Ao se comprometer com o crescimento dos gastos públicos sem determinar como obterá as receitas para cumprir as metas de resultado primário, o governo corre o risco de gerar um crescimento da relação dívida/PIB superior ao que está implícito na versão na qual seu programa foi apresentado à sociedade. Ou nos oferece as provas convincentes sobre de onde virão as receitas ou não conseguirá evitar aumento ainda maior dos prêmios de risco sobre os títulos da dívida pública.
Por outro lado, como o arcabouço garante o aumento de gastos, caracterizando uma política fiscal expansionista, ainda que não houvesse o aumento do prêmio de risco, há o aumento da taxa livre de risco, que iguala a demanda agregada ao PIB potencial – a taxa neutra de juros. Finalmente, como – salvo algum truque contábil – não conseguirá atingir a meta de resultado primário nulo em 2024, não há como evitar que essas duas forças elevem a taxa de juros da dívida pública, alargando a sua distância em relação ao crescimento do PIB potencial, piorando a dinâmica da dívida.
Uma interpretação benevolente do resultado da última reunião do Copom é de que, devido a um conflito com o Tesouro, em decisão dividida o Banco Central optou por uma redução de 0,5 ponto porcentual, sinalizando que outras não maiores se seguirão até chegar à taxa neutra – quando a inflação será igual à meta e o PIB atual será igual ao PIB potencial. Mas o que ocorrerá se o governo não conseguir os aumentos necessários de receita?
Nesse caso, a “salvação da lavoura” seria aumentar as receitas com a aceleração do crescimento do PIB, o que dependeria de uma taxa de juros abaixo da neutra. Se chegarmos a esse ponto, o precário equilíbrio que semeou a paz entre o BC e o Tesouro corre o risco de ser rompido. Como o mercado busca elevar seus ganhos, e não exercer alguma lealdade aos diretores do BC, é inevitável que direcione suas apostas para as decisões que emanam de quem é politicamente mais forte, o que significa que a curva de juros passará a precificar uma queda maior da Selic.
Alan Blinder, um ex-banqueiro central, que recentemente nos brindou com mais um magnífico livro (A Montary and Fiscal History of the United States), nos ensina que os bancos centrais não devem ter apenas a independência no uso do instrumento, mas devem ser também independentes do mercado. Se diante da contradição acima exposta o BC ceder e acelerar a queda, seguirá “o mercado”, sob aplausos de seus participantes. Mas ao perder a independência – nos dois sentidos acima –, fracassará em sua missão, ferindo sua credibilidade.