BRASÍLIA – No momento em que o Congresso se movimenta para tentar flexibilizar o poder de decisão das agências reguladoras, cargos do segundo e do terceiro escalão destes órgãos têm as portas escancaradas para todo tipo de nomeação para posições de confiança. Ao todo, são pelo menos 1.110 posições à disposição do governo, para serem preenchidas por pessoal sem nenhum vínculo com o serviço público, tampouco especialização concreta nas áreas requeridas. Com uma canetada, a pessoa está empregada, recebendo salários que chegam a R$ 15,7 mil.
O Estadão fez um raio x sobre os “cargos comissionados” das 11 agências federais que, por força de lei, podem ter ocupação livre, ou seja, dependem unicamente da indicação de diretores, sem terem de passar por qualquer técnico ou análise. São posições de direção, chefia ou assessoramento gerencial que dispensam concurso público.
Basta que a pessoa tenha “idoneidade moral e reputação ilibada”, além de “perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou com a função”. Como não há checagem criteriosa sobre esses mínimos requisitos, o que costuma haver, na prática, é o loteamento descarado das funções que, muitas vezes, deveriam ser ocupadas pelo servidor de carreira desses órgãos.
O levantamento dos cargos comissionados aponta que, hoje, há um total de 3,2 mil posições disponíveis nas 11 agências reguladoras. Além das 1.110 funções de “livre nomeação”, há outras 882 que podem ser ocupadas por servidores em geral, ou seja, que atuem em qualquer órgão do serviço público. Sobram 1.197 cargos destinados exclusivamente ao servidor público de carreira das agências.
A conta fica ainda mais desequilibrada, porém, quando se olha a fatia financeira reservada para cada tipo de função, entre os diferentes perfis que têm acesso a essas vagas. Dentro do orçamento geral destinado aos cargos comissionados, as funções que permitem nomeações livres ficam com nada menos que 70% dos recursos totais, enquanto os servidores de carreira ficam com a menor fatia do bolo, apenas 8% do total previsto nas remunerações.
A preocupação com o perfil do pessoal que ocupa cargos de chefia nas agências, além do caminho percorrido por cada pessoa para chegar a essas posições, está diretamente atrelada ao poder de decisão que esses cargos possuem. Muitas vezes, pessoas sem nenhuma ligação com a agência ou conhecimento técnico aprofundado, passa a decidir sobre temas complexos e que envolvem transações bilionárias, em setores como o de telecomunicações, energia e transportes, por exemplo.
Não é por acaso que o Banco Central, por exemplo, proíbe qualquer tipo de nomeação livre de seus cargos, que são 100% voltados ao perfil técnicos de seus servidores de carreira, justamente por cumprirem uma missão de Estado, e não de determinado governo ou atrelado a certa indicação política.
“É preciso proteger as agências reguladoras do fenômeno da captura política ou regulatória que hoje, através destes cargos de livre nomeação, permeiam mais de 70% da cadeia gerencial e operacional nas agências”, diz o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências), Cleber Ferreira.
No Congresso, as agências estão diante de uma nova ameaça de esvaziamento de suas missões de fiscalizar bens e serviços concedidos pela União. Uma proposta pegou carona na Medida Provisória que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou na primeira semana do ano, para organizar reorganizar órgãos e ministérios. O ‘jabuti’, termo usado para se referir a algo que não tem nenhuma relação com o texto original, surgiu das mãos do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que apresentou uma “emenda”, ou seja, um novo dispositivo para a MP.
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O texto propõe retirar das agências a autonomia que hoje possuem para regular e editar atos normativos de cada setor. Pela proposta, seriam criados “conselhos” temáticos, que vinculariam as agências aos ministérios. No setor de energia, por exemplo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) teria que dividir suas normas e regulações com o Ministério de Minas e Energia, ou seja, as decisões que hoje se baseiam em critérios técnicos passariam a incluir um posicionamento político.
Segundo o deputado Danilo Forte, sua proposta tem a intenção de “criar mecanismos que proporcionem o melhor relacionamento e execução de tarefas na administração pública”, ao redistribuir as funções. Uma segunda iniciativa, desta vez uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), também pretende transferir para o governo, através de conselhos, o poder normativo e decisório das agências.
As propostas causaram forte reação de todas as associações de empresas que prestam serviços regulados pelas agências, que enxergaram, na prática, o objetivo de “esvaziar as competências normativas e decisórias dessas entidades”.
Paralelamente, as agências enfrentam, ainda, a falta de renovação de seus quadros profissionais, com risco de simplesmente entrarem em colapso, como mostrou o Estadão. Em média, 32% dos cargos previstos em todas as agências estão vagos, situação que se agravou nos últimos anos com o cancelamento sucessivo de recursos, aposentadoria de servidores e congelamento de salários.
Segundo Ferreira, presidente do Sinagências, a realização de audiências públicas pelo Congresso deverá ampliar o debate sobre o assunto. “Vamos reforçar a importância da manutenção do modelo regulador vigente, com autonomia técnica, visando garantir a blindagem de interferências políticas e de poderosos grupos empresariais nas decisões colegiadas técnicas das agências.”