A decisão do ministro da Economia, Paulo Guedes, de atrelar uma redução maior do Imposto de Renda das empresas na reforma tributária a um corte expressivo de renúncias de impostos concedidas a grandes empresas de setores específicos deixou o setor empresarial brasileiro tão em polvorosa que a articulação do momento é brecar no Congresso o projeto.
Guedes quer guerra política entre as milhares de empresas brasileiras e uma fração pequena de companhias gigantes, como Ambev, Coca-Cola e petroquímicas, para reduzir mais rápido a queda do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e conseguir passar o seu projeto na Câmara com a volta da tributação de lucros e dividendos distribuídos aos acionistas, que há 25 anos são isentos no Brasil. Uma montanha de dinheiro que pode render, a partir do segundo ano em vigor, cerca de R$ 60 bilhões.
A reação tem sido inversa. A guerra se voltou contra o ministro. As lideranças empresariais se uniram numa articulação para abortar o projeto. Ou seja, pressionar para que a reforma saia de vez da pauta de prioridades do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Sobrou para a reforma administrativa. A narrativa escolhida é de que o Congresso precisa aprovar a reforma administrativa antes da tributária para o governo cortar despesas. Mas esse também está longe de ter um caminho fácil depois dos sucessivos casos de pressões do governo Bolsonaro relatadas por funcionários públicos de diversos órgãos de governo, como a CPI da Covid no Senado tem mostrado.
Assustaram os empresários, nos últimos dias, estudos e simulações feitos por especialistas apontando que a reforma do IR tem potencial de distribuição de renda com a cobrança dos super-ricos que têm renda menos tributada do que a maioria dos assalariados.
Tudo que os empresários do setor produtivo e financeiro não querem é que esse debate ganhe tração e apoio da opinião pública numa espécie de guerra santa de trabalhadores versus super-ricos. Como mostrou reportagem do Estadão, um único brasileiro em 2019 recebeu R$ 1.395.686.333,20 (um bilhão, trezentos e noventa e cinco milhões, seiscentos e oitenta e seis mil, trezentos e trinta e três reais e vinte centavos) livre de imposto. Escrito assim por extenso dá para entender melhor a guerra em jogo que beneficia principalmente um grupo de 20 mil super-ricos que receberam R$ 230 bilhões sem pagar imposto.
Em carta a Lira, os empresários não abrem o jogo totalmente de que pressionam para engavetar o texto. Mas no Congresso essa é a articulação, com argumentos muitas vezes amplificados no vale-tudo das narrativas, inclusive de que o projeto vai gerar o caos e prejudicar a classe média.
De positivo, a guerra tributária trouxe novamente para o debate um tema adormecido, que é o corte dos incentivos fiscais das grandes empresas de bebidas que se aproveitam de créditos obtidos com o xarope concentrado de refrigerantes em operações na Zona Franca de Manaus para pagar menos impostos. São bilhões que o governo deixa de arrecadar.
Um paraíso fiscal dentro do próprio Brasil, como define o economista Antônio Corrêa de Lacerda, que tem estudado o tema e calcula que ilícitos tributários geraram contencioso total de R$ 20 bilhões no Brasil, além de mais US$ 5 bilhões nos Estados Unidos.
Por interesses políticos no Amazonas, o presidente Jair Bolsonaro dobrou o benefício no ano passado, quando a tendência seria uma queda num cenário de restrição fiscal.
Lacerda diz que o que chama a atenção no caso brasileiro e, particularmente no mercado de bebidas frias, é a prática do uso de artifícios da Zona Franca de Manaus para turbinar benefícios e o lucro de poucas e grandes empresas, inclusive por meio de fraudes.
“Não somos nós que estamos falando, é a Receita que já autuou”, diz o economista. Um tema que acaba relacionado à estratégia do ministro para o projeto do IR é a exigência prevista na Constituição de o governo apresentar até setembro um plano de corte das renúncias tributárias de 4,1% para 2% do PIB em oito anos, começando já em 2022.
Tudo junto e misturado é campo minado nessa guerra empresarial com a equipe econômica. Já o presidente Jair Bolsonaro, também nesse assunto, está calado.
*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA