O acordo para a compra do Credit Suisse pelo UBS trouxe algum alívio no mercado financeiro nesta segunda-feira, 20, mas foi incapaz de eliminar por completo as preocupações com a saúde do sistema bancário global. Na Europa e nos Estados Unidos, os principais índices acionários fecharam em alta, mas, na Ásia, houve queda. No Brasil, o Ibovespa recuou 1,04%. Em Zurique, a ação do Credit caiu 55,74% e a do UBS subiu 1,26%
Anunciado no domingo, 19, o negócio de US$ 3,25 bilhões encampado pelo UBS marcou apenas mais um capítulo do abalo recente no sistema bancário, depois da quebra de dois bancos médios nos EUA - Silicon Valley Bank (SVB) e o Signature Bank - e da crise no First Republic Bank.
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Nesta segunda, parte da alta nas bolsas foi explicada pela perspectiva de que, diante do cenário atual, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) pode acabar não aumentando a taxa de juros na magnitude que se esperava antes da crise. Ainda que os mercados tenham avançado, a tensão em relação ao desdobramento da crise bancária permanece, segundo analistas.
“Parece que o caso do Credit Suisse foi encaminhado, mas ninguém sabe se outras instituições terão problema. Tem uma preocupação com o contexto global”, diz Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.
O economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani, acrescenta que as informações sobre a transação suíça são escassas, o que dificulta uma análise mais consolidada por parte dos agentes do mercado. “Todo mundo está sem muita informação e esperando. Quando o mercado está sem informações, o prêmio de risco aumenta.”
Para Padovani, a sinalização dada pela presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, de que os principais bancos centrais do mundo possam atuar de forma coordenada para conter a crise também deixa os investidores cautelosos. “Isso sugere que as autoridades estão preocupadas. Parece que elas estão vendo algo que nós não estamos.”
Nos Estados Unidos, A maioria dos agentes de mercado já espera, por exemplo, que o Federal Reserve (Fed, BC dos EUA) suba as taxa de juros em 0,25 ponto percentual na reunião desta quarta-feira. Antes da crise se agravar, a aposta majoritária era de alta. Um aperto monetário global menos intenso também
Mercado de títulos
O dia também foi marcado por um outro temor. Na venda do Credit Suisse, os títulos de maior risco, que somavam cerca de US$ 17 bilhões, tiveram de ser eliminados para que a conta pudesse fechar para o UBS, o que catapultou uma nova onda de temor, com reflexos no mercado global de títulos de dívida (os chamados bonds). A principal preocupação de investidores é de que eles podem estar expostos a um risco maior do que previam em relação aos bancos.
Entre os títulos que os bancos usam para captar recursos e atender exigências regulatórias de capital, um dos mais comuns é AT1 ou ‘Additional Tier 1 Bonds’, um instrumento de dívida subordinada semelhante a um bônus perpétuo, ou seja, sem data de vencimento, sem garantia e não conversível. Nesse instrumento, o banco não paga o valor do principal captado, mas juros aos investidores que compram. Quando o capital de um banco cai abaixo de um determinado nível mínimo, o regulador pode forçar a conversão desses papéis ou simplesmente eliminá-los, o que ocorreu com o Credit Suisse.
Embora haja uma preocupação com o setor bancário, os analistas dizem que o cenário atual é diferente do observado na crise financeira de 2008 e 2009. Nos últimos anos, a regulação ficou mais dura, os bancos centrais parecem agir agora de forma mais rápida do que fizeram no passado e as instituições financeiras na Europa e nos EUA estão menos alavancadas.
Impacto no Brasil
No escritório do Credit em São Paulo, a segunda-feira foi mais de perguntas do que respostas, segundo fontes. “Está sendo um dia bastante agitado, cheio de dúvidas”, disse um executivo, que preferiu não ser citado. Segundo ele, foram várias ligações de clientes ao longo do dia para tentar entender o que estava acontecendo.
No cerne das preocupações, está o risco de demissões na Faria Lima por conta da sobreposição dos negócios com o UBS na área de banco de investimento e a potencial venda de novas partes do negócio. Na semana passada, a gestora Lumina Capital comprou fatia do Credit na gestora Verde Asset, de Luis Stuhlberge.
Os bancos ainda não detalharam como as operações brasileiras serão afetadas com a negociação. Os últimos dados do Banco Central mostram que o Credit Suisse tinha cerca de R$ 42 bilhões em ativos em setembro do ano passado, enquanto o UBS possuía R$ 1,2 bilhão.
No Brasil, as duas instituições têm atividades parecidas, com o foco na gestão de patrimônio de grandes fortunas, em fusões e aquisições e na emissão de dívidas de companhias e ações. “São negócios muito parecidos. Nenhum deles se envolveu no varejo quando houve uma onda de estrangeiros”, afirmou Luis Miguel Santacreu, analista de risco da Austin Rating.
Em relatório, os analistas do Citi destacaram que o Credit possui uma franquia relevante no Brasil em gestão de patrimônio, “que pode ser alvo de concorrentes”.
De acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em janeiro de 2023, o Credit Suisse Brasil era o terceiro maior player em ativos sob gestão para pessoas físicas com patrimônio elevado (HNW, na sigla em inglês), com R$ 70,3 bilhões, destacou o Citi. Só ficou atrás do Itaú Unibanco (R$ 137,8 bilhões) e do BTG Pactual (R$ 117,4 bilhões).
“Notamos que este ranking não reflete necessariamente a posição geral dos players no negócio HNW, pois não contabiliza contas off-shore e outros veículos de investimento, mas pode dar uma ideia razoável de tamanho relativamente entre os diferentes competidores”, afirmou o Citi.
Os analistas do Citi também apontam que ainda há pouca clareza sobre o futuro da joint venture com o Banco do Brasil. “Com o UBS adquirindo o Credit Suisse, ainda vemos como pendente como isso afetará a joint venture entre UBS e BB no Brasil. O Credit Suisse funcionará com uma operação independente? A JV (joint venture) vai comprar o Credit Suisse Brasil?”, destacaram. / Aline Bronzati, Altamiro Silva Júnior, Isabela Moya, Luciana Dyniewicz e Luiz Guilherme Gerbelli