Ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore e Associados

Opinião|A embalagem e o conteúdo


Será que a nova âncora vai produzir os superávits necessários para reduzir a dívida?

Por Affonso Celso Pastore

Finalmente, o governo apresentou as linhas gerais do novo arcabouço fiscal. Reduzido à sua essência, ele fixa uma banda para o crescimento dos gastos em termos reais, porém obedecendo à restrição de não poder exceder 70% do aumento da receita real ocorrida nos 12 meses encerrados em junho do ano anterior. A promessa é de que tal ajuste ocorra sem que haja aumento de alíquotas de impostos existentes. À primeira vista, pode parecer um bom arcabouço, mas será que gera os superávits primários necessários para reduzir a relação dívida/PIB?

Marcos Lisboa e Marcos Mendes puseram mãos à obra, e em artigo publicado no Brazil Journal mostraram que, se a receita crescer no mesmo ritmo da taxa de crescimento do PIB, somente começaremos a ter superávits primários a partir de 2030. Em suas estimativas, a única hipótese na qual os superávits aparecem mais cedo é com um aumento real da receita de 7,8%, em 2024, e de 3% ao ano daí em diante. Admitindo que o PIB potencial cresça a 1,8% ao ano, haverá aumento de carga tributária dos atuais 18% para 21% do PIB, em 2030, e mesmo assim a relação dívida/PIB apenas se estabilizará em 88% do PIB, em 2030.

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Fachada do Ministério da Fazenda, em Brasilia  Foto: Andre Dusek/Estadão

Alex Schwartzman lembrou-me dos resultados obtidos por Alesina, Favero e Giavazzi em uma excelente investigação empírica relativa a programas de austeridade executados em 20 países da OCDE. Programas de austeridade fiscal baseados em aumentos de impostos são profundamente recessivos no curto e no médio prazos, mas os baseados no corte de gastos têm, em média, um efeito nulo sobre o PIB dos países incluídos no estudo. A segunda diferença é que os programas baseados no aumento de impostos levam ao crescimento da relação dívida/PIB, enquanto programas baseados no corte de gastos resultam em reduções significativas.

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Se, como ocorre com a “lei da gravidade”, a teoria econômica válida no Hemisfério Sul for a mesma que é válida nos países da OCDE, tal aumento de impostos deve levar a uma queda no crescimento econômico. Por outro lado, se repetirmos a nossa própria história, o aumento da relação dívida/PIB eleva os prêmios de risco e a taxa real de juros implícita da dívida pública. Com o aumento da distância entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico, serão necessários superávits primários cada vez maiores para, pelo menos, estabilizar a relação dívida/PIB. Não há milagre: para garantir crescimento de gastos, ou aumenta a carga tributária ou a dívida pública.

Quem se dispuser a “comprar” o “pacote” que o governo nos oferece, precisa levar em conta que seu conteúdo pouco tem a ver com a embalagem apregoada.

Finalmente, o governo apresentou as linhas gerais do novo arcabouço fiscal. Reduzido à sua essência, ele fixa uma banda para o crescimento dos gastos em termos reais, porém obedecendo à restrição de não poder exceder 70% do aumento da receita real ocorrida nos 12 meses encerrados em junho do ano anterior. A promessa é de que tal ajuste ocorra sem que haja aumento de alíquotas de impostos existentes. À primeira vista, pode parecer um bom arcabouço, mas será que gera os superávits primários necessários para reduzir a relação dívida/PIB?

Marcos Lisboa e Marcos Mendes puseram mãos à obra, e em artigo publicado no Brazil Journal mostraram que, se a receita crescer no mesmo ritmo da taxa de crescimento do PIB, somente começaremos a ter superávits primários a partir de 2030. Em suas estimativas, a única hipótese na qual os superávits aparecem mais cedo é com um aumento real da receita de 7,8%, em 2024, e de 3% ao ano daí em diante. Admitindo que o PIB potencial cresça a 1,8% ao ano, haverá aumento de carga tributária dos atuais 18% para 21% do PIB, em 2030, e mesmo assim a relação dívida/PIB apenas se estabilizará em 88% do PIB, em 2030.

Fachada do Ministério da Fazenda, em Brasilia  Foto: Andre Dusek/Estadão

Alex Schwartzman lembrou-me dos resultados obtidos por Alesina, Favero e Giavazzi em uma excelente investigação empírica relativa a programas de austeridade executados em 20 países da OCDE. Programas de austeridade fiscal baseados em aumentos de impostos são profundamente recessivos no curto e no médio prazos, mas os baseados no corte de gastos têm, em média, um efeito nulo sobre o PIB dos países incluídos no estudo. A segunda diferença é que os programas baseados no aumento de impostos levam ao crescimento da relação dívida/PIB, enquanto programas baseados no corte de gastos resultam em reduções significativas.

Se, como ocorre com a “lei da gravidade”, a teoria econômica válida no Hemisfério Sul for a mesma que é válida nos países da OCDE, tal aumento de impostos deve levar a uma queda no crescimento econômico. Por outro lado, se repetirmos a nossa própria história, o aumento da relação dívida/PIB eleva os prêmios de risco e a taxa real de juros implícita da dívida pública. Com o aumento da distância entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico, serão necessários superávits primários cada vez maiores para, pelo menos, estabilizar a relação dívida/PIB. Não há milagre: para garantir crescimento de gastos, ou aumenta a carga tributária ou a dívida pública.

Quem se dispuser a “comprar” o “pacote” que o governo nos oferece, precisa levar em conta que seu conteúdo pouco tem a ver com a embalagem apregoada.

Finalmente, o governo apresentou as linhas gerais do novo arcabouço fiscal. Reduzido à sua essência, ele fixa uma banda para o crescimento dos gastos em termos reais, porém obedecendo à restrição de não poder exceder 70% do aumento da receita real ocorrida nos 12 meses encerrados em junho do ano anterior. A promessa é de que tal ajuste ocorra sem que haja aumento de alíquotas de impostos existentes. À primeira vista, pode parecer um bom arcabouço, mas será que gera os superávits primários necessários para reduzir a relação dívida/PIB?

Marcos Lisboa e Marcos Mendes puseram mãos à obra, e em artigo publicado no Brazil Journal mostraram que, se a receita crescer no mesmo ritmo da taxa de crescimento do PIB, somente começaremos a ter superávits primários a partir de 2030. Em suas estimativas, a única hipótese na qual os superávits aparecem mais cedo é com um aumento real da receita de 7,8%, em 2024, e de 3% ao ano daí em diante. Admitindo que o PIB potencial cresça a 1,8% ao ano, haverá aumento de carga tributária dos atuais 18% para 21% do PIB, em 2030, e mesmo assim a relação dívida/PIB apenas se estabilizará em 88% do PIB, em 2030.

Fachada do Ministério da Fazenda, em Brasilia  Foto: Andre Dusek/Estadão

Alex Schwartzman lembrou-me dos resultados obtidos por Alesina, Favero e Giavazzi em uma excelente investigação empírica relativa a programas de austeridade executados em 20 países da OCDE. Programas de austeridade fiscal baseados em aumentos de impostos são profundamente recessivos no curto e no médio prazos, mas os baseados no corte de gastos têm, em média, um efeito nulo sobre o PIB dos países incluídos no estudo. A segunda diferença é que os programas baseados no aumento de impostos levam ao crescimento da relação dívida/PIB, enquanto programas baseados no corte de gastos resultam em reduções significativas.

Se, como ocorre com a “lei da gravidade”, a teoria econômica válida no Hemisfério Sul for a mesma que é válida nos países da OCDE, tal aumento de impostos deve levar a uma queda no crescimento econômico. Por outro lado, se repetirmos a nossa própria história, o aumento da relação dívida/PIB eleva os prêmios de risco e a taxa real de juros implícita da dívida pública. Com o aumento da distância entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico, serão necessários superávits primários cada vez maiores para, pelo menos, estabilizar a relação dívida/PIB. Não há milagre: para garantir crescimento de gastos, ou aumenta a carga tributária ou a dívida pública.

Quem se dispuser a “comprar” o “pacote” que o governo nos oferece, precisa levar em conta que seu conteúdo pouco tem a ver com a embalagem apregoada.

Opinião por Affonso Celso Pastore

Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore e Associados

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