SUS, setor automotivo, proteção ambiental: veja o que mudou no acordo Mercosul-UE de 2019 para cá


Governo Lula insistiu em mudanças no capítulo relacionado às compras governamentais, para ampliar o rol de situações nas quais o governo poderia preferir empresas nacionais nas compras públicas

Por Beatriz Bulla
Atualização:

O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul já havia sido politicamente concluído uma vez, em 2019, mas nunca foi assinado. O tratado foi renegociado nos últimos dois anos, entre 2023 e 2024, e o governo Lula quis deixar o seu DNA no texto, alterando o que havia sido fechado pelo governo Bolsonaro. Nesta sexta-feira, 6, ao anunciar a conclusão do acordo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o tratado de 2019 tinha condições “inaceitáveis”.

“O acordo que finalizamos hoje é bem diferente do anunciado em 2019. As condições que herdamos eram inaceitáveis. Foi preciso incorporar ao acordo temas de relevância ao Mercosul”, disse. “Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais, o que nos permitirá implementar políticas públicas em áreas como saúde, agricultura familiar, ciência e tecnologia.”

O texto final do acordo ainda não foi divulgado. O Estadão teve acesso, no entanto, a documento elaborado pelo governo brasileiro sobre os principais pontos negociados.

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Em julho do ano passado, Brasília articulou com os demais países do Mercosul para fazer uma contraproposta à União Europeia que alterasse, essencialmente, o capítulo do acordo dedicado às compras governamentais. O governo Lula buscava ampliar o rol de situações nas quais o governo poderia preferir empresas nacionais nas compras públicas, para estimular setores que considera estratégicos. A insistência provocou um racha na Esplanada, com ministérios da ala mais “liberal” críticos à movimentação de Lula.

Além de criticar a negociação concluída em 2019, o governo Lula a minimiza. O documento do governo diz, por exemplo, que em 2019, “permaneciam textos sujeitos a negociação”.

Compras governamentais e SUS

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A questão das compras públicas é a principal mudança trazida no texto de 2024 dentro do que o Itamaraty vem chamando de “pacote de Brasília”, que são dez itens que foram negociados no governo Lula, entre 2023 e 2024.

De acordo com documento do governo brasileiro sobre o acordo, “o Brasil propôs ajustes nos termos que haviam sido tratados no passado, com vistas a preservar o uso do poder de compra do Estado como ferramenta da nova política industrial brasileira”. Ficarão de fora do tratado, por exemplo, as licitações do Sistema Único de Saúde (SUS).

Os lideres dos países do Mercosul e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen Foto: Matilde Campodonico/AP
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A intenção do acordo UE-Mercosul é permitir competitividade de estrangeiros em contratações públicas e limitar aquelas feitas sem licitação. Assim, empresas europeias não poderiam ser discriminadas nos processos de licitação no Brasil, por exemplo, salvo em determinados casos. Essa disposição é alinhada com a lei de licitações de 2021, que prevê que estrangeiros devem poder participar das contratações.

Antes de assinar o acordo de 2019, o Brasil negociou com os europeus situações e áreas em que o governo poderia se isentar dessa obrigação assumida com os europeus e usar as compras governamentais para promover políticas públicas. Estatais, por exemplo, podem ter preferência na contratação pelo governo. Compras de pequenas e médias empresas, para incentivar empreendedorismo social, compras para o setor de defesa e compras que sejam consideradas estratégicas para a área de saúde já estão entre as exceções previstas.

No texto de 2024, segundo o governo brasileiro, houve “exclusão completa das regras do acordo das compras realizadas pelo Sistema Único de Saúde; a preservação da possibilidade de encomendas tecnológicas; a eliminação de restrições temporais ao uso de offsets tecnológicos e comerciais; a manutenção de espaço para políticas de incentivo a micro e pequenas empresas e agricultura familiar; e a preservação de margens de preferências para produtos e serviços nacionais”.

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Críticos da mudança argumentam que as alterações afastam o Brasil de padrões internacionais e, portanto, inviabilizam a entrada do País ao rol de nações que integram a OCDE.

A ponderação feita no governo para renegociar este capítulo era de que era necessário ampliar o espaço para o governo poder usar as compras públicas para induzir uma política nacional de industrialização em setores caros à atual administração, como o da saúde. O principal argumento era de que o cenário mundial mudou desde 2019, quando o texto foi fechado, para cá. Pandemia e guerra na Ucrânia fizeram os países repensarem suas cadeias de produção para torná-las mais próximas e menos dependentes de China e Índia, por exemplo, no tema da saúde.

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Área ambiental

Do lado europeu, a negociação se concentrou na seção sobre proteção ambiental. Em março do ano passado, logo após a posse de Lula, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. Agricultores europeus se queixam dizendo que a produção agrícola no Mercosul não está submetida aos mesmos padrões e exigências europeus nas questões ambientais, sanitárias e sociais.

Há agora um novo anexo ao capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável. De acordo com o material divulgado até o momento pelo governo brasileiro, os dois lados “acordaram uma série de compromissos de proteção ao meio ambiente e de promoção do trabalho decente”. Há também uma seção dedicada à promoção de cadeias de valor sustentáveis para a transição energética.

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O documento divulgado pelo governo brasileiro não indica, no entanto, quais concessões foram feitas aos europeus na área ambiental.

O governo diz que o novo anexo conta com “compromissos para evitar que o argumento ambiental sirva para justificar barreiras desnecessárias ao comércio”.

Indústria automotiva

No caso do setor automotivo, a renegociação prevê agora um período mais longo para chegar à eliminação de tarifas no caso dos carros elétricos e veículos com novas tecnologias. O cronograma do acordo de 2019 previa que as tarifas ao setor seriam eliminadas dentro de 15 anos.

Para eletrificados, agora, a eliminação de tarifas vai levar 18 anos.

Para veículos a hidrogênio o período será de 25 anos, com 6 anos de carência. Para novas tecnologias, 30 anos, com 6 anos de carência.

Há ainda uma “salvaguarda” para preservar investimentos no setor automotivo. Pela negociação, o Brasil pode “suspender o cronograma de desgravação de tarifas de todo o setor ou retomar a alíquota aplicável às demais origens (hoje, de 35%) por um período de 3 anos, renovável por mais 2 anos, sem necessidade de oferecer compensação à União Europeia” se houver aumento de importações europeias que cause dane à indústria.

“A avaliação levará em conta parâmetros como o nível de emprego, volumes de venda e produção, capacidade instalada e grau de ocupação da capacidade do setor automotivo. Esta salvaguarda de investimentos automotivos é mais facilmente acionável do que a salvaguarda geral prevista no Acordo”, diz o governo brasileiro.

Proteção contra medidas unilaterais

O acordo também incluiu um “mecanismo de reequilíbrio de concessões”, com intuito de evitar que medidas unilaterais comprometam concessões comerciais negociadas.

Depois da negociação do acordo de 2019, a UE aprovou a Lei Antidesmatamento, que proíbe importação de produtos de áreas desmatadas após 2020.

“Estabeleceu-se que uma arbitragem definirá se houve esvaziamento dos compromissos assumidos e em que montante, independentemente de ter havido violação ou não do Acordo. Se for o caso, a parte que restringiu o comércio deve oferecer compensações comerciais (abertura de mercado) ao outro lado. Se não houver acordo quanto à compensação, há direito a “retaliação” (suspensão de benefícios previstos no Acordo), no montante definido em arbitragem, com vistas a restabelecer o equilíbrio do Acordo”, diz o documento do Itamaraty.

“Com isso, o Acordo oferece satisfação a nossos exportadores caso medidas internas da UE comprometam o uso efetivo de vantagens obtidas no Acordo”, continua o texto do governo.

O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul já havia sido politicamente concluído uma vez, em 2019, mas nunca foi assinado. O tratado foi renegociado nos últimos dois anos, entre 2023 e 2024, e o governo Lula quis deixar o seu DNA no texto, alterando o que havia sido fechado pelo governo Bolsonaro. Nesta sexta-feira, 6, ao anunciar a conclusão do acordo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o tratado de 2019 tinha condições “inaceitáveis”.

“O acordo que finalizamos hoje é bem diferente do anunciado em 2019. As condições que herdamos eram inaceitáveis. Foi preciso incorporar ao acordo temas de relevância ao Mercosul”, disse. “Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais, o que nos permitirá implementar políticas públicas em áreas como saúde, agricultura familiar, ciência e tecnologia.”

O texto final do acordo ainda não foi divulgado. O Estadão teve acesso, no entanto, a documento elaborado pelo governo brasileiro sobre os principais pontos negociados.

Em julho do ano passado, Brasília articulou com os demais países do Mercosul para fazer uma contraproposta à União Europeia que alterasse, essencialmente, o capítulo do acordo dedicado às compras governamentais. O governo Lula buscava ampliar o rol de situações nas quais o governo poderia preferir empresas nacionais nas compras públicas, para estimular setores que considera estratégicos. A insistência provocou um racha na Esplanada, com ministérios da ala mais “liberal” críticos à movimentação de Lula.

Além de criticar a negociação concluída em 2019, o governo Lula a minimiza. O documento do governo diz, por exemplo, que em 2019, “permaneciam textos sujeitos a negociação”.

Compras governamentais e SUS

A questão das compras públicas é a principal mudança trazida no texto de 2024 dentro do que o Itamaraty vem chamando de “pacote de Brasília”, que são dez itens que foram negociados no governo Lula, entre 2023 e 2024.

De acordo com documento do governo brasileiro sobre o acordo, “o Brasil propôs ajustes nos termos que haviam sido tratados no passado, com vistas a preservar o uso do poder de compra do Estado como ferramenta da nova política industrial brasileira”. Ficarão de fora do tratado, por exemplo, as licitações do Sistema Único de Saúde (SUS).

Os lideres dos países do Mercosul e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen Foto: Matilde Campodonico/AP

A intenção do acordo UE-Mercosul é permitir competitividade de estrangeiros em contratações públicas e limitar aquelas feitas sem licitação. Assim, empresas europeias não poderiam ser discriminadas nos processos de licitação no Brasil, por exemplo, salvo em determinados casos. Essa disposição é alinhada com a lei de licitações de 2021, que prevê que estrangeiros devem poder participar das contratações.

Antes de assinar o acordo de 2019, o Brasil negociou com os europeus situações e áreas em que o governo poderia se isentar dessa obrigação assumida com os europeus e usar as compras governamentais para promover políticas públicas. Estatais, por exemplo, podem ter preferência na contratação pelo governo. Compras de pequenas e médias empresas, para incentivar empreendedorismo social, compras para o setor de defesa e compras que sejam consideradas estratégicas para a área de saúde já estão entre as exceções previstas.

No texto de 2024, segundo o governo brasileiro, houve “exclusão completa das regras do acordo das compras realizadas pelo Sistema Único de Saúde; a preservação da possibilidade de encomendas tecnológicas; a eliminação de restrições temporais ao uso de offsets tecnológicos e comerciais; a manutenção de espaço para políticas de incentivo a micro e pequenas empresas e agricultura familiar; e a preservação de margens de preferências para produtos e serviços nacionais”.

Críticos da mudança argumentam que as alterações afastam o Brasil de padrões internacionais e, portanto, inviabilizam a entrada do País ao rol de nações que integram a OCDE.

A ponderação feita no governo para renegociar este capítulo era de que era necessário ampliar o espaço para o governo poder usar as compras públicas para induzir uma política nacional de industrialização em setores caros à atual administração, como o da saúde. O principal argumento era de que o cenário mundial mudou desde 2019, quando o texto foi fechado, para cá. Pandemia e guerra na Ucrânia fizeram os países repensarem suas cadeias de produção para torná-las mais próximas e menos dependentes de China e Índia, por exemplo, no tema da saúde.

Área ambiental

Do lado europeu, a negociação se concentrou na seção sobre proteção ambiental. Em março do ano passado, logo após a posse de Lula, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. Agricultores europeus se queixam dizendo que a produção agrícola no Mercosul não está submetida aos mesmos padrões e exigências europeus nas questões ambientais, sanitárias e sociais.

Há agora um novo anexo ao capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável. De acordo com o material divulgado até o momento pelo governo brasileiro, os dois lados “acordaram uma série de compromissos de proteção ao meio ambiente e de promoção do trabalho decente”. Há também uma seção dedicada à promoção de cadeias de valor sustentáveis para a transição energética.

O documento divulgado pelo governo brasileiro não indica, no entanto, quais concessões foram feitas aos europeus na área ambiental.

O governo diz que o novo anexo conta com “compromissos para evitar que o argumento ambiental sirva para justificar barreiras desnecessárias ao comércio”.

Indústria automotiva

No caso do setor automotivo, a renegociação prevê agora um período mais longo para chegar à eliminação de tarifas no caso dos carros elétricos e veículos com novas tecnologias. O cronograma do acordo de 2019 previa que as tarifas ao setor seriam eliminadas dentro de 15 anos.

Para eletrificados, agora, a eliminação de tarifas vai levar 18 anos.

Para veículos a hidrogênio o período será de 25 anos, com 6 anos de carência. Para novas tecnologias, 30 anos, com 6 anos de carência.

Há ainda uma “salvaguarda” para preservar investimentos no setor automotivo. Pela negociação, o Brasil pode “suspender o cronograma de desgravação de tarifas de todo o setor ou retomar a alíquota aplicável às demais origens (hoje, de 35%) por um período de 3 anos, renovável por mais 2 anos, sem necessidade de oferecer compensação à União Europeia” se houver aumento de importações europeias que cause dane à indústria.

“A avaliação levará em conta parâmetros como o nível de emprego, volumes de venda e produção, capacidade instalada e grau de ocupação da capacidade do setor automotivo. Esta salvaguarda de investimentos automotivos é mais facilmente acionável do que a salvaguarda geral prevista no Acordo”, diz o governo brasileiro.

Proteção contra medidas unilaterais

O acordo também incluiu um “mecanismo de reequilíbrio de concessões”, com intuito de evitar que medidas unilaterais comprometam concessões comerciais negociadas.

Depois da negociação do acordo de 2019, a UE aprovou a Lei Antidesmatamento, que proíbe importação de produtos de áreas desmatadas após 2020.

“Estabeleceu-se que uma arbitragem definirá se houve esvaziamento dos compromissos assumidos e em que montante, independentemente de ter havido violação ou não do Acordo. Se for o caso, a parte que restringiu o comércio deve oferecer compensações comerciais (abertura de mercado) ao outro lado. Se não houver acordo quanto à compensação, há direito a “retaliação” (suspensão de benefícios previstos no Acordo), no montante definido em arbitragem, com vistas a restabelecer o equilíbrio do Acordo”, diz o documento do Itamaraty.

“Com isso, o Acordo oferece satisfação a nossos exportadores caso medidas internas da UE comprometam o uso efetivo de vantagens obtidas no Acordo”, continua o texto do governo.

O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul já havia sido politicamente concluído uma vez, em 2019, mas nunca foi assinado. O tratado foi renegociado nos últimos dois anos, entre 2023 e 2024, e o governo Lula quis deixar o seu DNA no texto, alterando o que havia sido fechado pelo governo Bolsonaro. Nesta sexta-feira, 6, ao anunciar a conclusão do acordo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o tratado de 2019 tinha condições “inaceitáveis”.

“O acordo que finalizamos hoje é bem diferente do anunciado em 2019. As condições que herdamos eram inaceitáveis. Foi preciso incorporar ao acordo temas de relevância ao Mercosul”, disse. “Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais, o que nos permitirá implementar políticas públicas em áreas como saúde, agricultura familiar, ciência e tecnologia.”

O texto final do acordo ainda não foi divulgado. O Estadão teve acesso, no entanto, a documento elaborado pelo governo brasileiro sobre os principais pontos negociados.

Em julho do ano passado, Brasília articulou com os demais países do Mercosul para fazer uma contraproposta à União Europeia que alterasse, essencialmente, o capítulo do acordo dedicado às compras governamentais. O governo Lula buscava ampliar o rol de situações nas quais o governo poderia preferir empresas nacionais nas compras públicas, para estimular setores que considera estratégicos. A insistência provocou um racha na Esplanada, com ministérios da ala mais “liberal” críticos à movimentação de Lula.

Além de criticar a negociação concluída em 2019, o governo Lula a minimiza. O documento do governo diz, por exemplo, que em 2019, “permaneciam textos sujeitos a negociação”.

Compras governamentais e SUS

A questão das compras públicas é a principal mudança trazida no texto de 2024 dentro do que o Itamaraty vem chamando de “pacote de Brasília”, que são dez itens que foram negociados no governo Lula, entre 2023 e 2024.

De acordo com documento do governo brasileiro sobre o acordo, “o Brasil propôs ajustes nos termos que haviam sido tratados no passado, com vistas a preservar o uso do poder de compra do Estado como ferramenta da nova política industrial brasileira”. Ficarão de fora do tratado, por exemplo, as licitações do Sistema Único de Saúde (SUS).

Os lideres dos países do Mercosul e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen Foto: Matilde Campodonico/AP

A intenção do acordo UE-Mercosul é permitir competitividade de estrangeiros em contratações públicas e limitar aquelas feitas sem licitação. Assim, empresas europeias não poderiam ser discriminadas nos processos de licitação no Brasil, por exemplo, salvo em determinados casos. Essa disposição é alinhada com a lei de licitações de 2021, que prevê que estrangeiros devem poder participar das contratações.

Antes de assinar o acordo de 2019, o Brasil negociou com os europeus situações e áreas em que o governo poderia se isentar dessa obrigação assumida com os europeus e usar as compras governamentais para promover políticas públicas. Estatais, por exemplo, podem ter preferência na contratação pelo governo. Compras de pequenas e médias empresas, para incentivar empreendedorismo social, compras para o setor de defesa e compras que sejam consideradas estratégicas para a área de saúde já estão entre as exceções previstas.

No texto de 2024, segundo o governo brasileiro, houve “exclusão completa das regras do acordo das compras realizadas pelo Sistema Único de Saúde; a preservação da possibilidade de encomendas tecnológicas; a eliminação de restrições temporais ao uso de offsets tecnológicos e comerciais; a manutenção de espaço para políticas de incentivo a micro e pequenas empresas e agricultura familiar; e a preservação de margens de preferências para produtos e serviços nacionais”.

Críticos da mudança argumentam que as alterações afastam o Brasil de padrões internacionais e, portanto, inviabilizam a entrada do País ao rol de nações que integram a OCDE.

A ponderação feita no governo para renegociar este capítulo era de que era necessário ampliar o espaço para o governo poder usar as compras públicas para induzir uma política nacional de industrialização em setores caros à atual administração, como o da saúde. O principal argumento era de que o cenário mundial mudou desde 2019, quando o texto foi fechado, para cá. Pandemia e guerra na Ucrânia fizeram os países repensarem suas cadeias de produção para torná-las mais próximas e menos dependentes de China e Índia, por exemplo, no tema da saúde.

Área ambiental

Do lado europeu, a negociação se concentrou na seção sobre proteção ambiental. Em março do ano passado, logo após a posse de Lula, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. Agricultores europeus se queixam dizendo que a produção agrícola no Mercosul não está submetida aos mesmos padrões e exigências europeus nas questões ambientais, sanitárias e sociais.

Há agora um novo anexo ao capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável. De acordo com o material divulgado até o momento pelo governo brasileiro, os dois lados “acordaram uma série de compromissos de proteção ao meio ambiente e de promoção do trabalho decente”. Há também uma seção dedicada à promoção de cadeias de valor sustentáveis para a transição energética.

O documento divulgado pelo governo brasileiro não indica, no entanto, quais concessões foram feitas aos europeus na área ambiental.

O governo diz que o novo anexo conta com “compromissos para evitar que o argumento ambiental sirva para justificar barreiras desnecessárias ao comércio”.

Indústria automotiva

No caso do setor automotivo, a renegociação prevê agora um período mais longo para chegar à eliminação de tarifas no caso dos carros elétricos e veículos com novas tecnologias. O cronograma do acordo de 2019 previa que as tarifas ao setor seriam eliminadas dentro de 15 anos.

Para eletrificados, agora, a eliminação de tarifas vai levar 18 anos.

Para veículos a hidrogênio o período será de 25 anos, com 6 anos de carência. Para novas tecnologias, 30 anos, com 6 anos de carência.

Há ainda uma “salvaguarda” para preservar investimentos no setor automotivo. Pela negociação, o Brasil pode “suspender o cronograma de desgravação de tarifas de todo o setor ou retomar a alíquota aplicável às demais origens (hoje, de 35%) por um período de 3 anos, renovável por mais 2 anos, sem necessidade de oferecer compensação à União Europeia” se houver aumento de importações europeias que cause dane à indústria.

“A avaliação levará em conta parâmetros como o nível de emprego, volumes de venda e produção, capacidade instalada e grau de ocupação da capacidade do setor automotivo. Esta salvaguarda de investimentos automotivos é mais facilmente acionável do que a salvaguarda geral prevista no Acordo”, diz o governo brasileiro.

Proteção contra medidas unilaterais

O acordo também incluiu um “mecanismo de reequilíbrio de concessões”, com intuito de evitar que medidas unilaterais comprometam concessões comerciais negociadas.

Depois da negociação do acordo de 2019, a UE aprovou a Lei Antidesmatamento, que proíbe importação de produtos de áreas desmatadas após 2020.

“Estabeleceu-se que uma arbitragem definirá se houve esvaziamento dos compromissos assumidos e em que montante, independentemente de ter havido violação ou não do Acordo. Se for o caso, a parte que restringiu o comércio deve oferecer compensações comerciais (abertura de mercado) ao outro lado. Se não houver acordo quanto à compensação, há direito a “retaliação” (suspensão de benefícios previstos no Acordo), no montante definido em arbitragem, com vistas a restabelecer o equilíbrio do Acordo”, diz o documento do Itamaraty.

“Com isso, o Acordo oferece satisfação a nossos exportadores caso medidas internas da UE comprometam o uso efetivo de vantagens obtidas no Acordo”, continua o texto do governo.

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