A medida hoje mais esperada pela população de baixa renda é a liberação do empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil. É uma “bala de canhão” para turbinar o crédito com a marca do governo Bolsonaro na véspera da eleição. O presidente sancionou ontem a lei que permite a contratação do empréstimo, com desconto automático das prestações mensais.
A medida está sendo disparada no auge da campanha em que o presidente busca reeleição e já garantiu o aumento de R$ 400 para R$ 600 do piso do Auxílio Brasil.
Numa estratégia política planejada antecipadamente, o governo editou em março a MP (com efeito imediato) que permite o consignado para os beneficiários dos programas sociais e amplia a margem de comprometimento da renda, mas não regulamentou até agora.
Aposentados do INSS terão a margem de crédito ampliada de 40% para 45%, mesmo valor aplicado a quem recebe os benefícios BPC e Renda Mensal Vitalícia. Margem é o quanto da folha de pagamento pode ser comprometida com o pagamento do empréstimo. Nesse caso, o desconto também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador. Já para aposentados e pensionistas, o limite do desconto é de 45%.
Uma busca rápida na internet mostra um agito de bancos e financeiras na oferta do consignado. Num dos avisos para os beneficiários do Auxílio Brasil pelas redes sociais, obtido pela coluna, uma financeira mostra que, com margem de 40% de comprometimento da renda (limite da lei aprovada) e prazo de 24 meses para pagar, será possível contratar R$ 2,5 mil de empréstimo. A parcela a ser debitada é de R$ 160.
Em outro, a taxa de juros é de 4,98% ao mês e 85,99% ao ano (o leitor não leu errado, é isso mesmo). O valor que pode ser liberado é de R$ 2.070,46 para quem receber o auxílio de R$ 400. Nesse informe, há a recomendação de fazer logo o cadastro porque as “vagas” são limitadas. É transferência de renda invertida para uma população altamente vulnerável e sem educação financeira.
Agentes da área social relataram à coluna que só se fala isso entre os beneficiários. É uma verdadeira “bomba” de endividamento para pessoas em situação de vulnerabilidade que recebem o Auxílio Brasil e têm dificuldade para colocar comida na mesa.
Especialistas veem a medida com preocupação, pelo potencial de gerar uma “bomba” de endividamento a pessoas em situação de vulnerabilidade. O Instituto de Defesa do Consumidor também se manifestou contra a medida. “São 18 milhões de brasileiros que vão estar expostos ao sistema financeiro, que precisariam ser amparadas em modelos que pudessem resguardá-las de não entrar numa situação exploratória, sujeita a assédio de instituições financeiras e também a fraudes”, diz a coordenadora do Programa de Serviços do Idec, Ione Amorim. “São pessoas com renda insuficiente que acabam tomando crédito para pagar despesas correntes, do dia a dia. Vira uma bola de neve, uma luta inglória.”
Estimativas do próprio governo apontam um potencial de R$ 77 bilhões de novos empréstimos injetados na economia, sem falar da nova linha do Pronampe para os MEIs, micro e pequenas empresas, com previsão de liberação de mais R$ 50 bilhões.
O governo não esgotou todo o arsenal de medidas para ampliar o apoio do eleitorado à sua reeleição. O PIB de 2022 pode até melhorar e garantir mais arrecadação para o governo, mas uma bomba está sendo armada. O governo terá responsabilidade sobre as consequências dessa medida no futuro. É preciso cobrar uma regulamentação que proteja da agiotagem os beneficiários.