Um passo à frente, dois atrás. Mais uma vez, o que parecia avanço irreversível na construção institucional do País está arriscado a sofrer lamentável involução. É espantoso que, a essa altura dos acontecimentos, tenha ganho força no Planalto um movimento restauracionista determinado a restabelecer no Brasil o monopólio estatal na exploração de petróleo.O Planalto poderia ter dado ao pré-sal o encaminhamento suprapartidário que a seriedade da questão exigia. Mas deixou-se levar pela insensatez. Em vez de usar o desenho da regulamentação do pré-sal para consolidar o já amplo common ground que há tempos vem compartilhando com a oposição, preferiu dar ouvido às vozes que defendiam que o pré-sal fosse usado como plataforma eleitoral, para realçar diferenças num embate político que supostamente seria favorável à candidata oficial.Na segunda-feira, em cerimônia grandiosa, concebida para 3 mil convidados e marcada por um tom nacionalista que parecia desenterrado dos anos 50, foram afinal anunciados os projetos de lei com que o governo pretende dar forma ao novo marco regulatório do pré-sal.O que prevaleceu foi uma proposta desenvolvida ao longo do último ano, entre quatro paredes, por um pequeno grupo interministerial coordenado a quatro mãos pela ministra Dilma Rousseff e pelo ministro Edison Lobão. O governo não conseguiu explicar de forma minimamente convincente por que a exploração do pré-sal não poderia ser acomodada no flexível marco regulatório vigente, baseado no regime de concessão. Mas isso não lhe impediu de preconizar grandes mudanças. Quer introduzir um regime de partilha, que prevê a criação de uma nova empresa pública, a Petrosal, e reserva à Petrobrás, além do monopólio de operação nos campos do pré-sal, uma participação de pelo menos 30% em cada consórcio que vier a explorar tais campos. O que exigiria esforço considerável de capitalização da empresa.A apresentação da proposta deixou transparecer noções um tanto confusas do que é agência regulatória, do que é empresa pública, do que é uma empresa de capital aberto e das linhas divisórias que as separam. O governo parece subestimar as dificuldades regulatórias envolvidas no regime de partilha, tendo em vista as desafiantes e incertas condições de produção que terão de ser enfrentadas no pré-sal. E não oferece justificativas razoáveis para as benesses que quer conceder à Petrobrás com a participação mínima de 30% e o monopólio de operação.A ideia inicial do Planalto era apelar para tramitação em regime de urgência constitucional e tentar aprovar a mudança de legislação requerida no Congresso, a ferro e fogo, em 90 dias ou pouco mais. Mas o governo pode estar prestes a se convencer de que a tentativa de aprovação a toque de caixa, além de ser indefensável, poderá lhe trazer desfecho desfavorável.Seja como for, a partidarização do debate sobre o desenho do marco regulatório do pré-sal já trouxe danos graves com implicações preocupantes. Caso o governo - não importa se mais lenta ou mais rapidamente - acabe apelando para o rolo compressor e consiga impor a mudança de regulação à oposição, não será surpreendente se a oposição transformar a revisão da regulação do pré-sal num ponto programático importante a ser implementado quando reconquistar a Presidência. Por outro lado, caso o governo não consiga aprovar as mudanças que preconiza, é bem provável que não abandone a ideia e espere momento mais favorável no futuro para nova investida. O que se constata, portanto, é que tanto num caso como noutro o risco de mudanças radicais no marco regulatório do pré-sal, ao sabor das alternâncias de governo, poderá permanecer muito alto. O que poderá dificultar em muito o gigantesco esforço de investimento que se faz necessário para a exploração do pré-sal.Tendo em vista a complexidade e a seriedade da questão, teria sido muito melhor se o governo tivesse conduzido a parte técnica do debate em plano suprapartidário, com isenção e objetividade, evitando ideias preconcebidas, imposições e fatos consumados. É sempre mais fácil construir apoio amplo em torno de soluções técnicas bem formuladas e respeitáveis. Tivesse sido essa a atitude, não lhe teria sido difícil angariar o apoio da parte mais séria da oposição. Mas tudo indica que essa oportunidade foi perdida. *Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
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