CHICAGO - Uma eventual mudança da meta fiscal para 2024, ainda que não leve a um rebaixamento das notas de crédito do Brasil, pode ser um começo com o pé esquerdo para o arcabouço fiscal. O ruído surge muito cedo e joga contra a necessidade de se construir credibilidade em torno das novas regras, de acordo com duas das maiores agências de risco do mundo. Também vai na direção contrária dos esforços essenciais para a recuperação do grau de investimento, sendo a redução da dívida um dos pontos-chave.
Investidores e organismos multilaterais já demonstravam ceticismo quanto à promessa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de zerar o déficit primário do Brasil, ou seja, tirar o País do vermelho, até 2024. O temor aumentou após o presidente Lula condenar a meta fiscal do próximo ano, com a ala política do governo defendendo um déficit de até 0,5% no próximo ano.
Mais do que o número em si, pesam os sinais passados pela gestão petista quanto à possibilidade da mudança da meta fiscal de 2024. “O ‘ruído’ que emergiu da meta fiscal para 2024, incluindo a possibilidade de alterá-la, é um começo desfavorável para o novo arcabouço fiscal do Brasil”, diz o codiretor de ratings soberanos para as Américas da Fitch, Todd Martinez, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
Segundo a vice-presidente da Moody’s para risco soberano, Samar Maziad, a própria agência já previa um déficit primário de 0,5% no próximo ano. Mas, para além do número, pesa a necessidade de se construir a credibilidade do novo arcabouço fiscal.
“É relativamente cedo e já estamos discutindo a revisão das metas. De certa forma, reforça a importância de mostrar compromisso com a trajetória fiscal e com a meta, mesmo que possa haver mudanças mais tarde”, afirma Maziad, ao Estadão/Broadcast.
Uma mudança na meta fiscal não tende a causar um rebaixamento do rating do Brasil. Para que isso acontecesse, a alteração teria de ser drástica, segundo afirmam os porta-vozes de Ficth e Moody’s. Mas, por outro lado, não contribui para a recuperação do grau de investimento, o que ajudaria a atrair um enorme volume de recursos estrangeiros para o País.
“Gostaríamos de ver a relação dívida/PIB estabilizando e eventualmente caindo para pensar em novas melhorias para o rating do Brasil. O desvio do novo arcabouço fiscal moveria essa variável na outra direção”, diz Martinez, da Fitch.
Em julho, a agência elevou o rating do Brasil, de ‘BB-’ para ‘BB’, com perspectiva estável. O movimento permitiu ao País subir um degrau na escala da instituição. No entanto, continua dois níveis distante do grau de investimento, de ao menos ‘BBB-’.
Para Maziad, da Moody’s, o que mais preocupa é o fato de o ministro Haddad ter indicado que as receitas previstas para 2024 podem não ocorrer como o previsto. “A fraqueza do arcabouço é a dependência de receitas e o fato de serem mais silenciosos do lado dos gastos”, diz. “É importante não perder de vista o quadro fiscal geral. A necessidade subjacente de ajuste (nas contas) ainda existe”, reforça.
Sem influência mecânica, mas precipitada
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos, afirmou não haver uma “influência mecânica” entre a meta fiscal e a política monetária. Segundo ele, depende do efeito nas variáveis que a autoridade monetária considera para tomada de decisões como as expectativas para a inflação, o câmbio e a inflação implícita. Alertou, porém, que em um cenário de credibilidade fiscal há maior chances de ancoragem monetária.
“Existe essa contaminação de uma coisa para outra, mas não é mecânica. A gente não tem como dizer ‘olha, se for feito isso, vai acontecer A, B ou C’. Depende de como vai afetar as variáveis que são importantes para o nosso processo de tomada de decisão”, disse Campos Neto, ao responder perguntas da plateia, em evento da MBA Brasil, organizado por estudantes brasileiros em Chicago, nos Estados Unidos, nesta sexta-feira.
Para o ex-ministro da Fazenda e diretor de estratégia econômica e relações com mercados do banco Safra, Joaquim Levy, a mudança da meta agora pode ser precipitada. “Acho que não é o momento. A gente não deve se precipitar em fazer alterações que possam sugerir mudanças de rumo”, afirmou o economista, durante o evento da MBA Brasil.
Segundo ele, o Brasil precisa ter metas claras, o que eleva o espaço para a política monetária agir. “Ainda podemos ter informações relevantes nos próximos meses. Obviamente, alcançar o zero ou estar muito próximo do zero é vantajoso, ajuda nesse trabalho de normalização da economia”, disse Levy, acrescentando que o próprio Ministério da Fazenda indica que não é vantajoso precipitar a mudança da meta fiscal.
Quanto à recuperação de grau de investimento do Brasil, ele, que foi ministro da Fazenda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, cobra maior engajamento da iniciativa privada e do mercado financeiro. “Para o Brasil voltar a ser grau de investimento, todo mundo precisa querer”, concluiu.