, afirma. “No fim das contas, a gente está empurrando com a barriga uma situação que o País vai ter de enfrentar em algum momento, para tornar o endividamento público sustentável.” Confira a seguir a entrevista completa de Luiz Fernando Figueiredo.

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Figueiredo afirma que, “num concurso internacional de bruxas, o Brasil até que não é a bruxa mais feia” Foto: Werther Santana/Estadão

Como o sr. está vendo a situação fiscal do País?

Nós temos um arcabouço fiscal – como se chamou o novo mecanismo de controle das contas públicas – que é falho. Como ele é baseado no aumento da receita, não serve para muita coisa se a receita esperada não vier, que é bem o que está acontecendo. A receita, como o próprio ministro (Fernando) Haddad admite, está frustrando as expectativas. Na verdade, o que o arcabouço está nos mostrando é que nós temos um governo que não vai fazer um estouro fiscal despudorado. Não vai cortar gastos ou dificilmente cortará gastos, mas também não vai explodir a situação fiscal do País. O arcabouço está tirando esse risco de a gente ter um endividamento galopante.

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Agora, essa percepção representa uma mudança grande em relação à que havia no começo do governo Lula. O que explica isso?

No início do ano, com as falas do (presidente) Lula sobre o assunto, todo mundo ficou com bastante medo de que haveria um crescimento acelerado da dívida pública, de que o governo iria mandar pau nos gastos, com aquela visão de que “déficit é vida”. Só que, na prática, a atitude do governo não tem sido nessa direção. É verdade que a busca do equilíbrio fiscal tem sido via receita, mas o Haddad está tentando, dentro de suas possibilidades, não deixar a situação fiscal se deteriorar muito. Ele tem poucas alternativas à mão, porque o governo não lhe dá os instrumentos de que ele precisa para garantir uma gestão fiscal mais eficiente, como a possibilidade de cortar gastos. Ele não pode cortar gastos. Ao menos não pôde cortar até agora e dificilmente vai poder daqui para a frente. Então, ele só pode atuar por meio do aumento de receita. E, hoje, há uma enorme rejeição por aumento de receita na sociedade, dada a carga tributária já elevada do País. Não é o jeito que economicamente faz mais sentido, mas é o jeito que é possível no momento. Com isso, a situação fiscal não irá para a sustentabilidade, mas também não vai se deteriorar a ponto de você ter o que os economistas chamam de “dominância fiscal”, que é o medo de que a dívida pública cresça de maneira despudorada.

Já que a situação não deve se deteriorar muito, estamos ganhando algum tempo até atacar a questão fiscal para valer e torná-la sustentável

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Como esse quadro fiscal é percebido lá fora, pelos investidores estrangeiros?

Uma coisa que ajuda o Brasil – a gente precisa olhar sempre os dois lados – é que o mundo também não está uma beleza do ponto de vista da política fiscal. Olha o que está acontecendo nos Estados Unidos. A dívida pública subiu barbaramente lá e eles continuam gastando. Não tem o menor cheiro de que vão fazer um ajuste fiscal. Na Europa, está ocorrendo a mesma coisa. Ou seja, num concurso internacional de bruxas, o Brasil até que não é a bruxa mais feia. No fim, em termos qualitativos, o que nós temos é o seguinte: já que a situação não deve se deteriorar muito, estamos ganhando algum tempo até atacar a questão fiscal para valer e torná-la sustentável.

Como o sr. avalia a perspectiva de o governo não conseguir cumprir a meta de déficit zero em 2024?

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De acordo com as previsões do mercado, o déficit deve ficar entre 0,5% e 1% do PIB em 2024. Só que nós precisamos de um superávit de 1,5% a 2% do PIB para estabilizar a dívida pública. Isso quer dizer que, em algum momento, nós vamos precisar fazer um ajuste de 2% a 2,5% do PIB. Pode ser um ajuste gradual, como o governo está dizendo que vai fazer. O problema é que ele já não está conseguindo entregar muito em função de a receita estar vindo bem abaixo do que se esperava. Para lhe dar uma ideia, se o governo aprovar todas as medidas arrecadatórias, ele espera uma arrecadação adicional de R$ 235 bilhões, mas na nossa conta o impacto será de R$ 51 bilhões. Ele vai ter algumas vitórias, mas, mesmo tendo as vitórias, a arrecadação ficará bem aquém da que o governo espera.

Em 2023, o Haddad começou falando que haveria um déficit de 0,5% do PIB, que depois passou para 1% do PIB. No fim do ano, já se falava em um déficit de quase 2% do PIB. Também já começaram a surgir questionamentos sobre o uso da chamada “contabilidade criativa”, para maquiar os resultados das contas públicas. Como o sr. vê essa questão?

Isso é uma coisa muito transparente. Nós estamos vendo. Não estamos deixando de ver a contabilidade criativa. Dito isso, quando o governo exclui uma despesa que era considerada no resultado primário, a gente pode interpretar que ele está querendo cumprir a meta na carteirada. Em 2024, o governo fala em déficit zero. O mercado espera R$ 90 bilhões de déficit. Nós esperamos alguma coisa entre R$ 50 e R$ 70 bi. Ou seja, é um resultado pior do que a meta, mas não é um desastre. Por que nós consideramos um desempenho um pouco melhor do que o mercado? Porque a nossa projeção de crescimento da economia é maior. O mercado está projetando um crescimento de 1,5% a 1,8% do PIB para este ano, enquanto nós projetamos de 2,3% a 2,5% do PIB. Isso gera mais receitas, reduzindo o rombo fiscal. A gente também está um pouco mais otimista em relação ao comportamento das receitas. Mesmo levando em conta que as medidas de aumento de arrecadação não vão render tanto quanto o Haddad calcula, ele conseguiu aprovar várias propostas no Congresso que terão um efeito positivo nas receitas.

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Temos de reconhecer que o Haddad está na batalha por mais receita. Isso é o melhor para o País? Não. Mas também não é uma agenda megapopulista, de crescimento desenfreado do endividamento

Quer dizer que, na sua opinião, não dá para dizer ainda que o Lula “dilmou”?

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Sem dúvida. Não é comparável. E acredito que isso não vai mudar. A narrativa é muito ruim, mas o esforço real é melhor do que a narrativa. A gente não está indo para o que é preciso, mas também não está deixando a coisa se deteriorar a ponto de mudar o quadro para um cenário muito ruim. Na verdade, no fim das contas, a gente está empurrando com a barriga uma situação que o País vai ter de enfrentar em algum momento, para tornar o endividamento público sustentável.

Agora, isso não deixa de ser negativo também, certo?

É negativo, mas já está no preço. Os ativos brasileiros deram uma recuperada em 2023. Eles começaram o ano muito mal, porque, se você lembrar, entre o final de 2022 e o início de 2023, as únicas notícias que a gente tinha no mercado eram aquela PEC (Proposta de Emenda Constitucional) maluca de R$ 200 bilhões e as falas do Lula em que ele dizia que não iria fazer nenhum ajuste fiscal. Daí, no início do ano, o que aconteceu? Já em janeiro, eles reduziram a estimativa de déficit fiscal. No fim, o déficit acabou sendo maior que o previsto, mas temos de reconhecer que o Haddad está na batalha por mais receita. Do ponto de vista econômico, é o que seria melhor para o País? Não é. Mas também não é uma agenda megapopulista, de crescimento desenfreado do endividamento. Está mais comedido.

Por que o Brasil está relativamente bem? De novo, o mundo ainda está numa gastança desenfreada. Depois que passou a pandemia, os países não reduziram o déficit como deveriam, até por causa da inflação e também de baixo crescimento. Na política fiscal, está todo mundo com nota muito ruim e o Brasil não está tão feio. Isso é um ponto. Em segundo lugar, o Brasil está crescendo bem mais do que se imaginava. Vamos lembrar de que, no início do ano, a expectativa era de que o País iria crescer o equivalente a 0,5% do PIB em 2023, mas o crescimento ficou em torno de 3% do PIB. É um crescimento concentrado no setor agrícola, mas outras áreas também estão crescendo. O terceiro ponto é que o Haddad está na batalha para trazer mais receita e o Lula tem deixado o ministro seguir nesse caminho, para não o caldo não entornar do ponto de vista fiscal. Essas coisas, somadas, fizeram com que 2023, que teve um início horroroso, melhorasse bem.

Nesse contexto, como o sr. analisa as novas declarações do Lula, de que tem de fazer déficit mesmo para estimular o crescimento da economia? O sr. acredita que isso é só “espuma”?

É, pelo que tem acontecido até agora, dá para dizer que é só “espuma”. Recentemente, o Lula voltou a falar sobre isso, mas eles continuaram na batalha para aumentar as receitas. Então, como eu falei há pouco, a prática tem sido diferente da narrativa, da retórica.

O sr. está dizendo que, mesmo com o déficit fiscal ficando em cerca de 2% do PIB em 2023 e sendo estimado entre 0,5% e 1% do PIB em 2024 pelo pessoal do mercado, a situação não está tão ruim quanto se imaginava?

Exatamente. E tem outras coisas que são importantes de a gente colocar. No início, se você lembrar, o Lula foi muito duro com o Banco Central. E o que aconteceu? Esse conflito acabou. O Lula indicou para a diretoria de Política Monetária o (Gabriel) Galípolo, que está com uma postura cada vez mais de Banco Central. Os novos indicados, o Paulo Picchetti, para a diretoria de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, e o Rodrigo Alves Teixeira, para a diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, também são candidatos que estão na linha correta. O medo que havia nessa questão também acabou não se confirmando.

O sr. acredita então que, após a saída do Roberto Campos Neto da presidência do Banco Central em 2025, pode não haver uma politização da gestão da instituição?

Com as pessoas que estão sendo “contratadas”, como esses dois novos candidatos, o governo não está indo nessa linha da politização. De jeito nenhum. Na minha visão, parece que essa questão já está bem pacificada. O Lula recebeu o Roberto Campos duas vezes. Então, esse lado também está ok. Tem ainda outro ingrediente importante. No lado mais micro, no qual havia uma agenda horrorosa, como a revisão do novo marco do saneamento e da Lei das Estatais, que ainda está pendurada lá no Supremo, o Congresso barrou as mudanças. As contratações na Petrobras, é verdade, não são lá muito ortodoxas. Mas eles queriam acabar com a reforma trabalhista e com a reforma da Previdência. Queriam acabar também com a independência do Banco Central. Aí o Congresso falou “ó, não vem pra cá que não tem” – e barrou tudo isso. E, do lado macro, a coisa está indo melhor do que se esperava. Não é que a gente está indo superbem, mas está indo melhor do que se esperava, neste mundo em que quase todos os países estão sendo irresponsáveis do ponto de vista fiscal. E, do lado micro, que seria a agenda negativa, ela foi, em boa medida, barrada pelo Congresso.

O que eu procuro fazer é não colocar na minha avaliação se gosto ou não do governo. Eu poderia só olhar para o lado negativo, mas seria um erro de análise

Alguns economistas estão bem mais pessimistas em relação ao cenário econômico. O sr. acha que o pessoal do mercado está exagerando?

Você pode ver o copo meio cheio e meio vazio. A verdade é que o Brasil tem performado melhor do que se esperava, apesar de terem acontecido várias coisas negativas, que acabaram sendo menos relevantes do que os aspectos mais positivos. Nós, desde o início de 2023, imaginávamos um crescimento maior. A gente achava que o conflito do Banco Central provavelmente iria ficar ok e que o governo não iria explodir o fiscal, e isso acabou acontecendo. Mas, quando você olha a projeção do mercado, a projeção fiscal, não é tão pior do que a nossa, por exemplo, para 2024. Agora, em geral, o que eu procuro fazer é não colocar na minha avaliação se eu gosto ou não gosto do governo. Todo mundo acaba colocando um viés na sua análise. Eu procuro colocar o menos possível. Eu poderia só olhar para o lado negativo, mas seria um erro de análise. A própria curva dos juros longos “fechou” quase dois pontos percentuais nos últimos meses. Os preços dos ativos nos mostra que o nosso País tem um monte de problemas, sem dúvida, mas, do lado econômico, não está num processo gigante de deterioração.

De qualquer forma, hoje, o piso estimado para os juros com o fim do atual ciclo de baixa, está um pouco mais alto do que estava antes das eleições de 2022.

Eu acho que está, sim, um pouco mais alto do que poderia estar, mas eu não acho que esteja tão mais alto. O mercado projeta hoje, uma Selic (taxa básica) de 9,25% ao ano no fim do ciclo de baixa dos juros. A nossa projeção é 9% ao ano. Poderia ser 8,5%? Poderia. Mas tem outro aspecto que a gente tem de levar em conta, que é o comportamento dos juros nos Estados Unidos, que estão uns seis meses, talvez um ano, atrasados em relação ao Brasil. Aqui, nós começamos a reduzir a taxa de juros em agosto. Os Estados Unidos vão começar a reduzir os juros em maio, no cenário mais benigno. Ou seja, quase um ano depois. Isso atrapalha um pouco o Banco Central a reduzir a taxa básica no Brasil até uns 8,5% ao ano.

Uma última pergunta para a gente concluir: em 2023, as estatais, que haviam voltado a dar lucro, devem fechar de novo, somando tudo, com prejuízo. Isso não é também um indicador que acaba contribuindo para deteriorar um pouco as expectativas?

Sem dúvida. Eu acho que isso já está na conta de todo mundo, mas é um lado muito ruim. Nesse lado mais micro, como eu disse, o Congresso barrou aquilo que dependeu dele. Agora, no que não depende do Congresso, eles realmente não estão indo bem.

Nesse aspecto, eles estão retomando o mesmo modus operandi dos governos Dilma e Lula 2. Isso não mudou.

É, parece que eles não aprendem, né?

O economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Investiments, uma empresa de gestão de recursos, afirma que a prática do governo em relação às contas públicas “é melhor” do que a narrativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a questão.

Nesta entrevista ao Estadão, Figueiredo diz que, com o novo arcabouço fiscal que substituiu o teto de gastos e a busca do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por novas receitas, o governo está mostrando que “não vai fazer um estouro fiscal despudorado”. Está, também, reduzindo o risco de que a dívida pública “cresça de maneira galopante”. Segundo ele, as declarações de Lula, de que tem de haver déficit fiscal para estimular o crescimento da economia, são “só espuma”.

“A gente não está indo para o que é preciso, mas também não está deixando a coisa se deteriorar a ponto de mudar o quadro para um cenário muito ruim”, afirma. “No fim das contas, a gente está empurrando com a barriga uma situação que o País vai ter de enfrentar em algum momento, para tornar o endividamento público sustentável.” Confira a seguir a entrevista completa de Luiz Fernando Figueiredo.

Figueiredo afirma que, “num concurso internacional de bruxas, o Brasil até que não é a bruxa mais feia” Foto: Werther Santana/Estadão

Como o sr. está vendo a situação fiscal do País?

Nós temos um arcabouço fiscal – como se chamou o novo mecanismo de controle das contas públicas – que é falho. Como ele é baseado no aumento da receita, não serve para muita coisa se a receita esperada não vier, que é bem o que está acontecendo. A receita, como o próprio ministro (Fernando) Haddad admite, está frustrando as expectativas. Na verdade, o que o arcabouço está nos mostrando é que nós temos um governo que não vai fazer um estouro fiscal despudorado. Não vai cortar gastos ou dificilmente cortará gastos, mas também não vai explodir a situação fiscal do País. O arcabouço está tirando esse risco de a gente ter um endividamento galopante.

Agora, essa percepção representa uma mudança grande em relação à que havia no começo do governo Lula. O que explica isso?

No início do ano, com as falas do (presidente) Lula sobre o assunto, todo mundo ficou com bastante medo de que haveria um crescimento acelerado da dívida pública, de que o governo iria mandar pau nos gastos, com aquela visão de que “déficit é vida”. Só que, na prática, a atitude do governo não tem sido nessa direção. É verdade que a busca do equilíbrio fiscal tem sido via receita, mas o Haddad está tentando, dentro de suas possibilidades, não deixar a situação fiscal se deteriorar muito. Ele tem poucas alternativas à mão, porque o governo não lhe dá os instrumentos de que ele precisa para garantir uma gestão fiscal mais eficiente, como a possibilidade de cortar gastos. Ele não pode cortar gastos. Ao menos não pôde cortar até agora e dificilmente vai poder daqui para a frente. Então, ele só pode atuar por meio do aumento de receita. E, hoje, há uma enorme rejeição por aumento de receita na sociedade, dada a carga tributária já elevada do País. Não é o jeito que economicamente faz mais sentido, mas é o jeito que é possível no momento. Com isso, a situação fiscal não irá para a sustentabilidade, mas também não vai se deteriorar a ponto de você ter o que os economistas chamam de “dominância fiscal”, que é o medo de que a dívida pública cresça de maneira despudorada.

Já que a situação não deve se deteriorar muito, estamos ganhando algum tempo até atacar a questão fiscal para valer e torná-la sustentável

Como esse quadro fiscal é percebido lá fora, pelos investidores estrangeiros?

Uma coisa que ajuda o Brasil – a gente precisa olhar sempre os dois lados – é que o mundo também não está uma beleza do ponto de vista da política fiscal. Olha o que está acontecendo nos Estados Unidos. A dívida pública subiu barbaramente lá e eles continuam gastando. Não tem o menor cheiro de que vão fazer um ajuste fiscal. Na Europa, está ocorrendo a mesma coisa. Ou seja, num concurso internacional de bruxas, o Brasil até que não é a bruxa mais feia. No fim, em termos qualitativos, o que nós temos é o seguinte: já que a situação não deve se deteriorar muito, estamos ganhando algum tempo até atacar a questão fiscal para valer e torná-la sustentável.

Como o sr. avalia a perspectiva de o governo não conseguir cumprir a meta de déficit zero em 2024?

De acordo com as previsões do mercado, o déficit deve ficar entre 0,5% e 1% do PIB em 2024. Só que nós precisamos de um superávit de 1,5% a 2% do PIB para estabilizar a dívida pública. Isso quer dizer que, em algum momento, nós vamos precisar fazer um ajuste de 2% a 2,5% do PIB. Pode ser um ajuste gradual, como o governo está dizendo que vai fazer. O problema é que ele já não está conseguindo entregar muito em função de a receita estar vindo bem abaixo do que se esperava. Para lhe dar uma ideia, se o governo aprovar todas as medidas arrecadatórias, ele espera uma arrecadação adicional de R$ 235 bilhões, mas na nossa conta o impacto será de R$ 51 bilhões. Ele vai ter algumas vitórias, mas, mesmo tendo as vitórias, a arrecadação ficará bem aquém da que o governo espera.

Em 2023, o Haddad começou falando que haveria um déficit de 0,5% do PIB, que depois passou para 1% do PIB. No fim do ano, já se falava em um déficit de quase 2% do PIB. Também já começaram a surgir questionamentos sobre o uso da chamada “contabilidade criativa”, para maquiar os resultados das contas públicas. Como o sr. vê essa questão?

Isso é uma coisa muito transparente. Nós estamos vendo. Não estamos deixando de ver a contabilidade criativa. Dito isso, quando o governo exclui uma despesa que era considerada no resultado primário, a gente pode interpretar que ele está querendo cumprir a meta na carteirada. Em 2024, o governo fala em déficit zero. O mercado espera R$ 90 bilhões de déficit. Nós esperamos alguma coisa entre R$ 50 e R$ 70 bi. Ou seja, é um resultado pior do que a meta, mas não é um desastre. Por que nós consideramos um desempenho um pouco melhor do que o mercado? Porque a nossa projeção de crescimento da economia é maior. O mercado está projetando um crescimento de 1,5% a 1,8% do PIB para este ano, enquanto nós projetamos de 2,3% a 2,5% do PIB. Isso gera mais receitas, reduzindo o rombo fiscal. A gente também está um pouco mais otimista em relação ao comportamento das receitas. Mesmo levando em conta que as medidas de aumento de arrecadação não vão render tanto quanto o Haddad calcula, ele conseguiu aprovar várias propostas no Congresso que terão um efeito positivo nas receitas.

Temos de reconhecer que o Haddad está na batalha por mais receita. Isso é o melhor para o País? Não. Mas também não é uma agenda megapopulista, de crescimento desenfreado do endividamento

Quer dizer que, na sua opinião, não dá para dizer ainda que o Lula “dilmou”?

Sem dúvida. Não é comparável. E acredito que isso não vai mudar. A narrativa é muito ruim, mas o esforço real é melhor do que a narrativa. A gente não está indo para o que é preciso, mas também não está deixando a coisa se deteriorar a ponto de mudar o quadro para um cenário muito ruim. Na verdade, no fim das contas, a gente está empurrando com a barriga uma situação que o País vai ter de enfrentar em algum momento, para tornar o endividamento público sustentável.

Agora, isso não deixa de ser negativo também, certo?

É negativo, mas já está no preço. Os ativos brasileiros deram uma recuperada em 2023. Eles começaram o ano muito mal, porque, se você lembrar, entre o final de 2022 e o início de 2023, as únicas notícias que a gente tinha no mercado eram aquela PEC (Proposta de Emenda Constitucional) maluca de R$ 200 bilhões e as falas do Lula em que ele dizia que não iria fazer nenhum ajuste fiscal. Daí, no início do ano, o que aconteceu? Já em janeiro, eles reduziram a estimativa de déficit fiscal. No fim, o déficit acabou sendo maior que o previsto, mas temos de reconhecer que o Haddad está na batalha por mais receita. Do ponto de vista econômico, é o que seria melhor para o País? Não é. Mas também não é uma agenda megapopulista, de crescimento desenfreado do endividamento. Está mais comedido.

Por que o Brasil está relativamente bem? De novo, o mundo ainda está numa gastança desenfreada. Depois que passou a pandemia, os países não reduziram o déficit como deveriam, até por causa da inflação e também de baixo crescimento. Na política fiscal, está todo mundo com nota muito ruim e o Brasil não está tão feio. Isso é um ponto. Em segundo lugar, o Brasil está crescendo bem mais do que se imaginava. Vamos lembrar de que, no início do ano, a expectativa era de que o País iria crescer o equivalente a 0,5% do PIB em 2023, mas o crescimento ficou em torno de 3% do PIB. É um crescimento concentrado no setor agrícola, mas outras áreas também estão crescendo. O terceiro ponto é que o Haddad está na batalha para trazer mais receita e o Lula tem deixado o ministro seguir nesse caminho, para não o caldo não entornar do ponto de vista fiscal. Essas coisas, somadas, fizeram com que 2023, que teve um início horroroso, melhorasse bem.

Nesse contexto, como o sr. analisa as novas declarações do Lula, de que tem de fazer déficit mesmo para estimular o crescimento da economia? O sr. acredita que isso é só “espuma”?

É, pelo que tem acontecido até agora, dá para dizer que é só “espuma”. Recentemente, o Lula voltou a falar sobre isso, mas eles continuaram na batalha para aumentar as receitas. Então, como eu falei há pouco, a prática tem sido diferente da narrativa, da retórica.

O sr. está dizendo que, mesmo com o déficit fiscal ficando em cerca de 2% do PIB em 2023 e sendo estimado entre 0,5% e 1% do PIB em 2024 pelo pessoal do mercado, a situação não está tão ruim quanto se imaginava?

Exatamente. E tem outras coisas que são importantes de a gente colocar. No início, se você lembrar, o Lula foi muito duro com o Banco Central. E o que aconteceu? Esse conflito acabou. O Lula indicou para a diretoria de Política Monetária o (Gabriel) Galípolo, que está com uma postura cada vez mais de Banco Central. Os novos indicados, o Paulo Picchetti, para a diretoria de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, e o Rodrigo Alves Teixeira, para a diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, também são candidatos que estão na linha correta. O medo que havia nessa questão também acabou não se confirmando.

O sr. acredita então que, após a saída do Roberto Campos Neto da presidência do Banco Central em 2025, pode não haver uma politização da gestão da instituição?

Com as pessoas que estão sendo “contratadas”, como esses dois novos candidatos, o governo não está indo nessa linha da politização. De jeito nenhum. Na minha visão, parece que essa questão já está bem pacificada. O Lula recebeu o Roberto Campos duas vezes. Então, esse lado também está ok. Tem ainda outro ingrediente importante. No lado mais micro, no qual havia uma agenda horrorosa, como a revisão do novo marco do saneamento e da Lei das Estatais, que ainda está pendurada lá no Supremo, o Congresso barrou as mudanças. As contratações na Petrobras, é verdade, não são lá muito ortodoxas. Mas eles queriam acabar com a reforma trabalhista e com a reforma da Previdência. Queriam acabar também com a independência do Banco Central. Aí o Congresso falou “ó, não vem pra cá que não tem” – e barrou tudo isso. E, do lado macro, a coisa está indo melhor do que se esperava. Não é que a gente está indo superbem, mas está indo melhor do que se esperava, neste mundo em que quase todos os países estão sendo irresponsáveis do ponto de vista fiscal. E, do lado micro, que seria a agenda negativa, ela foi, em boa medida, barrada pelo Congresso.

O que eu procuro fazer é não colocar na minha avaliação se gosto ou não do governo. Eu poderia só olhar para o lado negativo, mas seria um erro de análise

Alguns economistas estão bem mais pessimistas em relação ao cenário econômico. O sr. acha que o pessoal do mercado está exagerando?

Você pode ver o copo meio cheio e meio vazio. A verdade é que o Brasil tem performado melhor do que se esperava, apesar de terem acontecido várias coisas negativas, que acabaram sendo menos relevantes do que os aspectos mais positivos. Nós, desde o início de 2023, imaginávamos um crescimento maior. A gente achava que o conflito do Banco Central provavelmente iria ficar ok e que o governo não iria explodir o fiscal, e isso acabou acontecendo. Mas, quando você olha a projeção do mercado, a projeção fiscal, não é tão pior do que a nossa, por exemplo, para 2024. Agora, em geral, o que eu procuro fazer é não colocar na minha avaliação se eu gosto ou não gosto do governo. Todo mundo acaba colocando um viés na sua análise. Eu procuro colocar o menos possível. Eu poderia só olhar para o lado negativo, mas seria um erro de análise. A própria curva dos juros longos “fechou” quase dois pontos percentuais nos últimos meses. Os preços dos ativos nos mostra que o nosso País tem um monte de problemas, sem dúvida, mas, do lado econômico, não está num processo gigante de deterioração.

De qualquer forma, hoje, o piso estimado para os juros com o fim do atual ciclo de baixa, está um pouco mais alto do que estava antes das eleições de 2022.

Eu acho que está, sim, um pouco mais alto do que poderia estar, mas eu não acho que esteja tão mais alto. O mercado projeta hoje, uma Selic (taxa básica) de 9,25% ao ano no fim do ciclo de baixa dos juros. A nossa projeção é 9% ao ano. Poderia ser 8,5%? Poderia. Mas tem outro aspecto que a gente tem de levar em conta, que é o comportamento dos juros nos Estados Unidos, que estão uns seis meses, talvez um ano, atrasados em relação ao Brasil. Aqui, nós começamos a reduzir a taxa de juros em agosto. Os Estados Unidos vão começar a reduzir os juros em maio, no cenário mais benigno. Ou seja, quase um ano depois. Isso atrapalha um pouco o Banco Central a reduzir a taxa básica no Brasil até uns 8,5% ao ano.

Uma última pergunta para a gente concluir: em 2023, as estatais, que haviam voltado a dar lucro, devem fechar de novo, somando tudo, com prejuízo. Isso não é também um indicador que acaba contribuindo para deteriorar um pouco as expectativas?

Sem dúvida. Eu acho que isso já está na conta de todo mundo, mas é um lado muito ruim. Nesse lado mais micro, como eu disse, o Congresso barrou aquilo que dependeu dele. Agora, no que não depende do Congresso, eles realmente não estão indo bem.

Nesse aspecto, eles estão retomando o mesmo modus operandi dos governos Dilma e Lula 2. Isso não mudou.

É, parece que eles não aprendem, né?

O economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Investiments, uma empresa de gestão de recursos, afirma que a prática do governo em relação às contas públicas “é melhor” do que a narrativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a questão.

Nesta entrevista ao Estadão, Figueiredo diz que, com o novo arcabouço fiscal que substituiu o teto de gastos e a busca do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por novas receitas, o governo está mostrando que “não vai fazer um estouro fiscal despudorado”. Está, também, reduzindo o risco de que a dívida pública “cresça de maneira galopante”. Segundo ele, as declarações de Lula, de que tem de haver déficit fiscal para estimular o crescimento da economia, são “só espuma”.

“A gente não está indo para o que é preciso, mas também não está deixando a coisa se deteriorar a ponto de mudar o quadro para um cenário muito ruim”, afirma. “No fim das contas, a gente está empurrando com a barriga uma situação que o País vai ter de enfrentar em algum momento, para tornar o endividamento público sustentável.” Confira a seguir a entrevista completa de Luiz Fernando Figueiredo.

Figueiredo afirma que, “num concurso internacional de bruxas, o Brasil até que não é a bruxa mais feia” Foto: Werther Santana/Estadão

Como o sr. está vendo a situação fiscal do País?

Nós temos um arcabouço fiscal – como se chamou o novo mecanismo de controle das contas públicas – que é falho. Como ele é baseado no aumento da receita, não serve para muita coisa se a receita esperada não vier, que é bem o que está acontecendo. A receita, como o próprio ministro (Fernando) Haddad admite, está frustrando as expectativas. Na verdade, o que o arcabouço está nos mostrando é que nós temos um governo que não vai fazer um estouro fiscal despudorado. Não vai cortar gastos ou dificilmente cortará gastos, mas também não vai explodir a situação fiscal do País. O arcabouço está tirando esse risco de a gente ter um endividamento galopante.

Agora, essa percepção representa uma mudança grande em relação à que havia no começo do governo Lula. O que explica isso?

No início do ano, com as falas do (presidente) Lula sobre o assunto, todo mundo ficou com bastante medo de que haveria um crescimento acelerado da dívida pública, de que o governo iria mandar pau nos gastos, com aquela visão de que “déficit é vida”. Só que, na prática, a atitude do governo não tem sido nessa direção. É verdade que a busca do equilíbrio fiscal tem sido via receita, mas o Haddad está tentando, dentro de suas possibilidades, não deixar a situação fiscal se deteriorar muito. Ele tem poucas alternativas à mão, porque o governo não lhe dá os instrumentos de que ele precisa para garantir uma gestão fiscal mais eficiente, como a possibilidade de cortar gastos. Ele não pode cortar gastos. Ao menos não pôde cortar até agora e dificilmente vai poder daqui para a frente. Então, ele só pode atuar por meio do aumento de receita. E, hoje, há uma enorme rejeição por aumento de receita na sociedade, dada a carga tributária já elevada do País. Não é o jeito que economicamente faz mais sentido, mas é o jeito que é possível no momento. Com isso, a situação fiscal não irá para a sustentabilidade, mas também não vai se deteriorar a ponto de você ter o que os economistas chamam de “dominância fiscal”, que é o medo de que a dívida pública cresça de maneira despudorada.

Já que a situação não deve se deteriorar muito, estamos ganhando algum tempo até atacar a questão fiscal para valer e torná-la sustentável

Como esse quadro fiscal é percebido lá fora, pelos investidores estrangeiros?

Uma coisa que ajuda o Brasil – a gente precisa olhar sempre os dois lados – é que o mundo também não está uma beleza do ponto de vista da política fiscal. Olha o que está acontecendo nos Estados Unidos. A dívida pública subiu barbaramente lá e eles continuam gastando. Não tem o menor cheiro de que vão fazer um ajuste fiscal. Na Europa, está ocorrendo a mesma coisa. Ou seja, num concurso internacional de bruxas, o Brasil até que não é a bruxa mais feia. No fim, em termos qualitativos, o que nós temos é o seguinte: já que a situação não deve se deteriorar muito, estamos ganhando algum tempo até atacar a questão fiscal para valer e torná-la sustentável.

Como o sr. avalia a perspectiva de o governo não conseguir cumprir a meta de déficit zero em 2024?

De acordo com as previsões do mercado, o déficit deve ficar entre 0,5% e 1% do PIB em 2024. Só que nós precisamos de um superávit de 1,5% a 2% do PIB para estabilizar a dívida pública. Isso quer dizer que, em algum momento, nós vamos precisar fazer um ajuste de 2% a 2,5% do PIB. Pode ser um ajuste gradual, como o governo está dizendo que vai fazer. O problema é que ele já não está conseguindo entregar muito em função de a receita estar vindo bem abaixo do que se esperava. Para lhe dar uma ideia, se o governo aprovar todas as medidas arrecadatórias, ele espera uma arrecadação adicional de R$ 235 bilhões, mas na nossa conta o impacto será de R$ 51 bilhões. Ele vai ter algumas vitórias, mas, mesmo tendo as vitórias, a arrecadação ficará bem aquém da que o governo espera.

Em 2023, o Haddad começou falando que haveria um déficit de 0,5% do PIB, que depois passou para 1% do PIB. No fim do ano, já se falava em um déficit de quase 2% do PIB. Também já começaram a surgir questionamentos sobre o uso da chamada “contabilidade criativa”, para maquiar os resultados das contas públicas. Como o sr. vê essa questão?

Isso é uma coisa muito transparente. Nós estamos vendo. Não estamos deixando de ver a contabilidade criativa. Dito isso, quando o governo exclui uma despesa que era considerada no resultado primário, a gente pode interpretar que ele está querendo cumprir a meta na carteirada. Em 2024, o governo fala em déficit zero. O mercado espera R$ 90 bilhões de déficit. Nós esperamos alguma coisa entre R$ 50 e R$ 70 bi. Ou seja, é um resultado pior do que a meta, mas não é um desastre. Por que nós consideramos um desempenho um pouco melhor do que o mercado? Porque a nossa projeção de crescimento da economia é maior. O mercado está projetando um crescimento de 1,5% a 1,8% do PIB para este ano, enquanto nós projetamos de 2,3% a 2,5% do PIB. Isso gera mais receitas, reduzindo o rombo fiscal. A gente também está um pouco mais otimista em relação ao comportamento das receitas. Mesmo levando em conta que as medidas de aumento de arrecadação não vão render tanto quanto o Haddad calcula, ele conseguiu aprovar várias propostas no Congresso que terão um efeito positivo nas receitas.

Temos de reconhecer que o Haddad está na batalha por mais receita. Isso é o melhor para o País? Não. Mas também não é uma agenda megapopulista, de crescimento desenfreado do endividamento

Quer dizer que, na sua opinião, não dá para dizer ainda que o Lula “dilmou”?

Sem dúvida. Não é comparável. E acredito que isso não vai mudar. A narrativa é muito ruim, mas o esforço real é melhor do que a narrativa. A gente não está indo para o que é preciso, mas também não está deixando a coisa se deteriorar a ponto de mudar o quadro para um cenário muito ruim. Na verdade, no fim das contas, a gente está empurrando com a barriga uma situação que o País vai ter de enfrentar em algum momento, para tornar o endividamento público sustentável.

Agora, isso não deixa de ser negativo também, certo?

É negativo, mas já está no preço. Os ativos brasileiros deram uma recuperada em 2023. Eles começaram o ano muito mal, porque, se você lembrar, entre o final de 2022 e o início de 2023, as únicas notícias que a gente tinha no mercado eram aquela PEC (Proposta de Emenda Constitucional) maluca de R$ 200 bilhões e as falas do Lula em que ele dizia que não iria fazer nenhum ajuste fiscal. Daí, no início do ano, o que aconteceu? Já em janeiro, eles reduziram a estimativa de déficit fiscal. No fim, o déficit acabou sendo maior que o previsto, mas temos de reconhecer que o Haddad está na batalha por mais receita. Do ponto de vista econômico, é o que seria melhor para o País? Não é. Mas também não é uma agenda megapopulista, de crescimento desenfreado do endividamento. Está mais comedido.

Por que o Brasil está relativamente bem? De novo, o mundo ainda está numa gastança desenfreada. Depois que passou a pandemia, os países não reduziram o déficit como deveriam, até por causa da inflação e também de baixo crescimento. Na política fiscal, está todo mundo com nota muito ruim e o Brasil não está tão feio. Isso é um ponto. Em segundo lugar, o Brasil está crescendo bem mais do que se imaginava. Vamos lembrar de que, no início do ano, a expectativa era de que o País iria crescer o equivalente a 0,5% do PIB em 2023, mas o crescimento ficou em torno de 3% do PIB. É um crescimento concentrado no setor agrícola, mas outras áreas também estão crescendo. O terceiro ponto é que o Haddad está na batalha para trazer mais receita e o Lula tem deixado o ministro seguir nesse caminho, para não o caldo não entornar do ponto de vista fiscal. Essas coisas, somadas, fizeram com que 2023, que teve um início horroroso, melhorasse bem.

Nesse contexto, como o sr. analisa as novas declarações do Lula, de que tem de fazer déficit mesmo para estimular o crescimento da economia? O sr. acredita que isso é só “espuma”?

É, pelo que tem acontecido até agora, dá para dizer que é só “espuma”. Recentemente, o Lula voltou a falar sobre isso, mas eles continuaram na batalha para aumentar as receitas. Então, como eu falei há pouco, a prática tem sido diferente da narrativa, da retórica.

O sr. está dizendo que, mesmo com o déficit fiscal ficando em cerca de 2% do PIB em 2023 e sendo estimado entre 0,5% e 1% do PIB em 2024 pelo pessoal do mercado, a situação não está tão ruim quanto se imaginava?

Exatamente. E tem outras coisas que são importantes de a gente colocar. No início, se você lembrar, o Lula foi muito duro com o Banco Central. E o que aconteceu? Esse conflito acabou. O Lula indicou para a diretoria de Política Monetária o (Gabriel) Galípolo, que está com uma postura cada vez mais de Banco Central. Os novos indicados, o Paulo Picchetti, para a diretoria de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, e o Rodrigo Alves Teixeira, para a diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, também são candidatos que estão na linha correta. O medo que havia nessa questão também acabou não se confirmando.

O sr. acredita então que, após a saída do Roberto Campos Neto da presidência do Banco Central em 2025, pode não haver uma politização da gestão da instituição?

Com as pessoas que estão sendo “contratadas”, como esses dois novos candidatos, o governo não está indo nessa linha da politização. De jeito nenhum. Na minha visão, parece que essa questão já está bem pacificada. O Lula recebeu o Roberto Campos duas vezes. Então, esse lado também está ok. Tem ainda outro ingrediente importante. No lado mais micro, no qual havia uma agenda horrorosa, como a revisão do novo marco do saneamento e da Lei das Estatais, que ainda está pendurada lá no Supremo, o Congresso barrou as mudanças. As contratações na Petrobras, é verdade, não são lá muito ortodoxas. Mas eles queriam acabar com a reforma trabalhista e com a reforma da Previdência. Queriam acabar também com a independência do Banco Central. Aí o Congresso falou “ó, não vem pra cá que não tem” – e barrou tudo isso. E, do lado macro, a coisa está indo melhor do que se esperava. Não é que a gente está indo superbem, mas está indo melhor do que se esperava, neste mundo em que quase todos os países estão sendo irresponsáveis do ponto de vista fiscal. E, do lado micro, que seria a agenda negativa, ela foi, em boa medida, barrada pelo Congresso.

O que eu procuro fazer é não colocar na minha avaliação se gosto ou não do governo. Eu poderia só olhar para o lado negativo, mas seria um erro de análise

Alguns economistas estão bem mais pessimistas em relação ao cenário econômico. O sr. acha que o pessoal do mercado está exagerando?

Você pode ver o copo meio cheio e meio vazio. A verdade é que o Brasil tem performado melhor do que se esperava, apesar de terem acontecido várias coisas negativas, que acabaram sendo menos relevantes do que os aspectos mais positivos. Nós, desde o início de 2023, imaginávamos um crescimento maior. A gente achava que o conflito do Banco Central provavelmente iria ficar ok e que o governo não iria explodir o fiscal, e isso acabou acontecendo. Mas, quando você olha a projeção do mercado, a projeção fiscal, não é tão pior do que a nossa, por exemplo, para 2024. Agora, em geral, o que eu procuro fazer é não colocar na minha avaliação se eu gosto ou não gosto do governo. Todo mundo acaba colocando um viés na sua análise. Eu procuro colocar o menos possível. Eu poderia só olhar para o lado negativo, mas seria um erro de análise. A própria curva dos juros longos “fechou” quase dois pontos percentuais nos últimos meses. Os preços dos ativos nos mostra que o nosso País tem um monte de problemas, sem dúvida, mas, do lado econômico, não está num processo gigante de deterioração.

De qualquer forma, hoje, o piso estimado para os juros com o fim do atual ciclo de baixa, está um pouco mais alto do que estava antes das eleições de 2022.

Eu acho que está, sim, um pouco mais alto do que poderia estar, mas eu não acho que esteja tão mais alto. O mercado projeta hoje, uma Selic (taxa básica) de 9,25% ao ano no fim do ciclo de baixa dos juros. A nossa projeção é 9% ao ano. Poderia ser 8,5%? Poderia. Mas tem outro aspecto que a gente tem de levar em conta, que é o comportamento dos juros nos Estados Unidos, que estão uns seis meses, talvez um ano, atrasados em relação ao Brasil. Aqui, nós começamos a reduzir a taxa de juros em agosto. Os Estados Unidos vão começar a reduzir os juros em maio, no cenário mais benigno. Ou seja, quase um ano depois. Isso atrapalha um pouco o Banco Central a reduzir a taxa básica no Brasil até uns 8,5% ao ano.

Uma última pergunta para a gente concluir: em 2023, as estatais, que haviam voltado a dar lucro, devem fechar de novo, somando tudo, com prejuízo. Isso não é também um indicador que acaba contribuindo para deteriorar um pouco as expectativas?

Sem dúvida. Eu acho que isso já está na conta de todo mundo, mas é um lado muito ruim. Nesse lado mais micro, como eu disse, o Congresso barrou aquilo que dependeu dele. Agora, no que não depende do Congresso, eles realmente não estão indo bem.

Nesse aspecto, eles estão retomando o mesmo modus operandi dos governos Dilma e Lula 2. Isso não mudou.

É, parece que eles não aprendem, né?

Entrevista por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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